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Interesse Superior da

Criança
Direito da Família

Ezequiel Sousa Godinho


A20091131
Direito da Família Interesse Superior da Criança

“Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou


privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou
órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da
criança.”

Convenção sobre os Direitos da Criança

Resolução n.º 44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 20 de


Novembro de 1989

Universidade Lusófona – Faculdade de Direito Página 2


Direito da Família Interesse Superior da Criança

Índice

1. Introdução

2. Conceito de Interesse Superior da Criança

3. O ordenamento jurídico internacional e o Interesse Superior da


Criança

4. O ordenamento jurídico português e o Interesse Superior da


Criança

5. Jurisprudência portuguesa

6. “Entende que o ordenamento jurídico português salvaguarda


na sua plenitude a aplicabilidade prática do Superior Interesse
da Criança?”

7. Conclusão

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1. Introdução

O dinamismo permanente das sociedades contemporâneas, exige um esforço


adicional de adequabilidade do ordenamento jurídico às sociedades.

A eficácia do ordenamento jurídico, enquanto instrumento garante da vida e


comunhão em sociedade, só é alcançado mediante uma regulamentação
eficaz, contemporânea e actualista das realidades sociais.

O ordenamento jurídico, por si só, não é garantia bastante da aplicação da lei,


da aplicação de uma lei que se quer justa. Conceitos abstractos, áreas de
regulamentação complexa, obrigam necessariamente os tribunais a
socorrerem-se de perícias técnicas nas mais variadas áreas. Não foge desta
realidade a salvaguarda do Interesse Superior da Criança.

Os meios de comunicação exploram ao máximo situações que envolvem


crianças, exemplo do caso da Casa Pia, o caso Esmeralda, da menina Russa,
enfim, de uma lista infindável de casos cujo mediatismo resulta da necessidade
de “share” dos meios de comunicação. Onde fica o Interesse Superior da
Criança?

Maioria das vezes, o Interesse Superior da Criança é inobservado no seio das


famílias, sendo as crianças utilizadas como “arma de arremesso” nos divórcios,
nas regulações parentais, verdadeiramente instrumentalizadas, e principais
vitimas. Vários são os relatos de perícias técnicas de pedopsiquiatras, com o
fim último de alcançar um bem necessário que permita o equilíbrio da criança.
É altura de perguntar, se não deveriam os pais ou aqueles a quem a guarda foi
confiada, serem também submetidos a perícias técnicas?

Por tudo isto, compete aos tribunais, decidir e garantir o cumprimento de


valores constitucionalmente consagrados, como seja o Interesse Superior da
Criança.

O que é o Interesse Superior da Criança? Onde começa?

2. Conceito de Interesse Superior da Criança

A problemática do Interesse Superior da Criança, reside, ab initio, no conceito,


na sua interpretação e sua concretização, enquanto princípio fundamental na
protecção da criança.

É um conceito jurídico indeterminado, impreciso, vago e abstracto. Não é


possível prever de forma absoluta e definitiva todas as situações que se
pretendem regular. A medida do interesse não é quantificável, não existe uma
gradação de medidas que permitam garantir, que, observados determinados
princípios e asseguradas determinadas condutas o interesse será plenamente
alcançado.

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Os tribunais, na aplicação da Lei, não se devem limitar a declarar o Direito,


devem adequá-lo aos factos concretos, mediante critérios que não se
restrinjam à legalidade estrita, com vista à obtenção de decisões mais justa e
eficazes, obedecendo ao espírito da norma criada pelo legislador.

Tenho a convicção que é impossível garantir a plena satisfação do interesse da


criança. Haverá sempre algo, não diria impossível, mas difícil de alcançar.
Atender á concretização do Interesse Superior da Criança implica considerar
uma série de necessidades e direitos, não isoladamente, mas no seu conjunto.

Necessidades de ordem afectiva, sobretudo no seio da família ou naquilo que


restar dela, necessidades psicológicas, sociais e intelectuais que terão especial
importância na formação da criança como Homem, como membro de uma
sociedade.

Face ao exposto, o Interesse Superior da Criança tem de ser concretizado caso


a caso, e entendido como um conjunto cumulativo de direitos e necessidades:
 Necessidades afectivas e salvaguarda das mesmas
 Necessidades de bem - estar psicológico
 Necessidades sociais
 Necessidades de desenvolvimento intelectual, moral e físico
 Direito de protecção dos interesses do menor
 Direito à liberdade e dignidade

3. O ordenamento jurídico internacional e o Interesse Superior da


Criança

A Convenção sobre os Direitos da Criança, Resolução n.º 44/25 da Assembleia


Geral das Nações Unidas, de 20 de Novembro de 1989, aprovada pela
Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de Setembro e
Ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de
Setembro, tendo entrado em vigor na ordem jurídica portuguesa em 21 de
Outubro de 1990, veio reafirmar a especial protecção das crianças, atendendo
a um conjunto de condições sociais, calamidades naturais, conflitos armados,
exploração e analfabetismo, fome e deficiências, tendo por base os direitos
fundamentais do homem e dignidade da pessoa humana.

No preâmbulo da referida convenção é dada especial relevância, protecção e


assistência à família, enquanto elemento natural e fundamental da sociedade,
na medida em que deve promover o desenvolvimento físico, psíquico e
intelectual da criança.

A Convenção sobre os Direitos da Criança no Artigo 3.º consagra


expressamente o conceito de Interesse Superior da Criança no que respeita a
decisões relativas a crianças, independentemente de quem as tome.

O n.º 3 do Artigo 9.º determina que “os Estados Partes respeitam o direito da
criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente

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relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar


contrário ao interesse superior da criança.”
Este artigo leva-nos desde logo a questionar a forma como alguns pais se
comportam no momento do divórcio, em que as crianças são verdadeiramente
instrumentalizadas, na prossecução egoísta e egocêntrica de interesses
próprios, em que o interesse da criança é relegado para segundo plano, pondo
em causa o desenvolvimento harmonioso e afectivo da criança.

Desde logo se reconhece o direito de liberdade de expressão e discernimento


da criança, dispondo o Artigo 12° que "(...) a criança com capacidade de
discernimento tem o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as
questões que lhe respeitem, devendo ser devidamente tomadas em
consideração as suas opiniões, de acordo com a sua idade e maturidade”. Este
aspecto é fundamental na realização do interesse da criança; saber ouvir e
sobretudo compreender quais as suas opiniões e motivações e de que forma
poderão as mesmas influenciar uma decisão que venha a ser tomada a qual
lhe diga directamente respeito.

4. O ordenamento jurídico português e o Interesse Superior da


Criança

A Constituição da República Portuguesa consagra o Interesse Superior da


Criança, mediante um conjunto de princípios, cujo espírito é a protecção da
criança, dos seus direitos, liberdades e garantias, enquanto indivíduo, membro
de uma estrutura familiar e membro activo de uma sociedade, reservando para
o Estado o papel regulador e garante do cumprimento desses princípios.

Artigo 36.º da CRP – Família, casamento e filiação


N.º 3: “Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade (…)
manutenção e educação dos filhos”, corolário do princípio da igualdade, e que
visa a promoção do desenvolvimento intelectual, moral e físico da criança.

N.º 4: “Os filhos nascidos fora do casamento (…),” clara protecção dos
interesses da criança, não podendo ser alvo de discriminações. Proíbe-se o uso
de expressões discriminatórias, como as de “filho ilegítimo”, “natural”, ou
quaisquer outras que não se limitem a mencionar o puro facto do nascimento
fora do casamento dos progenitores.

Sob o ponto de vista material, também não é permitida qualquer discriminação:


não poderá criar-se para os filhos nascidos fora do casamento um estatuto de
inferioridade em relação aos outros que não decorra de insuperáveis motivos
derivados do próprio facto do nascimento fora do casamento.

A norma constitucional levou, nomeadamente, à revogação das regras de


direito civil que atribuíam melhores direitos sucessórios aos filhos “legítimos”
em relação aos “ilegítimos”, ou que limitavam o reconhecimento de certas
categorias de filhos “ilegítimos”.

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N.º 5: “Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”,
prevendo a relação de poder – dever que incumbe aos pais na prossecução do
desenvolvimento cultural e educação.

N.º 6: “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não
cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante
decisão judicial”, clara salvaguarda das necessidades afectivas da criança.

Artigo 67.º da CRP – Família


N.º 2: “Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família:
Alínea C) Cooperar com os pais na educação dos filhos”, assumindo o Estado
a protecção da família, enquanto elemento fundamental da sociedade, a
promoção de acesso à educação.

Artigo 68.º da CRP – Paternidade e maternidade


Consagra a protecção da paternidade e maternidade enquanto valores sociais,
concedendo aos pais e às mães, sejam ou não unidos pelo matrimónio, um
direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua acção em
relação aos filhos.

Artigo 69.º da CRP – Infância


Atribui às crianças o Direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista
ao seu desenvolvimento integral, e contra todas as formas de opressão e
contra o exercício abusivo da autoridade da família e demais instituições.

Artigo 70.º da CRP – Juventude


Mais uma vez se consagra a protecção do desenvolvimento intelectual e social,
enquanto concretização de um conjunto de direitos.

Também no Código Civil o Interesse Superior da Criança está consagrado


como critério relevante das decisões. O n.º1 do Artigo 1878.º - Conteúdo das
responsabilidades parentais – determina o dever dos pais em promover e zelar
pela segurança, educação e sustento dos filhos.

O Artigo 1905.º - Alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação


judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento
– determina que os alimentos devidos aos filhos e a forma de os prestar terão
que respeitar imperativamente o interesse do menor. Houve aqui um clara
preocupação do legislador, na aplicação do princípio da efectividade dos
direitos fundamentais, constitucionalmente garantidos nos termos do supra
referido n.º 3 do Artigo 36.º da CRP.

O ordenamento jurídico português, enuncia um conjunto de direitos


fundamentais e princípios protectores do interesse da criança:
 Direito da criança de manter contacto directo com ambos os
progenitores;
 Direito de ambos os pais à vida familiar e à educação e vigilância dos
filhos;
 Direito a alimentos;
 Direito à identidade e ao nome;

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 Direito ao desenvolvimento cultura, educacional, físico e intelectual.

5. Jurisprudência portuguesa

Uma pesquisa no site dos Tribunais da Relação, permitiu a identificação de


acórdãos com referência expressa ao Interesse Superior da Criança, que
permite concluir, de forma clara, que os Tribunais nem sempre, consideram
relevante o Interesse Superior da Criança, carecendo, não raras as vezes, de
intervenção de tribunais superiores para garantir o cumprimento desses
interesses.

 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-02-2007


Processo: 1191/07-2 - Regulação do poder paternal
Resumo:
Em sede de processo de regulação do poder paternal, interpôs a requerente,
recurso de agravo do despacho de alteração e fixação provisória do regime de
regulação do poder paternal da menor com fundamento em ilegalidade, por se
ter baseado unicamente na audição da menor de 5 anos, não tendo, sido juntos
aos autos outros elementos probatórios.
Acórdão:
O Tribunal da Relação de Lisboa não deu provimento à pretensão da
requerente, tendo considerado que o despacho, fundamentado no Artigo 1878.º
do Código Civil e na Convenção sobre os Direitos da Criança, consagra, no
espírito do superior interesse do menor o seu direito de ser ouvido e a ser tida
em consideração a sua opinião.

 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-10-2007


Processo: 5221/07-8 – Audição de crianças; Menoridade; Interesse da Criança
Resumo:
Em sede de processo de regulação provisória do poder paternal, decidiu o
Tribunal suprimir o impedimento que estabelece que o pai não pode ausentar-
se para o estrangeiro com as menores. A mãe das menores interpôs recurso
de agravo do despacho de alteração da regulação provisória do poder paternal,
fundamentado no receio das menores em viajar com o pai, e na não audição
das menores.
Acórdão:
O Tribunal da Relação de Lisboa deu provimento à pretensão da requerente,
considerando para o efeito o disposto no Artigo 12º da Convenção sobre os
Direitos da Criança que garantem à criança com capacidade de discernimento,
o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe
respeitem, devendo deste modo o Tribunal providenciar os meios necessários
para audiência dos menores.

6. “Entende que o ordenamento jurídico português salvaguarda


na sua plenitude a aplicabilidade prática do Superior Interesse
da Criança?”

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Procurei obter junto de alguns advogados uma resposta ao ponto 6. Por falta
de tempo de alguns, ou por não exercerem direito da família segundo outros,
se é que o Interesse Superior da Criança se subsume única e exclusivamente
ao Direito da Família, não consegui obter uma amostra que permita aferir com
precisão qual o entendimento de tão ilustre classe.

Exponho a única resposta que obtive, cujo conteúdo e opinião respeita apenas
a quem a proferiu:

“Respondendo de forma objectiva e concisa, tomando em consideração o


exercício efectivo da advocacia nesse ramo de direito a resposta é que NÃO.

O Superior Interesse da Criança morre à nascença, com a total falta de


celeridade dos nossos Tribunais, aliado à grande indiferença demonstrada por
muitos Procuradores e Magistrados que se espelha nas promoções e decisões
proferidas.

Bom tema para discussão teórica, com alguma controvérsia, mas com pouca
aplicabilidade prática no ordenamento Jurídico Português.

Como qualquer outro Princípio, será necessário mais alguns anos, para que se
possa atingir a maturidade, Intelectual e Institucional, suficiente para que o
Superior Interesse da Criança seja efectivamente aplicado.

Nuno Sousa Godinho


Nuno Sousa Godinho & Olavo Rio Ralha – Sociedade de Advogados, RL

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7. Conclusão

O Interesse Superior da Criança é um conceito amplo, abstracto, que carece de


uma aplicação caso a caso, garantidos e observados determinados princípios,
sejam eles de cariz constitucional, legal, moral ou social.

Família, indivíduos, sociedade, instituições e Estado, devem garantir a todo o


momento a salvaguarda dos interesses da criança, no cumprimento do dever e
obrigação de salvaguarda de tais princípios e interesses fundamentais da
criança, denunciando todas as formas de abusos.

O Interesse Superior da Criança só é alcançado, mas não esgotado, com a


concretização do equilíbrio da criança, alicerçado nas relações afectivas e no
desenvolvimento cultural, educacional, físico e intelectual.

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