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1. Introdução
Este texto se propõe a criar uma estrutura teórica que traga subsídios às
reflexões sobre o acesso a Informação como um Instrumento indispensável para o exercício
do direito à saúde como uma questão de cidadania. Essa estrutura de considerações se inicia
com uma constatação da existência do direito à saúde, posteriormente aborda a cidadania
como exercício desse direito, elenca suas bases legais de apoio e finalmente evidencia a
importância da informação como um direito do cidadão, para a possibilidade de exigência
de seus direitos.
1
A palavra paciente vem da postura obsoleta: o indivíduo doente esperava aguardava
pacientemente pela sua recuperação. O enfermo era paciente com o seu mal ou sua doença,
enquanto o curandeiro, o pajé, o mágico da tribo, o sacerdote ou o religioso e posteriormente o
profissional de saúde lhe recomendavam paciência. Gauderer, 1995. Para o Aurélio (p. 473)
“paciente é a pessoa que padece: doente. Pessoa que está sob cuidados médicos”. Para o Aurélio
(p.661) usuário é “cada um daqueles que usam ou desfrutam alguma coisa coletiva, ligada ao
serviço público ou particular”. De acordo com Daniel (1981, p.13), paciente é aquele que em lugar
de praticar ou fazer a ação é quem recebe. Ele é o objeto que recebe a ação, nunca o sujeito que
participa dela, e isso se encontra interiorizado tanto na consciência do profissional de saúde como
na do usuário.
("produtor/fornecedor"); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada
do consumidor; c) o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de
bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se
ao poder e às condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços. (Grinover, 1995,
p. 32.).
Na linguagem do Código, já citado anteriormente, o paciente é o consumidor
para quem se presta um serviço; o profissional de saúde, o fornecedor que desenvolve
atividades de prestação de serviços; e o ato ocorrido entre as duas partes, uma atividade
realizada mediante remuneração. O legislador brasileiro definiu o consumidor de forma
objetiva afirmando no art. 2° do Código de Defesa do Consumidor que consumidor “é toda
pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final"
(Grinover, 1995, p. 26). Por sua vez, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem
atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 4° da
Lei 8078/90).
Como se observa pelos conceitos trazidos pelo Código de Defesa do
Consumidor acerca das figuras de consumidor e fornecedor, que é imprescindível que se
tenha como entes formadores da relação de consumo essas duas figuras em pólos distintos,
devendo o consumidor figurar em um pólo da relação e o fornecedor em outro.
Na relação de consumo estabelecida entre consumidor e fornecedor quer
queiramos ou não, os consumidores são vulneráveis. Reconhecendo essa hipossuficiência,
a Constituição Brasileira de 1988, no seu art. 5º, XV reza que “é assegurado a todos o
acesso a informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício
profissional. Ainda no artigo 5º ,XXXII que trata dos direitos e deveres individuais e
coletivos, estabelece que “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
Deste comando normativo constitucional, nasceu a lei 8078 de 11 de setembro de 1990. A
referida lei é composta de 119 Capítulos e possui uma gama infindável de normas que
garantem uma efetiva proteção aos consumidores, sendo mais conhecida como “Código de
Defesa do Consumidor”.
Infelizmente, o teor protetor da lei 8078/90 é desconhecido da grande maioria
dos consumidores, destinatários diretos e imediatos do texto legal. Os consumidores
continuam dia após dia, a terem seus direitos desrespeitados por fornecedores de serviços,
que de maneira direta, renegam a esses consumidores informações e garantias que
obrigatoriamente devem prestar. Por outro lado, a Lei 8078/90 - CDC apresenta em seu art.
6º os direitos básicos do consumidor e aqui é importante que destaquemos aqueles que são
pertinentes ao objeto dessa investigação que se encontram nos incisos I, II, III VIII e X.
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra riscos provocados
por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados
perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos
produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a
igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e
serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade e preço, bem como os riscos que
apresentem;
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a
inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a
critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
O primeiro direito de que trata o Art. 6 pode ser analisado tendo por contexto as
inúmeras possibilidades de intervenção diagnóstico-terapêuticas que a medicina atualmente
dispõe. Muitas delas poderiam ser classificadas na categoria de "serviços considerados
perigosos", e seus possíveis benefícios para o paciente-usuário devem ser avaliados de
acordo com os riscos inerentes à intervenção.
Os direitos relacionados nos itens II e III mostram que o consumidor tem direito
a informação e à liberdade de escolha. Na avaliação dos riscos e benefícios de uma
determinada ação entre o profissional de saúde e o usuário do serviço de saúde, é razoável
afirmar que o usuário direto, ou seja, o paciente, também deve participar.
O direito à informação adequada, suficiente e verdadeira é um dos pilares do
direito do consumidor. Nas legislações mundiais, voltadas a regular as relações de
consumo, a referência quase uniforme ao direito à informação fortalece as características
universalizantes desse novo direito. Afinal, os problemas e dificuldades enfrentadas pelos
consumidores, em qualquer parte do mundo, são bem parecidos. Por essas razões, a
Resolução nº 30/248 da Assembléia Geral das Nações Unidas, desde 16.04.1985, determina
entre suas normas, o desenvolvimento e o incentivo a programas de informação e educação
(norma F), com o objetivo de “fornecer aos consumidores informações adequadas para
capacitá-los a fazerem escolhas acertadas de acordo com as necessidades e desejos
individuais” (item 3, alínea c).
O direito a informação está diretamente ligado ao princípio da transparência
(art. 4º, caput, CDC), a traduzindo-se na obrigação do fornecedor de dar ao consumidor a
oportunidade prévia de conhecer os produtos e serviços, gerando, igualmente, no momento
de contratação, a ciência plena de seu conteúdo. Saliente-se que a ausência de informação
dos fornecedores não obriga os consumidores, caso não lhes seja dada a oportunidade de
tomarem conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se seus respectivos instrumentos forem
redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance (MARQUES, 2003).
Já a Constituição Federal, incluiu a defesa do consumidor no elenco dos direitos
fundamentais (art. 5º, XXXII) e, por sua destacada importância previu que “é assegurado a
todos o acesso à informação” art. 5º, XIV. De acordo com Marques (2003), o direito de
informação pode ser contemplado de três maneiras: o direito de informar, o direito de se
informar e o direito de ser informado. Ainda para a autora o direito de informar é uma
prerrogativa concedida às pessoas físicas e jurídicas, disposto no caput do art. 220, que
dispõe “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição”. Esta norma é complementada pelo art. 5°, IX que expressa “é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de
censura ou de licença”. Mas estes dispositivos não são absolutos, visto que a própria norma
constitucional impõe limites, através do art. 5 °, inciso X: quando diz que “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (MARQUES, 2003).
São invioláveis, diz o texto constitucional. Assim, entendemos que o direito de
informar não pode transpor os limites estabelecidos nessa norma. Não pode violar a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
Já o direito de se informar é uma prerrogativa da pessoa humana e decorre do
fato da existência de uma informação. Nesse caso o texto constitucional no inciso XIV do
art. 5°, assegura esse direito no que diz respeito à informação em geral, no entanto garante
o sigilo da fonte, quando for necessário ao exercício profissional. Assim, podemos entender
que é possível que se possa exigir a informação de quem a detém, desde que sejam
respeitadas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Quando se trata
de informação relativa a própria pessoa, a Constituição garante-lhe o “hábeas data” (art. 5º,
LXXII) na hipótese de direito líquido e certo de conhecer e/ou retificar a informação
existente em registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter
público.
O direito de ser informado nasce, sempre, do dever que alguém tem de
informar. A Constituição trata, basicamente, do dever de informar dos órgãos públicos (art.
5º XXXIII e art 37). O direito fundamental à informação se refere à concretização das
possibilidades objetivas de conhecimento e compreensão, por parte do consumidor típico,
destinatário de um produto ou de um serviço. Não se trata de fazer com que o consumidor
conheça e compreenda efetivamente a informação, mas deve ser desenvolvida uma
atividade razoável que o permita e o facilite. È um critério geral de apreciação das condutas
em abstrato, levando-se em conta o comportamento esperado do consumidor típico em
circunstâncias normais. Ao fornecedor incumbe prover os meios para que a informação seja
conhecida e compreendida (art 6º CDC e art 31ºCDC).
Na relação profissional de saúde e usuário, o usuário se torna ao mesmo tempo
sujeito e objeto de seu próprio conhecimento. Desenvolve-se um saber sobre o indivíduo
como corpo doente exigindo uma intervenção que dê conta de sua singularidade. Ao
mesmo tempo se expande uma medicina do espaço social que adota a população como
objeto de sua atuação, onde a doença assume o status de problema político e o profissional
de saúde a função de autoridade administrativa que dirige, controla e registra as
características dos modos de viver das populações: institucionalizam-se as informações. A
partir daí tornam-se espaços estratégicos de lutas, de relações de poder e produção de saber.
Estrutura-se uma 'rede de olhares' que coleta, registra e armazena as informações:
murmúrios anônimos sobre a vida e a morte (MARQUES, 2003).
A cognoscibilidade2 representa não apenas o conhecimento (poder conhecer ter
acesso), mas a compreensão (poder compreender). Conhecer e compreender não se
2
Cognoscibilidade de acordo com Ferreira (1988 p.158) é aquilo que pode se pode conhecer.
Conhecível.
confundem com aceitar e consentir. Não há declaração de conhecer. O consumidor nada
declara. Para Marques (2003) a “cognoscibilidade” tem caráter objetivo, e reporta-se à
conduta abstrata. O consumidor em particular pode ter conhecido e não compreendido, ou
ter conhecido e compreendido. Essa situação concreta é irrelevante, o que interessa é ter
podido conhecer e podido compreender, ele e qualquer outro consumidor típico destinatário
daquele produto ou serviço. A declaração de ter conhecido ou compreendido as condições
gerais ou as clausulas contratuais gerais não supre a exigência legal e não o impede de pedir
judicialmente a ineficácia delas. Ao julgador compete quando for o caso, verificar se a
conduta concreta guarda conformidade com a conduta abstrata tutelada pelo direito
(MARQUES, 2003)
Bobbio (1997) identifica quatro gerações de direitos e refere que nos últimos
séculos no mundo ocidental os direitos de liberdade, os direitos políticos, os direitos sociais
e econômicos e a nova geração de direitos, relativos “a integridade do próprio patrimônio
genético, vai muito além do tradicional direito à integridade física”, também considera o
direito do consumidor, dentre eles o direito à informação, como direitos fundamentais de
terceira geração. Acredita o autor que isso só foi possível quando se percebeu a dimensão
humanística e de exercício de cidadania que eles encerram indo muito além das concepções
puramente econômicas.
O Código de Defesa do Consumidor também reconhece que o consumidor é a
parte vulnerável da relação de consumo (art.4º inciso I). Tal reconhecimento é uma
primeira medida de realização da isonomia garantida pela Constituição Federal. Isto
significa que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo. Essa fraqueza, essa
fragilidade, é real, é concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem econômica e outro
de ordem técnica.
Ainda o mesmo Art. 6 do CDC no seu inciso VIII estatui serem direitos básicos
do consumidor a facilidade da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus a
prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou
quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência (CDC/1990).
Na avaliação de França (1994, p. 09), residiria neste inciso a maior inovação trazida pelo
Código, pois para o autor "se um paciente alega erro médico, a responsabilidade da prova
para defender-se é do facultativo, no caso, o profissional de saúde, por considerar-se difícil
o usuário pré-constituir prova sobre seus direitos, até porque ele, no momento da relação,
está em sua boa fé". Mas o Código de Defesa do Consumidor já mostra que para os
profissionais liberais o CDC no Art. 14º parágrafo 4 diz que a responsabilidade pessoal dos
profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa, isto é, para esses
profissionais não pode existir o instrumento da inversão do ônus da prova. Isto é de acordo
com o CDC um consumidor lesado por um profissional de saúde, para obter indenização,
terá que provar a culpa desses profissionais sob uma das seguintes modalidades:
negligência, imperícia e imprudência. Além disso, o consumidor lesado poderá denunciar o
dano sofrido aos organismos responsáveis, como por exemplo, um órgão de defesa do
consumidor.
6.Considerações finais
O acesso à informação adequada, clara e precisa sobre o produto (no caso do
medicamento ou aparelho a ser usado) colocado no mercado ou do serviço oferecido (como
os de saúde), suas características, qualidades e riscos, dentre outros, constitui direito básico
e princípio fundamental do consumidor. Com isso, toda informação prestada no momento
de contratação com o fornecedor, ou mesmo anterior ao início de qualquer relação, vincula
o produto ou serviço a ser colocado no mercado (art. 30 e seguintes do Código de Defesa
do Consumidor). Aliás, a informação constitui componente necessário e essencial ao
produto e ao serviço, que não podem ser oferecidos sem ela.
O consumo de saúde aumenta com o nível de instrução, talvez como
conseqüência do melhor conhecimento dos sintomas, bem como, do risco da gravidade dos
mesmos, estando este fato diretamente relacionado com o mais adequado conhecimento
sobre o próprio corpo por parte do indivíduo, melhor instruído.
Entendemos que muitas são as dificuldades para tornar efetivo o direito à saúde,
sobretudo, na atual conjuntura cujo redimensionamento da pauta de prioridades do Estado,
tem como resultado a retração dos investimentos públicos no campo social e, no caso da
saúde, o sucateamento da rede pública, o agravamento do quadro sanitário da população, a
estratificação da clientela via práticas clientelistas e corporativistas. Sabemos também que
os problemas sociais contemporâneos formam uma trama complexa e não estão dissociados
das indagações mais amplas sobre as necessidades, demandas e desejos dos indivíduos; e
não podem ser solucionados sem uma política de desconcentração de renda e justiça social.
No entanto, enquanto o Estado social se reduz na exata medida do avanço do
mercado global, o direito do consumidor se expande, quando se sabe que somente é
possível realizá-lo diante da intervenção estatal, na legislação, nas ações e políticas públicas
de proteção e na forte atuação da administração da justiça. Esse paradoxo não pode ser
entendido senão como fato contrário à dura lógica do mercado, decorrente da consciência
de que o consumidor não é o elo enfraquecido e despersonalizado da relação de consumo.
O consumidor é uma pessoa com necessidades, desejos, ideais, que merece respeito à sua
dignidade humana, que somente o direito a informação pode assegurar. Nesse sentido,
reforçamos o fato de que o direito ao exercício da cidadania se apresenta em início de
construção, principalmente na arena das políticas públicas de saúde.
Em todo este contexto de considerações que elenca as bases legais existentes na
legislação, de apoio aos direitos do usuário consumidor de um serviço de saúde,
constatamos a importância da informação e principalmente da educação, como caminhos
para o conhecimento destes direitos e conseqüentemente para controle e exigência de que
os mesmos sejam cumpridos, ou no caso exercidos.
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