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A neodepressão econômica

Márcio L. Rangon
sociólogo e professor

O paradigma econômico Keynesiano foi implantado por Roosevelt como solução


para a Grande Depressão (1930) e aceito por todos nós durante mais de 60 anos. Essa
aceitação coletiva de “falta de liberdade econômica” decorreu da prudente lembrança das
consequências nefastas do excesso de liberdade existente no período pré-depressão, onde a
“mão invisível” do mercado supostamente regulava a economia (Adam Smith).
Depois de mais de meio século com “medo da recessão”, imbuídos pelos ares de
liberdade após a II Guerra e principalmente após o fim da Guerra Fria, tomamos coragem e
percebemos que o perigo passou. Então iniciamos o desmonte do Welfare State Keynesiano
(Tatcher, Reagan, etc.; aqui no Brasil começou atrasado com Collor e depois com FHC) ao
mesmo tempo em que valorizávamos o indivíduo e o consumo. Liberdade foi a palavra de
ordem. Nossas crianças não ouviam sequer um NÃO dos pais e foram crescendo livres e
autônomas (!?). Surgiu no horizonte econômico a onda global de privatizações, fusões,
desregulamentação econômica, “flexibilização” das leis trabalhistas, etc. Onda não, tsunami,
que de supetão, arrastou os ativos públicos construídos por décadas por nossos pais e avós
ao domínio privado de poucos magnatas ao mesmo tempo em que transformava os não-
magnatas (ou seja, 95% da população mundial) em vendedores de um produto de baixíssimo
valor, a sua força de trabalho.
Hoje, após 20 anos de liberalismo, nossos filhos adolescentes e autônomos tacam
fogo em mendigos e alguns de nós, CEOs de grandes corporações, demitimos legiões de
colegas após pressionar o governo para que sejam flexibilizadas leis trabalhistas, impostos,
quando não exigimos direta e descaradamente socorro financeiro.
Exatamente como há 80 anos atrás, surgindo das atitudes desmedidas e
inconseqüentes do liberalismo, eis que ronda pelo planeta, novamente, o fantasma da
depressão. A recessão começa a bater às portas das grandes economias após atingir as
janelas de vidro das corporações do sistema financeiro podre. Como um castelo de cartas,
vão soçobrando as corporações, afundadas em passivos insolúveis que se transmitem como
um vírus nefasto a todo o sistema econômico.
A corda arrebenta no lado mais fraco e os trabalhadores caem no poço escuro da
depressão. Porém, bem sabemos que cada desempregado representa 5 consumidores a
menos. E sabendo que o consumo é o combustível do trem da economia capitalista, a
conclusão óbvia é que o trem está parando. E quando parar, os passageiros precisarão
comer, vestir, se abrigar do frio e da chuva, se locomover.
Nessa hora, quem tem o poder, por favor, que não repita famosa a frase de Maria
Antonieta: “ora, se o povo não tem pão, que comam brioches”. Pois, com certeza, como ela,
perderá a cabeça

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