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Arsélio Martins

A respeito do trabalho de acompanhamento do


Programa de Matemática do Ensino Secundário 1

1997/98
Algumas ideias sobre o acompanhamento do
Programa do Ensino Secundário de Matemática

O trabalho de acompanhamento do programa do ensino secundário


de Matemática foi feito a vários níveis
1. do estudo, pensamento e decisão;
2. da acção – publicista em geral, na formação dos acompanhantes
locais, no suprimento das lacunas no acompanhamento local;
3. do acompanhamento local propriamente dito (nos concelhos de
Albergaria a Velha, Águeda, Aveiro, Ílhavo, Sever do Vouga e
Vagos).

O primeiro nível refere-se ao estudo do programa propriamente dito


e às reuniões com o Departamento do Ensino Secundário, da
Comissão Nacional de Acompanhamento, e mais correntemente ao
trabalho da equipa técnica1.
O segundo nível - da acção – refere-se ao trabalho de divulgação do
programa em sessões – conferências, reuniões, acções de
informação específica, debates, … decididas pelo Departamento, a
pedido de associações, sociedades, escolas ou de grupos de
professores. A este nível se colocam também as reuniões trimestrais
que foi necessário realizar em vários pontos do país, na tentativa de
suprir faltas de acompanhantes locais.
O terceiro nível refere-se à preparação e à execução de reuniões
mensais de trabalho com professores da região de Aveiro que não
estavam abrangidos por qualquer acompanhamento local.

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Após a homologação do Programa, os seus autores ou relatores integraram a Comissão
Nacional de Acompanhamento e, por via de contratos de colaboração com o DES, passaram a
realizar várias tarefas, de entre as quais se destaca algum persistente ou sistemático trabalho de
organização, direcção e enquadramento do acompanhamento local e apoio dos acompanhantes
locais.
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O trabalho de acompanhamento desenvolvido a estes diferentes


níveis coloca problemas de balanço que não são resolvidos
facilmente. Olhar isoladamente para o que aconteceu no
acompanhamento local de Aveiro (em virtudes e em defeitos)
produz uma visão deformada da realidade. Errado também é pensar
que o trabalho de estudo e reflexão sobre o programa e as formas de
discutir não repousam sobre algumas práticas locais, tanto ao nível
das aulas como ao nível das interacções estabelecidas e
experimentadas com os professores de Aveiro.

Não se separam esses níveis nas ideias que passamos a expor.


Convém tê-los presentes para a sua melhor compreensão ou para
lhes dar o devido enquadramento no âmbito deste relatório de ideias
e de balanço. Aliás, as ideias que se foram formando
— são o desenvolvimento de ideias que se criaram no trabalho de
discussão e estudo para a concepção do programa, nas práticas
locais de leccionação e de interacção com os colegas próximos, nas
práticas da organização escolar e das instituições,
— são as ideias que vamos divulgando e defendendo,
— são as ideias que vão ganhando e vão perdendo terreno (no
terreno).

Tanto na concepção negociada do programa como na negociação


das práticas que o acompanhamento é, o essencial está na luta de
ideias sobre o que é a democracia e o que é o ensino da matemática
em democracia, desde o saber que papeis fundamentais a
matemática desempenha na formação dos cidadãos até saber que
mandatos fundamentais são atribuídos aos professores de
matemática enquanto cidadãos no seu exercício profissional –
componente fundamental da sua cidadania. A principal preocupação
na concepção – responsabilização das partes nas definições –
traduz-se na responsabilização dos professores, que se procura que
sejam a um tempo autores e executantes.
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Das ideias em prática…

Mais do que para qualquer outra disciplina, criou-se e alimentou-se


a ideia que o programa de matemática é uma lista de temas e
conteúdos de que os professores não têm que conhecer a razão da
sua inclusão no sistema de saberes a ensinar nem devem preocupar-
se sobre a sua utilidade concreta para a formação. Mais lhes foi dito
que basta que os alunos treinem certos tipos de resolução de
exercícios sobre cada um dos temas que as competências (não
interessa quais) necessárias serão aprendidas pelos alunos. A
Matemática aparece para o ensino como uma disciplina que ganha
sentido como disciplinadora do pensamento e ganha relevância
social como disciplina de selecção/exclusão.
Mais do que para qualquer outra disciplina, é natural pois que seja
aceite um qualquer programa definido de forma autoritária
(científica? a partir de um centro científico? a partir de um governo
com algum aval científico?) e é natural também que os ensinantes
não procurem compreender o programa no seu conjunto, nas suas
conexões internas e nas conexões com os outros ramos do saber.
Também se tornou natural que, alertados por novas correntes,
grupos de professores passem a oscilar entre um programa de
conteúdos matemáticos, um programa de objectivos, um programa
de problemas, um programa de actividades, … Face à fragilidade
teórica e a uma cultura de (falsa in)dependência dos professores, os
programas tornaram-se desajustados a vários títulos: praticistas (em
todos os casos) os professores cumpriam o programa quando
“davam “ todos os assuntos matemáticos e com o maior detalhe
possível, os professores cumpriam o programa quando utilizavam
“correctamente” todas as metodologias “correctas”, os professores
não cumpriam os programas porque não havia condições materiais
ou porque os alunos não tinham bases, os professores seguiam com
os seus alunos o estudo de algum manual escolar, dia após dia, e
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faziam o seu dever mesmo quando abordavam uma pequena parte


do programa previsto…

…para a prática de ideias…

Nenhum programa de ensino pode considerar-se ajustado se os


professores não o apropriarem devidamente como coisa sua.

Acompanhar o programa significou, por isso, torná-lo um enunciado


explícito como um todo. Por um lado, procurou explicitar-se a sua
função na formação secundária dos cidadãos, estabelecendo as
razões para as escolhas feitas e motivando a apropriação do
programa como um mandato social para cada professor e cada grupo
de professores. Por outro, procurou explicitar-se a sua organização
por temas essenciais a desenvolver ao longo dos três anos assim
como as conexões entre eles, de modo a que os professores possam
seguir um conceito, uma noção ou uma técnica num percurso que
passa pela introdução intuitiva e formal, mas também pelos seus
usos na resolução de problemas, aplicações noutros temas e noutros
ramos do saber ou mesmo na vida prática. Trata-se neste ponto de
estabelecer um percurso possível para a aprendizagem de cada
noção, de tal modo que o professor sinta e saiba que pode abordá-la
em diferentes etapas e não procure esgotá-la, sem outro resultado
que não seja o aborrecimento, numa primeira abordagem. Do
mesmo modo se procurou estabelecer uma localização possível para
a apropriação de certos métodos e técnicas ao mesmo tempo que se
procura a sua aprendizagem em diversos tempos e, particularmente,
a sua compreensão num processo de maturação que vai desde o seu
uso intuitivo até à sistematização ou organização formal.

Deste trabalho não se podem esperar resultados imediatos. De facto,


fazer passar os professores de um modelo teórico – que enfrenta
disputas várias entre as várias correntes, tanto mais concorrenciais
quanto maior é a fragilidade teórica – para um modelo executável
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não é tarefa formativa para um ano nem o seu produto pode sequer
ser adivinhado na correcção das práticas. Podemos só sublinhar
que, apesar da prática radical dos últimos anos, os professores já não
se manifestam contra a exequibilidade do programa ao nível mais
baixo dos argumentos do início e que, apesar de todos os
deslizamentos que houve no primeiro ano de aplicação, há uma
preocupação na abordagem de todos os temas em cada ano de
leccionação.

E parece-nos também que a generalidade dos professores já acha


natural a nossa defesa de uma gestão por temas, para o tempo
disponível, e acha natural o nosso apelo para a necessidade de
decisões periódicas por parte dos grupos e de haver medidas
tendentes a gerir a utilização pelos alunos do manual escolar, bem
como de lhes estabelecer ritmos de trabalho e de lhes marcar
cadência do estudo a partir do manual ou de outras consultas
bibliográficas e da marcação de outras actividades.

…até à prática negociada


Se o processo de elaboração do programa ajustado constituiu uma
negociação democrática das suas bases com parceiros previamente
definidos – institucionais (de governo, científicas, académicas,
profissionais…) e individuais – o processo em curso de
acompanhamento e negociação das práticas dos professores
representa o ensaio mais sério para o reforço da participação
democrática dos professores e dele depende em grande medida o
sucesso de futuras medidas de transformação curricular em que os
professores possam atingir um nível de desempenho que aproxime a
lei de um compromisso (com bases científicas, profissionais)
socialmente apropriado e aceite pelos seus agentes para um
determinado período de execução.
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A negociação das práticas não se pode esgotar na explicitação do


conteúdo do programa como um programa de ensino adequado ao
seu tempo e cuja execução ou cumprimento é tomada como
condição necessária à formação secundária dos cidadãos. A
negociação das práticas tem de assentar na imersão de leituras do
pormenor no programa global. É por isso que em muitas das
sessões com os professores, o acompanhamento passou pela
apresentação de exemplos de actividades executáveis em ambiente
de sala de aula e até pela demonstração de resultados já observados
pela aplicação dessas actividades. Uma parte deste trabalho e da
construção de uma imagem de exequibilidade foi construída pela
leccionação vivida pelos acompanhantes, incluindo autores/relatores
do programa. Não estamos em condições de saber até que ponto este
trabalho teve efeitos positivos. Mas sabemos que esse trabalho
deslocou a discussão para níveis sucessivamente mais elevados.

Ao fim do primeiro ano de aplicação podemos, ao nível em que


trabalhamos, verificar algumas mudanças nas plataformas de debate,
sem que saibamos se a esse crescimento teórico correspondem
mudanças de práticas ou inibição ao nível da apresentação de ideias
consideradas erradas. De qualquer modo, essa inibição já representa,
em alguma medida, algum crescimento em compreensão do
“espírito” do programa ou a aceitação de que algumas das ideias
defendidas já são mais populares e consistentes entre os professores
do que as ideias contrárias.

Marginalmente…
O acompanhamento também teve de fazer-se pelo combate à
influência de alguns fazedores de opinião que se encontram em
associações, sociedades, faculdades, escolas …
Significativo neste campo é o combate pela responsabilização dos
professores e dos grupos de docência na intermediação a efectuar
entre os modelos teóricos e os modelos executáveis – necessário se
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tornou discernir entre o que seria desejável teoricamente e o que se


pode fazer em avaliação, por exemplo; necessário se tornou
discernir entre o que é tecnologia em abstracto no ensino da
matemática e o que são as aprendizagens significativas da
matemática que o uso da tecnologia pode proporcionar ou apoiar,…
O acompanhamento é responsável pela intermediação felizmente
realizada entre os exemplos matemáticos da formação de
professores que permite libertar os professores para o exercício
autónomo da docência e as actividades da sala de aula adequadas às
diferentes comunidades de estudantes, pela intermediação entre o
programa e os manuais, entre os manuais e os alunos, entre o
programa e as brochuras de apoio aos professores e entre estas e a
leccionação, …

O acompanhamento é finalmente responsável por uma nova relação


entre os professores e as organizações escolares em que trabalham.
Esta relação sai fortalecida: mais assente na compreensão das
dificuldades das organizações e sem deixar de ser cada vez mais
exigente. Ao reunir e condensar experiências diferentes de
diferentes organizações escolares, tornaram permeáveis as
organizações escolares resistentes às mudanças contra o isolamento
dos grupos de docência de comunidades vizinhas.

Finalmente, este acompanhamento prático e no terreno melhora a


imagem do Departamento do Ensino Secundário junto dos
professores e estes sentem-se acompanhados pelo Departamento ao
mesmo tempo que compreendem e assumem os diferentes papeis
dos agentes, incluindo obviamente o que respeita à sua função como
agentes da educação e ensino (e parte interessada do seu ministério).

Aveiro, Setembro de 1998


Arsélio Martins

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