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Gestão da Mente contra Lei de Gérson

Divulgação/2005.

Pesquisador da UFRJ apresenta conceitos do método de gestão da mente sustentável.


“Ao longo dos estudos, e as estatísticas também mostram isso, percebeu-se que apenas
os conceitos de justiça social, eqüidade social e segurança ambiental não levam à
sustentabilidade porque sustentabilidade é algo gerado na mente das pessoas”.
Entrevista de Evandro Vieira Ouriques a Edson Coelho de Oliveira, do Jornal ‘O
Liberal’, para o caderno especial da Conferência de Responsabilidade Social da
Amazônia, em dezembro de 2005

O coordenador do Núcleo de Estudos de Comunicação da Universidade Federal do Rio


de Janeiro (UFRJ), Evandro Vieira Ouriques, apresentou ao público os conceitos do
método de gestão da mente sustentável. Ele foi o primeiro palestrante de ontem, no
segundo dia da Conferência de Responsabilidade Social da Amazônia 2005, realizada
pela Câmara Setorial de Responsabilidade Social, da Associação Comercial do Pará
(ACP), e promovida pelas Organizações Romulo Maiorana (ORM).

Pesquisado há 40 anos e formatado há pouco mais de um ano e meio, o método


desenvolvido por Ouriques parte da idéia de que não há separação entre indivíduo e
sociedade; que o indivíduo não é fruto do social ou vice-versa; e que, ao contrário do
que se prega normalmente, não existe ruptura entre o espaço individual e o coletivo.

A partir da descoberta, Ouriques aplicou os princípios da gestão da mente na busca pela


sustentabilidade, reformulando o conceito tradicional de que a sustenbilidade se faz com
o tripé segurança ambiental, justiça social e eqüidade social. Para ele, o que foi
chamado de “Three Bottom Line” pode ser traduzido atualmente por “Fourth Bottom
Line”. “Ao longo dos estudos, e as estatísticas também mostram isso, percebeu-se que
apenas os conceitos de justiça social, eqüidade social e segurança ambiental não levam à
sustentabilidade porque sustentabilidade é algo gerado na mente das pessoas”.

“O pensamento e/ou sentimento que direciona a vontade é o primeiro aparelho de ação


ética no mundo. Se o pensamento e/ou sentimento é insustentável, a vontade ética se
revela apenas como nominal/ideal, não se concretiza. Todo ato é precedido por um
pensamento ou por um sentimento, e é isto que gera os resultados concretos. E é por
isso que tantas vezes as pessoas que querem colocar a mão na massa, esquecendo que
não há nada mais prático do que a mente clara, sustentável, simplesmente repetem e
repetem os mesmos padrões”. Leia a entrevista com Evandro Vieira Ouriques, abaixo, a
matéria sobre o evento no jornal O Liberal, no final da entrevista.

P: O senhor analisa o Brasil como um país onde vigora a Lei de Gérson, segundo a qual
todos querem se dar bem? Como o método 'Gestão da Mente Sustentável', criado pelo
senhor, contribui para que haja mais ação ética concreta, mais Responsabilidade Social?

EVO. Agradeço sua capacidade de dar voz a uma das crenças brasileiras cuja
compreensão profunda é decisiva para todo cidadão, instituição social e empresa de fato
empenhado em que a Responsabilidade Social/Desenvolvimento Sustentável vigore na
realidade concreta.
Precisamos ver essa questão com cuidado, urgência e alegria. Do ponto de vista da
Teoria das Decisões, esta expressão é um consenso coletivo, uma percepção coletiva.
Compreender o que pulsa neste consenso, e porque pulsa, é compreender boa parte da
contribuição que venho trazer a esta Conferência vital.

Nosso método Gestão da Mente Sustentável, que propomos e sustentamos como o


Fourth Bottom Line, e aplicamos (através de ferramental doce, firme e profundo, arte do
possível e da compaixão) com aqueles que querem potencializar seu rendimento
político-cultural, está assentado justamente na evidência empírica de que a percepção é
o momento privilegiado do agir. Como mostram no Ocidente Bergson e Deleuze, por
exemplo, e no Oriente os budistas e os filósofos hindus não-dualistas.

O fato é que o pensamento e/ou sentimento que direciona a Vontade é o primeiro


aparelho de captura da própria ação ética no mundo. Se o pensamento e/ou sentimento é
insustentável, a vontade ética se revela apenas como nominal/ideal, esvaziada de sua
própria possibilidade de tornar-se ato concreto.

O que quero dizer é que todo ato é precedido por um pensamento ou por um sentimento
que se precipita em ação no mundo. É isto que gera os resultados concretos. E é por isto
que tantas vezes os que querem colocar a mão na massa, esquecendo que não há nada
mais prático do que a mente clara, sustentável, simplesmente repetem e repetem os
mesmos padrões.

Desde a década de 60 sabemos que o modelo ainda em vigor é insustentável, porém ele
continua, com honrosas exceções, a se aprofundar. Porque? Porque os valores que
fundam o ato concreto continuam os mesmos, e geralmente são inconscientes nas
pessoas e nas corporações. É como um planejamento oculto, como alerta Nádia
Rebouças, que, percebido e transformado, libera o alcance da meta.

E por isto a UNESCO está focalizada na construção da Sociedade do Conhecimento.


Por isto me dedico a potencializar, através de um conjunto de ferramentas pertencentes
a este modelo, a eficácia das pessoas físicas e jurídicas por meio do entendimento do
mundo como construção mental: se é na mente que a guerra começa é na mente que a
paz é conquistada.
Assim, a ainda predominante experiência de informação (a do convencimento do outro
para que ele faça o que se quer, e o mais rapidamente possível) é muito diferente do que
temos quando uma empresa logra encontrar-se verdadeiramente com suas comunidades,
ou um líder com aqueles que o apoiam: vivencia-se a experiência de comunicação,
sempre livre e surpreendente, como mostra tão claramente o filósofo Marcio Tavares
d’Amaral.

Mas porque cuidado, urgência e alegria em compreender a “lei de gerson”? Por que
quando se fala “do Gerson” circunscreve-se a origem deste padrão de comportamento
em uma só pessoa e em um só tempo, e, ainda por cima, em um tempo muito recente.
Assim, o uso desta expressão oculta que este comportamento tem uma longa e precisa
origem histórica e psicossocial. E faz isto exatamente na sociedade pós-moderna, que
está imersa no bios mediático (refiro-me ao teórico da Comunicação Muniz Sodré),
embebida de e na mídia ao ponto que sabemos. Com níveis tão inquietantes de
violência, desinformação e descrédito em relação às instituições, como ficou claro com
o maçico apoio às armas no Referendo do Desarmamento. É por isto que mantemos a
linha de pesquisa Comunicação, Poder e Não-Violência, na qual investigamos a
construção de estados mentais não-violentos na Mídia, na Política e nos Negócios.

Portanto, do ponto de vista histórico, o estado mental da corrupção e da impunidade foi


criado pela dupla colonização que construiu o Brasil, pois em verdade nossa sujeição
colonial portuguesa foi escrita em inglês. Ou seja, desta forma nós fomos marcados no
passado por um absenteísmo por parte da figura do colonizador (um ausente presente, o
inglês, e um presente ausente, o português), absenteísmo ainda marcante no Brasil e em
sua dificuldade - compreensível porém inquietante - de exercer os direitos que não
conquistou, pois tanto a Independência quanto a República, por exemplo, foram
concedidas pela classe dirigente.

No entanto, esta mesma origem aponta a direção em que a criatividade brasileira supera
os obstáculos que se apresentam. Recentemente, a Dra. Heloísa Toller, em reunião de
nosso pós-doutorado no Programa Avançado de Cultura Contemporânea-
PACC/FCC/UFRJ, sublinhou no trabalho de Boaventura Ventura Santos que “esta
disjunção caótica entre o sujeito e objeto da colonização cria um campo aparentemente
vazio de codificações embora subcodificado, que permite que ele (objeto da
colonização) possa representar (ou seja, digo eu, existir) além de sua subalternidade”.
Portanto o brasileiro se constituiu e se constitui no aproveitamento da “porosidade dos
regimes autoritários”, como diz Silviano Santiago, de maneira a poder construir
interidentidades nos buracos culturais existentes.
O estado mental da corrupção e da impunidade foi criado pela dupla colonização que
construiu o Brasil, pois nossa sujeição colonial portuguesa foi escrita em inglês.
Isto é muito importante, pois o vigor da Responsabilidade Social na Amazônia, aqui
mais dramaticamente do que em grande parte no resto do mundo, depende do respeito
exemplar que se tenha em relação à biodiversidade biológica e à diversidade cultural
das amazônias que compõem a Amazônia que pertence a um só país: o Brasil, dela
guardião para a Humanidade.
Continuo assim movendo-me pelo que me movia no livro As Artes Visuais na
Amazônia: Reflexões sobre uma Visualidade Regional, que organizei em 1985 dentro
do Projeto Visualidade Brasileira-INAP/FUNARTE: a importância do desenvolvimento
cultural, um conceito da UNESCO na passagem dos anos 70/80, pelo qual o verdadeiro
desenvolvimento econômico é aquele que está ancorado na cultura local e, acrescento,
globalizado, somente a partir daí.

P. E qual é a origem psicossocial deste comportamento, que faz o Brasil ocupar mais ou
menos a posição de número 50 entre os países mais corruptos? O que fazer para
diminuir essa posição, e com isso fazer o dinheiro público chegar a quem mais precisa?

EVO. Este ponto é decisivo. A origem histórica do padrão de comportamento a que se


refere a expressão que estamos analisando tem origem psicossocial, portanto na própria
economia psiquíca do ser humano. A Psicanálise e a Psicoterapia nos mostram que os
conflitos de poder, a ganância, a inveja, o entendimento do Outro (a Natureza, a outra
pessoa, a outra empresa) como exterioridades absolutas diante das quais só se justifica o
crescente estranhamento e desconfiança, é a do narcisismo secundário, aquele que
esquece qualquer outro reflexo no lago senão o dele próprio, como se ele fosse isolado.
Como aquele que olha a Floresta Amazônica e só consegue vê-la a partir de seus
próprios e restritos valores, sem qualquer experiência de amor e identificação com ela,
condição que no entanto se exige para qualquer bom negócio.

Aprendemos a superar este estado mental de fantasia da separatividade através da


Gestão da Mente Sustentável, um método transdisciplinar que hibridiza conhecimentos
de muitas áreas, desenhado e testado ao longo dos últimos quarenta anos, especialmente
dedicado à tomada de decisões de risco em meio ao caos.

E porque a urgência em compreender o significado profundo da “lei de gerson”? Porque


as mais avançadas pesquisas em Sustentabilidade e Responsabilidade Social provam
que o valor que as permite vigorar é exatamente a Confiança. Foi isto que Goeff Lye, da
Sustentability, apresentou na mesa em que estivemos juntos sobre Comunicação e Ética,
na Conferência Internacional do Instituto ETHOS, em maio deste ano, e para cujo
debate contribuí apresentando justamente o método Gestão da Mente Sustentável.

A urgência se dá pelas consequências da mente que não se sustenta e que enfrentamos


hoje de maneira crescente e sobre as quais temos a responsabilidade social de modificá-
las no sentido da intensificação do vigor de uma sociedade sustentável. Na qual se esteja
focalizado em fazer “do violento justo e do justo forte”.

“Fazer com que o violento seja justo e que o justo seja forte” é uma sábia expressão de
Jean-Marie Muller, talvez o maior especialista vivo em Não-Violência do mundo, que,
por sinal, estará a partir desta sexta na Palas Athena, em SP, dando um seminário
precioso ao qual deixarei de comparecer justamente para poder estar aqui. Pois tenho
relações profundas com a Amazônia, por ela ser a presença terrestre mais efetiva da
Natureza como Viva. Viva, que inventou e possibilidade a co-criarmos, dentro dos
limites da sustentabilidade.

Procurei sinalizar este fato em dois outros livros que publiquei e nos quais falo
diretamente da Amazônia: no que organizei para a ONU em 2003 - Diálogo entre as
Civilizações: a Experiência Brasileira. www.unicrio.org.br, biblioteca; e em O Retrato
Brasileiro - a fotografia brasileira na Coleção de Francisco Rodrigues 1840-1920, fruto
da pesquisa que fiz com Nadja Peregrino para a Funarte e a Fundação Joaquim Nabuco-
RE em 1983, e no qual o Amazonas e o Pará surgem em primeiro lugar. É necessário
fazer com que o violento seja justo e que o justo seja forte

P. Em que a crise política (os péssimos exemplos da elite governamental e legislativa)


pode reforçar a Lei de Gérson na população?

EVO. Apenas na medida em que a Mídia, a Educação, o Cidadão, as Instituições


Sociais, as Corporações não assumam sua Responsabilidade Social e procurem e
mostrem, contextualizando, de onde vem - de maneira sistêmica - as crises. Como O
Liberal está fazendo aqui.
P. O colarinho branco no Brasil ainda é pouco punido. Luiz Estêvão, por exemplo,
desviou milhões e milhões, passou uns dias na cadeia, e voltou para usufruir do roubo.
Paulo Maluf é um dos maiores ladrões da história do país, e também passou só umas
semanas na cadeia. A certeza da impunidade não estimula o crime de improbidade?

EVO. Com certeza. No entanto, sabemos que o Brasil possui um dos conjuntos mais
avançados de leis que, no entanto, não são cumpridas. Permanecemos então com a
mesma necessidade: a de mudar a gestão que as pessoas físicas e jurídicas fazem de
suas próprias mentes. Só assim teremos uma prática diferente. Quando tivermos uma
prática mental sustentável.

P. A administração do PT sempre vendeu a imagem da honestidade. O povo acreditou


nisso de maneira messiânica. Agora, se vê a corrupção generalizada. Qual o efeito sobre
o cidadão, o eleitor, dessa decepção?

EVO. São muitos os efeitos. Um, o que nos interessa diretamente, é perceber em
profundidade como a relação com o poder mexe diretamente com o narcisismo
secundário, este que se afirma na supressão da afirmação do outro. Tanto no sentido de
que a tentação de se acreditar dono da verdade é muito grande pela qual passou o PT,
quanto pelos partidos agora na oposição e que querem circunscrever, senão ao Gerson,
mas ao PT um padrão de comportamento que historicamente não se apresenta apenas no
PT.

Portanto, se queremos um exercício diferente do poder, um exercício do poder de


maneira responsável, temos ferramentas testadas e aprovadas para ajudar. Pois se
sabemos, com Antonio Negri, que termos como dependência, nação, classe operária,
dívida, repressão, imperialismo, etc., precisam ser renovados (abrindo espaço para um
novo léxico político formado por democracia, representação, globalização e império,
biopoder e biopolítica, nova composição técnica e política de classe, multidão, etc.) é
também verdade que precisamos colocar no centro do debate os estados mentais, o
controle do processo de formação da vontade, pois o simples exercício da vontade não é
mais garantia de liberdade política, como disse Armand Mattelart. A vinculação social
exige uma mudança profunda no dualismo com que se vê constantemente o mundo. a
relação com o poder mexe diretamente com o narcisismo secundário, este que se afirma
na supressão da afirmação do outro

.Somente assim poderemos garantir a realização mais eficaz da potência das lutas pela
liberdade, da “marcha” da liberdade, da sustentabilidade, da responsabilidade social.

P. Como o povo, primeiro, deveria reagir às denúncias? Cobrar mais? Organizar-se em


associações, ongs? Ou dar a resposta nas urnas, já no próximo ano?

EVO. Todas estas ações são muito importantes porém elas só atingem sua plena e
necessária potência se oriundas de uma mente sustentável, insisto, o que exige o
contínuo auto-conhecimento: seja da pessoa, do profissional, do líder, do comandado,
da corporação. Para que não se repita os mesmos valores que geraram e geram a
exclusão.

Para construirmos uma sociedade sustentável precisamos muito mais do que as lutas
operárias e proletárias. Muito mais do que o desenvolvimento capitalista. Precisamos
saber dosar a componente capitalista de nossa economia psíquica com a componente
solidária que nos move e funda.

Pois, como evidencia o biólogo chileno Humberto Maturana, o amor é base do


biológico e a base do social. Quando se fala de Responsabilidade Social, verifico, está
se falando do amor e identificação por aquele que se nomeia de Outro. Como o amor e a
identificação com a Amazônia. Falando do amor como a condição dinâmica espontânea
de aceitação da recorrência de interações na espontaneidade do prazer, por um sistema
vivo, de sua coexistência com outro (ou outros) sistema(s) vivo(s). como evidencia
Humberto Maturana, o amor é base do biológico e a base do social

.Um fenômeno biológico que não requer justificação: o amor é um encaixe dinâmico
recíproco espontâneo, um acontecimento que acontece ou não acontece. A Conferência
de Responsabilidade Social da Amazônia 2005 existe pois existe a consciência de que
precisamos - de fato - deste encaixe dinâmico recíproco entre Sociedade/Instituições
Sociais/Corporações/Cidadãos e a nossa Amazônia: esta Amazônia que é a maior lição
que dispomos de que a Natureza é Viva e que a Cultura é apenas mais uma maravilhosa
manifestação dela, que é também nós mesmos.
Precisamos ponderar nossas decisões em prol da Responsabilidade Social e da
Sustentabilidade levando em conta que é o que chamamos de Natureza que está nos
levando a modificar nossos valores. Ainda bem, pois somente assim podemos ter o
reconhecimento e a gratidão de nossos descendentes. Por termos deixado, de fato, uma
herança que poderá ser usufruída.

http://www.consciencia.net
http://www.consciencia.net/2005/1221-gestao-da-mente-evo.html

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