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Divulgação/2005.
P: O senhor analisa o Brasil como um país onde vigora a Lei de Gérson, segundo a qual
todos querem se dar bem? Como o método 'Gestão da Mente Sustentável', criado pelo
senhor, contribui para que haja mais ação ética concreta, mais Responsabilidade Social?
EVO. Agradeço sua capacidade de dar voz a uma das crenças brasileiras cuja
compreensão profunda é decisiva para todo cidadão, instituição social e empresa de fato
empenhado em que a Responsabilidade Social/Desenvolvimento Sustentável vigore na
realidade concreta.
Precisamos ver essa questão com cuidado, urgência e alegria. Do ponto de vista da
Teoria das Decisões, esta expressão é um consenso coletivo, uma percepção coletiva.
Compreender o que pulsa neste consenso, e porque pulsa, é compreender boa parte da
contribuição que venho trazer a esta Conferência vital.
O que quero dizer é que todo ato é precedido por um pensamento ou por um sentimento
que se precipita em ação no mundo. É isto que gera os resultados concretos. E é por isto
que tantas vezes os que querem colocar a mão na massa, esquecendo que não há nada
mais prático do que a mente clara, sustentável, simplesmente repetem e repetem os
mesmos padrões.
Desde a década de 60 sabemos que o modelo ainda em vigor é insustentável, porém ele
continua, com honrosas exceções, a se aprofundar. Porque? Porque os valores que
fundam o ato concreto continuam os mesmos, e geralmente são inconscientes nas
pessoas e nas corporações. É como um planejamento oculto, como alerta Nádia
Rebouças, que, percebido e transformado, libera o alcance da meta.
Mas porque cuidado, urgência e alegria em compreender a “lei de gerson”? Por que
quando se fala “do Gerson” circunscreve-se a origem deste padrão de comportamento
em uma só pessoa e em um só tempo, e, ainda por cima, em um tempo muito recente.
Assim, o uso desta expressão oculta que este comportamento tem uma longa e precisa
origem histórica e psicossocial. E faz isto exatamente na sociedade pós-moderna, que
está imersa no bios mediático (refiro-me ao teórico da Comunicação Muniz Sodré),
embebida de e na mídia ao ponto que sabemos. Com níveis tão inquietantes de
violência, desinformação e descrédito em relação às instituições, como ficou claro com
o maçico apoio às armas no Referendo do Desarmamento. É por isto que mantemos a
linha de pesquisa Comunicação, Poder e Não-Violência, na qual investigamos a
construção de estados mentais não-violentos na Mídia, na Política e nos Negócios.
No entanto, esta mesma origem aponta a direção em que a criatividade brasileira supera
os obstáculos que se apresentam. Recentemente, a Dra. Heloísa Toller, em reunião de
nosso pós-doutorado no Programa Avançado de Cultura Contemporânea-
PACC/FCC/UFRJ, sublinhou no trabalho de Boaventura Ventura Santos que “esta
disjunção caótica entre o sujeito e objeto da colonização cria um campo aparentemente
vazio de codificações embora subcodificado, que permite que ele (objeto da
colonização) possa representar (ou seja, digo eu, existir) além de sua subalternidade”.
Portanto o brasileiro se constituiu e se constitui no aproveitamento da “porosidade dos
regimes autoritários”, como diz Silviano Santiago, de maneira a poder construir
interidentidades nos buracos culturais existentes.
O estado mental da corrupção e da impunidade foi criado pela dupla colonização que
construiu o Brasil, pois nossa sujeição colonial portuguesa foi escrita em inglês.
Isto é muito importante, pois o vigor da Responsabilidade Social na Amazônia, aqui
mais dramaticamente do que em grande parte no resto do mundo, depende do respeito
exemplar que se tenha em relação à biodiversidade biológica e à diversidade cultural
das amazônias que compõem a Amazônia que pertence a um só país: o Brasil, dela
guardião para a Humanidade.
Continuo assim movendo-me pelo que me movia no livro As Artes Visuais na
Amazônia: Reflexões sobre uma Visualidade Regional, que organizei em 1985 dentro
do Projeto Visualidade Brasileira-INAP/FUNARTE: a importância do desenvolvimento
cultural, um conceito da UNESCO na passagem dos anos 70/80, pelo qual o verdadeiro
desenvolvimento econômico é aquele que está ancorado na cultura local e, acrescento,
globalizado, somente a partir daí.
P. E qual é a origem psicossocial deste comportamento, que faz o Brasil ocupar mais ou
menos a posição de número 50 entre os países mais corruptos? O que fazer para
diminuir essa posição, e com isso fazer o dinheiro público chegar a quem mais precisa?
“Fazer com que o violento seja justo e que o justo seja forte” é uma sábia expressão de
Jean-Marie Muller, talvez o maior especialista vivo em Não-Violência do mundo, que,
por sinal, estará a partir desta sexta na Palas Athena, em SP, dando um seminário
precioso ao qual deixarei de comparecer justamente para poder estar aqui. Pois tenho
relações profundas com a Amazônia, por ela ser a presença terrestre mais efetiva da
Natureza como Viva. Viva, que inventou e possibilidade a co-criarmos, dentro dos
limites da sustentabilidade.
Procurei sinalizar este fato em dois outros livros que publiquei e nos quais falo
diretamente da Amazônia: no que organizei para a ONU em 2003 - Diálogo entre as
Civilizações: a Experiência Brasileira. www.unicrio.org.br, biblioteca; e em O Retrato
Brasileiro - a fotografia brasileira na Coleção de Francisco Rodrigues 1840-1920, fruto
da pesquisa que fiz com Nadja Peregrino para a Funarte e a Fundação Joaquim Nabuco-
RE em 1983, e no qual o Amazonas e o Pará surgem em primeiro lugar. É necessário
fazer com que o violento seja justo e que o justo seja forte
EVO. Com certeza. No entanto, sabemos que o Brasil possui um dos conjuntos mais
avançados de leis que, no entanto, não são cumpridas. Permanecemos então com a
mesma necessidade: a de mudar a gestão que as pessoas físicas e jurídicas fazem de
suas próprias mentes. Só assim teremos uma prática diferente. Quando tivermos uma
prática mental sustentável.
EVO. São muitos os efeitos. Um, o que nos interessa diretamente, é perceber em
profundidade como a relação com o poder mexe diretamente com o narcisismo
secundário, este que se afirma na supressão da afirmação do outro. Tanto no sentido de
que a tentação de se acreditar dono da verdade é muito grande pela qual passou o PT,
quanto pelos partidos agora na oposição e que querem circunscrever, senão ao Gerson,
mas ao PT um padrão de comportamento que historicamente não se apresenta apenas no
PT.
.Somente assim poderemos garantir a realização mais eficaz da potência das lutas pela
liberdade, da “marcha” da liberdade, da sustentabilidade, da responsabilidade social.
EVO. Todas estas ações são muito importantes porém elas só atingem sua plena e
necessária potência se oriundas de uma mente sustentável, insisto, o que exige o
contínuo auto-conhecimento: seja da pessoa, do profissional, do líder, do comandado,
da corporação. Para que não se repita os mesmos valores que geraram e geram a
exclusão.
Para construirmos uma sociedade sustentável precisamos muito mais do que as lutas
operárias e proletárias. Muito mais do que o desenvolvimento capitalista. Precisamos
saber dosar a componente capitalista de nossa economia psíquica com a componente
solidária que nos move e funda.
.Um fenômeno biológico que não requer justificação: o amor é um encaixe dinâmico
recíproco espontâneo, um acontecimento que acontece ou não acontece. A Conferência
de Responsabilidade Social da Amazônia 2005 existe pois existe a consciência de que
precisamos - de fato - deste encaixe dinâmico recíproco entre Sociedade/Instituições
Sociais/Corporações/Cidadãos e a nossa Amazônia: esta Amazônia que é a maior lição
que dispomos de que a Natureza é Viva e que a Cultura é apenas mais uma maravilhosa
manifestação dela, que é também nós mesmos.
Precisamos ponderar nossas decisões em prol da Responsabilidade Social e da
Sustentabilidade levando em conta que é o que chamamos de Natureza que está nos
levando a modificar nossos valores. Ainda bem, pois somente assim podemos ter o
reconhecimento e a gratidão de nossos descendentes. Por termos deixado, de fato, uma
herança que poderá ser usufruída.
http://www.consciencia.net
http://www.consciencia.net/2005/1221-gestao-da-mente-evo.html