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Theodore Levitt

Miopia em
marketing
A visão curta de muitas empresas, que as impede de definir
adequadamente suas possibilidades de mercado, é o tema
deste artigo - verdadeiro clássico da literatura especializada.

Theodore Levitt é professor de Administração de foi atendida pelas próprias estradas de ferro. Elas
Empresas na Escola de Administração de Empresas dcr deixaram que outros lhes tirassem seus clientes por se
Universidade de Harvard. considerarem empresas ferroviárias, em vez de compa-
Autor de ntamerosos artigos sobre temas econômi- nhias de transporte. A razão pela qual erraram na
cos, políticos, de adtninistração de empresas e de definição de seu ramo foi estarem com o espírito vol-
marketing, inclusive deste premiado e célebre Miopia em tado para o setor ferroviário e não para o setor de
Marketing, publicado na Harvard Business Review; transportes; preocupavam-se com o produto, em vez de
ganhador, por quatro veies, do Prêmio McKittsey para se preocuparem com o cliente.
artigos da Harvard Business Review; ganhador do Hollywood por pouco não foi totalmente ar-
prêmio da Academia de Administração de Empresas, rasada péla televisão. Todas as antigas empresas cinema-
atribuído aos mais importantes livros de negócios do tográficas tiveram que passar por drástica reorganização.
ano, em 1972, corn Innovation in Marketing; ganha- Algumas simplesmente desapareceram. Todas ficaram
dor do Prêmio John Hatrcok de Excelência em em dificuldade não por causa da invasão da Tv, mas
Jornalismo de .Negócios, em 1969; ganhador do Prêmio devido à sua própria miopia. Como no caso das
Charles Coolidge Parlin para "O Homem de Marketing ferrovias, Hollywood não soube definir corretamente
do Atw", em 1970. seu ramo de negócio. Julgava estar no setor cinemato-
gráfico, quando na realidade seu setor era o de en-
Todo setor de atividade importante já foi em alguma tretenimento. "Cinema" implicava um produto especí-
ocasião um "setor de rápida expansão". Alguns seto- fico, limitado. Isto produzia uma satisfação ilusória,
res que agora atravessam uma onda de. entusiasmo ex- que desde o início levou os produtores de filmes a
pansionista estão, contudo, sob a ameaça da decadên- encarar a televisão como uma ameaça. Hollywood
cia. Outros, tidos como setores de rápida expansão em desdenhou da televisão e rejeitou-a, quando deveria
fase de amadurecimento, na realidade pararam de tê-la acolhido com agrado, como uma nova oportuni-
crescer. Em todos os casos, a razão pela qual o desen- dade - uma oportunidade de expandir o setor do
volvimento é ameaçado, retardado ou detido não é entretenimento.
porque o mercado está saturado. )EJ porque houve uma Hoje a televisão representa um negócio maior do
falha administrativa. que foi, em qualquer época, a indústria cinematográ-
fica, tacanhamente definida. Se Hollywood se tivesse

Propósitos Fatídicos preocupado com o cliente (fornecendo entretenimen-


to) e não com um produto (fazendo filmes), teria
A falha está na cúpula. Os diretores responsáveis por passado pelas dificuldades financeiras pelas quais pas-
ela são, em última análise, aqueles que se ocupam das sou? Duvido. O que no fim salvou Hollywood e de-
metas e diretrizes de maior amplitude. Assim: terminou seu recente renascimento foi a onda de no-
As estradas de ferro não pararam de desenvol- vos e jovens roteiristas, produtores e diretores, cujo
ver-se porque se reduziu a necessidade de transporte de êxito obtido anteriormente na televisão liquidou as
passageiros e carga. Isso aumentou. As ferrovias estão velhas empresas cinematográficas e derrubou seus
presentemente em dificuldades não porque essa neces- grandes nomes.
sidade passou a ser atendida por outros (automóveis, Há outros exemplos menos patentes de negócios que
caminhões, aviões e até telefones), mas sim porque não arriscaram ou arriscam agora seu futuro por defini-

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rem impropriamente seus objetivos. Mais adiante dis- vimento. Não ficam assim limitadas ao setor ferroviá-
cutirei detalhadamente alguns deles e analisarei as di- rio (muito embora, em minha opinião, o trem seja,
retrizes que causaram os problemas. Por ora talvez potencialmente, um meio de transporte muito mais
seja interessante mostrar o que uma administração i mportante do que em geral se acredita).
com o espírito totalmente voltado para o cliente pode O que falta às estradas de ferro não é oportuni-
fazer para manter em desenvolvimento um setor de dade, mas sim um pouco de engenhosidade e audácia
rápida expansão, mesmo depois de esgotadas as opor- administrativa que as engrandeceram. Até um ama
tunidades óbvias, mediante a apresentação de dois dor como Jacques Barzun é capaz de ver o que está
exemplos há muito conhecidos. São eles o nylon e o faltando!
vidro, representados especificamente por E. I. DuPont "Dói-me ver a organização material e social mais
de Nemours & Company e Corning Glass Works. avançada do século passado afundar em ignominioso
Ambas essas companhias são dotadas de grande desprestígio por falta de ampla imaginação que a
capacidade técnica. Sua orientação para o produto é construiu. O que está faltando é a vontade das com-
i ndiscutível. Mas isto por si só não explica seu suces panhias de sobreviver e de atender ao público com
so. Afinal, quem é que, orgulhosamente, tinha o espí- engenhosidade e habilidade." '
rito mais voltado para o produto e com ele mais se
preocupava do que as antigas indústrias têxteis da Ameaca de Obsolescência
Nova Inglaterra, que foram tão completamente mas-
sacradas? As DuPonts e as Cornings foram bem su- É impossível mencionar-se um único setor industrial
cedidas sobretudo não por causa de sua orientação de importância que em alguma época não tenha me-
para o produto e as pesquisas mas porque também recido a designação mágica de "setor de rápida ex-
se preocuparam intensamente com o cliente. É um pan~~". Em todos os casos, a força de que o setor
constante estado de alerta para oportunidadès de apli- es~ wa dotado residia na superioridade inigualável de
cár seu know-how técnico, na criação de usos capazes seu produto. Parecia nada haver que o substituísse
de satisfazer às necessidades do cliente, que explica a efetivamente. Ele mesmo era um substituto bem supe-
quantidade prodigiosa de novos produtos que colocam rior do produto cujo lugar no mercado havia vitorio-
com êxito no mercado. Não fosse uma observação samente ocupado. Contudo, uma após outra, todas
aguda do cliente, estaria errada a escolha da maior essas famosas indústrias passaram a ser alvo de uma
parte desses produtos, de nada _ adiantando seus méto- ameaça. Examinemos rapidamente algumas delas, es-
dos de venda. colhendo desta vez exemplos que até o momento têm
O alumínio também continua sendo um setor de recebido pouca atenção:
rápida expansão, graças aos esforços envidados por Lavagem a seco - Foi outrora um setor de
duas companhias fundadas no tempo da guerra e que rápida expansão que oferecia as mais animadoras
se lançaram, deliberadamente, à criação de novos perspectivas. Numa época em que se usava muita
usos que satisfizessem às necessidades do cliente. Sem roupa de lã, imagine o que foi a possibilidade de, afi-
a Kaiser Aluminium & Chemical Corporation e a nal, lavá-la com segurança e facilidade. Foi um ver-
Reynolds Metals Company, a atual demanda de alu- dadeiro "estouro".
mínio seria muitíssimo menor do que é. No entanto, passados trinta anos desse "estouro",
a indústria da lavagem a seco se encontra em dificul-
Erro de Análise dade. De onde veio a concorrência? De um método
de lavagem melhor? Não. Veio das fibras sintéticas
Alguns poderiam argumentar que é tolice comparar o e dos aditivos químicos, que fizeram diminuir a ne-
caso das estradas de ferro com o do alumínio ou o cessidade de se recorrer à lavagem a seco. Mas não
do cinema com o do vidro. O alumínio e o vidro não é só isso. Uma mágica poderosa - o ultrassom -
são por natureza tão versáteis que suas respectivas espreita os acontecimentos, pronta para tornar a la-
i ndústrias têm forçosamente de ter mais oportunida- vagem química a seco totalmente obsoleta.
des de expansão do que as estradas de ferro e o ci- Energia elétrica - E outro produto suposta-
nema? Este ponto de vista leva exatamente ao erro mente "sem sucedâneo" colocado num pedestal de
de que tenho falado. Ele define uma indústria ou um irresistível expansão. Quando apareceu a lâmpada in
produto ou uma soma de conhecimento de forma tão candescente, acabaram os lampiões a querosene. De-
tacanha que acaba determinando seu envelhecimento pois a roda de água e a máquina a vapor foram redu-
prematuro. Quando falamos de "estradas de ferro" zidas a trapos pela flexibilidade, eficiência, simplici-
devemos estar certos de que na verdade nos referimos
a "transportes". Como transportadoras, as ferrovias 1 Jacques Barzun, "Trains and the Mind of Man", Holi-
ainda têm muita possibilidade de substancial desenvol- day, Fevereiro 1960, p. 21.
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dade e a! própria facilidade de se construírem moto- a temer. Disseram então que o apelo mesquinho dos
res elétricos. As empresas de energia elétrica conti- supermercados ao comprador interessado no preço
nuam nadando em prosperidade, enquanto os lares li mitava a expansão do seu mercado. Eles tinham de
se transformam em verdadeiros museus de engenho- ir procurar seus fregueses num raio de vários quilô-
cas movidas a eletricidade. Como se pode errar in- metros em torno de suas lojas. Quando aparecessem
vestindo nessas empresas, que não têm pela frente os imitadores, haveria liquidações por atacado, à me-
concorrência nem nada, a não ser sua própria ex- dida que caísse o movimento. O grande volume de
pansão? vendas dos supermercados era atribuído em parte à
Mas, examinando-se melhor a situação, a im- novidade que representavam. Basicamente, o povo
pressão que se tem não é tão agradável. Cerca de queria mercearias localizadas a pequenas distâncias.
vinte companhias de natureza diversa estão bem adian Se as lojas do bairro "cooperassem com seus fornece-
tadas na construção de uma potente pilha química, dores, prestassem atenção às despesas e melhorassem
que poderia ficar num armário escondido em cada o serviço", teriam sido capazes de agüentar a concor-
casa, emitindo silenciosamente energia elétrica. Os rência até que ela desaparecesse.'
fios elétricos que tornam vulgares tantas partes da Não desapareceu nunca. As cadeias descobriram
cidade serão eliminados. Como o serão também os que para sobreviver tinham de entrar no negócio de
intermináveis esburacamentos das ruas e as faltas de supermercados. Isso significava a destruição em massa
luz quando há tempestades. Assoma igualmente no de seus enormes investimentos em pontos de esquina
horizonte a energia solar, campo que da mesma forma e dos sistemas adotados de distribuição e comerciali-
vem sendo desbravado por empresas diversas daquelas zação. As empresas com "a coragem de suas convic-
que atualmente fornecem energia elétrica. ções" mantiveram resolutamente a filosofia da mercea-
Quem diz que as companhias de luz e forç~ anão ria da esquina. Ficaram com seu orgulho, mas per-
têm concorrência? Talvez representem hoje mona ~ó- deram a camisa.
lios naturais; mas amanhã talvez sofram morte na
tural. Para evitar que isto aconteça, elas também te- Ciclo Auto-ilusório
rão de criar pilhas e meios de aproveitar a energia
solar e outras fontes de energia. Para poderem sobre- Mas a memória é curta. Para as pessoas que hoje,
viver, elas próprias terão de tramar a obsolescência confiantemente, saúdam os messias gêmeos da ele-
daquilo que agora é seu ganha-pão. tt~ônica e da indústria química, é difícil, por exemplo,
Mercearias - Muita gente acha difícil acre- i maginar que esses dois setores de desenvolvimento
ditar que já houve um negócio florescente conhecido "galopante" poderão ir mal. Provavelmente tampouco
pelo nome de "armazém da esquina". O supermerca poderiam imaginar como um homem de negócios
do tomou seu lugar com poderosa eficiência. Contu- razoavelmente sensato poderia ter sido tão míope
do, as grandes cadeias de mercearias da década de como foi o famoso milionário de Boston que, inad-
1 930 eséaparam por um triz de serem completamente vertidamente, há cinqüenta anos, condenou seus her-
destruídas pela expansão agressiva dos supermercados deiros à pobreza ao determinar que todo o seu di-
autônomos. O primeiro supermercado autêntico foi nheiro fosse para sempre aplicado exclusivamente em
inaugurado em 1930 na localidade de Jamaica, em títulos das companhias de bondes elétricos. Sua afir-
Long Island (subúrbio de Nova York). Já em 1933 mação póstuma de que "sempre haverá uma grande
os supermercados floresciam na Califórnia, Ohio e demanda para transportes urbanos eficientes" não ser-
Pensilvânia. As antigas cadeias de mercearias, porém, ve de consolo para seus herdeiros, que ganham a vida
arrogantemente os ignoravam. Quando decidiram to- enchendo tanques de gasolina em postos de serviço.
mar conhecimento deles, fizeram-no com expressões Não obstante, em rápido levantamento que fiz
de escárnio, tais como "mixaria", "coisas do tempo recentemente num grupo de inteligentes empresários,
do onça", "vendinhas do interior" e "oportunistas quase a metade deles expressou a opinião de que
sem ética". seria difícil prejudicar seus herdeiros vinculando seus
O diretor de uma das grandes cadeias declarou, bens permanentemente à indústria eletrônica. Quan-
em certa ocasião, que achava "difícil acreditar que as do lhes apresentei o exemplo dos bondes de Boston,
pessoas percorram quilômetros em seus automóveis todos disseram em coro: "É diferente!" Mas é mes-
para comprar gêneros alimentícios, sacrificando o ser- mo? Basicamente, as duas situações não são iguais?
viço pessoal que as cadeias aperfeiçoaram e aos quais Acredito que na verdade não exista o que se
a Sra. Consumidora estava acostumada". z Em 1936,
2 Para mais detalhes, ver M. M. Zimmerman, The Super
os participantes da Convenção Nacional de Atacadis- Market: A Revolution in Distribution (New York, McGraw-
tas de Secos e Molhados e a Associação de Merceei- - Hill Book Company, Inc., 1955), p. 48.
ros de Nova JerseX ainda afirmavam què nada havia 3 Ibid., pp. 45-47.

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chama setor de rápida expansão. Há apenas compa- financeiro, pesquisas de produtos e treinamento de
nhias organizadas e dirigidas de forma a aproveitar dirigentes. Se a obsolescência é capaz de paralisar até
as oportunidades de expansão. As indústrias que acre- essas indústrias, então pode ocorrer em qualquer outra.
ditam estar subindo pela escada rolante automática
da expansão invariavelmente descem para a estagna- 0 Mito da População
ção. A história de todos os negócios "de rápida ex-
pansão", mortos ou moribundos, revela um ciclo A crença de que os lucros são assegurados por uma
auto-ilusório de grande ascensão e queda despercebi- população em crescimento e mais opulenta é profun-
da. Há quatro condições que em geral provocam este da em todos os setores. Ela alivia as apreensões que
ciclo: todos temos, compreensivamente, com respeito ao fu-
1 . A cre~iça de que o desenvolvimento é assegu- turo. Se os consumidores se estão multiplicando e tam-
rado por uma população em crescimento e mais opu- bém usando mais nosso produto ou serviço, podemos
lenta. encarar o futuro com muito maior sossego do que se
2. A crença de que não há substituto que possa o mercado se estivesse reduzindo. Um mercado em
concorrer com o principal produto da indústria. expansão evita que o fabricante tenha de se preocu-
3. Fé exagerada na produção em massa e nas par muito ou usar sua imaginação. Se o raciocínio é
vantagens na queda rápida dos custos unitários, à a reação intelectual a um problema, então a ausência
medida que aumenta a produção. de problemas conduz à ausência de raciocínio. Se
4. A preocupação com um produto que se pres- nosso produto conta com mercado em expansão auto-
ta à experimentação científica cuidadosamente contro- mática, não nos precisamos preocupar muito com a
maneira de expandi-lo.
Um dos exemplos mais interessantes com refe-
rência a este fato é o da indústria do petróleo. Prova-
velmente, nosso mais antigo setor de rápida expansão
tem uma história invejável. Conquanto haja alguma
apreensão, presentemente, com respeito ao seu ritmo
de desenvolvimento, á indústria mesma tende a ser
otimista. Acredito, porém, que se possa demonstrar
que ela está sofrendo uma mudança fundamental, em-
bora típica. Não somente está deixando de ser um
negócio de rápida expansão como pode até ser um
setor em decadência, relativamente a outros. Embora
haja ampla consciência do fato, creio que dentro de
25 anos a indústria do petróleo talvez venha a encon-
trar-se na mesma situação de um passado de glórias,
em que estão agora as estradas de ferro. Apesar de
suas atividades pioneiras no desenvolvimento e apli-
cação do método de valor atual de avaliação de inves-
timentos, em relação com os empregados e no traba-
lho em países atrasados, o setor do petróleo constitui
um exemplo contristador de como a fatuidade e a
lada, ao aperfeiçoamento e à redução dos custos de obstinação podem transformar uma boa oportunida-
fabricação. de em quase uma catástrofe.
Eu gostaria agora de começar a examinar com Uma das características deste e de outros seto-
algum detalhe cada uma dessas condições. A fim de res que muito acreditaram nas conseqüências benéfi-
argumentar da forma mais ousada possível, usarei cas de uma população em crescimento, sendo ao
como ilustração três setores: petróleo, automóveis e mesmo tempo empreendimentos com um produto ge-
eletrônica. Falarei particularmente do petróleo porque nérico para o qual parecia não haver concorrente, é
abrange um número maior de anos e porque passou que cada companhia tem procurado sobrepor-se aos
por mais vicissitudes: Não somente esses três setores go- seus competidores aperfeiçoando o que já está fa-
zam de excelente reputação entre o público em geral zendo. Isto tem lógica, é claro, quando se parte do
e também são alvo da confiança dos investidores so- princípio de que as vendas estão ligadas a setores da
fisticados, como ainda seus administradores se tor- população do país, pois os clientes só podem comparar
naram conhecidos devido à sua mentalidade progres- produtos tomando característica por característica.
sista em diversos campos, tais como os de controle Acredito ser significativo, por exemplo, que, desde que

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John D. Rockefeller enviou lampiões a querosene gra- de refinação possuem enormes reservas de óleo cru.
tuitámente para a China, a indústria do petróleo nada E estas só têm valor se houver um mercado para os
tenha feito de realmente extraordinário para criar um produtos em que pode ser transformado o petróleo.
mercado para seu produto. Nem mesmo em melhora Daí a crença obstinada na permanência da superiori-
do produto tem feito qualquer coisa de relevo. O dade competitiva dos combustíveis para automóveis,
maior aperfeiçoamento, que foi o desenvolvimento do extraídos do óleo cru.
chumbo tetraetílico, veio de fora da indústria - da Esta idéia persiste, a despeito de todas as provas
General Motors e da DuPont. As grandes contribui- históricas em contrário. Essas provas mostram não
ções feitas pela própria indústria limitam-se à tecnolo- somente que o petróleo nunca foi um produto de
gia da prospecção, produção e refino de petróleo. qualidade superior para qualquer fim durante muito
tempo como também que o respectivo setor nunca foi
Procurando Encrenca realmente um negócio de rápida expansão. Foi uma
sucessão de negócios diversos que atravessaram os
Em outras palavras, esse setor tem concentrado seus habituais ciclos históricos de crescimento, maturidade
esforços na melhora da eficiência na obtenção e fa- e decadência. Sua sobrevivência geral se deve a uma
bricação de seus produtos e não verdadeiramente no série de felizes coincidências, escapando milagrosa-
aperfeiçoamento de seu produto genérico ou sua co- mente da completa obsolescência ou, no último mo-
mercialização. Mais ainda, seu principal produto tem mento e por um fator inesperado, da ruína total.
sido continuamente definido com a expressão mais
acanhada possível, isto é, gasolina, em lugar de ener- Os Perigos do Petróleo
gia, combustível ou transporte. Esta atitude tem con-
tribuído para que: Relatarei de forma sucinta apenas os principais episó-
Os principais aperfeiçoamentos na qualidade dios:
da gasolina tendam a não ter origem na indústria do Primeiro, o óleo cru era sobretudo um medi-
petróleo. Da mesma forma, o desenvolvimento de su camento popular. Mas antes mesmo de passar essa
cedâneos de qualidade superior é feito fora da indús- "onda", a procura aumentou grandemente com o uso
tria do petróleo, como mostrarei mais adiante. de óleo cru nos lampiões a querosene. A perspectiva
As principais inovações no setor de ~narke- de alimentar os lampiões de todo o mundo deu ori-
ting de combustíveis para automóveis surjam em com- gem a uma exagerada promessa de desenvolvimento.
panhias de petróleo pequenas e novas, cuja preocupa As perspectivas eram semelhantes às que existem
ção primordial não é a produção ou refino. Estas são agora no setor com relação à gasolina em outras par-
as companhias responsáveis pelos postos de gasolina tes do mundo: Mal pode esperar que nas nações sub-
com várias bombas, que se multiplicam rapidamente, desenvolvidas passe a haver um carro em cada ga-
com sua ênfase bem sucedida em áreas grandes e bem ragem.
divididas, serviço rápido e eficiente e gasolina de boa Na época dos lampiões a querosene, as companhias
qualidade a preços baixos. concorriam entre si e contra o gás, procurando melho-
Assim sendo, a indústria do petróleo está pro- rar as características do querosene com respeito à
curando encrenca, que virá de fora. Mais cedo ou iluminação. De repente, o impossível aconteceu.
mais tarde, nesta terra de ávidos inventores e em Edison inventou uma lâmpada que não dependia de
presários, aparecerá com certeza uma ameaça. As forma alguma do óleo cru. Não fosse o uso crescen-
possibilidades de isto acontecer se tornarão mais evi- te de querosene em aquecedores de ambiente, a lâm-
dentes quando passarmos à seguinte crença perigosa pada incandescente teria então acabado comple-
de muitos administradores. Para que haja continui- tamente com o petróleo como setor de rápida expan-
dade, já que esta segunda crença está estreitamente são. O petróleo teria servido para pouco mais do que
ligada à primeira, manterei o mesmo exemplo. graxa para eixos.
Depois vieram de novo a ruína e a salvação.
I ndispensabilidade Ocorreram duas grandes inovações, nenhuma das
quais surgidas dentro do setor do petróleo. O desen
A indústria do petróleo está perfeitamente convenci- volvimento bastante bem sucedido dos sistemas de
da de que não há substituto que possa concorrer com calefação doméstica a carvão tornou o aquecedor de
seu principal produto, a gasolina; ou, se houver, que ambiente obsolescente. Enquanto perdia o equilíbrio,
continuará sendo um derivado do óleo cru, tal como o setor recebeu seu maior impulso de todos os tem-
é o óleo diesel ou o querosene para jatos. pos - o motor de combustão interna, também vindo
Há uma grande dose de otimismo forçado nesta de fora. E quando a prodigiosa expansão do consumo
premissa. O problema é que a maioria das companhias de gasolina finalmente começou a estabilizar-se na

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década de 1920, surgiu como que por milagre o tradicional. Em 1950, a maior parte das companhias
aquecedor central a óleo cru. Mais uma vez; a salva- previa índices anuais de expansão do mercado nacio-
ção viera de uma invenção e de uma conquista feitas nal da ordem de 6%, pelo menos até 1975. Embora
por pessoas estranhas ao setor. E quando o mercado a relação entre as reservas e a demanda de óleo cru
começou a fraquejar, o setor foi socorrido pela de- no Mundo Livre fosse de aproximadamente 20 para
manda maior de combustível para aviação havida du- l, sendo 10 para 1 considerada uma proporção razoá-
rante a guerra. Terminado o cónflito, a expansão da vel nos Estados Unidos, uma rápida ascensão da de-
aviação civil, a "dieselização" das ferrovias e a deman- rnanda fêz com que as empresas procurassem obter
da explosiva de automóveis e caminhões mantiveram ainda mais, sem importar-se suficientemente com o
bem alto o nível de desenvolvimento do setor. que o futuro realmente prometia. Em 1952, encon-
Enquanto isso, a calefação central a óleo - traram petróleo no Oriente Médio, saltando a relação
cujo potencial de extraordinário desenvolvimento ti- para 42 para 1. Se os acréscimos brutos às reservas
nha sido proclamado havia bem pouco - começou continuarem no mesmo ritmo médio dos últimos cin-
a enfrentar a séria concorrência do gás natural. Não co anos (37 bilhões de barris por ano), a relação po-
obstante as próprias companhias de petróleo fossem derá ser de até 45 para 1. Esta abundância de petró-
proprietárias do gás que agora competia com o petró- leo fêz baixar os preços de óleo cru e produtos deri-
leo, não foi o setor que iniciou a revolução do gás vados em todo o mundo.
natural, como também até hoje não tirou grandes lu-
cros de sua propriedade. A revolução do gás foi de- Futuro Incerto
flagrada por empresas de transporte recém-constituí-
das, que comercializavam o produto com agressivo Os administradores não encontram hoje muito conso-
ardor. Deram assim início a um novo e magnífico ne- lo no desenvolvimento acelerado da indústria petro-
gócio, primeiro contra os conselhos e depois enfren- química, que é outra idéia para utilização do petróleo
tando a resistência das companhias de petróleo. não surgida nas principais firmas do ramo. A produ-
Por lógica, as próprias companhias de petróleo é ção total de produtos da indústria petroquímica nos
que deveriam ter iniciado a revolução do gás. Não é Estados Unidos equivale a cerca de 2% (por volume)
que elas somente possuíam o gás; eram também as da demanda de todos os produtos de petróleo. Em-
únicas empresas que tinham experiência em seu ma- bora esteja previsto no momento um índice de de-
nuseio e uso, as únicas que tinham experiência na senvolvimento de 10% por ano para a indústria pe-
tecnologia de instalação e transporte por tubos, co- troquímica, isto não compensará as reduções da taxa
nhecendo além disso os problemas relacionados com de crescimento do consumo de óleo cru. Além do
o aquecimento. Contudo, em parte porque sabiam que mais, conquanto os produtos da indústria petroquí-
o gás natural concorreria com o óleó destinado a mica sejam numerosos e estejam aumentando, é bom
aquecimento, as companhias de petróleo zombaram do lembrar que há fontes de matéria-prima diferentes
potencial do gás. do petróleo, como é o caso do carvão. Acrescente-se
A revolução foi finalmente iniciada por dirigentes a isso o fato de que muitos plásticos podem ser pro-
das empresas de oleodutos, os quais, não conseguindo duzidos com relativamente pouco petróleo. Uma refi-
persuadir suas próprias companhias a passar a tra naria de petróleo com capacidade para 50 000 barris
balhar com gás, deixaram seus empregos e organiza- por dia é atualmente considerada de proporções abso-
ram as firmas de transporte, que tiveram êxito espeta- l utamente mínimas para que haja eficiência. Uma in-
cular. Mesmo depois que esse êxito se tornou doloro- dústria química de 5 000 barris por dia é, porém, um
samente evidente para as companhias de petróleo, empreendimento de tamanho gigantesco.
estas não se interessaram pelo transporte de gás. O A indústria do petróleo nunca foi um setor de
negócio multibilionário, que deveria ter sido seu, ficou rápida expansão continuamente forte. Desenvolveu-se
para outros. Como ocorrera anteriormente, o setor do muito irregularmente, sempre salva milagrosamente
petróleo teve sua visão prejudicada por sua preocu- por inovações e conquistas que não eram de sua pró-
pação tacanha com um produto específico e o valor pria iniciativa. A razão por que não teve um desen-
de suas reservas. Prestou pouca ou nenhuma atenção volvimento regular é que, quando acreditava possuir
às preferências e necessidades básicas de seus consu- um produto de categoria superior, sem possibilidade
midores. de ter um substituto à altura, esse produto acabava
Nos anos que se seguiram à guerra não houve revelando-se inferior em qualidade e obviamente su-
nenhuma alteração. Imediatamente depois da rr Guer- jeito a obsolescência. Até agora a gasolina (como
ra. Mundial, a indústria do petróleo mostrou-se gran combustível para motores a explosão, pelo menos )
demente animada quanto ao seu futuro devido ao escapou de ter a . mesma sorte. Mas, como veremos
rápido aumento da procura de seus produtos da linha mais adiante, também ela talvez esteja nas últimas.
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O que se pretende demonstrar corn tudo isto é que anos a cúpula administrativa tem efetivamente dito
não existe garantia contra a obsolescência dos produ- aos departamentos de vendas: "Vocês coloquem a
tos. Se as pesquisas da própria companhia não os tor- mercadoria; nós nos preocupamos com os, lucros."
narem obsoletos, as de outras os tornarão. A menos Contrastando com essa atitude, uma firma verdadei-
que um setor de atividade tenha. muita sorte, como ramente preocupada com as atividades de marketing
teve a indústria do petróleo até o momento, pode fa- procura produzir mercadorias e serviços que valham
cilmente naufragar num mar de deficits, conforme o que custam e que os consumidores desejarão com-
aconteceu com as estradas de ferro, os fabricantes de prar. O que ela põe à venda compreende não so-
chicotes para carruagens, as cadeias de mercearias, a mente o produto ou serviço mas também a maneira
maioria das grandes empresas cinematográficas e pela qual chega ao consumidor, sob que forma, quan-
muitos outros negócios. do, em que condições, inclusive comerciais. O que é
A melhor maneira de uma firma ter sorte é cons- mais importante, aquilo que é posto à venda, é de-
truí-la por si mesma. Isso exige o conhecimento da- terminado não pelo vendedor mas pelo comprador.
quilo que faz um negócio ter êxito. E um dos maio O vendedor recebe sugestões do comprador de tal
res inimigos deste conhecimento é a produção em forma que o produto se torna uma conseqüência das
massa. atividades de marketing e não o contrário.

Pressões de Produção Atraso em Detroit

As indústrias de produção em massa estão sujeitas a Isto pode parecer uma regra elementar do comércio,
uma força que as impele a produzir tudo que podem. mas não é por isso que deixa de ser infringida cons-
A possibilidade de reduzir drasticamente os custos tantemente. Com toda certeza, é mais infringida do
unitários à medida que aumenta a produção é algo a que seguida. Tomemos, por exemplo, a indústria auto-
que a maior parte das companhias normalmente não mobilística
resiste. As perspectivas de maior lucro se afiguram Neste setor a produção em massa é mais famosa,
espetaculares. Todos os esforços se concentram na mais respeitada e causa o maior impacto em toda a
produção. O resultado é que a parte de marketing sociedade. Seu sucesso está ligado à absolutamente in
fica esquecida. dispensável mudança anual de modelo, política que
John Kenneth Galbraith sustenta que acontece torna a orientação para o cliente uma premente ne-
exatamente o contrário.' A produção é tão prodigiosa cessidade. Em conseqüência, as empresas automobi-
que todos os esforços se concentram em sua coloca lísticas gastam anualmente milhões de dólares em
ção. Diz ele que isto explica os anúncios musicados, pesquisas junto aos consumidores. Todavia, o fato de
a profanação do campo com painéis de propaganda e que os novos carros compactos estão sendo tão bem
outras atividades ruidosas e vulgares. Galbraith cha- vendidos em seu primeiro ano de produção mostra
mou a atenção para um fenômeno real, mas não sou- que as amplas pesquisas de Detroit durante muito
be ver o que nele há de mais importante. A produção tempo deixaram de revelar o que os fregueses real-
em massa efetivamente gera grande pressão para que mente desejavam. Detroit não ficou convencida de
o produto seja colocado. Mas em geral aquilo a que que eles queriam algo diferente do que lhes vinha
se dá ênfase é a venda e não o marketing. Por ser sendo oferecido até que perdeu milhões de fregueses
uma atividade mais sofisticada e mais complexa, o para outros fabricantes de carros pequenos.
marketing é posto de lado. Como pôde durar tanto este inacreditável atraso
A diferença entre marketing e venda é mais do no atendimentó das necessidades dos consumidores?
que uma questão de palavras. A venda se concentra Por que as pesquisas não revelaram as preferências
nas necessidades do vendedor e o marketing nas ne dos consumidores antes que as próprias decisões des-
cessidades do comprador. A venda se preocupa com tes últimos por ocasião de compra revelassem a ver-
a necessidade do vendedor de converter seu produto em dadeira situação? Não é para isso que existem as pes-
dinheiro; o marketing, com a idéia de satisfazer às quisas - para descobrir o que vai acontecer antes que o
necessidades do cliente por meio do produto e de fato aconteça? A resposta é que, na verdade, Detroit
todo o conjunto de coisas ligadas à sua fabricação, à jamais pesquisou as necessidades dos fregueses. So-
sua entrega e, finalmente, ao seu consumo. mente pesquisou suas preferências entre as coisas que
Em alguns setores, a tentação da total produção já tinha decidido oferecer-lhes. Isso porque Detroit
em massa tem sido tão grande que durante muitos tem seu espírito voltado sobretudo para o produto e
não para o cliente. Admitido o fato de que o cliente
4 The Affluent Society (Boston, Houghton Mifflin Com- tem necessidades que o fabricante deve procurar
pany, 1958), pp. 152-160. atender, Detroit em geral age como se a questão

BIBLIOTECA HARVARD 9
pudesse ser completamente resolvida mediante mu- matéria de produção. Na realidade, ele era um gênio
danças no produto. Uma vez ou outra o financiamento em marketing. Acreditamos que ete conseguiu redu-
também recebe atenção, mas isso se faz mais para zir o preço de venda e assim vender milhões de
vender do que para possibilitar a compra pelo freguês. automóveis a 500 dólares cada um graças à sua in-
Quanto a atender outras necessidades do cliente, venção da linha de montagem, que diminuía os custos.
o que está sendo feito não é suficiente para se poder Na realidade, ele inventou a linha de montagem
escrever a respeito. As mais importantes das necessida porque concluíra que, a 500 dólares por unidade, ele
des não satisfeitas são ignoradas ou quando muito são poderia vender milhões de automóveis. A prod~ição
tratadas como enteadas. Referem-se essas necessida- em massa foi o resultado e não a causa dos preços
des aos pontos de venda e aos serviços de conserto baixos.
e manutenção dos veículos. Detroit considera de im- Ford salientava constantemente este ponto, mas
portância secundária tais necessidades. Isso é eviden- uma nação de administradores de empresas orientados
ciado pelo fato de que as áreas de varejo e manuten- para a produção se recusa a aprender a lição que ele
ção da indústria automobilística não pertencem, não deu. Eis sua política de ação, em explicação sucinta
são geridas nem são controladas pelos fabricantes. dada por ele mesmo:
Produzido o automóvel, as coisas ficam em grande "Nossa política consiste em reduzir o preço,
parte nas mãos incapazes do revendedor. Represen- ampliar as atividades e melhorar o artigo. Note-se
tativo da atitude distante de Detroit é o fato de que, que a redução de preço vem em primeiro lugar.
embora a manutenção geré exceléntes oportunidades Nunca consideramos fixos quaisquer custos. Por isso,
de vendas e de lucros, somente 57 dos 7 mil reven- primeiro reduzimos o preço até o ponto em que acre-
dedores Chevrolet têm atendimento noturno. ditamos que haverá mais vendas. Então tratamos de
Os proprietários de automóveis vêm manifestan- fixar esse preço, sem nos importar com os custos. O
do repetidamente sua insatisfação com respeito à novo preço força os custos a baixar. O procedimento
manutenção e seu receio de comprar outros carros mais comum é calcular os custos e então determinar
dentro do atual sistema de venda. As apreensões e o preço. Embora esse método possa ser científico num
problemas que sofrem por ocasião da compra e na sentido restrito, não é científico num sentido lato, pois
manutenção de seu automóvel são provavelmente de que serve saber o custo se ele apenas the revela
mais intensos e mais comuns hoje do' que eram há que você não pode fabricar o artigo a um preço ao
trinta anos. No entanto, as companhias automobilís- qual possa ser vendido? Mais importante, porém, é o
tica) não parecem ouvir ou aceitar as sugestões dos fato de que, embora se possa calcular um custo - e
cunsumidores angustiados. Se por acaso eles ouvem, é claro que todos os nossos custos são cuidadosamen-
deve ser através do filtro de suas próprias preocupa- te calculados -, ninguém sabe qual deveria ser esse
ções com a produção. As atividades de marketing custo. Uma das formas de descobrir ( . . . ) é estabele-
ainda são consideradas uma conseqüência necessária cer um preço tão baixo que força todos do lugar a
do produto e não o contrário, como deveria ser. Isto chegar ao seu ponto máximo de eficiência. O preço
é herança da produção em massa, com sua noção baixo faz com que todo o mundo lute para. conseguir
estreita de que o lucro vem essencialmente da produ- lucros. Fazemos mais descobertas, relacionadas com a
ção a baixo custo. fabricação e venda, usando este método forçado do
que com qualquer outro método de investigação des-
O que Ford Pôs em Primeiro Lugar preocupada." 5

Os atrativos em matéria de lucro oferecidos pela pro- Provincianismo de Produto


dução em massa têm evidentemente seu lugar nos
planos e na estratégia da administração de negócios, As tentadoras possibilidades de lucro através de bai-
mas deve sempre seguir-se a uma grande preocupação xos custos unitários de produção talvez représentem a
pelo cliente. Esta é uma das mais importantes lições mais séria das atitudes auto-ilusórias de que pode pa-
que podemos tirar do comportamento contraditório decer uma companhia, particularmente uma compa-
de Henry Ford. De certa maneira, Ford foi ao mesmo nhia "de rápida expansão", na qual um aumento da
tempo o mais brilhante e o mais insensato negociante procura aparentemente garantido já tende a solapar
da história dos Estados Unidos. Foi insensato porque uma preocupação adequada com a importância do
se recusou a dar aos fregueses qualquer coisa que marketing e dos clientes.
não fosse um automóvel preto. Foi brilhante porque A conseqüência habitual desta preocupação es-
idealizou um sistema de produção destinado a aten-
der às necessidades do mercado. Em geral nós o ho- 5 Henry Ford, My Life and Work ( New pork, Double-
menageamos por um motivo errado: seu gênio em day, Page & Company, 1923), pp. 146-147.
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treita com as chamadas questões concretas é que, ao químicos não derivados do petróleo - quase sempre
invés de crescer, o negócio piora. Em geral significa hidrogênio e oxigênio.
que o produto não consegue adaptar-se aos padrões Várias outras companhias têm modelos de
constantemente modificados das necessidades e gostos baterias elétricas destinadas a acionar automóveis.
do consumidor, aos novos e diferentes processos e Uma delas é uma fábrica de aviões, que vem traba
práticas de marketing ou aos desenvolvimentos de lhando conjuntamente com diversas empresas de for-
produtos em setores concorrentes ou complementares. necimento de energia elétrica. Estas últimas esperam
O setor em questão está com a atenção tão concen- poder usar sua capacidade geradora das horas que
trada em seu próprio produto específico que não con- não sejam de pico para fornecer a eletricidade neces-
segue ver como ele se está tornando obsoleto. sária para regenerar as baterias durante a noite, quan-
O exemplo clássico é o da indústria de chicotes do são ligadas nas tomadas. Outra companhia, tam-
para carruagens. Não haveria aperfeiçoamento do bém interessada em desenvolver baterias, é uma fir-
produto que pudesse salvá-lo da condenação à morte. ma de produtos eletrônicos de tamanho médio, com
Se, entretanto, esse- negócio se tivesse definido como larga experiência em pequenas pilhas, que criou em
parte do setor de transportes e não da indústria de suas atividades ligadas a aparelhos para ouvido. Essa
chicotes para carruagens, talvez tivesse sobrevivido. trabalha em colaboração com uma indústria automo-
Teria feito aquilo que sempre acompanha a sobrevi- bilística. Aperfeiçoamentos recentes, surgidos da neces-
vência, isto é, teria mudado. Se tivesse pelo menos sidade de acumuladores miniaturizados de alta po-
se definido como parte do setor de estimulantes ou tência para uso em foguetes, tornam próximo o apa-
catalisadores de uma fonte de energia, talvez tivesse recimento de uma bateria relativamente pequena, ca-
sobrevivido transformando-se em fabricante de, diga- paz de suportar grandes cargas ou elevações bruscas
mos, correias de ventilador ou purificadores de ar. de tensão. A aplicação de díodos de germânio e as
O que poderá algum dia ser um exemplo mais baterias que utilizam chapas sinterizadas e técnicas
clássico é, voltando uma vez mais ao assunto, a in- relacionadas com o níquel-cádmio prometem uma re-
dústria do petróleo. Tendo deixado que outros lhe volução em nossas fontes de energia.
arrebatassem ótimas oportunidades (por exemplo: gás Os sistemas de conversão da energia solar
natural, já mencionado, combustíveis para mísseis e também vêm sendo alvo de atenção cada vez maior.
lubrificantes para motores a jato), esperar-se-ia que Um dirigente de indústria automobilística de Detroit,
esse setor tomasse providências para que isso jamais geralmente cauteloso em suas afirmações, aventou re-
voltasse a acontecer. Mas não é bem assim. Está ha- centemente a possibilidade de que até 1980 sejam
vendo no momento novas conquistas em sistemas de comuns os carros movidos a energia solar.
combustíveis destinados especificamente a automóveis. Quanto às companhias de petróleo, estão mais
Não somente essas conquistas estão sendo feitas por ou menos "observando os acontecimentos", como me
firmas estranhas ao setor do petróleo como este vem, disse um diretor de departamento de pesquisas. Al
quase sistematicamente, ignorando-as, plenamente sa- gumas estão fazendo um pouco de pesquisas com
tisfeito em seu firme apego ao produto. >r a história do pilhas, mas limitando-se quase sempre a criar baterias
lampião a querosene contra a lâmpada incandescente alimentadas por hidrocarbonetos. Nenhuma se dedica
que se repete. A indústria do petróleo está procu- com entusiasmo à pesquisa de pilhas, baterias ou ge-
rando melhorar os combustíveis de hidrocarbonetos em radores solares. Nenhuma aplica em pesquisas, nessas
vez de criar quaisquer combustíveis que melhor se áreas extremamente importantes, sequer uma fração
adaptem às necessidades dos usuários, produzidos ou do que gasta em coisas corriqueiras, tais como a re-
não de maneira diferente e com outras matérias-primas dução de depósitos na câmara de combustão dos mo-
que não sejam petróleo. tores a gasolina. Uma importante companhia de pe-
Eis algumas das atividades a que companhias tróleo de funcionamento integrado fêz uma rápida aná-
estranhas ao setor do petróleo se vêm dedicando: lise da questão das pilhas e concluiu que, embora "as
Mais de uma dúzia de empresas já possuem companhias que nela trabalham ativamente manifes-
modelos avançados de sistemas de energia que, ao tem sua crença no sucesso final ( . . . ), a ocasião e a
serem aperfeiçoados, substituirão o motor de combustão magnitude de seu impacto estão por demais distantes
interna e acabarão com a necessidade de se usar ga- para justificar o reconhecimento de seu valor em
solina. O mérito maior de cada um desses sistemas é nossas previsões".
o fato de eliminar as freqüentes paradas para reabas- Poder-se-ia, é claro, perguntar : Por que deve-
tecimento, que irritam e fazem perder tempo. A maio- riam as companhias de petróleo agir de maneira di-
ria desses sistemas consiste em pilhas idealizadas de ferente? As pilhas químicas, as baterias ou a energia
forma a gerar eletricidade diretamente de produtos solar não acabariam com suas atuais linhas de pro-
químicos, sem combustão. Em geral usam produtos dutos? A resposta é que realmente acabariam. E essa

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é exatamente a razão por que as empresas de petróleo senão trabalhar na descoberta de um combustível
deveriam construir essas unidades fornecedoras de eficiente e de longa duração (ou um meio de fornecer
energia antes que seus concorrentes o façam, para que os atuais combustíveis sem aborrecer os motoristas ) ,
não se transformem em companhias pertencentes a como as grandes cadeias de mercearias tiveram de
um setor inexistente. transformar-se em supermercados e os fabricantes ~de
Seus administradores tenderiam a fazer aquilo válvulas precisaram passar a fazer semicondutores.
que é necessário para sua própria preservação se se Em seu próprio benefício, as companhias de petróleo
considerassem como parte do setor de energia. Mas terão de destruir seus próprios bens, que lhes têm pro-
nem isso seria suficiente, se insistissem em manter-se porcionado lucros tão elevados. Não há otimismo
i mobilizados pelas garras apertadas de sua tacanha com respeito ao futuro que as livre da necessidade de
orientação para o produto. Devem eles considerar sua praticar esta forma de "destruição criativa".
tarefa o atendimento das necessidades dos clientes e Saliento tanto esta necessidade por acreditar que
não a prospecção, o refino e mesmo a venda de pe- os administradores precisam fazer um esforço muito
tróleo. Uma vez que a direção de uma empresa con- grande para libertar-se das formas convencionais. Nos
sidere verdadeiramente sua tarefa atender às neces- dias que correm, é muito fácil para uma companhia
sidades de transportes do povo, ninguém poderá im- ou um setor de atividade deixar que seu senso de
pedi-la de criar sua própria expansão, extraordina- objetivo seja dominado pela economia da produção
riamente lucrativa. total, dando origem a uma orientação para o produto
perigosamente desequilibrada. Em resumo, se os ad-
"Destruição Criativa" ministradores agem sem plena consciência do que está
acontecendo, tendem invariavelmente a considerar-se
Como as palavras custam pouco e as ações muito, pessoas empenhadas em produzir bens e serviços e
talvez convenha mostrar o que implica e a que con- não em atender clientes. Conquanto não cheguem ao ex-
duz este raciocínio. Vamos iniciar pelo começo - o tremo de dizer aos seus vendedores: "Vocês colo-
cliente. Pode-se demonstrar que quem dirige automóvel quem a mercadoria; nós nos preocupamos com os
detesta o aborrecimento e a perda de tempo que acar- lucros", podem, sem saber, estar precisamente pondo
reta a necessidade de comprar gasolina. Na verdade em prática um método de paulatina decadência. O
não compramos gasolina. Não podemos vê-la, nem destino histórico de muitos e muitos setores de rápi-
prová-la, nem senti-la no tato, nem avaliá-la, nem da expansão tém sido seu provincianismo suicida em
experimentá-la realmente. O que compramos é o di- matéria de produto.
reito de continuar a dirigir nossos carros. O posto
de gasolina é como um coletor de impostos a quem Pesquisas e Desenvolvimento
somos obrigados a pagar uma taxa periódica para uso
de nossos carros. Isto torna o posto de gasolina uma Outro grande perigo para o desenvolvimento constante
i nstituição essencialmente impopular. Jamais poderá de uma firma surge quando a cúpula administrativa
tornar-se popular ou agradável, mas somente menos fica totalmente paralisada pelas possibilidades de lu-
i mpopular, menos desagradável. cro oferecidas pelas pesquisas e desenvolvimento téc-
Acabar completamente com sua impopularidade nico. Como ilustração, citarei primeiro uma nova in-
significa eliminá-lo. Ninguém gosta de coletor de dústria - a eletrônica - e depois voltarei a falar
i mpostos, nem mesmo daquele que seja jovial e sim uma vez mais das companhias de petróleo. Compa-
pático. Ninguém gosta de interromper uma viagem rando um novo exemplo com outro já conhecido, es-
para comprar um produto fantasma, mesmo que quem pero salientar a difusão e o caráter insidioso de uma
o venda seja um formoso Adônis ou uma Vênus sé- maneira perigosa de pensar.
dutora. Portanto, as companhias que vêm trabalhan-
do na descoberta de exóticos combustíveis sucedâneos "Marketing" Fraudado
dos atuais estão indo diretamente para os braços
abertos dos irritados motoristas. A consecução de No caso da eletrônica, o maior perigo com que se de-
seu objetivo é inevitável, não porque estejam criando frontam as novas e fascinàntes companhias do setor
algo que é tecnologicamente superior ou mais sofis- não é o fato de não darem bastante atenção às ativi-
ticado, mas sim porque estão atendendo a uma forte dades de pesquisa e desenvolvimento, mas sim por
necessidade do cliente. Também estão eliminando l hes darem atenção demais. E pouco importa, no caso
odores prejudiciais e a poluição do ar. o fato de que as companhias eletrônicas que se desen-
Uma vez que reconheçam a lógica do atendi- volvem mais rapidamente devem sua posição de des-
mento do cliente por outro sistema de energia, as taque à muita ênfase que dão às pesquisas técnicas.
companhias de petróleo verão que nada lhes resta Elas saltaram para uma situação de abundância apro-

12 BIBLIOTECA HARVARD
veitando a inesperada onda de uma receptividade ge- ção se torna particularmente atraente quando o pro-
ral singularmente forte a novas idéias técnicas. Além duto pode ser fabricado a custos unitários cada vez
disso, seu êxito iniciou-se no mercado praticamente menores. Não há forma mais convidativa de ganhar
garantido dos subsídios militares e graças aos pedidos dinheiro do que pelo funcionamento da fábrica a
de origem militar, que em muitos casos precedem todo vapor.
mesmo a existência de instalações para a fabricação Presentemente, a orientação desequilibrada com
dos produtos. Sua expansão, em outras palavras, rea- ênfase na ciência, engineering e produção de tantas
lizou-se quase sem nenhuma atividade de marketing. indústrias eletrônicas vêm funcionando razoavelmente
Essas companhias vêm-se desenvolvendo, assim, bem porque estão explorando novas áreas nas quais
em condições .perigosamente próximas da ilusão de as Forças Armadas desbravaram mercados pratica-
que um produto de qualidade superior se venderá por mente garantidos. Essas empresas se encontram na
si só. Tendo criado uma companhia bem sucedida agradável situação de precisar prover e não na de
pela fabricação de um produto superior, não é de encontrar mercados; de não precisar descobrir o que o
causar surpresa que seus dirigentes continuem a ter freguês necessita e quer, mas atender às suas novas de-
o espírito voltado mais para o produto do que para mandas específicas, por ele reveladas espontaneamen-
as pessoas que o consomem. Surge assim a filosofia te. Se uma equipe de consultores tivesse sido incum-
de que o crescimento constante é uma questão de bida especificamente de idealizar uma situação co-
contínua inovação e aperfeiçoamento do produto. mercial calculada de forma a evitar o aparecimento
Vários outros fatores contribuem para fortalecer e desenvolvimento de uma posição, em marketing,
e manter essa crença: orientada para o cliente, não poderia ter produzido
1. Porque os produtos eletrônicos são alta- nada melhor do que as condições que acabo de des-
mente complexos e sofisticados, surge um desequilí- crever.
brio entre a administração e os engenheiros e cientis
tas. Isto dá origem a uma predisposição em favor da Tratamento de Enteado
pesquisa e da produção, em detrimento das ativida-
des de marketing. A organização tende a acreditar que A indústria do petróleo é um notável exemplo de
sua tarefa é fabricar coisas e não satisfazer às neces- como a ciência, a tecnologia e a produção em massa
sidades dos clientes. O marketing é tratado como podem desviar todo um grupo de companhias de sua
uma atividade residual, "outra coisa", que precisa ser principal tarefa. Admitindo-se que o consumidor seja
feita depois de executada a função vital de criação e de qualquer forma estudado (o que não é muito), o
fabricação do produto. ponto centra?. é sempre a obtenção de informações des-
2. A esta predisposição em favor da pesquisa, tinadas a ajudar as companhias de petróleo a melho-
desenvolvimento e fabricação do produto acrescenta-se rar o. que agora estão fazendo. Elas procuram desco-
a predisposição em favor das variáveis controláveis. brir temas de publicidade mais convincentes, campa-
Os engenheiros e cientistas sentem-se "em casa" no nhas de promoção de vendas mais eficientes, qual a
mundo de coisas concretas, tais como máquinas, tubos participação no mercado das diversas empresas, o de
de ensaio, linhas de produção e mesmo balanços. As que o povo gosta ou não gosta com respeito aos pos-
abstrações para as quais se sentem inclinados são tos de serviço e companhias de petróleo e assim por
aquelas que podem ser postas à prova ou manipula- diante. Ao procurar proporcionar satisfação ao clien-
das no laboratório; ou, se não puderem ser submeti- te, ninguém parece estar tão interessado em aprofun-
das a provas, que sejam funcionais, como é o caso dos dar-se no conhecimento das necessidades básicas do
axiomas de Euclides. Em resumo, os administradores homem que o setor poderia tentar atender, quanto em
das novas e fascinantes companhias de rápida expan- aprofundar-se no conhecimento das propriedades bá-
são tendem a ter preferência por essas atividades que sicas da matéria-prima com a qual trabalham as com-
se prestam a cuidadoso estudo, experimentação e con- panhias.
trole, os quais representam a realidade concreta e Raramente se fazem perguntas básicas referentes
prática do laboratório, da oficina, dos livros. a fregueses e mercados. Os últimos têm condição de
Ficam fraudadas as realidades do mercado. Os enteado. Reconhece-se que existem, que precisam ser
consumidores são imprevisíveis, variáveis, volúveis, cuidados, mas não que merecem muita preocupação
estúpidos, míopes, teimosos e em geral maçantes. Não ou desvelada atenção. Ninguém se impressiona tanto
é isso o que dizem os engenheiros-administradores, com os fregueses que são seus vizinhos como com o
mas bem no fundo é isso que eles pensal~n. E isso ex- petróleo que existe no Deserto do Saara. Nada ilus-
plica o fato de eles se concentrarem naquilo que sa- tra melhor a situação de abandono do marketing do
bem e que podem controlar, ou seja, a pesquisa, engi- que o tratamento que lhe tem sido dado nos órgãos
neering e fabricação do produto. A ênfase na produ- dç divulgação do setor.

BIBLIOTECA HARVARD 13
A edição do centenário da American Petroleum guês e suas necessidades; não com uma patente, uma
lnstitute Quarterly, publicada em 1959 para come- matéria-prima ou habilidade para vender. Partindo
morar a descoberta de petróleo em Titusville, Estado das necessidades do freguês, a indústria se desenvolve
da Pensilvânia, continha 21 matérias que proclama- de trás para diante, preocupando-se primeiro com a
vam a grandeza do setor. Somente uma delas falava conversão física da satisfação do cliente. Retrocede,
das realizações no campo de marketing e era apenas depois, um pouco mais, criando as coisas pelas quais
uma reportagem ilustrada sobre a evolução da arqui- essa satisfação é em parte conseguida. A maneira pela
tetura dos postos de serviço. A edição continha tam- qual essas coisas são criadas é indiferente para o fre-
bém uma seção especial sobre "Novos Horizontes", guês, de onde se infere que a forma particular de
destinada a mostrar o papel magnífico que ó petróleo fabricação, industrialização ou o que quer que seja
desempenharia no futuro dos Estados Unidos. O tom não pode ser considerado um aspecto vital do negó-
era de exuberante otimismo, não se dando a entender cio. Finalmente, retrocede-se ainda um pouco mais
uma vez sequer que o petróleo poderia ter algum para encontrar as matérias-primas necessárias para a
forte competidor. Até mesmo a referência feita à fabricação dos produtos.
energia atômica era um animado relato de como 0 O que há de irônico em algumas indústrias orien-
petróleo colaboraria para que a energia atômica tives- tadas para a pesquisa e o desenvolvimento técnico é
se êxito. Não havia nenhuma preocupação de que a que os cientistas que ocupam os altos cargos executi
opulência da indústria do petróleo pudesse ser amea- vos nada têm de científicos quando definem as neces-
çada ou qualquer indício de que um dos "novos ho- sidades e objetivos gerais de suas companhias. Eles
rizontes" poderia conter novas e melhores formas de violam as duas primeiras regras do método científico
servir os atuais fregueses do petróleo. de ação: ter consciência e definir os problemas de
Mas o exemplo mais revelador do tratamento de suas companhias e, depois, aventar hipóteses verificá-
enteado, dado ao marketing, era outra série especial veis para sua solução. Eles têm espírito científico so-
de pequenos artigos sobre "O Potencial Revolucioná menté naquilo que fôr cômodo, tais como experiên-
rio da Eletrônica". Sob esse título geral, aparecia no cias de laboratório e com produtos. A razão pela qual
índice a seguinte lista de artigos: o cliente (e, com ele, o atendimento de suas mais for-
"Na Prospecção de Petróleo". tes necessidades ) não é considerado "o problema" não
"Nas Operações de Produção". é por se acreditar que tal problema não existe, mas
"Nos Processos de Refino". sim porque uma vida inteira de organização condicio-
"Nas Operações com Oleodutos". nou os administradores a ficarem sempre voltados
É significativo o fato de que estão relacionadas para o outro lado. O marketing é um enteado.
todas as principais áreas funcionais do setor, exceto Não quero dizer que a parte de vendas é ignora-
a de marketing. Por quê? Ou se acredita que na eletrô da. Longe disso. Mas vendas, repito, não é marketing.
nica não há potencial revolucionário para o marketing Conforme já assinalei, a parte de vendas se preocupa
de petróleo (o que é obviamente errado) ou os reda- com os truques e as técnicas de fazer com que as pes-
tores se esqueceram de incluir essa parte (o que é mais soas troquem seu dinheiro por um produto. Não se
provável e evidencia sua condição de enteado). preocupa com os valores aos quaic diz respeito a troca.
A ordem na qual são relacionadas as quatro áreas E, ao contrário do que invariavelmente faz o marketing,
funcionais também trai a alienação da indústria rela- não vê no conjunto das atividades comerciais um es-
tivamente ao consumidor. Nela está implícito que suas forço global para descobrir, criar, suscitar e atender
atividades começam com a prospecção de petróleo e às necessidades dos fregueses. O freguês é alguém que
terminam com a distribuição a partir da refinaria. A está "lá adiante" e que, mediante um golpe bem dado,
verdade, porém, segundo me parece, é que essas ati- pode abrir mão de seu dinheirinho.
vidades começam com a necessidade que o consumi- Na realidade, nem mesmo a parte de vendas é
dor tem de tais produtos. Dessa posição fundamental alvo de muita atenção em algumas firmas de espírito
deve-se retroceder para áreas de importância cada vez tecnológico. Por haver um mercado praticamente ga
menor, até parar, finalmente, na "prospecção de pe- rantido para o escoamento abundante de seus novos
tróleo". produtos, na verdade elas nem sabem bem o que é
um mercado. É como se elas fizessem parte de uma
Começo e fim economia planejada, mandando seus produtos rotinei-
ramente da fábrica para o varejo. A concentração de
F, de importância capital a compreensão por todos os seus esforços nos produtos, sempre bem sucedida,
empresários de que um setor de atividade representa tende a convencê-ias do acerto de sua atitude, sem
um processo de atendimento do cliente e não de pro- conseguir ver que sobre o mercado começam a for-
dução de bens. Qualquer indústria começa com o fre- mar-se nuvens negras.
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Conclusão Sensação Profunda de Grandeza

Há menos de 75 anos, as estradas de ferro americanas Obviamente, a companhia precisa fazer o que exige a
gozavam de uma profunda lealdade de parte dos astu- necessidade de sobrevivência. Precisa adaptar-se às
tos freqüentadores da Wall Street. Monarcas europeus exigências do mercado e o mais cedo que puder. Mas
nelas investiam muito dinheiro. Acreditava-se que te- a mera sobrevivência é uma aspiração medíocre. Qual-
riam eterna riqueza todos aqueles que pudessem amea- quer um pode sobreviver de uma forma ou de outra:
lhar alguns milhares de dólares para aplicá-los em até mesmo um vagabundo das sarjetas. A vantagem é
ações das ferrovias. Nenhum outro meio de transporte sobreviver galantemente, é sentir a emoção intensa da
poderia competir com as estradas de ferro em veloci- maestria comercial; não sentir apenas o odor agradável
dade, flexibilidade, durabilidade, economia e potencial do sucesso, mas experimentar a sensação profunda de
de desenvolvimento. Disse a respeito Jacques Barzun: grandeza empresarial.
"Na passagem do século, era uma instituição, uma Nenhuma organização pode atingir a grandeza
i magem do homem, uma tradição, um código de hon- sem um líder vigoroso que é impelido para a frente
ra, uma fonte de poesia, uma sementeira dos sonhos por sua vibrante vontade de vencer. Ele deve ter uma
da infância, um brinquedo sublime e a mais solene visão de grandiosidade, visão que possa atrair arden-
das máquinas - depois do carro fúnebre - que mar- tes seguidores em enormes quantidades. No mundo dos
cam as épocas da vida de um homem." s negócios, os seguidores são os clientes. Para atrair
Mesmo depois do advento dos automóveis, ca- esses clientes, toda a empresa deve ser considerada
minhões e aviões, os magnatas das estradas de ferro um organismo destinado a criar e atender a clientela.
permaneciam imperturbavelmente seguros de si. Se A administração não deve julgar que sua tarefa é
há sessenta anos alguém lhes dissesse que no prazo de fabricar produtos, mas sim proporcionar as satisfações
trinta anos estariam arruinados, sem um tostão no que angariam clientes. Deve propagar esta idéia (e
bolso, implorando subvenções do governo, pensariam tudo que ela significa e exige) por todos os cantos da
estar falando com um louco completo. Tal futuro sim- organização. Deve fazer isto sem parar, com vontade,
plesmente não era considerado possível. Não era se- de forma a excitar e estimular as pessoas que nela se
quer um assunto que se pudesse discutir, uma per- encontram. Se assim não fôr feito, a companhia não
gunta que se pudesse fazer ou uma questão que uma passará de uma série de compartimentos, sem um for-
pessoa em são juízo consideraria merecedora de espe- talecedor senso de objetivo e direção.
culação. Só pensar nisso já era uma demonstração de Em resumo, a organização precisa aprender a
insanidade. Contudo, muitas idéias loucas têm agora considerar sua função, não a produção de bens ou
aceitação normal, como por exemplo a de tubos de serviços, mas a aquisição de clientes, a realização de
metal de 100 toneladas que se deslocam suavemente coisas que levarão as pessoas a querer trabalhar com
pelo ar a 3 000 metros de altitude, transportando cem ela. Ao próprio dirigente máximo cabe obrigatoria-
cidadãos de juízo perfeito, que se distraem bebendo mente a responsabilidade pela criação deste ambiente,
Martini. Idéias como essa representaram rudes golpes deste ponto de vista, desta atitude, desta aspiração.
contra as estradas de ferro. Ele próprio deve lançar o estilo da companhia, sua
O que, especificamente, devem fazer outras com- orientação e suas metas. Isto significa que ele precisa
panhias para não ter esse fim? Em que consiste a saber exatamente para onde ele mesmo deseja ir, as-
orientação para o cliente? Estas perguntas foram res segurando-se de que a organização toda esteja en-
pondidas em parte pelos exemplos e análise preceden- tusiasmadamente ciente disso. Este é um dos primeiros
tes. Seria necessário outro artigo para mostrar com requisitos da liderança, pois, a menos que ele saiba
detalhe o que é necessário em setores específicos. De pura onde está indo, qualquer caminho o conduzirá
qualquer maneira, é evidente que a formação de uma a esse local.
companhia com eficiente orientação para o cliente Se servir qualquer caminho, então o dirigente
exige muito mais do que boas intenções ou truques máximo da empresa pode muito bem arrumar sua
promocionais; exige o conhecimento profundo de pasta e ir pescar. Se uma organização não souber ou
questões de organização humana e liderança. Por não tiver interesse em saber para onde está indo, não
enquanto, permitam-me dar apenas uma idéia de al- precisa fazer propaganda desse fato com um chefe
guns requisitos gerais. protocolar. Todos perceberão depressa. 0

6 Op, cit.. p. 20.

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