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Apresentação

Cozinhar bem – segredou certa vez Maria Callas – é como criar.


Quem gosta de cozinha também gosta de inventar. Por toda a vida a
grande primadonna, em sua vocação de perfeita dona de casa,
sempre sonhou (coisa que a certa altura se tornou impossível, por
causa dos inúmeros compromissos que a mantinham longe de casa)
ir ao fogão preparar deliciosos quitutes para ela e para seus
convidados.
Mas, dos trinta anos em diante, sua dieta era rígida. Nada de
foies gras, de fígado à vêneta com polenta, de arroz com enguias ou
profiteroles de chocolate. Maria Callas não podia se dar ao luxo de
comê-los. Ela, que de 108 quilos conseguira chegar a ter uma cintura
de apenas 59 cm, perdendo 40 quilos em um ano. Fora uma ordem
de Luchino Visconti para que a pudesse transformar numa Vestal de
Spontini digna de credibilidade, numa etérea, descarnada Violetta na
Traviata. Assim como Biki, sua couturière predileta, também fizera,
para que ela pudesse vestir com graça e charme suas roupas,
símbolo de um refinamento de modelo.
E Maria Anna Sofia Cecília Kalogeropoulos, era esse o
verdadeiro nome de La Callas, obedeceu. Transformando-se para o
mundo na Divina, cada vez mais magrinha, cada vez mais bonita.
Tosca, Norma, Lucia de Lammermoor, Amina em A sonâmbula e
Fedora se tornaram inesquecíveis na voz mais dúctil do século. Que
foi, é e continuará sendo protagonista.
Foi levado ao ar um seriado do Canal 5 que, em dois episódios
de altíssima audiência, contou a história de amor que a ligou ao
armador grego Aristóteles Onassis. Enquanto a mostra Divina Callas,
que obteve um sucesso triunfal em Roma, mostrou em 32 vitrines de
artesãos e antiquários da prestigiosa via Giulia – que a diva adorava
– seus preciosos trajes de gala e os figurinos utilizados durante sua
carreira. E, ainda, a Fondamenta e a Ponte da Fenice, em Veneza,
foram finalmente transformadas em Fondamenta e Ponte Maria
Callas, com uma cerimônia solene cuja madrinha foi Giulietta
Simionato,1[1] aos 95 anos de idade, e isso depois que a Associação
Maria Callas havia reunido mais de 100 mil assinaturas em seu site
“www.callas.it”.
Em suma, trinta anos após seu trágico e prematuro
falecimento, o fascínio da cantora continua intacto e, aliás, aumenta
com o tempo, não apenas na Itália, no mundo todo.
Agora, porém, podemos acrescentar uma nova e curiosa peça
ao mosaico de sua vida. A Divina, sabemos, tinha uma paixão
secreta: a boa cozinha. Maria Callas adorava quitutes suculentos, as
iguarias que os chefs do mundo inteiro cozinhavam em sua
homenagem e que ela tinha de se limitar a provar beliscando dos
pratos dos outros comensais, com resignação soberana e
determinação feminina.
O que poucos sabem, no entanto, é que, para sublimar essa
paixão, La Callas anotava meticulosamente as receitas favoritas, que
pedia aos cozinheiros ou às donas de casa de quem, não raro, era
convidada. Transcrevia-as com extremo rigor em minúsculas
folhinhas de papel, que depois passava às mãos da fidelíssima Elena
Pozzan, sua camareira e cozinheira pessoal da vida inteira. Depois,
nos últimos anos em Paris, entregava-os ao mordomo e chofer
Ferruccio Mezzadri, a pessoa que esteve mais próxima da artista ao
longo de vinte anos, até o último dia de sua vida, com total
devotamento.
Como se não bastasse, La Callas sempre teve um hobby, quase
uma obsessão: juntar receitas publicadas pelos cadernos femininos e
pelas revistas mais difundidas e populares, começando, no final da
década de 40 e na de 50, pela Domenica del Corriere ou pela

1
Annabella. E quando viajava, de teatro em teatro, todos os dias
recortava receitas também dos jornais europeus e americanos.
Não podemos esquecer, além disso, seus inúmeros livros de
cozinha, em todas as línguas, que formavam uma verdadeira
biblioteca. Os primeiros, ela os ganhara da sogra Giuseppina, quando
era a noiva e, a partir de 1949, a mulher de Giovanni Battista
Meneghini. “Titta”, o marido, era realmente um bom garfo e Maria
tinha de ser para ele uma cozinheira habilidosa. E assim na cozinha
da rua San Fermo, sua primeira casa em Verona depois do
casamento, tinha uma longa prateleira repleta de textos, a começar
pelos clássicos da cozinha italiana, o mítico Artusi, Il talismano della
felicità [O talismã da felicidade] de Alda Boni e a coletânea de
receitas de Petronilla, da Domenica del Corriere.
Fundamental o testemunho de G. B. Meneghini em seu livro de
memórias Maria Callas, mia moglie [Maria Callas, minha mulher].
“O peso estorvador incomodava Maria e sua vontade de
emagrecer [desde 1953] era extraordinária. Eu sempre fui um bom
garfo, embora não fosse um comilão. Gostava de ter pratos gostosos
em casa. Maria, ao contrário, era sempre fiel à dieta mais rigorosa.
Ela nunca comia farináceos: comia apenas carne grelhada e verdura
crua, sem nenhum tempero, nem azeite nem sal, feito uma cabra.
Nada de licores, pouquíssimo vinho. Era doida por carne mal-
passada: filés e bistecas à florentina. Agarrava o osso arrancando os
pedacinhos de carne com os dentes, como um felino. Só por essas
bistecas, às vezes, se deixava levar pela gula. Quando cantava no
Teatro alla Scala, íamos comer no Biffi-Scala às sete da noite. Maria
comia filés de oitocentos gramas, e quem a via ficava espantado
pensando como ela conseguia cantar com aquilo tudo no estômago.
Suas exigências à mesa, portanto, eram elementares, e não
necessitariam de nenhum empenho em termos de arte culinária. Mas
Maria pensava em mim. Além disso, tinha paixão por trabalhar entre
panelas e fogão. A cozinha para ela era um hobby fascinante.
Comprava os cacarecos mais esquisitos: facas, talheres, panelinhas,
escumadeiras, batedeiras manuais de todos os tipos. Ela chamava
essas coisas de “armadilhas”, e a cozinha estava repleta desses
objetos. Outra mania dela era juntar as receitas publicadas nos
jornais. Quase toda manhã comprava um pacote de revistas
femininas, arrancava as páginas que tinham a ver com cozinha e
depois as colava em álbuns. Tinha um monte deles.
Passava dias inteiros fazendo experimentos culinários, especialmente
tentando preparar doces. Também aprontava confusões dos diabos,
porque se enganava nas doses, ou então porque as indicadas pelas
receitas dos jornais estavam erradas. Algumas vezes preparava
coisas intragáveis. Eu tentava comê-las, mas nem sempre conseguia.
Ela não se ofendia: ria divertida e no dia seguinte começava tudo de
novo. Com o passar tempo, ela fez verdadeiros progressos.
Aos domingos íamos a Zevio [perto de Verona], à casa de
minha mãe, que também era apaixonada por gastronomia. Elas se
trancafiavam na cozinha, e era um prazer vê-las cozinhando e
divertindo-se. Minha mãe, que era muito boa cozinheira, ensinou a
Maria alguns pratos de Verona, como lesso con la pearà [cozido com
molho pearà], anara fredda con polenta calda [pato frio com polenta
quente], bacalhau à veronesa. E ela aprendeu direitinho. Estranho era
que depois de ter passado tanto tempo na cozinha preparando um
prato ou um doce, se a dieta não permitia, Maria nem o
experimentava. Era mesmo inflexível.”
Mas voltemos à dieta e à incrível transformação de Maria Callas.
Como até 1953 Maria era muito gorda, livros e jornais contaram que
ela atacava pratos enormes de massa, e que era gulosa por queijos e
doces. Houve até quem tentasse dar uma explicação psicológica para
esse apetite dela, afirmando que comia para compensar a falta de
afeto: naturalmente, para o marido essas coisas não passavam de
fantasias.
Segundo Meneghini, Maria era gorda não porque comesse em
excesso, mas devido a uma disfunção glandular. Ela mesma detalhou
a história de seu peso em algumas observações escritas para rebater
o que o Times publicara nos anos 50. Quando, em 1937, deixara os
Estados Unidos para ir à Grécia com a mãe, ainda era magra.
Começou a engordar em Atenas, depois de um tratamento à base de
gemada por causa de uma disfunção glandular jamais curada.
Engordava mesmo que comesse pouco. Maria escreveu: “Lembro-me
que corriam atrás de mim pelas escadas porque não raro de manhã
eu saía sem ter tomado nem um chá”.
Quanto voltou para os Estados Unidos, em 1945, começou um
regime. “Tinha emagrecido”, lemos em suas notas, “passando de 218
libras a 179, ou seja, de quase 100 quilos para 80. Depois, assim que
cheguei à Itália, meu peso baixou para 75 quilos. Era esse o meu
peso à época da Turandot e do Tristão em Veneza, e da Norma em
Florença. Depois da cirurgia de apendicite, no final de 1948, engordei
10 quilos. Por volta de 1950-51 continuava engordando sem motivo.”
O problema de emagrecer, afirmava Meneghini, sempre
atormentara Callas, que era uma mulher inteligente, orgulhosa,
amante da beleza e da elegância. Era muito doloroso para ela ver-se
condenada a ter um corpo deselegante que lhe impedia de vestir
roupas bonitas e de gozar plenamente a juventude e a fama que ela
tinha alcançado com sua carreira. Para emagrecer havia tentado de
tudo, mas nunca obtivera um resultado satisfatório.
Quando a metamorfose aconteceu, Maria tinha trinta anos.
Além da ordem de Visconti e da Biki – que para “vesti-la” em cena e
na vida lhe impuseram emagrecer pelo menos 35 quilos –, muito
dependeu de sua vontade: ela tomou a grande decisão e, depois de
assistir a Sabrina e A princesa e o plebeu, escolheu como modelo a
encantadora Audrey Hepburn. “Quero me parecer com ela”, disse a si
mesma, determinada. Comparando-se as imagens da inesquecível
atriz e de Callas depois do tratamento, o resultado é surpreendente:
graças à maquiagem dos olhos, aos cabelos com franjinha penteados
do mesmo modo, pois bem, a semelhança existe mesmo.
Maria deixou Verona e mudou-se com o marido para
Milão, por causa de seus inúmeros compromissos no Scala.
Tratamentos médicos associados a cuidados estéticos deram a Maria
Callas um corpo de modelo. Essa transformação exigia-lhe um grande
sacrifício, pois, como dissemos, sua dieta era rígida.
As pessoas que lhe eram mais próximas confirmam sua paixão
por receitas. Giulietta Simionato, talvez sua melhor amiga, que
conviveu com ela inúmeros anos nos teatros mais importantes do
mundo, também nos fornece um retrato inédito da Callas mulher:
“Conhecemo-nos em 1948”, recorda a grande mezzosoprano, “e logo
simpatizamos: era gostoso estarmos juntas. Brincávamos,
ironizávamos sobre nós próprias, e ela, entre outras coisas, dizia que
não daria duzentas liras para ouvir a si mesma cantar. A Maria que eu
conhecia era de uma ingenuidade desconcertante: uma mulher
vulnerável e frágil, que por autodefesa recorria a uma índole que,
com ou sem razão, era tida como difícil. A personagem, que mais
tarde o mundo associou a ela, era muito onerosa, e talvez isso tenha
sido fatal para seu coração, tão duramente posto à prova.
Em 1950 estávamos na Cidade do México, e recordo sua mania de
recortar receitas de cozinha das revistas americanas, dispondo-se a
tornar-se uma boa cozinheira para seu Titta, e porque sua cozinha
em Verona era tão bonita que era preciso saber cozinhar direito. No
fundo, confessava, ela era artista por acaso, porque se sentia
sobretudo uma dona de casa! Se ela se considerava uma artista
acidental, vai saber o que éramos todos nós!”
Há também os testemunhos preciosos e inéditos das pessoas
que durante anos estiveram na cozinha para ela, e que reuni
zelosamente: a cozinheira Elena Pozzan e o mordomo Ferruccio
Mezzadri, que nos últimos anos manteve com ela uma relação quase
familiar, até o dia de sua morte, em Paris, em 1977.
“O regime que a senhora fazia era muito rígido, e só raramente
ela se permitia alguma exceção”, narra Elena Pozzan. “Para ganhar
energia, especialmente quando tinha de cantar, comia carne crua, ou
mesmo fígado cru, que ela transformava em papinha, juntando
apenas algumas gotas de azeite do bom. Algumas vezes também
gostava de um pouco de peixe magro, e adorava verdura, com uma
verdadeira predileção por vagem e espinafre. Os jantares que
mandava preparar para seus convidados eram muito simples:
primeiro prato, segundo prato, nunca faltava uma sobremesa
preparada em casa.
Gostava muito de risotos: muitas vezes pedia para os amigos
risoto com cogumelos, ou com trufas, na estação adequada. Algumas
vezes, quando nós da criadagem estávamos comendo, ela aparecia
na porta da cozinha e entrava para “roubar” uma garfada de
macarrão; depois fugia para evitar maiores tentações. Era
apaixonada por sorvetes, e com a colherinha experimentava um
pouco de todos os sabores. Éramos obrigados a tirar os potes da
frente dela senão continuaria provando...
E também havia o salame. Ela adorava cortá-lo ela mesma, na
espessura que gostava. Provava uma fatia usando os dedos polegar e
indicador, em vez do garfo. “Assim”, dizia, “quando os convidados
chegarem e forem beijar minha mão, vão perceber o cheirinho de
salame.” Por fim, as frutas. Adorava maçãs. Quando morávamos na
via Buonarroti, em Milão, e o verdureiro chegava, a senhora
surrupiava uma maçã da cesta, limpava-a esfregando-a no paletó ou
no avental do fornecedor e dava uma dentada voraz. Era muito frugal
em tudo. Pela manhã tomava só uma xícara de café e algumas
bolachas secas.”
Também é significativo o testemunho de Ferruccio Mezzadri:
“Era 1957, eu tinha acabado de concluir o serviço militar”,
recorda. “Apresentei-me à casa Meneghini-Callas com uma
recomendação da senhora Zandonai, viúva do famoso compositor:
contrataram-me imediatamente como motorista. O marido ainda
estava lá. Fiquei com a senhora até o dia de sua morte, em 16 de
setembro de 1977, na casa de Paris. A senhora Callas era muito
rotineira quanto à comida. De manhã muitas vezes era eu quem lhe
preparava o desjejum: uma xícara de cappuccino com o café de
verdade, sem açúcar, que eu preparava com a máquina de café
expresso, como as de bar. Comia um brioche sem recheio e, no
máximo, uma fatia de pão torrado com um pouco de manteiga e
geléia. Freqüentemente pedia meio copo de suco de laranja ou um
grapefruit descascado e fatiado; também gostava de bolachas
inglesas secas.
No almoço, servíamos-lhe diversas verduras cozidas e cruas
com um pouco de queijo quando ela não queria carne. A carne era
sempre um filé, algumas vezes um bife à milanesa com muita
verdura. O menu sempre era italiano, muito simples, e terminava
com um sorvete (morango, baunilha e chocolate) ou então com um
doce, para os doces ela tinha uma porção de receitas. Quando, com o
senhor Onassis, eles tinham visitas na casa do armador, não raro o
menu era grego e os ingredientes chegavam o tempo todo da Grécia,
por via aérea, porque na Itália era difícil encontrar os produtos típicos
frescos e gostosos. Muitas vezes ela perguntava aos convidados o
que eles desejavam comer. A princesa Grace de Mônaco, por
exemplo, às vezes acompanhada pelo príncipe Rainier, pedia
macarrão à bolonhesa e um suflê salgado. Ou então risoto à milanesa
com ossobuco, ou somente com açafrão e animelle.2[2]
Em Verona, depois, pesquisei cuidadosamente para descobrir os
segredos das três receitas recordadas pelo marido G. B. Meneghini
( “cozido com pearà”, “pato frio com polenta quente” e “bacalhau à
veronense”) e reconstituí-las da maneira mais fiel. Nessa difícil
operação tive muita sorte, embora não pudesse falar com a cunhada
Pia Meneghini, já falecida havia alguns anos.

2
O restaurante Pedavena, do qual Maria Callas e o marido eram
habitués, já não existe. Assim como o Tre Corone, sempre na praça
Bra, aonde o casal costumava ir, especialmente depois das
apresentações na Arena: o restaurante agora se tornou a Trattoria de
Giovanni Rana, e infelizmente o velho cozinheiro Felice e o maître
Albino não foram encontrados. A sra. Silvia Pomari, descendente da
família que acolheu no Hotel Accademia a jovem Maria como se fosse
sua filha, quando esta estreou na Arena, em 1947, nos deu uma
ajuda preciosa, pondo-me em contato com Giorgio Gioco, dono do 12
Apostoli, restaurante de fama internacional e sede da “Accademia
della Cucina”, do qual Meneghini e a ilustre esposa também eram
clientes assíduos.
O sr. Gioco conhece muito bem os três pratos cuja receita eu
procurava, e os preparou muitas vezes, junto com outras
especialidades da casa, que o casal apreciava bastante. Giorgio Gioco
está no 12 Apostoli desde o distante 1930, quando só tinha seis anos
e já demonstrava ter estofo de digno herdeiro da dinastia familiar.
Agora já passou dos oitenta e é uma personagem extraordinária por
sua simpatia, sua cultura e como depositário de sua paixão e arte,
que também registrou em dois livros. “O perfume de um prato”,
afirma, “faz você trabalhar com a memória. É como fechar os olhos e
sentir o perfume de uma mulher. Cozinho, ergo sum...”
O sr. Gioco lembra tudo de Callas. “De início não era lá muito
elegante”, descobriria e encontraria grandes estilistas em Milão,
depois do período veronense, “mas tinha uma maneira inconfundível
de caminhar com imponência e vestir até coisas simples ou meio
engraçadas. Fosse como fosse, éramos obrigados a olhá-la por causa
de seu porte tão pessoal, que fazia com que se ela se distinguisse,
apesar dos quilos a mais e de um aspecto indubitavelmente
desairado.
Tinha o olhar e os artelhos de uma águia, e a força interior de
uma ave de rapina. Os clientes ficavam fascinados com ela; de resto,
em 1950-51 ela já era famosa. Quando chegava, os garçons diziam:
La xe qua, attenti che la morsega (Chegou, cuidado que ela morde).
Nem servi-la era muito fácil. O marido, à época, a acompanhou e
ajudou muito, e, quando necessário, procurava abrandar
diplomaticamente certos aspectos de seu gênio; mas ele também era
subjugado e um tanto submisso. Ainda hoje resta o mistério das
últimas notas da Callas, quando se conclui uma romança e
permanece um som, que é o mistério da música. A fantasia vai
além...”
Nela Rubinstein, mulher do celebérrimo pianista Arthur, foi
vizinha de Maria Callas na avenue Foch, em Paris, e também amiga
sincera e conselheira da cantora em matéria culinária. De fato, Nela
era uma exímia cozinheira, tanto que na década de 70 publicou um
afortunado volume de receitas (Nela’s cookbook). Maria Callas
encontrara pela primeira vez Rubinstein e a mulher na grande
recepção oferecida por Elsa Maxwell em Veneza, no Hotel Danieli, em
3 de setembro de 1957, na qual estavam presentes os melhores
nomes da nobreza veneziana e do jet set internacional. Foi uma
ocasião realmente inesquecível para a Divina, mesmo porque naquela
noite conheceu o armador grego Aristóteles Onassis: um encontro
que mudaria o destino de sua vida.
Guardo uma raríssima cópia do menu daquela noite “para
encontrar Madame Meneghini Callas”, escrito em francês. Inútil dizer
que foi muito apreciado pela primadonna: consommé gelé en tasse;
scampi flamingo, riz oriental; poulet en cocotte soumaroff, legumes
de saison; soufflé glacê à l’aurum, fraises de bois, friandises; café.
Como bebidas, além dos habituais aperitifs, um vinho veronense em
homenagem à cidade dela, o Soave Bolla, o indefectível Möet &
Chandon Brut Imperial 1949, e para concluir scotch whisky e Grand
Prix Finsec.
No final de agosto de 1958, Maria Callas tornou a ver Onassis
em uma festa de Emanuela Castelbarco, a neta do famoso maestro
Arturo Toscanini, na bela casa veneziana na Salute. Se durante a
recepção no Danieli os dois famosos gregos mal haviam “esbarrado”
um no outro e quase se ignorado, nessa ocasião Onassis se
familiarizou com a cantora, chegando até a convidá-la para um
cruzeiro no verão de 1959 a bordo de seu iate Christina, partindo de
Veneza, do qual participariam também Winston Churchill, Gianni
Agnelli e outros vips da época.
Maria Callas e o marido tornaram a encontrar o casal Rubinstein
no ano seguinte, depois da estréia de Medea no Covent Garden de
Londres (17 de junho de 1959). Durante um pomposo jantar com
cem convidados ilustres que Onassis ofereceu no restaurante do
luxuoso Hotel Dorchester para homenagear a protagonista da obra-
prima de Cherubini, o armador grego pela segunda vez convidou a
cantora a participar de um cruzeiro no Christina.
La Callas ficou tão impressionada com a luxuosa recepção em
sua homenagem na capital inglesa que, por fim, até por insistência do
marido, venceu a incerteza inicial e resolveu aceitar o convite.
Provavelmente a sublime soprano se dera conta de que não mais lhe
bastava ser apenas a rainha dos salões milaneses, e já vislumbrava a
alta sociedade internacional, bem apropriada à primeira cantora do
mundo. Naquela noite, conversando com Nela Rubinstein, descobriu
que ela também morava na prestigiosa avenue Foch e partilhava a
mesma paixão pela cozinha. As duas senhoras marcaram então um
encontro em Paris para uma troca das respectivas receitas.
Maria aprendeu muito na cozinha de Nela Rubinstein, cujo estilo
era uma combinação da cozinha tradicional da sua Polônia com as
mais refinadas gastronomias espanhola, francesa e, sobretudo,
americana. “Sendo um famoso gourmet, meu marido conhecia os
melhores restaurantes do mundo inteiro”, conta a mulher do pianista
em Nela’s cookbook, do alto de seus mais de cinqüenta anos de
experiência na cozinha. “Assim descobri outro talento meu: não só
tinha um ouvido musical, mas também a habilidade de decifrar e
identificar os ingredientes mesmo nos pratos mais elaborados. E fazia
uma espécie de brincadeira (um desafio!) para reproduzi-los em casa
sem pedir as receitas: quando conseguia ficava muito contente, e isso
me dava confiança para acrescentar ou mudar ou improvisar, e enfim
para inventar! Cozinhar alguma coisa gostosa para meus filhos, para
a família e os amigos sempre foi uma maneira de me expressar e
mostrar-lhes meu carinho.”
Tenho o prazer de reservar um espaço especial deste livro para
o Harry’s Bar de Veneza e seu celebérrimo dono, Arrigo Cipriani, cujo
nome, como o do restaurante, é conhecido no mundo todo. Desde
sua chegada a Veneza em 1947, Maria Callas conhecia e amava esse
local, ao qual ia acompanhada pelo marido Giovanni Battista
Meneghini nas ocasiões importantes e quando tinha hóspedes
especiais.
De 1947 a 1954, Maria Callas cantou em todas as temporadas
no teatro La Fenice, obtendo sempre grandes sucessos,
especialmente por ocasião das estréias reveladoras, como foi em
1949 com Puritani de Vincenzo Bellini, que a tornaram um novo
modelo de soprano dramático de agilidade. A Divina muitas vezes
estava na cidade lagunar também no verão: passava as férias na
praia do Hotel Des Bains, na Orla, e muitas vezes era convidada da
Mostra Internacional de Arte Cinematográfica para as “estréias”
importantes, particularmente para os filmes de Luchino Visconti.
Em 1957, ano em que Elsa Maxwell organizou em sua
homenagem a já mencionada recepção no Hotel Danieli, Maria Callas
foi fotografada no Harry’s Bar com a famosa “fofoqueira de
Hollywood” e outras personagens do jet set internacional, na
inesquecível atmosfera dos “abrasadores verões dos anos 60”,
evocada com mestria por Arrigo Cipriani. Maria ia com freqüência ao
Harry’s Bar com a aristocrata veneziana Amália Nani Mocenigo, que
era muito amiga de Giuseppe Cipriani, o histórico fundador do
restaurante de San Marco, e também com a condessa Natalie Volpi di
Misurata.
Nos anos 60 Callas esteve muitas vezes no Harry’s Bar com Pier
Paolo Pasolini, com o qual viveu uma história de amor platônico
depois do filme Medea, como testemunham as poesias que o cineasta
friulano dedicou a Maria e as cartas apaixonadas dela. Decerto entre
os dois houve um autêntico e singular encontro de almas, a tal ponto
que certa vez a primadonna foi a Veneza para manifestar sua
solidariedade ao intelectual durante as polêmicas “Jornadas do
cinema italiano” contra o “Festival del Lido”. Uma noite eu também
jantei com Maria Callas e Pasolini na calle Vallaresso, assim como
antes estivera com Maria e Visconti: naquela ocasião, recordo-me
muito bem, a cantora escolheu o prato tagliolini gratinati e, sem
esquecer de sua dieta, o mítico carpaccio.
São muitos os testemunhos de grandes personagens no Harry’s
Bar. Como a do barão Philippe de Rothschild, que um dia foi
entrevistado por um jornalista da revista Harper’s Bazaar. O jornalista
lhe perguntou qual seria, em sua opinião, o melhor restaurante do
mundo. Com a calma que lhe vinha da enorme cultura unida a uma
singular estatura humana, o barão respondeu: “Não posso saber qual
seria o melhor pelo simples motivo de que não tive a sorte de visitá-
los todos. Mas posso lhe dizer uma coisa. Há um restaurante no
mundo no qual sempre me senti como em minha casa: o Harry’s Bar
de Veneza”.
Passando a Milão, outro famoso personagem, o escritor Carlo
Castellaneta, reservou um comentário lisonjeiro para o restaurante
Savini da Galleria Vittorio Emanuele II: “Não há muitos lugares no
mundo nos quais a tradição, o bom-gosto e a elegância se fundem de
maneira tão harmoniosa como no Savini. Locais dos quais basta
pronunciar o nome para evocar um ambiente, uma atmosfera
peculiar, o faiscar dos cristais, o reflexo de um espelho, porque o
ritual de preparar uma mesa e a arte da cozinha se tornam ali
testemunho de uma arte de viver mais abrangente. Savini não é
apenas um grande restaurante. Savini é Milão, assim como o são a
Galleria e o La Scala. Com sua discrição, com seus veludos
vermelhos, o Savini transmite, toda vez, o mesmo encanto. E, ao
mesmo tempo, com seus pratos refinados celebra um momento
destinado a permanecer”.
Não poderia haver, portanto, uma moldura mais adequada para
a rainha do La Scala e dos salões milaneses à época de seus triunfos
naquele teatro. Após Marinetti e Toscanini, foi a convidada mais
esperada e apreciada no famoso restaurante, que fica a poucos
metros do Duomo, a catedral de Milão, em tantas noites inesquecíveis
depois das apresentações, tendo à sua volta a nata da sociedade e da
cultura italianas e internacionais. A seu lado, Luchino Visconti,
Antonio Ghiringhelli, o superintendente do La Scala, os príncipes de
Mônaco e a senhora Aga Khan, para festejar as apresentações mais
aclamadas de La Callas.
No Savini, Maria gostava em especial de algumas especialidades
tipicamente lombardas que o restaurante propõe de maneira mais
rebuscada, como o riso al salto, o risotto alla milanese (quando
queria quebrar a dieta, guarnecido com ossobuco) e, naturalmente, a
cotoletta alla milanese, a bisteca à milanesa. Mais adiante as receitas
serão reproduzidas, graças à gentileza da Turin Hotel International e
do diretor do Savini, Massimo Leimer.
Em Roma, por outro lado, Maria Callas se hospedava no Hotel
Quirinale, o predileto dos mais afamados cantores líricos devido à sua
localização tão central e até limítrofe, por meio de uma passagem
interna, com o Teatro dell’Opera. Os amplos salões decorados com
móveis de época, os salões adjacentes ao aconchegante bar, o
refinado restaurante, que durante o verão se abre num jardim que é
um verdadeiro paraíso verde, fazem do Hotel Quirinale uma estrutura
imperial de íntima elegância. Ali, desde o distante 1865, hospedaram-
se compositores famosos, a começar por Verdi e Puccini,
acompanhados por personagens aristocráticas.
O Hotel Quirinale também está ligado a algumas passagens
tumultuosas da vida de Maria Callas: no salão adjacente ao hall, com
efeito, no começo de 1958, a cantora teve sua coletiva de imprensa
(após Norma ser interrompida no Ópera de Roma, diante de centenas
de jornalistas e fotógrafos), para documentar sua indisposição. É
preciso lembrar que esse episódio causou uma celeuma mundial, já
que na platéia estava o então presidente da República Italiana,
Giovanni Gronchi, que, como todas as outras figuras ilustres
presentes, foi obrigado a voltar para casa após o primeiro ato.
Durante os dias frios de inverno, a cantora quase sempre
almoçava no hotel, no restaurante que agora se chama Rossini. Entre
as especialidades do Hotel Quirinale, Callas preferia os pratos típicos
da capital, como saltimbocca alla romana.
Naturalmente na Cidade Eterna ela também freqüentava outros
locais elegantes do centro, entre os quais o Rosetta e a prestigiosa
Taverna Giulia. Além disso, no período em que freqüentava
assiduamente Pier Paolo Pasolini (com quem esteve muitas vezes em
Roma), não desdenhava as trattorie, restaurantes mais simples, e
locais característicos de Trastevere, que o escritor adorava.
Anos antes descobrira também o restaurante do Grand Hotel,
para o qual muitas vezes era convidada pelo conde Vittorio Cini, e
onde trabalhava o jovem e já conceituado chef Mario Zorzetto, que
em seguida também trabalharia a bordo do Christina. Durante uma
visita a Roma, de fato, Onassis apreciara demais a sua cozinha, e o
convencera a aceitar o cargo de primeiro chef em seu iate de luxo.
Zorzetto, que ainda na capital também trabalhou nos restaurantes
Café de Paris, Sans Souci e Harry’s Bar, era um verdadeiro “cordon
bleu”, originário de San Donà di Piave (Veneza).
Para Maria Callas, ele preparava costumeiramente o risoto às
ervas finas, pelo qual a cantora era literalmente louca, ao passo que
Titta Meneghini se extasiava com seu filé da vovó à grappa.
Quanto a Onassis, os mais famosos banquetes a bordo do Christina
(nos anos em que a dona da casa era Jacqueline Kennedy) eram fruto
de seu requinte e criatividade, e mudavam a cada vez conforme as
exigências e os desejos dos convidados, provenientes de todos os
cantos do mundo. Entre suas especialidades, recordo também o
scaloppine di vitella con radicchio e ruchetta [escalope de vitela com
radicchio e rúcula], de que Elsa Maxwell gostava muito, e a polenta
com bacalhau, regularmente devorada – quase incrível – pela viúva
do presidente dos Estados Unidos.
Uma curiosidade: a bordo do Christina, em sua riquíssima
biblioteca, Aristóteles Onassis guardava ciosamente e expunha com
orgulho a primeira edição francesa do Mémoires de ma vie, de
Giacomo Casanova, talvez atraído pelos movimentados episódios do
aventureiro veneziano, cujas inúmeras conquistas amorosas, é claro,
Onassis apreciava. Talvez achasse, pretensiosamente, que se
assemelhasse de algum modo a ele, como epicuro, sedutor, viajante
e amante incansável. Seja lá como for, de Casanova, Onassis
também apreciava a gula e a paixão pela cozinha.
“Minha mãe me deu à luz em Veneza, em 2 de abril, dia de
Páscoa do ano 1725. Teve vontade de comer camarão. Eu gosto
muito”, assim o famoso libertino inicia a narrativa de sua vida. Os
relatos de suas conquistas sempre são acompanhados por descrições
de pratos suculentos e afrodisíacos: fonte de eternas emoções e
teatro de sua boa sorte, a mesa foi de fato a primeira das glutonarias
que encenou com deliciosa voluptuosidade de palavras, pratos e
situações. Para ele, os prazeres do paladar e do convívio são a
primeira representação do erotismo, do sucesso e do poder. Em
Mémoires de ma vie, Casanova confessa preferir as delícias de sua
terra natal, descrevendo e exaltando muitas receitas da época, que
por sorte existem e estão disponíveis.
Aristóteles Onassis, que já era um apaixonado consumidor de
caviar, trufas e queijos saborosos, os quais, como é sabido,
acompanham as refeições íntimas dos encontros galantes, tornou
próprios muitos dos pratos que o sedutor veneziano apreciava. Seus
convidados, e naturalmente não raro Maria Callas, tiveram ocasião de
provar dessas receitas antigas, mas ainda estimulantes e muito
requintadas: entre elas, o creme de queijo às trufas brancas e os
bolinhos de ostras.
Quem sabe se o príncipe Charles III, conhecido como “le
visionnaire” já previra em 1864, quando mandara construir o Hôtel de
Paris em Montecarlo, que mais de um século depois o grande hotel
ainda seria – e para sempre – o símbolo de Mônaco e de seus
faustos, de sua arte de viver e receber. A essência do extraordinário
tem um nome, gravado em letras de ouro no mármore negro: “Hôtel
de Paris”. Concebido para ser a excelência em matéria de
hospedagem e requinte, o Hôtel de Paris continua celebrando os
esplendores de outrora. Uma moldura resplandecente do luxo da
Belle Époque confere ao ambiente um intenso perfume de lenda.
Uma atmosfera ideal, portanto, para Maria Callas nos dias de
sua fulgurante ascensão social, quando a diva chegou a Montecarlo
com Onassis a bordo do Christina. Dentro do hotel, no qual a Callas
se hospedou inúmeras vezes, está um dos restaurantes prediletos da
cantora: o célebre Le Louis XV, no qual é necessário fazer reserva
com vários dias de antecedência para conseguir uma mesa em
posição privilegiada no terraço com vista para a Place du Casino.
Atualmente o chef é o famoso Alain Ducasse (presente também
no Plaza Athénée de Paris e no Essex House de Nova York), mas Le
Louis XV estava entre os primeiros da classe do mundo já na época
de Callas, recoberto de prêmios e reconhecimentos. Na década de 60
era possível apreciar toda a gama de sabores da Riviera, e o casal
Callas-Onassis era cliente assíduo, sem negligenciar, ao mesmo
tempo, ainda no Hotel de Paris, o restaurante Le Grill, no oitavo
andar, com vista para as estrelas, e o Côté Jardin. Às vezes, em
Montecarlo Callas se hospedava também no Hôtel Hermitage, sempre
de propriedade da Société des Bains de Mer, e amiúde era vista no
terraço panorâmico sobre o rochedo de Le Vistamar.
Eram muito freqüentes as estadas da Divina na localidade mais
cobiçada da Cote d’Azur, mesmo depois de a relação com o armador
grego ter terminado, e Le Louis XV sempre foi o lugar de que ela
mais gostava. Ali muitas vezes começava seus jantares com ostras e
champagne, e seu prato favorito de peixe era a geléia de camarões-d
´água-doce.
As relações com o palácio Grimaldi, em particular com Grace de
Mônaco, de início eram muito frias e oficiais. Onassis tinha
praticamente o controle das ações da Société des Bains de Mer e de
outras importantes atividades no principado, e em certo sentido
impusera a presença de Maria também nas luxuosas recepções no
Sporting Club e nos jantares mais exclusivos, criando quase uma
rivalidade mundana com a princesa. Com o passar dos anos, no
entanto, a postura de Grace, que pôde conhecer a Callas mulher além
da cantora, mudou totalmente, e nos últimos anos de vida de Maria,
tornou-se talvez a sua amiga mais querida. Quase todas as noites as
duas senhoras falavam em longuíssimos telefonemas; Grace ia com
freqüência à casa parisiense de Callas, e em seu funeral, em 1977, a
princesa, com a filha Caroline, estava na primeira fileira diante do
féretro.
O ponto de encontro preferido da cantora na capital francesa,
por sua vez, era o mítico Chez Maxim’s de Paris, na rue Royale 3, que
hoje é de propriedade do estilista Pierre Cardin e tem filiais em
Pequim, Xangai, Cidade do México e Nova York, com uma orientação
nitidamente turística. A atmosfera do mítico local da Ville Lumière, no
período em que Maria Callas e a melhor clientela internacional o
freqüentavam, era muito diferente.
Por mais de um século Chez Maxim’s foi o símbolo de certa art
de vivre tipicamente parisiense, expressão ao mesmo tempo de
distinção, frivolidade e uma pitada de transgressão, mas sempre com
alta classe. Em 20 de maio de 1893, o dia do Prix de Diane3[3], a
juventude da elite de Paris o elegeu como etapa obrigatória; depois
se tornou local da mundanidade, ao qual as celebridades nunca
deixavam de ir, para aparecer: desde a Belle Epoque com as cortesãs
(que dão o nome às batatas “Cocotte” e “Anne”) à realeza européia,
aos artistas e literatos. O elenco é infinito, e entre os clientes mais
famosos figuravam Josephine Baker e Jean Cocteau, e mais
recentemente Caroline Deneuve, Jean Paul Belmondo e Alain Delon.
Entre as paredes de damasco vermelho, à luz de velas, os
freqüentadores sempre fecharam os olhos para a conta...
Callas preferia, com as indefectíveis ostras, o filé de linguado, a
lagosta e a mais que deliciosa torta de chocolate. A receita que já nos
anos 50 ela quisera transcrever era, no entanto, a de escargots à la
provençale. Começou a freqüentar o Chez Maxim’s em 1958, por
ocasião da famosa “Une nuit à l’opéra”, sua estréia na capital
francesa, e depois voltou inúmeras vezes, escoltada pelas
personagens mais famosas do mundo, a começar, naturalmente, por
Onassis.
Memorável seu ingresso no restaurante numa noite de outono
de 1968, quando, poucas horas antes, ficara sabendo pela televisão
que o armador grego se casara com Jacqueline Kennedy. Talvez
tenha sido o momento mais doloroso de sua vida, mas Maria decidiu
não declarar a atroz derrota. No final da tarde, aliás, apareceu no
salão de seu coiffeur de confiança, o famoso Alexandre, pedindo-lhe,
textualmente, que a deixasse mais bonita que nunca. Resultado: na
hora do jantar apareceu radiante no Chez Maxim’s, com um vestido

3
elegantíssimo e suas jóias mais reluzentes, e depois foi esperada do
lado de fora por uma multidão de fotógrafos.
Tudo isso era o dourado mundo gastronômico de Maria Callas:
uma paixão desmedida que até agora tinha ficado em segredo, mas
que descobri e lhes revelarei nos mínimos detalhes nas próximas
páginas, com suas receitas prediletas. Uma mulher, uma voz, um
mito, mas também um bom garfo (que nos primeiros anos adorava
pratos suculentos, nada apropriados a uma dieta) e também uma
cozinheira de muito respeito. E, de todo modo, sempre uma perfeita
dona de casa, que na sofisticada morada parisiense da avenue
Mandel recebia seus convidados de maneira impecável, deixando em
todos os amigos uma agradabilíssima, aristocrática e deliciosa
recordação.

CAPÍTULO I

1. Os segredos anotados nos


papeizinhos

Cadernos, bloquinhos, papeizinhos, pedaços de papel-manteiga. Uma


pequena paixão cultivada ao longo dos anos. Maria Callas fazia as platéias
do mundo vibrar, e colecionava receitas. Transcrevia-as, entregava-as às
camareiras com uma linha escrita em tinta vermelha: “Don’t forget”.
Ambra Somaschini4[4]

4
BECHAMEL COM ALCAPARRAS (BESCIAMELLA AI CAPPERI)
Molho tártaro para peixe cozido

¼ xícara de alcaparras
1 xícara de molho bechamel
1 ½ colherinha de limão
1 colher de manteiga

Ao molho bechamel acrescentar as alcaparras cortadas graúdas, o


limão e a colher de manteiga. Misturar bem.

MOLHO BECHAMEL AO CURRY (SALSA BESCIAMELLA AL


CURRY)

Molho para peixe

1 colherinha de manteiga

1 cravo-da-índia

1 colherinha de pimentão verde

1 colherinha bem cheia de curry

1 pitada de canela
1 xícara de bechamel

Derreter a manteiga e acrescentar o cravo-da-índia esmagado, o


pimentão verde, o curry e a canela em pó.
Cozinhar 2 ou 3 minutos em fogo baixo, misturando sempre.
Acrescentar o molho bechamel e cozinhar até ferver.

MOLHO DE MOSTARDA - SALSA ALLA SENAPE

1 colherinha de mostarda inglesa

1 colher de sopa de água

1 xícara de bechamel quente

Misturar a mostarda com a água, acrescentando, aos poucos, o


bechamel quente.

PEPERATA
Molho para carne

1 litro de caldo de carne


30 g de miolo de boi
queijo Grana
pimenta
farinha de rosca
manteiga

Levar ao fogo o caldo com o miolo e, quando ferver, acrescentar aos


poucos a farinha de rosca até o caldo engrossar na medida certa. Em
seguida, colocar um punhado de queijo Grana ralado, pimenta e
manteiga. Deixar ferver em fogo baixo por aproximadamente 2
horas. Servir bem quente.

CREME DE CONFETEIRO OU CREME DE OVOS - CREMA


PASTICCERA

1½ xícara de leite
1 fava de baunilha ou extrato
1 xícara de açúcar
4 gemas
¼ xícara de farinha

Esquentar o leite com a fava de baunilha (se utilizar o extrato,


acrescentar somente no final). Reservar.
Misturar ½ xícara de açúcar às gemas, batendo até ficarem leves e de
cor clara. Acrescentar a farinha, misturar bem, deixando a massa
homogênea.
Acrescentar lentamente à massa o leite quente, mexendo até que
todos os ingredientes estejam bem misturados.
Despejar numa panela e cozer, misturando energicamente até quase
a fervura, mas sem deixar ferver.
Tirar a fava de baunilha ou então acrescentar o extrato.
Peneirar e deixar esfriar, misturando de vez em quando para que não
se forme a pelezinha na superfície.

CREME LÍQUIDO - CREMA LIQUIDA

2 colherinhas de farinha
¼ de xícara de açúcar
1 colherinha de sal
2 ovos
2 xícaras de leite bem quente
1 colherinha de baunilha

Bater a farinha, o açúcar e o sal no liquidificador, na velocidade


média. Acrescentar os ovos e bater poucos minutos.
Acrescentar aos poucos o leite e bater na velocidade 4.
Colocar a mistura no fogo e cozinhar até a massa cobrir a colher
como um véu.
Acrescentar a baunilha.
Tirar do fogo e deixar esfriar.

MEU BOLO - TORTA MIA

2 xícaras de açúcar (melhor uma xícara e meia)


1 xícara de leite quente
4 ovos
2 xícaras de farinha
2 colherinhas cheias de fermento (levedo de cerveja)
1 pitada de sal
baunilha

Bater as claras com aproximadamente metade do açúcar (pode ser


um pouco menos que a metade, mas não mais).
Em outro recipiente bater as gemas com o restante do açúcar até
ganharem boa consistência. Acrescentar o leite quente lentamente e,
aos poucos, a farinha já peneirada junto com o fermento e o sal.
Bater bem até os ingredientes estarem bem incorporados.
Acrescentar então as claras.
A mistura deve ser posta numa forma refratária com buraco no meio,
e colocada no forno numa temperatura moderada por
aproximadamente 50-60 minutos, até estar bem crescida e dourada.
Tirar imediatamente do forno, deixar dentro da forma em lugar
protegido das correntes de ar.
Quando tiver esfriado, tirar da forma, passando a faca delicadamente
entre a massa e o refratário.

PROFITEROLES

½ xícara de manteiga
1 colherinha de sal
1 xícara de água
1 xícara de farinha
4 ou 5 ovos

Ferver uma xícara de água em banho-maria. Acrescentar à água


fervente a manteiga e o sal.
Quando a manteiga tiver derretido, acrescentar a farinha de uma só
vez, mexendo energicamente até a mistura se soltar das bordas da
panela, formando uma bola.
Tirar do fogo e deixar esfriar um pouco. Acrescentar os ovos, um a
um, mexendo bem toda vez que um ovo for acrescentado.
Colocar a massa num saco de confeiteiro e formar os profiteroles,
apertando o saco (se não dispomos desse utensílio, podemos formar
as bolinhas com uma colher, molhando-a a cada vez).
Dispor os profiteroles numa travessa untada com manteiga, e assar
em forno aquecido a 375° durante 45 minutos, verificando que a
massa dos profiteroles fique seca e bem dourada.

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