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O JAPÃO FACE À ALIANÇA NORTE-AMERICANA: A REDEFINIÇÃO DO

PÁPEL JAPONÊS COMO LIDERANÇA MUNDIAL

Januário Della Mea Espíndola e Paulo Monteiro Vergara*

Introdução

Para entendermos a atual configuração da posição japonesa no cenário asiático e


global devemos levar em consideração duas questões chaves da política exterior deste país:
o desafio da ascensão chinesa e o papel da aliança norte-americana. A fim de desenvolver
tal questão nos utilizamos uma breve e objetiva análise das características deste país, desde
os aspectos históricos, até a formação do atual sistema político-partidário e econômico
japonês, tendo a ajuda norte-americana no pós-guerra sido de extrema relevância para seu
sólido crescimento econômico. Estes são os pontos de partida para entendermos as bases de
atuação da sua política externa. Outro fator que não podemos deixar de lado é a questão de
uma provável reforma constitucional que terminaria com a situação de não-beligerância,
adotada desde o final da Segunda Guerra.
O Japão vê-se em uma encruzilhada diplomática em pleno inicio do século XXI, e
cabe a ele optar por uma postura mais autônoma na região ou estreitar ainda mais seus laços
com Washington.

Geografia e História

O Japão, país localizado no Leste Asiático, estende-se do Mar de Okhotsk até o Mar
Oriental Chinês, respectivamente, fronteiras norte e sul de um território de extensão
aproximada de 378 mil quilômetros quadrados. Sua população, a décima maior do mundo,
atinge aproximadamente 128 milhões de pessoas, dentre as quais 30 milhões concentradas
na região metropolitana de Tóquio.
Vislumbram-se grandes dificuldades para a produção agrícola, industrial ou mesmo
para o uso residencial do solo, em razão de ser o país ocupado por florestas e montanhas
(cerca de 70% a 80% do espaço), bem como por estar sob permanentes riscos de
deslizamentos causados por terremotos, solo frágil e chuvas torrenciais. Daí resultaram
zonas habitacionais densamente povoadas – o que se comprova pelo fato de ser o Japão o
país de maior densidade populacional do mundo - localizadas principalmente nas áreas
costeiras.
O Japão engloba cerca de três mil ilhas, sendo as quatro maiores Honshu, Hokkaido,
Kyushu e Shikoku. Juntas, representam cerca de 97% da área total do país e caracterizam-
se por um relevo basicamente montanhoso, com grande incidência de vulcões. O Monte
Fuji, ponto mais alto do Japão e cartão postal do país, trata-se de um vulcão inativo.

*
Graduandos do curso de Relações Internacionais/ UFRGS. Artigo produzido sob a orientação do Professor
Dr. Paulo Gilberto Fagundes Visentini.
Por ser o Japão uma das civilizações mais antigas e homogêneas do planeta, o
enfoque deste trabalho restringir-se-á ao período moderno, tendo como marco inicial da
análise o fim da política isolacionista da ilha, influenciado diretamente pela chegada, no
ano de 1853, de quatro navios de guerra da Marinha norte-americana. Da exigência norte-
americana pela abertura do mercado japonês ao comércio com o Ocidente deu-se a
assinatura do Tratado de Paz e Amizade, a partir do qual foram estabelecidas as relações
diplomáticas entre Japão e os Estados Unidos.
Em 1868 iniciou-se o período da Restauração Meiji, mediante a implantação de
diversas reformas. O sistema feudal foi abolido e inúmeras instituições ocidentais foram
adotadas. Sob um slogan nacionalista – nação rica, exército forte – e com uma política
fortemente expansionista, o Japão lançou-se às conquistas territoriais na Ásia, obtendo, a
partir daí, vitórias contra a China (1895) e o Império Russo (1905).
O final da Primeira Guerra Mundial e, ainda, a vitória da Tríplice Entente, conferiu
ao país um novo status no cenário internacional: passou, então, à potência emergente,
participando, inclusive, da recém criada Liga das Nações. A crise de 29, no entanto, levou
ao desencanto de grande parte da população com o governo corrupto - aliado do Ocidente -,
sentimento gerador de um apoio maciço à ascensão do exército ao poder.
Nesse contexto, caracterizado, especialmente, por uma política ultranacionalista e
expansionista, ocorre a invasão da Manchúria em 1937. O Japão alia-se aos governos
fascista de Mussolini e nazista de Hitler, expandindo-se por todo o Pacifico até a base
norte-americana de Pearl Harbour, no Havaí, em 1941. A partir daí, com a entrada dos
EUA no conflito, restou deflagrada a derrocada japonesa, em 1945, sendo seu ápice a
explosão das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki.
O período compreendido entre 1945 e 1952 foi marcado pelo domínio norte-
americano, sob o comando do General MacArthur: com o acirramento da Guerra Fria e o
deflagrar da Guerra da Coréia, o Japão passou a ser visto como um aliado importante de
Washington. Reformas políticas, econômicas e sociais foram introduzidas para fazer do
Japão uma vitrine de sucesso do mundo capitalista na Ásia. Graças à Doutrina Yoshida, o
Japão focou-se no crescimento econômico, deixando de lado os gastos militares, de tal
modo que toda a política de segurança passou a depender da ajuda militar norte-americana.
Já dos anos 50 à década de 80, a história japonesa é marcada pelo rápido
desenvolvimento econômico: a consolidação democrática constitucional, o extensivo
investimento e intervenção estatal na economia, e a transferência de tecnologia dos EUA
impulsionaram a reconstrução do Japão, que retoma, após a destruição da guerra, a força no
setor industrial.

Sociedade e Cultura

A população japonesa pode ser considerada, em certa medida, homogênea, tanto


lingüística como culturalmente, dada a pequena quantidade de grupos distintos, como
imigrantes coreanos e chineses, além dos decasseguis (brasileiros que imigram para o Japão
com o intuito de trabalhar).
País de alta expectativa de vida, cuja média de idade chega a 81,25 anos de idade, o
Japão, obviamente, possui problemas relativos ao rápido envelhecimento da população
(aproximadamente 20% da população japonesa tem mais de 65 anos), como a diminuição

2
da força de trabalho e o aumento dos gastos relacionados à seguridade social. Além disso, o
crescimento vegetativo japonês é negativo, o que diminui sua população, a ponto de já
serem estudadas medidas - como incentivos à imigração e nascimentos - capazes de
diminuir o efeito do envelhecimento da população e suprir o país com uma força de
trabalho mais jovem.
Quanto à religião, aproximadamente 84% da população nipônica declara acreditar
tanto no Xintoísmo e no Budismo, ou seja, há um sincretismo religioso. Exemplo disso é
que muitas pessoas celebram a união matrimonial com cerimônias xintoístas, ainda que
sejam budistas os funerais. Outras religiões, como o Taoísmo e o Confucionismo, têm
grande influência nas crenças e mitos da cultura japonesa, enquanto o cristianismo, a seu
turno, responde apenas por 0,7% dos japoneses.

Estrutura Política

Após o término da Segunda Guerra Mundial, o Japão adotou a monarquia


parlamentarista, regime desde então mantido. Com a promulgação da Constituição de 1947,
o sistema parlamentar foi baseado no modelo inglês de supremacia do parlamento, em que
o Poder Executivo é exercido por um primeiro-ministro, líder do partido vencedor das
eleições legislativas.
O imperador exerce, na prática, um papel simbólico, não obstante seja, de fato, o
chefe de Estado. Ele representa o “símbolo do Estado e a unidade do povo”, segundo
preceitua a própria constituição. O Poder Legislativo é o mais forte dos três, representado
pela Dieta, o Congresso Bicameral formado por uma Casa dos Representantes (câmara
baixa) e uma Casa dos Conselheiros (câmara alta).
A constituição japonesa do pós-guerra, imposta pelos norte-americanos, foi
promulgada pela Dieta em 1947, mantendo-se intacta até hoje, face à ausência de emendas.
Dentre seus artigos, o mais polêmico é, estreme de dúvidas, o nono, que proíbe a
manutenção, no país, de forças armadas1: em síntese, o Japão renunciou, aqui, ao direito de
beligerância.
O Japão pode ser considerado uma “democracia de partido único” devido ao fato do
conservador Partido Liberal Democrático (PLD) estar no poder desde a sua criação, em
1955 - ficou fora do governo apenas por um curto período de tempo, em 1993, quando uma
coalizão de governo foi formada pelos partidos da oposição. Durante o afastamento do
PDL, foi aprovada uma reforma política baseada em medidas restritivas de financiamento
de campanhas políticas e em mudanças no sistema eleitoral, como a diferença no peso do
voto entre o eleitor do campo e da cidade.
A permanência do PLD no governo pode ser explicada, em parte, pela postura de
partido de situação e do abandono do caráter ideológico. A partir dos anos 70, o PLD,

1
Na íntegra, o artigo nono da Constituição Japonesa: Chapter II. Renunciation of War, article 9.
“Aspiring sincerely to an international peace based on justice and order, the Japanese people
forever renounce war as a sovereign right of the nation and the threat or use of force as means of
settling international disputes. In order to accomplish the aim of the preceding paragraph, land, sea,
and air forces, as well as other war potential, will never be maintained. The right of belligerency of
the state will not be recognized”.

3
buscando desenvolvimento equivalente às potências do Ocidente, contou com forte
respaldo da sociedade e o apoio dos grandes grupos de interesse.
O maior partido oposicionista é o liberal-socialista Partido Democrático do Japão
(PDJ). Outros partidos de menor importância são o Komeito, o Partido Social Democrata
(PSD) e o Partido Comunista Japonês.
Em abril de 2001, eleito Jonichiro Koizumi (PLD) para o cargo de primeiro-
ministro, foi proposta, entre outras reformas de grande escala, a privatização do Correio do
Japão, que, além de ser monopólio do Estado como serviço postal, é ainda a maior
instituição financeira do mundo pelo número de empréstimos concedidos (girando em torno
de 331 trilhões de ienes em ativos). No entanto, essa proposta não foi aprovada pela Dieta.
Koizumi permaneceu no poder até setembro de 2006, quando Shinzo Abe assumiu como
novo primeiro-ministro.

Economia Japonesa

A consolidação do capitalismo no Japão deu-se por meio de uma série de reformas,


resultado da intervenção dos EUA. O período de ocupação militar norte-americana (1945-
1952) foi marcado pela política dos três D´s: democratização, desmilitarização e
desmonopolização. Em termos de democratização, foram introduzidos instituições liberais
e o aumento da intervenção governamental na economia. Em relação à desmilitarização, a
nova constituição japonesa renunciava à força militar permanente, permitindo apenas uma
força de autodefesa. E, por último, os zaibatsus (grandes conglomerados econômicos)
foram dissolvidos para evitar a monopolização. Foi a forma de assegurar aos EUA um
importante aliado no continente asiático, bem como de evitar, no Japão, a aproximação do
comunismo.
O período seguinte é marcado por um avassalador crescimento econômico,
responsável por tornar o Japão, em poucos anos, a terceira maior potência econômica do
planeta. O país realizou uma revolução tecnológica através da importação de tecnologia de
ponta, que lhe possibilitou acumular superávits crescentes na balança comercial no curto
prazo, realizando, assim, o catching up em relação a países como Estados Unidos, União
Soviética e Alemanha.
A recuperação econômica japonesa teve origem na Guerra da Coréia em 1950,
quando todo o fornecimento de suprimentos era garantido por fábricas japonesas
financiadas por capital americano: tais indústrias seriam o motor do crescimento futuro. É
importante ressaltar que a cultura nipônica foi essencial para a reconstrução do país, uma
vez que é baseada no corporativismo e no patriarcalismo oriental, em contraste com o
individualismo ocidental. Assim, o comprometimento da população com a nação foi muito
grande, apesar das péssimas perspectivas locais do pós-guerra.
Entre as décadas de 50 e 70 foi posto em prática o plano de duplicação da renda
nacional. Entre 1953 e 1973, o Japão alcançou taxas de crescimento médias de 9,7% ao
ano, afirmando-se economicamente no âmbito global (neste mesmo período, em termos
comparativos, a economia norte-americana cresceu menos de 4% em média). Impressiona,
neste mister, o fato de ao longo de todo esse processo de crescimento econômico ter a
inflação se mantido muito baixa, especialmente quando comparada com o excelente
desempenho da economia japonesa. Além disso, o Japão conseguiu manter o seu mercado

4
interno fechado a produtos importados, apesar da forte pressão exercida pelos demais
países. Esse cenário persistiu até mesmo depois da entrada do país no Acordo Geral de
Tarifas e Comércio (GATT), em 1955, e na Organização para a Cooperação Econômica e
Desenvolvimento (OECD), em 1964. Concomitantemente, ademais, o país lograva
conquistar um número cada vez maior de mercados para suas exportações.
A década de 70 foi marcada pelo arrefecimento da euforia que tomava conta do
progresso econômico japonês. A primeira crise do petróleo foi uma espécie de teste ao
vigor do “milagre japonês”. Bem como o resto do mundo, o Japão teve uma queda no seu
nível de crescimento e chegou a apresentar taxas de inflação de 30% durante um bom
período, mesmo que fossem estas taxas superiores às do resto do mundo. Essa crise serviu
como um aprendizado às elites dirigentes do país, que conseguiram diminuir os efeitos da
segunda crise do petróleo, em 1978. Com uma política de incentivo às exportações,
principalmente às de alto valor agregado (tecnologia intensiva), a economia reagiu bem aos
aumentos de preços. Outrossim, o país diversificou suas fontes energéticas, diminuindo,
pois, sua dependência de petróleo e derivados: tornou-se um dos países com um dos
sistemas energéticos mais eficientes do mundo.
No início da década de 80, o Japão viveu uma fase de liberalização financeira
acelerada, sendo facilitada a entrada de capital estrangeiro nesse setor. Além disso, as
instituições japonesas expandiram-se incrivelmente, a ponto de inserir Tóquio entre as
principais praças financeiras do mundo - ao lado de Nova York e Londres. Ainda
referentemente à financeirização da economia japonesa, de destacar a elevação do país ao
posto de maior credor líquido do mundo, beneficiando-se principalmente dos grandes
déficits comerciais norte-americanos, em meados da década de 80.

“Em 1987, o movimento anual do mercado de bônus em Tóquio


atingiu US$ 37,4 trilhões, superando o dos EUA, cujo índice foi de
US$ 27,7 trilhões (...) Outros dados que podem exemplificar o peso
global da economia japonesa no final dos anos 1980 são: em 1987,
35% do total dos bens dos bancos internacionais eram controlados
pelos bancos japoneses, enquanto os bancos dos EUA possuíam
17,6% em 1987, as 21 maiores instituições financeiras mundiais
eram japonesas e nove dos dez maiores bancos eram japoneses2“.

A posição de grande credor mundial se dava em relação aos Estados Unidos, que
vinha acumulando déficits crescentes tanto na balança comercial como na financeira. Essa
situação foi causada em grande parte pela valorização do dólar frente ao iene, que favorecia
as exportações japonesas. Por isso, o governo norte-americano passou a exercer pressão
para que houvesse uma apreciação da moeda japonesa frente ao dólar (operação chamada
de endaka), que de fato ocorreu através de um acordo em 1985. O Acordo de Plaza dividiu
o sistema monetário internacional em três moedas: o dólar, o iene e o marco alemão, sendo
que o segundo valorizou-se cerca de 30% em relação ao primeiro3. A endaka teve como

2
UEHARA, Alexandre Ratsuo. A política externa do Japão no final do século xx : o que faltou? São Paulo:
Annablume, 2003. 268 p.
3
De ¥ 240 por US$1 para ¥160 por US$ 1

5
conseqüência a redução significativa da lucratividade e da competitividade das exportações
japonesas, minando sua estratégia econômica desde o pós-guerra: o crescimento
impulsionado pelas exportações. Através desse acordo, a dívida norte-americana caiu para
cerca de um terço.
Outra tendência dos anos 80 foi o estreitamento das relações do Japão com os países
do Sudeste Asiático, tornando-o um líder regional. Com a valorização do iene, o processo
produtivo interno japonês encareceu enormemente, de modo que a solução foi a
transferência de algumas etapas da produção para países da ASEAN, como Brunei,
Cingapura, Filipinas, Malásia, Tailândia e Indonésia. Em menos de dez anos, de 1980 a
1989, os investimentos diretos japoneses na região tiveram um aumento de mais de 200%,
saltando de 7 para 23 bilhões de dólares.
Com a redução da taxa de juros básica da economia japonesa no inicio de 1986,
iniciou-se um processo especulativo no mercado de ativos (imobiliário e acionista). Houve
um desvio do capital das poupanças para esses mercados. Devido à valorização do iene e a
conseqüente diminuição das capacidades de exportação, o empresariado japonês tendeu a
aplicar seu capital em ativos de menor risco e com rápido retorno, preferindo, então, a
fórmula líquida do capital.
A preferência pelo mercado externo ou por ativos financeiros em detrimento ao
investimento interno foi a opção deste empresariado, o que causou, posteriormente,
recessão:
“Desde os anos 80, os bancos viram ser-lhes retirado o monopólio
de facto do financiamento das grandes empresas tendo-se lançado,
como vimos, em operações imobiliárias especulativas e na
concessão de empréstimo de risco que, na seqüência de um
retraimento dos mercados, não puderam ser reembolsados: esta aí a
origem da crise atual. 4“.

A decisão do governo de aumentar as taxas de juros e, por conseguinte, o declínio


dos preços dos imóveis e das ações gerou um estouro da bolha em 1991. As famílias
japonesas voltaram a aplicar em poupança, causando uma retração na demanda. Seguiu-se
a isso uma crise na divida pública, pois 8% do PIB era usado para pagar o déficit fiscal
(financiado pela poupança interna). De 1992 a 1995, o país passou pela mais longa
recessão desde a Segunda Guerra Mundial:

“As empresas - que obtiveram pesados empréstimos para financiar


investimentos expansivos estratégicos nos anos da bolha [a juros
baixos] - encontraram-se com excesso massivo de débitos e de
empregados nos anos seguintes à recessão econômica. ·····”.

O principal objetivo de política econômica que caracterizou a década de 90 no


Japão e que, provavelmente, marcará os próximos anos, tem sido a transposição dos efeitos
do estouro da bolha especulativa, através de políticas fiscais expansivas por parte do
governo japonês, a fim de retomar o crescimento anterior. Diferentemente do objetivo da
política do período Pós-Guerra, e daquele anterior ao colapso especulativo, a ênfase passou

4
Maricourt, R., Os Samurais da Gestão, pg. 199

6
a ser, em primeiro lugar, a recuperação da demanda doméstica, seguida pela liberalização e
a desregulação da economia – vistos como instrumentos para a reativação do nível de
atividade do país.
Atualmente, o grande problema japonês é o baixo crescimento econômico, gerado
em grande parte pelo baixo nível de investimentos produtivos dos empresários japoneses.
Além disso, o envelhecimento da população japonesa, cuja pirâmide etária conta com quase
25% de pessoas acima dos 60 anos, configura-se como um grande desafio a ser superado,
na medida em que a força de trabalho precisa ser renovada e os aumentos com gastos em
serviços sociais crescem significativamente, reduzindo o nível de poupança interno.
Apesar do cenário doméstico desfavorável, contudo, a balança comercial japonesa
vem acumulando superávits sucessivos, decorrentes, ainda, da relação comercial com os
Estados Unidos: em 2006, bateu um novo recorde de US$ 76 bilhões, registrando um
aumento de 16,4% em relação ao ano anterior. Porém, a China vem se afirmando,
gradativamente, como maior parceiro comercial do Japão. Esses números favoráveis são
obtidos graças à pauta de exportação japonesa, que se caracteriza por possuir produtos de
alto valor agregado, enquanto o país necessita importar alimentos (60 % do que consome),
petróleo, minério de ferro e outros produtos de valor agregado muito inferior às suas
exportações.

Política Externa

Durante a Guerra Fria, o foco da política externa japonesa era basicamente


econômico, porquanto sua dependência militar dos Estados Unidos o fez abdicar de
preocupações referentes à segurança: estava o país sob o “guarda-chuva” de proteção
nuclear norte-americano. A aliança com Washington foi fielmente mantida por todos os
governos japoneses desde o pós-guerra, sendo o tratado de segurança para proteção
estratégica um dos pilares fundamentais da política externa do Japão.
No entanto, desde o fim da ordem bipolar, as elites políticas japonesas e grande
parte da opinião pública em geral têm mostrado interesse em debater as questões de
segurança regional, a fim de legitimar o papel das Forças de Auto Defesa (SDF). É possível
perceber um sentimento crescente de insegurança na região, devido aos aumentos dos
gastos militares chineses e às ameaças freqüentes de uma Coréia do Norte com capacidade
nuclear. A par disso, ainda existe um sentimento de insegurança e desgosto por parte dos
povos que foram dominados pelos japoneses durante a década de 30 e em grande parte da
Segunda Guerra. Essas são as grandes questões a serem enfrentadas no âmbito das relações
externas japonesas: a relação com seus vizinhos (especialmente a China e as Coréias) e o
problema da segurança nacional (papel das SDF e reforma do artigo 9º da Constituição).
Embora a Constituição e os atos do governo neguem um papel militar mais ofensivo
do Japão no cenário internacional, é de reconhecer que a cooperação EUA-Japão desde os
anos 60 foi extremamente importante para a paz e a estabilidade da região do Leste
Asiático. Inobstante o debate doméstico acerca da possibilidade de modificação do artigo 9º
da Constituição, visando à sua reinterpretação, substituição ou mesmo eliminação, até que
tal aconteça a relação com os EUA mantêm-se muito forte, principalmente pelo fato dos

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norte-americanos possuírem no Japão um contrabalanço ao extraordinário crescimento
chinês.
No que tange às relações com os países vizinhos – especialmente a China e as
Coréias -, muito pouco foi feito, apesar das diversas declarações oficiais do governo
japonês sobre as ocupações militares feitas na região antes e durante a Segunda Guerra.
Esses paises ainda clamam por um pedido formal de remorso e desculpas, a ser manifestado
pelo governo, pelos atos cometidos durante as ocupações militares naqueles países
(marcadas por torturas, estupros, morte de civis e prisioneiros de guerra). Ademais, visitas
recentes de primeiros-ministros ao Yasukini Shrine (local dedicado aos espíritos daqueles
que morreram em guerras lutando em nome do imperador) geraram protestos e
desconfiança nos vizinhos asiáticos. O ex-primeiro-ministro Junichiro Koizumi fez visitas
anuais àquele local durante o seu mandato, dando razão a sentimentos antijaponeses das
populações vizinhas.
Em 2004, o governo chinês criticou o envio de tropas das SDF ao Iraque, o que foi
visto como uma volta ao militarismo. A resposta japonesa foi no sentido de que aqueles
efetivos somente participariam da reconstrução e de missões de ajuda humanitária.
Um dos itens da atual agenda da política externa japonesa é a conquista de um
assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. A relevância do multilateralismo
tem crescido ultimamente na atuação da diplomacia japonesa como meio de tentar sair da
relação quase exclusiva com os EUA. Mais responsabilidades serão necessárias se o Japão
decidir seguir adiante com essa proposta, e isso acabará esbarrando na questão do aumento
do papel do país na segurança internacional. Além do mais, o movimento global pela
interdependência e pelo aumento da institucionalização transnacional tem motivado esse
projeto. Grupos políticos domésticos pensam utilizar os organismos internacionais como
meios para facilitar uma maior presença do Japão no cenário internacional – incluindo-se,
aí, a atuação militar – de forma legitima.
Em nível regional, a presença em organizações como APEC e ASEAN é um
instrumento importante para a tentativa de consolidação da liderança japonesa.
Mais especificamente quanto às relações sino-japonesas, vale ressaltar os fortes
atritos ocorridos entre os dois países desde o inicio do século XIX até o final da Segunda
Guerra, com a invasão do exercito japonês no território chinês e com a implantação do
Estado de Manchuko na região da Manchúria. As marcas de violência deixadas pela
ocupação geram até hoje um sentimento antijaponês na região. As relações diplomáticas só
foram restauradas entre os dois paises em 1971, juntamente com a mudança da posição de
Washington com relação à China. As negociações basearam-se no princípio de que o Japão
reconheceria Taiwan como província subordinada ao governo da Republica Popular da
China e que os tratados estabelecidos entre as duas ilhas não mais seriam válidos. Na
declaração, Tóquio reconhecia Pequim como o único governo legal da China, determinando
a inferioridade de Taipei em relação ao governo central do regime comunista.
O Japão teve um importante papel na modernização econômica chinesa, através de
investimentos e transferência de plantas industriais. Isso foi determinante para uma boa
relação entre os dois paises, e ajudou a reduzir o interesse chinês em tornar sua política
externa mais provocativa – com base em fatos históricos passados. A visita do imperador
Akihito, em 1992, foi um sinal claro que o governo japonês considerava a relação com a
China como de interesse econômico e estratégico.

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Atualmente a relação entre ambos é de cautela: da parte japonesa em função do
boom do crescimento chinês e dos crescentes gastos militares; e, por outro lado, da parte
chinesa, pela ameaça da remilitarização japonesa, com a reforma constitucional do artigo 9º
e o uso freqüente das Forças de Auto Defesa em missões de paz.

Considerações Finais

Tendo em vista a importância da região do leste asiático como zona de prosperidade


econômica, e principalmente por nela estar localizado o país mais populoso e de maior
pujança econômica, a China, que almeja ocupar a posição de nova potência mundial, é
preciso ter em vista a situação japonesa frente a este desafio.
Por um lado, podem-se estreitar os laços da aliança EUA-Japão, o que se verifica
dos Diálogos Trilaterais de segurança realizados em 2001 entre estes dois países juntamente
com a Austrália. Neste caso, segundo Huntington5, o Japão estaria se colocando como a
“Grã-Bretanha da Ásia”, ou seja, o grande aliado norte-americano da região. Devemos ter
em mente, no entanto, que a Ásia não é a Europa, que desde o final da Segunda Guerra
Mundial foi pacificada e integrada através da criação de uma forte instituição multilateral, a
União Européia. A Ásia ainda sente falta de organismos capazes de servir como meio de
integração entre suas distintas nações. A própria disputa por poder regional entre China e
Japão acaba minando o desenvolvimento de tais instituições no Leste Asiático. Como
salienta Fukuyama6, o Japão somente exercerá um maior papel regional se se dispuser a ser
o patrocinador da criação de um organismo multilateral de cooperação realmente forte na
região. Caso contrário, tenderá a manter a atual aliança com os EUA ou ainda a
desenvolver uma postura diplomática mais autônoma, que poderá ser barrada pelas próprias
contradições internas, seja na Constituição pacifista, seja em um desejo da opinião pública
por neutralidade.

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