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B!Jmãos. revista trimestral n.

o 27/28

o artesanato e o design, embora se situem


hoje em campos razoavelmente afastados,
partilham alguns problemas e desafios,
nomeadamente se acreditarmos em cenários
múltiplos e de parcerias possíveis.(...)
O artesanato e as artes e ofícios podem ser
considerados antepassados estruturantes do
design em sentido contemporâneo, e
constituíram-se em actividades que convivem
com esta "nova" disciplina, resistindo ou
adaptando-se quanto baste, à evolução dos contextos econômicos,
tecnolôgicos, sociais e culturais que entretanto se verificaram. Esta
existência paralela feita de convergências e divergências1, potencia
equívocos associados a tudo o que é mal assimilado e pensado, a que
deveremos juntar os défices
culturais e educacionais
muitos lntervenlentes
recentemente,
e, ~a~s
uma curlosl-
de ARTE
E DE
SAN
SIGN ..
ATO

dade pouco consis~e.nte sobre P ARC E RIAS


estas áreas de actlvldade por
parte de algumas instituições, COM FUTURO?
pautada por um misto de moda JoãoBranco'"
e de uma má interpretação de
algumas tendências prosseguidas por grupos de consumidores que se
assumem como "jogadores inteligentes" no palco do global/local.
A verdade é que o artesanato parece estar aprofundados. as questões que nos
numa fase de recuperação de um declínio interessam levantar neste momento. sao as
relativo. enquanto o design se procura de saber se o design pode colaborar na
afirmar junto das empresas. das institui- dinamizaçao do artesanato e dele retirar
ções e dos consumidores. com as naturais bases para o desenvolvimento de ambos?
dificuldades dos' pr!;>cessosdeste tipo que ou se o artesanato deve resistir à
acrescem à diversidade e heterogeneidade éontaminaçao de outras disciplinas que lhe
dos protagonistas envolvidos. sao próximas e se tem condições para o
fazer?
Parece haver. para diferentes leituras e
públicoS para os diversos artefactos. seja Isto quer significar que encaramos o
através da etoquência simples das funções problema numa dupla perspectiva:
práticas de produtos pouco complexos
(caso do artesanato), seja pela maior ou -encontrar plataformas de parceria para
menor sofisticaç~o de uma configuração um território de intervençao do design que
de artefactos; de processos e de sistemas expresse uma identidade. que. a prazo. lhe
que propõe o equilíbrio e interacção entre pode conferir a marca dessa mesma
as suas funções indicativas. estéticas. distinçaoz e
1 Ocorrência que se verifica com muitasoutra$ simbólicas e práticas (caso do design).
disciplinas próximas do design -proporcionar um novo fôlego para o
Z Branco, J., Providência, F., Aguiar, C.. Branco.. Para além da história e teoria das duas artesanato tradicional e
V.. "The Museum of Portuguese Design" 3rd disciplinas cujos conteúdos devem ser urbano/contemporaneo.
international conference on design history &
design studies", Istambul, 2002
IImmãos. revista trimestral n.o 27/28

Gostaríamos de distinguir no artesanato,


aquele a que normalmente se chama de
tradicional e o que é designado por
urbano, por novo, próximo de algumas
intervenções das artes plásticas, ou do
design de autor3. Estas duas espécies de
artesanato só mantêm algumas afinidades
no que se refere a uma intensa
interiorizaçao lúcida da prova da eficácia
incorporação de mão-de-obra na realiza-
passada dos objectos. propondo melhorias
ção dos artefactos e na micro-dimensão
incrementais. Quase imperceptfveis Que
das unidades que os produzem. Esta
reforçam a apreciaçao do público pela
situação obriga a que seja necessário
capacidade do bem fazer. Pensamos Que
rodear uma possível intervenção do design
este tipo de artesanato poderá continuar o
de cuidados muito especiais,
seu caminho. contando até pelas razOes
nomeadamente. no que toca ao
referidas. com alguns apoios institucionais
artesanato tradicional. t que este
Que o ajudem a consolidar-se como
transporta memórias de um saber fazer
portador de diferentes mensagens Que
que tem um lugar importante do ponto de
devem ser transmitidas para as gerações
vista sociológico, histórico e cultural que
seguintes. processo Que nao difere dos
convém não perturbar, sobretudo se tiver
cuidados inerentes à preservaçao e
público interessado que garanta a sua
difusao de outros valores patrimoniais.
sUbsistência económica. O artesão foi e é
um construtor de artefactos -dotado de
É importante Que deixemos uma nota de
uma criatividade especial, a da melhoria
preocupação para o crescimento do Que
progressiva dos produtos na,perspectiva
chamamos de "artesanato tradicional de
do utilizador. A sua obra caracteriza-se
cópia", forma menor de reprodução até à
pela realização manual com a ajuda de um
exaustão de peças originais, por
mínimo de ferramentas e pelo controlo
biscateiros de ocasião a Que faltam todos
quase absoluto do ciclo que vai da
os traços da actividade Que
concepção, à realização e utilização4. O
caracterizamos anteriormente. Estas
artesanato tradicional resulta da
Questões prendem-se com a diffcil
definição do "estatuto do artesão" e com a
certificação de produtos resultantes da
actividade, iniciativas Que poderiam
despistar fenómenos espúrios à actividade,
tentando acabar com alguma
promisçuidade Quefunciona como veiculo
privilegiado para a venda de "gato por
lebre" com todas as conseQuências
nefastas para a credibilidade e
reconhecimento deste tipo de artesanato.
A continuação deste cenário pode
comprometer, Quanto a nós, o interesse e
3 Designaçao polémica que pretende situaras o apoio das Instituições à viabilização de
intervenções do design que result~mem projectos ao nfvel da produção, do ensino,
pequenas séries e em que releva o peso da
da distribuição e da comercialização do
assinatura. Num sentido mais recente,jnclutOS
chamados "designers-makers" quena6 só artesanato tradicional e Que pode consti-
concebem, mas realizam os artefactos.AbarCa tuir a diferença entre o seu
também os objectos e os processos que dooum
peso relevante à autoria.

.Esta afirmaçao permite diferenciar o


artesanato do design partindo do pressuposto
que aceitamos o facto de ao design estar
consignado como nuclear, a concepçao de
artefacto. e que um dos marcos possíveis para o
seu aparecimento em sentido contemporaneo
foi a separaçao entre o pensar e o fazer.

5 Ver artigo referido na nota 3.


desaparecimento ou a sua afirmação e
desenvolvimento.

Independentemente destas preocupações.


dissemos Que vemos com bons olhos a
aproximaçao do design ao artesanato. seja
ele tradicional. ou urbano.

pequenas séries. dar origem a linhas de


No primeiro caso. como fonte de
produtos diferenciados com alicerces tao
inspiraçao e de reflexao que poderá
sólidos e diferenciados como a nossá
resultar em objectos mais adequados aos
história e a nossa culturas. Realce para o
nOS$OS tempos. dando expressão à
significado da recuperaçao de um passado
verdade dos percursos que. baseados no
que pode proporcionar o preenchimento
saber e na arte do passado conseguem
de um intervalo forçado entre as artes e
propor um futuro com identidade. E talvez
ofícios e a industrializaçao nacionais.. pelos
esteja neste processo a solução para a
ditames das potências económicas da
afirmação de alguma indústria nacional
altura que ditaram uma especializaçao
através da recuperaçao de algo que
para a indústria portuguesa. num quadro
soubemos. sabemos fazer' e compreender
de subcontrataçao caracterizado pelos
de um modo muito específico e que
poderá. via design industrial ou de - baixos custos de produçao. O nosso
passado. a consistência e a variedade de
inf)uências que compôs a nossa identidade.
com reflexos naturais nas artes e ofícios e
no artesanato poderao constituir a base
para a abertura de cenários de produtos
m:!!] maos .revista trimestral n.o 27/28

6 Fica como exemplo a exposiçao "Reinventara próprios por parte das nossas empresas. formas. a especulaç~o estética de mate-
Matéria" quando do Porto Capital Europeiada pautados pela inteligência interpretativa riais e técnicas. a actualizaç~o das
Cultura. ou algumas das experiências. que se
das mais valias de um património único e linguagens por referência à variaç~o dos
estao a efectuar na Mgiass.
consequentemente potenciador de padrões de consumo. A este tipo de
7 Dá-se como exemplo uma iniciativa recente
diferenciaçao assinalável. artesanato. feito pela classe média
levado a cabo pela Universidade de Aveiró e por
diversas entidades Açorianas que possibilitaram (contrariamente ao tradicional que tem
o trabalho conjunto entre artesaos e designers. E esta primeira opç~o abre dois caminhos como intérpretes outros extractos sociais
8 Dorme~. P. Os Significados do DesignModerno. interessantes: e culturais), que produz simultaneamente,
Lisboa. Centro Português de Design. 1995. os artefactos que podem ser utilizados
-uma referência patrimonial mais ou (vis~o neo-conservadora)8 e os que têm a
menos intensa para o design industrial. ambiç~o de serem considerados como
e/ou para o design de autore, peças de arte (vanguarda das artes
decorativas) falta-lhe racional idade e
-um campo de interacção criativa das duas viabilidade económica ao n(vel do negócio
disciplinas. respeitando os processos e o "know-how" da distribuiç~o. da corner-
específicos de criaç~o, de inovaçao, e de cializaç~o e da comunicaçao. O design
execuçao do artesanato que. como pode ajudar a resolver muitas destas
referimos, diferem substancialmente da questões ao enquadrá-Ias do ponto de
intervençao do designY. vista projectual. que o mesmo é dizer,
pensar estes problemas com base em
No segundo caso. o do artesanato urbano. informaç~o mais segura e indicada. em
çontemporâneo. o design poderá trazer contextos e ambientes mais adequados às
também. grandes benefícios à actividade e condições de operaç~o praticadas por
isto porque pensamos que ela dispõe de quem produz para os mercados. propondo
algumas características importantes como soluções que interessam a todos os
a criatividade. a exploraç~o de novas parceiros da fileira do negócio. E isto
porque contrariamente ao artesanato que contribuiç~o dos artífices e dos artes~os apreciado e premiado por segmentos de
é relativamente periférico ao grosso da na formaç~o dos designers. O contacto públicos que se assumem como
actividade económica. o design conquista com amanualidade. com os segredos e consumidores multidirnensionais.
gradualmente um desempenho nuclear na com os gestos que s~o a express~o da
competitividade das empresas e das memória do saber. das linhas invisíveis qa Afinadas algumas das linhas de interven-
instituições. construç~o dos artefactos.. continua a ser ção nestes cruzamentos interdisciplinares
importante. mesmo que o acesso a estas ressalvados os cuidados necessários para
Sabendo-se que os cenários de informações apresente uma nova não interferir com a preservação dos
globalizaçao actoais causam um efeito de dinamica que se situa entre o ar:tífice patrimónios. nem vitimizar ninguém pelo
resistência dos consumidores, pelos meno~ industrial e a lÓgica da produç~o choque inevitável e salutar de culturas.
dos mais avançados, à estanda~dizaçao empresarial. Lembremos. no entanto. que pensamos que existe um espaço de
dos produtos e motivam a procura de na Bauhaus, conjuntamente com os aprendizagem. de especulação e de reali-
soluções diferenciadas e cada vez mais mestres artífices trabalhavan\.já. os zaç~o que beneficiará o artesanato e o
;o
autênticas. parece encontrada uma base mestres da forma. designo fiíl
da receita possível de renovaçao das
ofertas artesanare industrial. em que o Esta aproximaçao, entre o artesanato e o
Comunicação e Arte da Universidade de
design funcionará como um integrador de designo independentemente da fórmula
todas as qualidades, como um instrumento exí3ccta.parece poder constituir um pólo Design
--~
e Marketing pela Universidade do

multiplicador das vantagens específicas e inesgotável para parcerias. para actuaçõe


da ligaçao entre estas actividades. interactivasque os mercados sublinham
com agrado.
Uma última nota para a recuperaçao de
algumas ideias estruturantes da Bauhaus As tentativas de humanização. da
no que respeita ao ensino do designo Na diferenciação no quadro da globalização
altura. como hoje, é interessante pensar a constituem uma hipótese de jogo

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