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Artigo extraído da Revista Diversa :: Ano I - nº 2 :: pp. 171-185 :: jul./dez.

2008

Psicologia jurídica:história, ramificações e áreas de atuação

Resumo
A Psicologia Jurídica é um dos ramos da Psicologia que mais cresceram nos últimos anos e
o presente artigo faz um levantamento histórico dessa relação entre a Psicologia e a justiça
desde o início do século XIX, quando os médicos foram chamados pelos juízes da época
para desvendarem o ‘‘enigma’’ que certos crimes apresentavam; passando pelo surgimento
da Psicologia Criminal, em 1868; pelo nascimento da Criminologia, em 1875; e finalizando
com a introdução do termo Psicologia Jurídica por Mira Y Lopez em 1950. Em seguida,
apresenta as definições de Psicologia Jurídica, Psicologia Forense, Psicologia Criminal e
Psicologia Judiciária e as áreas de atuação da Psicologia Jurídica.

Abstract
The Juridical Psychology is one of the branches of the psychology that more they grew in
the last years and the present article makes a historical rising of that relationship between
the psychology and the justice since the beginning of the century XIX, when the doctors
were called by the judges of the time for they unmask ‘’mystery’’ that certain crimes
presented; going by the appearance of the Criminal Psychology, in 1868; for the birth of the
Criminology, in 1875; and concluding with the introduction of the term Juridical
Psychology for Mira Y Lopez in 1950. Soon after, it presents the definitions of Juridical
Psychology, Forensic Psychology, Criminal Psychology and Judiciary Psychology and the
areas of performance of the Juridical Psychology.
Liene Martha Leal
Palavras-chave:
Psicologia Jurídica; Psicologia Forense; Psicologia Criminal.
Key-words: Juridical Psychology; Forensic Psychology; Criminal
Psychology.

A RELAÇÃO ENTRE A PSICOLOGIA E A JUSTIÇA:


UMA VISÃO HISTÓRICA

N o início do século XIX, na França, os médicos foram chamados pelos juízes da


época para desvendarem o ‘‘enigma’’ que certos crimes apresentavam. Eram ações
criminosas sem razão aparente e que, também “não partiam de indivíduos que se
encaixavam nos quadros clássicos da loucura” (CARRARA, 1998, p.70). Segundo Carrara
(1998), estes crimes que clamaram pelas considerações médicas não eram motivados por
lucros financeiros ou paixões, pareciam possuir uma outra estrutura, pois diziam respeito à
subversão escandalosa de valores tão básicos que se imagina que estejam enraizados na
própria “natureza humana”, como o amor filial, o amor materno, ou a piedade frente à dor e
ao sofrimento humano. Conforme Castel (1978), estas foram as primeiras incursões dos
alienistas franceses para fora dos asilos de alienados. Mas, e a Psicologia, que lugar viria
ocupar nesta relação entre a criminalidade e a justiça?

De acordo com Bonger (1943), a Psicologia só viria aparecer no cenário das ciências que
auxiliam a justiça em 1868, com a publicação do livro Psychologie Naturelle, do médico
francês Prosper Despine, que apresenta estudos de casos dos grandes criminosos (somente
delinqüentes graves) daquela época. Ele obteve seu material de estudo das detalhadas
informações contidas na La Gazette des Tribunaux e de outras publicações análogas.
Despine dividiu o material em grupos de acordo com os motivos que desencadearam os
crimes e, logo em seguida, investigou as particularidades psicológicas de cada um dos
membros dos vários grupos. Concluiu ao final que o delinqüente, com exceção de poucos
casos, não apresenta enfermidade física e nem mental. Segundo ele, as anomalias
apresentadas pelos delinqüentes situam-se em suas tendências e seu comportamento moral
e não afetam sua capacidade intelectual (que poderá ser inferior em alguns casos e
enormemente superior em outros). Conforme suas observações, o delinqüente age com
freqüência motivado por tendências nocivas, como o ódio, a vingança, a avareza, a aversão
ao trabalho, entre outras.
Na opinião de Despine, o delinqüente possui uma deficiência ou carece em absoluto de
verdadeiro interesse por si mesmo, de simpatia para com seus semelhantes, de consciência
moral e de sentimento de dever. Não é prudente, nem simpático e nem é capaz de
arrependimento. O próprio Despine considera que sua obra era somente uma iniciativa e
incitou as demais pessoas para que prossigam nesta mesma linha de investigação. Despine
passou então a ser considerado o fundador da Psicologia Criminal - denominação dada
naquela época às práticas psicológicas voltadas para o estudo dos aspectos psicológicos do
criminoso.
Em 1875, a criminologia surge no cenário das ciências humanas como o saber que viria dar
conta do estudo da relação entre o crime e o criminoso, tendo como campo de pesquisa “as
causas (fatores determinantes) da criminalidade, bem como a personalidade e a conduta do
delinqüente e a maneira de ressocializálo” (OLIVEIRA, 1992, p. 31). A criminologia:
Em sua tentativa para chegar ao diagnóstico etiológico do crime, e, assim, compreender e
interpretar as causas da criminalidade, os mecanismos do crime e os móveis do ato
criminal, conclui que tudo se resumia em um problema especial de conduta, que é a
expressão imediata e direta da personalidade. Assim, antes do crime, é o criminoso o
ponto fundamental da Criminologia contemporânea (MACEDO, 1977, P. 16).
Neste momento a Psicologia Criminal passa a ocupar uma posição de maior destaque como
uma ciência que viria contribuir para a compreensão da conduta e da personalidade do
criminoso. Para García-Pablos de Molina (2002, p. 253), “corresponde à Psicologia o
estudo da estrutura, gênese e desenvolvimento da conduta criminal”.
O crime passa a ser visto como um problema que não é apenas “do criminoso, mas também,
do Juiz, do advogado, do psiquiatra, do psicólogo e do sociólogo” (DOURADO, 1965, p.7).
Na visão de Dourado (1965, P. 7), atualmente:
Não se concebe, no processo penal, que se omitam os conhecimentos científicos da
Psicologia, no sentido de se obter maior perfeição no julgamento de cada caso em
particular. (...) Para se compreender o delinqüente, mister se faz que se conheçam as
forças psicológicas que o levaram ao crime. Esta compreensão só se pode obter
examinando-se os aspectos psicológicopsiquiátricos do criminoso e de seu crime.
Seguindo esta mesma linha de raciocínio, Segre (1996, p.27) destaca que “o que deve
prevalecer no estudo criminológico é a tentativa de esclarecimento do ato humano anti-
social, visando à sua prevenção e, tanto quanto possível, a evitar a sua reiteração
(terapêutica criminal)”.
De acordo com Bonger (1943), a Psicologia Criminal é importante para todos os
profissionais de Direito Penal. Para a polícia é útil saber quais são os tipos psicológicos
mais suscetíveis ao cometimento de determinado tipo de delito. Também é importante que
os promotores e juizes conheçam o grau de perigo para a segurança pública que é inerente a
certos tipos de delinqüentes, a fim de fixarem as penas e demais medidas corretivas. Por
último, o conhecimento da Psicologia Criminal é de utilidade especial para todas aquelas
pessoas que trabalham em presídios e manicômios.
Na opinião de Bonger (1943), encontramos entre os delinqüentes todos os tipos humanos
possíveis, não existe uma tipologia psicológica específica do delinqüente. Para ele, o que
diferencia o delinqüente das demais pessoas é uma deficiência moral associada a uma
exagerada tendência materialista.
Bonger (1943), ao descrever o surgimento da psicologia criminal, cita alguns autores
anteriores a Despine que, segundo ele, fazem parte da pré-história da psicologia criminal,
como Pitaval, na França, em 1734; Richer, na França, em 1772; Schaumann, na Alemanha,
em 1792; Feuerbach, na Alemanha, em 1808; Lauvergne, na França, em 1841; Häring e
Hitizig, na Alemanha, em 1842 e Avé-Lallemant, na Alemanha, em 1858. Na sua opinião,
apesar de apresentarem uma preocupação em descrever aspectos psicológicos dos delitos e
dos delinqüentes, estes autores pecaram por não haver um rigor metodológico na escolha
dos casos e nem uma preocupação em construir uma teoria sobre os dados encontrados.
Com relação à história propriamente dita da psicologia criminal, Bonger (1943) conseguiu
fazer uma pesquisa bibliográfica bastante expressiva, envolvendo autores de diversos
países, como Lombroso, na Itália, em 1876; Marro, na Itália, em 1887; Kurella, Baer e
Gross, na Alemanha, em 1893; Aschaffenburg, na Alemanha, em 1904 e Laurent, na
França, em 1908.
Lombroso, psiquiatra, pai da criminologia e criador da antropologia criminal (ciência que
estuda a relação entre as características físicas do indivíduo e a criminalidade), também se
ocupou da Psicologia do delinqüente. Apesar de superficialmente, ele cita um ou dois
exemplos e discute os mais diversos temas, tais como a gíria dos delinqüentes, tatuagem e
religiosidade. Para ele, o delinqüente é insensível, valente (e às vezes, covarde),
inconstante, presunçoso, cruel e se caracteriza por uma tendência a entregar-se à bebida, ao
jogo e às mulheres. Já para Marro, o delinqüente se caracteriza principalmente por um
defeito em sua capacidade de refletir e de impressionar as pessoas.
O alemão Kurella, biógrafo de Lombroso, publicou um estudo bastante extenso sobre
Psicologia Criminal onde menciona os seguintes traços como sendo característicos dos
delinqüentes: parasitismo, tendência a mentir, falta de sentimento de honra, falta de
piedade, crueldade, presunção e veemente ânsia de prazeres. Baer, ao analisar o
comportamento do delinqüente, fez significativas observações sobre a importância da
influência que o meio ambiente exerce sobre as tendências psíquicas de uma pessoa.
Segundo ele, o delinqüente representa um caso extremo das características psíquicas que
mais abundam na classe social de onde ele procede. Gross trata em seus dois livros da
Psicologia Criminal aplicada, ou seja, dos fatores psíquicos que podem tomar parte na
investigação e no julgamento dos delitos. Seu grande mérito consiste em ser o primeiro a
produzir uma crítica da prova e do testemunho, na qual haveria de desenvolver-se mais
tarde como uma ramificação da Psicologia Criminal. Laurent, como médico de prisioneiros,
teve grandes e variadas oportunidades para estudar a personalidade do delinqüente.
Segundo sua opinião, o delinqüente é um indivíduo de inteligência inferior à média,
descuidado, de pouca simpatia, preguiçoso, presunçoso e pobre de vontade.
A partir do final do século XIX, a Psicologia Criminal começou a ser dona do seu próprio
destino. Suas investigações realizaramse com mais freqüência e como um maior rigor
metodológico. A Alemanha foi o país que mais se destacou. Gross fundou o Archiv für
Kriminalantropologie und Kriminalistik, abreviadamente conhecido como Gross’Archiv.
Com mais de noventa volumes, é considerado um autêntico tesouro para a criminologia e,
em muitos aspectos, para a Psicologia Criminal. Aschaffenburg, seguido o exemplo de
Gross, em 1904, publicou uma revista que contém igualmente uma grande quantidade de
material de interesse para a Psicologia Criminal, assim como estudos de casos separados.
Em 1950, Mira Y Lopez utiliza o termo Psicologia Jurídica ao publicar o Manual de
Psicologia Jurídica. Ao longo dos seus dezesseis capítulos o autor procura discutir o papel
da Psicologia no campo do Direito e oferecer conhecimentos sobre o comportamento
humano que auxiliem os juristas em suas decisões.
Mira Y Lopez (2008), numa tentativa de compreender como as pessoas reagem em
situações de conflito, enumerou nove fatores que, segundo ele, seriam responsáveis pela
reação de uma pessoa em um dado momento, classificando-os em herdados, adquiridos e
mistos
FATORES GERAIS RESPONSÁVEIS PELA REAÇÃO PESSOAL
EM UM DADO MOMENTO, SEGUNDO MIRA Y LOPEZ

HERDADOS
a) Constituição Corporal
b) Temperamento
c) Inteligência
MISTO
d) Caráter
ADQUIRIDOS
e) Prévia experiência de
situações análogas
f) Constelação
g) Situação externa atual
h) Tipo médio de reação social
(coletiva)
i) Modo de percepção da situação
Fonte: MIRA Y LOPEZ, E. Manual de Psicologia Jurídica. 2. ed. São Paulo:Impactus,
2008.
De acordo com Mira Y Lopez (2008), os fatores herdados que influenciam o modo de
reação da pessoa, são a constituição corporal, o temperamento e a inteligência. Segundo
ele, quanto à constituição corporal, a reação de um homem corpulento difere da de um
homem magro e baixo, assim como, uma crítica vinda de um jovem adolescente não será
recebida da mesma forma se for feita por um idoso. O fator morfológico origina na
pessoa um obscuro sentimento de superioridade ou inferioridade física em frente às
situações e influencia a determinação do seu modo de reagir. Em outras palavras, a
constituição corporal imprime um selo característico na pessoa e condiciona em grande
parte o seu jeito de ser.
Se por constituição corporal entendemos o conjunto de propriedades morfológicas e
bioquímicas transmitidas ao indivíduo por herança, podemos definir o temperamento
como a resultante funcional direta da constituição corporal, sendo responsável pela
nossa tendência mais primitiva de reação em frente dos estímulos ambientais. E com
relação à inteligência, Mira Y Lopez (2008) defende a idéia de que ela nos fornece
subsídios para uma adaptação melhor à realidade e uma melhor compreensão dela.
Portanto, para uma pessoa pouco dotada do ponto de vista intelectual, os recursos de
adaptação a uma situação acabarão mais rápido do que para outra um pouco mais
inteligente.
Pontes (1995, p. 34), seguindo esta mesma linha de pensamento, define a inteligência
como sendo uma “capacidade para adquirir e acumular experiências, visando a resolver
os problemas que a vida impõe”. Pontes (1997) apresenta uma importante correlação
entre baixo nível intelectual e “insight prejudicado”.
O Insight é a capacidade da pessoa para perceber, assimilar, compreender e elaborar a
realidade e os acontecimentos em sua volta. É o modo como refletimos sobre as coisas
que ocorrem no nosso dia-a-dia. A pessoa cujo insight é prejudicado apresenta uma
dificuldade de compreensão e de reflexão ante a realidade, sendo difícil assimilar noções
de limites, de certo e de errado, de Direito e de deveres e de bem e de mal.
Pontes (1997, p.75), para melhor definir o conceito de insight, faz a seguinte analogia:
um insight preservado seria como a água cristalina ou a água de piscina bem tratada.
Quando o indivíduo sabe nadar, ele pode mergulhar sem correr risco e obter sucesso no
mergulho. Já num insight prejudicado a água é turva. Dependendo do grau de
deficiência no insight o turvamento é maior ou menor. Neste caso, mesmo o indivíduo
sendo um atleta que sabe nadar, se ele for mergulhar de cabeça, corre o risco de entrar
numa enrascada, machucando-se.
Segundo Pontes (1997, p.74), o modo como o insight se origina é uma incógnita.
Contudo, baseado em sua experiência clínica, ele defende a idéia de que o insight “é
estruturado pela integração da biologia, Psicologia e sociedade. Entretanto, nas grandes
alterações deste, a biologia prevalece”. Quando o insight é bastante prejudicado ou
ausente, a pessoa é considerada psicótica. E, quando o insight se encontra prejudicado,
de tal forma que não há perda total do contato com a realidade, Pontes denomina de falsa
normalidade (são as pessoas portadoras de transtornos de personalidade).
De acordo com as idéias de Pontes (1997), as pessoas que possuem um baixo nível
intelectual em concomitância com um insight prejudicado tendem a delirar nos atos e
não nas idéias, apresentando sérios transtornos de conduta; podendo vir a ter
comportamentos auto-destrutivos, impulsivos e agressivos, cujas conseqüências vão do
suicídio ao homicídio. Em 1887, Marro, como foi comentado anteriormente, havia
apontado como uma das características de personalidade do delinqüente, um defeito em
sua capacidade de reflexão.
Segundo Mira Y Lopez Mira Y Lopez (2008), é comum dizermos que o caráter é o fator
mais importante na descrição da personalidade de uma pessoa. De fato, quando
enumeramos as características pessoais de um sujeito, dizemos que o “caracterizamos”,
ou seja, que damos conta do seu caráter. Para ele, o caráter é um fator importantíssimo
na reação pessoal porque ele costuma definir e determinar a conduta. O caráter constitui
o término das transações entre os fatores endógenos e os exógenos integrantes da
personalidade e representa o resultado desta luta. Na sua opinião, os fatores endógenos
impulsionam o indivíduo para uma conduta puramente animal, objetivando a satisfação
de seus anseios. Já os exógenos, ao contrário, conduzem o indivíduo à completa
submissão ao meio externo. Essa clássica disputa entre o endógeno e o exógeno tem
como produto final o tipo de conduta externa que a pessoa apresenta, e isto representaria
o seu caráter.
Na visão de Mira Y Lopez (2008), os fatores adquiridos que influenciam a forma como a
pessoa reage são a prévia experiência de situações análogas, a constelação, a situação
externa atual, o tipo médio de reação social (coletiva) e o modo de percepção da
situação. A experiência prévia de situações análogas seria o primeiro fator a considerar
puramente exógeno, isto é, adquirido em vida. Sem dúvida alguma, o exemplo vivido, a
experiência anterior influenciam de modo decisivo a determinação da reação atual. Ele
denomina de constelação a influência que a vivência ou a experiência imediatamente
antecedente exerce na determinação da resposta à situação atual. É evidente que uma
pessoa que sai de um concerto de música ou de um sermão religioso não está com igual
disposição para agredir do que quando acaba de ver uma luta de boxe ou uma partida de
futebol.
A situação externa atual representa a causa, o estímulo desencadeador da reação pessoal
e o tipo médio de reação social diz respeito ao modo como a maioria das pessoas
reagiriam a uma dada situação. Para Mira Y Lopez (2008), o comportamento individual
reflete a toda hora aspectos da conduta social, ou seja, há em todo momento uma
influência recíproca entre o sujeito e seu meio social.
De acordo com Mira Y Lopez (2008), o modo de percepção da situação seria o fator
mais importante de todos na determinação da reação pessoal. Ele diz respeito à
subjetividade do ser humano: como o sujeito está percebendo aquele conflito? Quais as
impressões, as vivências, os sentimentos e os pensamentos suscitados nele pela situação?
Até que ponto ele está sentindo-se agredido ou violentado? Entendemos por
subjetividade o modo como o ser humano se relaciona com o mundo e consigo mesmo.
Forghieri (1993, p.58), seguindo esta mesma linha de raciocínio, complementa: “as
situações que alguém vivencia não possuem, apenas, um significado em si mesmas, mas
adquirem um sentido para quem as experiencia, que se encontra relacionando à sua
própria maneira de existir”. Na visão de Naffah Neto (1995, p.199), a subjetividade seria
“uma espécie de envergadura interior, de vazio, capaz de acolher, dar abrigo e morada às
experiências da vida: percepções, pensamentos, fantasias, sentimentos”. Para ele, a
subjetividade representaria as “diferentes expressões de como somos afetados pelo
mundo” (NAFFAH NETO, 1995, p.199). Neste sentido, a subjetividade seria um espaço
psíquico onde as experiências humanas podem encontrar um lugar de expressão, um
registro. Contudo, em se tratando de ciências humanas, as leis não são universais. Um
único fenômeno psíquico remete-nos a diversas leituras e modos de compreensão. Estas
diversas formas de compreender o fenômeno podem até se complementar ou ser
totalmente antagônicas, de modo que a experiência da realidade de um fenômeno
pertence unicamente ao domínio de quem a está experienciando e o que o outro pode
fazer é tentar compreender.
Segundo Fernandes (2002, p.126),
o desafio que a vida em sociedade apresenta não se limita a apontar uma única e
simplificada explicação do “porquê” o homem mata outro homem, mas de descobrir o
“porquê”, em circunstâncias similares, um homem mata, outro socorre e um terceiro
finge que nada viu. A explicação não pode estar em supostos instintos humanos, que
tenderiam a dirigir sempre todos os homens numa única direção, mas, principalmente,
nas experiências de suas vidas inteiras, que variam amplamente de uma pessoa para
outra.
Cohen (1996, p.10) defende a idéia de que “melhor do que procurar rotular ou classificar
‘tipos criminosos’ seria procurar estabelecer possíveis relações entre uma condição
humana, em um determinado contexto, com a prática de ilicitudes”. E é exatamente esta
relação o ponto central de investigação da Psicologia Jurídica.
Na perspectiva de Segre (1996, p.27),
o criminoso é o objeto do estudo criminológico, num projeto de compreensão dos
mecanismos que o levam a descumprir a lei. Mecanismos esses que já são terrivelmente
complexos por se relacionar com o universo do homem e cujo enfoque se fará sob as
óticas mais diversificadas, levando em conta a relatividade das leis. Logo, não existe
um perfil criminoso. O que se pretende no estudo criminológico é o vislumbre de algo
que dê alguma explicação, e, portanto, previsibilidade, à realização do ato criminoso.
Concordamos plenamente com a idéia de que não existe um perfil criminoso e sim uma
série de variáveis, circunstâncias e determinados contextos que levam estas pessoas ao
cometimento de um delito. E este deve ser um dos pontos centrais de investigação e
atuação da Psicologia Jurídica.
RAMIFICAÇÕES E ÁREAS DE ATUAÇÃO DA
PSICOLOGIA JURÍDICA
Conceitualmente, a Psicologia Jurídica corresponde a toda aplicação do saber
psicológico às questões relacionadas ao saber do Direito. A Psicologia Criminal, a
Psicologia Forense e, por conseguinte, a Psicologia Judiciária estão nela contidas. Toda
e qualquer prática da Psicologia relacionada às práticas jurídicas podem ser nomeadas
como Psicologia Jurídica.
O termo Psicologia Jurídica é uma denominação genérica das aplicações da Psicologia
relacionadas às práticas jurídicas, enquanto Psicologia Criminal, Psicologia Forense e
Psicologia Judiciária são especificidades aí reconhecíveis e discrimináveis. O acadêmico
que produz um artigo discutindo as interfaces entre a Psicologia e o Direito; o psicólogo
assistente técnico que questiona as conclusões de um estudo psicológico elaborado por
um psicólogo judiciário; como também o psicólogo judiciário que elabora uma
dissertação de mestrado a partir de sua prática cotidiana no Foro, todos são praticantes
da Psicologia Jurídica.
A Psicologia Jurídica é um dos ramos da Psicologia que mais cresceram nos últimos
anos, tanto nacional quanto internacionalmente. Trata-se de um dos campos mais
promissores e carentes de profissionais especializados na área. Cada vez que se folheia
um jornal, ou se assiste ao noticiário na TV, há sempre uma notícia de alguma ação
criminosa sem razão aparente e que, também não parte de indivíduos portadores de
transtornos mentais. E, o que a Psicologia Jurídica tem a dizer sobre isso? Que
contribuições a Psicologia Jurídica tem a oferecer?
Conforme Altoé (2001, p. 6 - 7),
As questões humanas tratadas no âmbito do Direito e do judiciário são das mais
complexas. (...) E o que está em questão é como as leis que regem o convívio dos
homens e das mulheres de uma dada sociedade podem facilitar a resolução de conflitos.
Aqueles que têm alguma experiência na área se dão conta que as questões não são
meramente burocráticas ou processuais. Elas revelam situações delicadas, difíceis e
dolorosas. A título de exemplo vejamos alguns dos motivos pelos quais as pessoas
recorrem ao judiciário: pais que disputam a guarda de seus filhos ou que reivindicam
direito de visitação, pois não conseguem fazer um acordo amigável com o pai ou a mãe
de seu filho; maus-tratos e violência sexual contra criança, praticado por um dos pais
ou pelo(a) companheiro(a) deste; casais que anseiam adotar uma criança por terem
dificuldades de gerar filhos; pais que adotam e não ficam satisfeitos com o
comportamento da criança e a devolvem ao Juizado; jovens que se envolvem com
drogas/tráfico, ou, passam a ter outros comportamentos que transgridem a lei, e seus
pais não sabem como fazer para ajudá-los uma vez que não contam com o apoio de
outras instituições do Estado (de educação e de saúde, por exemplo).
Na visão de Silva (2007, p. 6 – 7):
A Psicologia Jurídica surge nesse contexto, em que o psicólogo coloca seus
conhecimentos à disposição do juiz (que irá exercer a função julgadora), assessorandoo
em aspectos relevantes para determinadas ações judiciais, trazendo aos autos uma
realidade psicológica dos agentes envolvidos que ultrapassa a literalidade da lei, e que
de outra forma não chegaria ao conhecimento do julgador por se tratar de um trabalho
que vai além da mera exposição dos fatos; trata-se de uma análise aprofundada do
contexto em que essas pessoas que acorreram ao Judiciário (agentes) estão inseridas.
Essa análise inclui aspectos conscientes e inconscientes, verbais e não-verbais,
autênticos e não-autênticos, individualizados e grupais, que mobilizam os indivíduos às
condutas humanas.
A Psicologia Forense é o subconjunto em que se incluem as práticas psicológicas
relacionadas aos procedimentos forenses. É aqui que se encontra o assistente técnico. A
Psicologia Forense corresponde a toda aplicação do saber psicológico realizada sobre
uma situação que se sabe estar (ou estará) sob apreciação judicial, ou seja, a toda a
Psicologia aplicada no âmbito de um processo ou procedimento em andamento no Foro
(ou realizada vislumbrando tal objetivo). Incluem as intervenções exercidas pelo
psicólogo criminal, pelo psicólogo judiciário, acrescidas daquelas realizadas pelo
psicólogo assistente técnico.
A Psicologia Criminal é um subconjunto da Psicologia
Forense e, segundo Bruno (1967), estuda as condições psíquicas do criminoso e o modo
pelo qual nele se origina e se processa a ação criminosa. Seu campo de atuação abrange
a Psicologia do delinqüente, a Psicologia do delito e a Psicologia das testemunhas.
A Psicologia Judiciária também é um subconjunto da
Psicologia Forense e corresponde a toda prática psicológica realizada a mando e a
serviço da justiça. É aqui que se exerce a função pericial. A Psicologia Judiciária está
contida na Psicologia Forense, que está contida na Psicologia Jurídica. A Psicologia
Judiciária corresponde à prática profissional do psicólogo judiciário, sendo que toda ela
ocorre sob imediata subordinação à autoridade judiciária.
A Psicologia Jurídica abrange as seguintes áreas de atuação:
Psicologia Jurídica e as Questões da Infância e Juventude (adoção, conselho tutelar,
criança e adolescente em situação de risco, intervenção junto a crianças abrigadas,
infração e medidas sócioeducativas);
Psicologia Jurídica e o Direito de Família (separação, paternidade, disputa de guarda,
acompanhamento de visitas);
Psicologia Jurídica e Direito Civil (interdições, indenizações, dano psíquico); Psicologia
Jurídica do Trabalho (acidente de trabalho, indenizações, dano psíquico); Psicologia
Jurídica e o Direito Penal (perícia, insanidade mental e crime, delinqüência); Psicologia
Judicial ou do Testemunho (estudo do testemunho, falsas memórias);
Psicologia Penitenciária (penas alternativas, intervenção junto ao recluso, egressos,
trabalho com agentes de segurança); Psicologia Policial e das Forças Armadas (seleção e
formação da polícia civil e militar, atendimento psicológico); Mediação (mediador nas
questões de Direito de Família e Penal); Psicologia Jurídica e Direitos Humanos (defesa
e promoção dos Direitos Humanos); Proteção a Testemunhas (existem no Brasil
programas de Apoio e Proteção a Testemunhas); Formação e Atendimento aos Juízes e
Promotores (avaliação psicológica na seleção de juízes e promotores, consultoria e
atendimento psicológico aos juízes e promotores); Vitimologia (violência doméstica,
atendimento a vítimas de violência e seus familiares) e Autópsia Psicológica (avaliação
de características psicológicas mediante informações de terceiros).
No Brasil, de acordo com um levantamento realizado por França (2004), a Psicologia
Jurídica está presente em quase todas as áreas de atuação. Todavia, a autora destaca que
há uma grande concentração de psicólogos jurídicos atuando na Psicologia penitenciária
e nas questões relacionadas à família, à infância e à juventude, enquanto que na
Psicologia do testemunho, na Psicologia policial e militar, na Psicologia e o Direito
Civil, na proteção de testemunhas, na Psicologia e o atendimento aos juízes e
promotores, na Psicologia e os Direitos Humanos e na autópsia psíquica há uma carência
muito grande de psicólogos jurídicos.
Caires (2003, p. 34) postula que os grandes teóricos do Direito “são unânimes em
reconhecer a importância do ‘olhar psicológico’ e da ‘análise psicológica’ sobre e nesse
universo, envolvendo o indivíduo, a sociedade e a Justiça”. Contudo, ela destaca a
necessidade de uma maior qualificação desses profissionais objetivando um “melhor e
mais criterioso desempenho nessa área profissional” (CAIRES, 2003, p. 34).
O psicólogo jurídico deve estar apto para atuar no âmbito da Justiça considerando a
perspectiva psicológica dos fatos jurídicos; colaborar no planejamento e execução de
políticas de cidadania, Direitos Humanos e prevenção da violência; fornecer subsídios
ao processo judicial; além de contribuir para a formulação, revisão e interpretação das
leis.
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Sobre a autora
Liene Martha Leal
Mestre em Psicologia de Universidade de Fortaleza (UNIFOR);
Professora da UFPI.
e-mail: lienemartha@hotmail.com

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