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NASCITURO E SEUS DIREITOS

Juliana Aparecida Zanini Della Pasqua1

Resumo: Diante da busca pela maternidade, o avanço tecnologia permite aos


casais e principalmente as mulheres diante da dificuldade de engravidar, técnicas de
reprodução assistida. No entanto, há muita discussão envolvendo esse tema, uma
vez que surgem questões polemicas quanto a personalidade do nascituro e seus
direitos.

Palavra Chave: Técnicas de reprodução assistida, nascitura, personalidade, direito


e Código Civil Brasileiro.

Abrast: Before the search for the maternity, the progress technology allows to the
couples and mainly the women due to the difficulty of becoming pregnant, techniques
of attended reproduction. However, there is a lot of discussion involving that theme,
once controversial subjects appear as the personality of the nascituro and their
rights.

Key word: Techniques of attended reproduction, nascitura, personality, right and


Brazilian Civil Code.

1
Acadêmica de Direito das Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu.
2

Nos últimos anos vez crescendo o número de casais que buscam nas
técnicas da reprodução assistida a solução para os problemas relacionados à
infertilidade.
A inseminação artificial em seres humanos começou a ser utilizada na
Inglaterra, também no final do século XVIII, através da ação do médico John Hunter,
que, diante da dificuldade de um homem em engravidar a esposa, por ser portador
de anomalia na uretra (hipospadia), injetou o sêmen diretamente no útero da fêmea,
vindo a se desenvolver a gravidez.2
A inseminação in vitro de seres humanos teve seu ápice na Inglaterra,
quando, em 1978, Lesley Brown deu à luz a menina Louise, o primeiro bebê de
proveta da história da humanidade, hoje uma mulher plenamente saudável.
De 1978, com o nascimento do primeiro bebê de proveta, até os dias atuais,
calcula-se que 300 mil crianças foram geradas em clínicas de reprodução assistida,
espalhadas pelas diversas partes do mundo3. No Brasil, segundo dados divulgados
na revista Veja, ed. 1699, de 09 de maio de 20014, no ano de 1993, nasceram 300
crianças frutos das técnicas de reprodução assistida; sete anos após, a quantidade
destes nascimentos subiu para o impressionante número de 6.000 crianças, uma
elevação percentual de 2.000%.
Sem dúvida, essa nova realidade científica no campo da reprodução
humana, ao romper com as práticas tradicionais, projeta no plano social um sem
número de questionamentos, não apenas de conotação filosófica, moral e ética, mas
sobretudo jurídica, causando perplexidade e dúvidas quanto à implicação da R.A.
nas relações jurídicas familiares, interferindo diretamente no conceito que se tem
atualmente de pessoas e de personalidade jurídica e nas relações de parentesco,
secularmente estabelecidas pelas normas de direito.
Essa nova realidade apresenta alguns reflexos no campo jurídico, exigindo
dos profissionais da área do direito uma interpretação e aplicação da legislação
2
MENEZES, Thereza Christina Bastos de. Novas Técnicas de Reprodução Humana: útero de aluguel.
São Paulo. Revista dos Tribunais.
3
Revista Veja, Editora Abril, edição nº 1.699, 09 de maio de 2001, p. 108-115.
4
Idem.
3

comparada, estudos de outras ciências como a sociologia, a biologia e a medicina, a


fim de que possam responder às demandas jurídicas que decorrem dos avanços
científicos.
No Código Civil Brasileiro de 1916, define no artigo 4º que "a personalidade
civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a
concepção o direito do nascituro".
A personalidade jurídica, sob a ótica do direito é a aptidão genérica que se
atribui a uma pessoa, reconhecendo-lhe a possibilidade de participar das relações
jurídicas de natureza civil, na qualidade de titular de direitos e obrigações.
Dentre os direitos considerados intimamente ligados à personalidade, estão
o direito à vida, à integridade física, à honra, ao nome, ao estado de filiação, entre
outros, todos estes considerados intransmissíveis, inclusive com disposição
expressa no art. 5º, caput, da Carta Republicana de 1988.
É Indiscutível que a legislação protege os diretos dos nascituros desde a sua
concepção, ainda que exista dúvidas quanto ao início desse direito.
A nova redação do artigo 4º, que integra o Código Civil 2002, esclarece a
polêmica ao pôr entre vírgulas a expressão "desde a concepção", determinando o
exato instante em que começa a proteção aos nascituros.
Cabe ao operador do direito definir: a) - qual o momento da concepção; b) se
o ser gerado através da fecundação in vitro pode ser considerado nascituro; c) se
tem o nascituro personalidade jurídica, ou apenas mera expectativa de direito.
Para Eugênio Carlos Callioli5: "no momento da fecundação, as duas células
reprodutoras convertem-se em uma única célula: o zigoto ou ovo. O zigoto é uma
vida humana, ninguém discute o seu caráter de ser vivo, independentemente do
meio que o rodeia e com a potencialidade necessária para dar lugar a um ser
humano adulto".
Ainda que a fecundação dos gametas masculinos e femininos ocorra fora do
corpo da mulher, o resultado desta fusão é o surgimento de uma nova vida,
totalmente independente daquelas que lhe deram origem e, portanto, merece
proteção jurídica.

5
CALLIOLI, Eugênio Carlos. Aspectos da Fecundação artificial in vitro. Revista de Direito
Civil. Rio de Janeiro, nº 44, abril/junho. 1988.
4

De acordo com Washington de Barros Monteiro6 "Discute-se se o nascituro é


pessoa virtual, cidadão em germe, homem in spem", embora, qualquer que seja a
conceituação não se pode negar que o nascituro conjuga em si a expectativa de
uma vida humana, merecendo, pois, a proteção jurídica.
Se o direito brasileiro adota uma linha de salvaguardar os direitos do
nascituro, considerando-o titular de uma expectativa de direito, mostra-se estranha a
diferenciação de tratamento que se impõe ao ser gerado por meio da inseminação in
vitro, o assim denominado embrião extra-uterino. Entre este ser e o feto não existem
diferenças que justifiquem o tratamento jurídico desigual, vez que ambos constituem
um ser humano em formação, este tratamento diferenciado é fruto de uma
concepção bio-filosófica equivocada que nos leva a desconsiderar o fato de ser o
embrião extra-uterino também um ser humano em potencial, principalmente porque
o produto da inseminação in vitro nada mais é do que uma vida humana.
Este entendimento é minoritário se levado em conta posições de médicos e
biólogos, que não reconhecem o embrião extra-uterino um nascituro, em razão de
não ter ainda ocorrido o fenômeno da nidação7, acaba por ressoar no Legislativo,
quando se observa que o Projeto de Lei do Senado Federal de nº 90/99, em seu art.
9º, § 1º, excepciona a aplicação da proteção reservada no Código Civil aos
nascituros, aos seres oriundos de aplicação de técnicas de reprodução assistida,
mormente a inseminação in vitro, ao dispor que: "não se aplicam aos embriões
originados in vitro, antes de serem introduzidos no aparelho reprodutor da mulher
receptora, os direitos assegurados aos nascituros na forma da lei".
Essa exclusão legal do embrião extra-uterino, da proteção dada aos
nascituros, além de inconstitucional, mostra que o legislativo vê o produto da
inseminação artificial extra-uterina como um nascituro, daí porque a ressalva
prevista no Projeto Legislativo.
Caio Mário da Silva Pereira8 sustenta que o nascituro não é uma pessoa de
direito, e por conseguinte, nega-lhe a personalidade jurídica, admitindo, tão-
somente, a condição de um ser humano em potencial e em favor do qual a ordem

6
BARROS, W. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1998. Vol. 1.
7
NIDAÇÃO - Dias após a fusão, o ovo, com as células ainda em multiplicação, faz sua descida ao
útero e começa a procurar um lugar para se fixar.
8
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, Vol. 1. 1992.
5

jurídica põe a salvo eventuais direitos, no aguardo do seu nascimento, entretanto é


inquestionável que desde o momento da fecundação, quando surge o zigoto
(primeira célula humana), o que se tem é vida, e uma vida inteiramente diferenciada
dos gametas masculinos e femininos que lhe deram origem.
Sustenta Eugênio Carlos Callioli9 que:

O nascituro é também um ser humano individual, pois, ainda prescindindo-se da evidência


científica experimental, fica óbvio, por exclusão, que o Direito não prestaria esta
consideração a seres do chamado reino animal, vegetal ou mineral. Do ponto de vista
jurídico não seria correto entender que entre pessoas e não pessoas existe o vazio ou o
salto que medeia entre o ser e o não ser.

Os casos em que o legislador direciona a norma jurídica para aqueles que


apenas foram concebidos, não importando, ao nosso sentir, averiguar se a
concepção foi intra-uterina ou extra-uterina.
No âmbito penal, mostra-se evidente a situação do nascituro como pessoa
de direito e, portanto, portador de personalidade jurídica, bastando destacar que o
nascituro é o sujeito passivo do crime de aborto (art.124/128 do CP).
Damásio de Jesus10 mostra que a vida humana seja ela independente ou
não, é objeto da tutela jurisdicional do Estado, não importando para o direito as
condições permanentes, transitórias ou mesmo momentâneas da pessoa, para que
tenha a proteção da norma penal, tanto faz a idade, a cor, o sexo, o fato de a vida
ser extra ou intra-uterina. Não importa se a pessoa está sóbria ou embriagada, basta
a condição de ser humano, para que se tenha direito à proteção do Estado.
Não resta dúvida de que o nascituro é um ser humano já concebido, mas
que ainda está por nascer, oportuno que se traga à baila o magistério do prof. José
Carlos Moreira Alves11 ao sustentar que, no campo do direito patrimonial, embora o
ordenamento jurídico não reconheça personalidade no nascituro, leva-se em
consideração que em breve a terá e, desta forma, resguarda os seus interesses.

9
CALLIOLI, Eugênio Carlos. Aspectos da Fecundação artificial in vitro. Revista de Direito Civil. Rio
de Janeiro, nº 44, abril/junho. 1988.
10
JESUS, Damásio. Direito Penal, 16ª Edição. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 1992
11
Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil – nº 16 – Mar-abr/2002 – Artigo: "O Novo Código
Civil e os Nascituros, Carlos Fernando Mathias de Souza.
6

Maria Helena Diniz12 concebe uma divisão entre personalidade jurídica


formal e material, afirmando que o nascituro possui personalidade formal apenas no
que tange aos direitos personalíssimos, e que a personalidade jurídica material
(direitos patrimoniais) só se consolidará com o nascimento com vida, entre tanto, a
separação entre personalidade jurídica formal da material é despropositada, criando
complicações desnecessárias, que são excluídas pela navalha de Ockham13. Além
do mais, interpreta contra texto expresso da lei, que não cria diferenciações e nega a
personalidade jurídica.
Esta diferenciação servirá como um ponto de vacilo para esta autora, visto
que em outro trabalho14 admite que "inúmeros são os direitos do nascituro, por ser
considerado, pelo direito, na nossa opinião, um ente dotado de personalidade
jurídica formal e material".
Como a Constituição extrai a conceituação de pessoa titular de direitos do
Código Civil, podemos dizer que, se este dispor sobre a existência de personalidade
jurídica antes do nascimento, as disposições sobre a inalienabilidade do direito à
vida se aplicam ao nascituro. Mas isto não ocorre. A principal causa se encontra no
próprio Código Penal, art. 128: "Não se pune o aborto praticado por médico: II - se a
gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou,
quando incapaz, de seu representante legal." Como sabemos, o crime é a conduta
ilícita, típica e culpável, com pena aplicável se o crime for punível (punibilidade).
Dentre os direitos da personalidade pertencentes ao nascituro, destaca-se o
direito de nascer, o qual é o fundamento da proibição do aborto no Brasil.
Por isso, em caso de um feto alojar ventre de mãe já falecida, imperativa é a
proibição da prática da eutanásia ou ainda da distanásia, sob pena de crime de
homicídio, bem como censura-se a doação de órgãos da gestante, seja em vida ou
post mortem,

12
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. São Paulo:
Saraiva, 1994
13
- "É neste sentido que devemos interpretar a frase de Ockham de que `é inútil fazer com mais o
que pode ser feito com menos´. Esta é a base da afirmação diferente e mais conhecida, de que ´não
se deve multiplicar os entes além do necessário´. Embora não conste dos seus escritos, esta máxima
acabou conhecida como a ´navalha de Ockham´". Russell, Bertrand. História do pensamento
ocidental: a aventura dos pré-socráticos a Wittgenstein. Tradução: Laura Alves e Aurélio Rebello. -
Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. Pág. 226-229.
14
Diniz, Maria Helena. O estado atual do biodireito, São Paulo: Saraiva, 2001. Pág. 127.
7

Por tudo isso, a conclusão é inevitável e irrefutável: é possível que uma mãe
morta dê a luz a um bebê.
Assim, independente da integridade física de Marion Ploch, do respeito ao
seu corpo, ainda que morto, e mesmo contra a vontade dos seus pais, deveria o feto
nascer. Não importa o valor que se contrapõe à vida: sempre esta vencerá.
Além disso, ainda em relação ao multi-citado caso verídico, era cabível a
ação de investigação de paternidade, inclusive cumulada com alimentos, desde que
o nascituro fosse representado pelo seu curador ou pelo Ministério Público.
Os médicos, por outro lado, não deveriam ser responsabilizados pelo aborto,
visto que este foi espontâneo, nem pela distanásia porventura praticada em virtude
da peculiaridade do caso (existência do feto).
Por fim, deveria ser atendida a vontade dos pais da paciente quanto a não
realização da autópsia nesta e no feto em atendimento à inviolabilidade da
integridade física.
Diante de tudo o que foi abordado, entendemos que o ser humano gerado por
meio de inseminação in vitro há de ser considerado concebido no exato instante da
fecundação, posto que ali, naquele instante, surge uma nova vida, totalmente
independente daquelas que possibilitaram o seu surgimento.
Pela mesma alheta, ousamos discordar das posições ainda consolidadas no
meio acadêmico, ao entendermos que o embrião gerado pelo processo de
fecundação in vitro há de ser considerado, para todos os efeitos da proteção jurídica
do Estado, um ser já concebido e como tal passível de desenvolvimento e de gerar
uma vida futura e autônoma, devendo ser estendida ao mesmo a proteção que se
reserva aos nascituros intra-uterinos.
Por fim, sendo o produto da fecundação in vitro merecedor da proteção
estatal, mister que se lhe garanta os mesmos direitos reservados aos embriões que
foram fecundados no interior do corpo feminino, entre eles em, principalmente, o
direito de nascer.
Muitas perguntas ainda merecem respostas. O estado de perplexidade, que
assalta a sociedade em virtude dos debates, que hoje se avolumam, sobre tema tão
instigante, continua e nos parece longe de ser contornado.
8

Como vida intra-uterina designamos os embriões e fetos já em fase


gestacional, credores, portanto, de cuidados inerentes à conservação de suas vidas,
direitos imanentes da personalidade e alguns de caráter patrimonial.
Já para os embriões que ainda se encontram fora do útero, como é o caso,
por exemplo dos chamados embriões excedentários e extranumerários, usamos a
expressão vida extra-uterina, embriões pré-implantatórios ou concepturos.
Como expressão de tutela jurídica para os embriões já abrigados no útero,
podemos mencionar alguns poucos artigos do Código Civil Português e Brasileiro
que salvaguardam os interesses patrimoniais do nascituro e, no âmbito criminal, a
proibição, agora não mais absoluta, do aborto.
Em relação à vida extra-uterina, podemos destacar esforços nacionais e
internacionais que de forma gradual e ainda pouco uniforme, no que se refere ao
conceito de embrião e início da vida humana, tentam disciplinar as técnicas de
procriação assistida e pesquisa científica em embriões humanos.
Cientistas afirmam que desde o exato encontro da célula sexual feminina
com a masculina, que se dá no momento da fecundação, aquele ser novo estará
totalmente individualizado em termos genéticos ou seja seu DNA já será único e
irrepetível.
A partir dessa junção, o ser humano embrionário tratará, somente, de se
desenvolver, calmamente, até que sua estrutura corporal esteja completa e capaz de
continuar vivendo sem o esteio do útero materno.
Isto não quer dizer, porém, que o embrião seja parte ou membro do corpo de
quem o abriga, mas ele se utiliza daquele habitat como os recém-nascidos fazem
com o seio materno para sobreviverem.
A embriologia mostra que o embrião e o adulto são o mesmo ser, basta para
isso lembrar que, desde o momento da fecundação, o desenvolvimento que se dá
até a vida adulta é contínuo, mas muito pouco qualitativo. Assim, o corpo do homem
é humano desde o momento da fecundação.
Por isso pode-se afirmar que o embrião humano é expressão do futuro da
geração humana, independentemente dos termos científicos que se desejam a ele
dar e o ordenamento jurídico deve servir ao homem, independentemente de seu
estágio de evolução.
9

Para explicar a natureza jurídica do nascituro, surgiram diversos


posicionamentos, variando entre pólos opostos. Tradicionalmente, a doutrina divide-
se em três grandes grupos:
A) natalista, que defende que a personalidade tem início a partir do nascimento
com vida;
B) concepcionista onde a personalidade é partir da concepção;
C) personalidade condicional, onde a personalidade começa com a concepção,
sob a condição do nascimento com vida.
Esta última é erroneamente chamada de concepcionista. As correntes
citadas acima citadas entram num conflito de hermenêutica, já que entende de
formas diversas o art. 4º do Código Civil, de redação aparentemente contraditória.
A primeira, considerada conservadora, fundamenta-se na idéia de
impossibilidade de "direitos sem sujeito", negando ao nascituro caráter de ser
humano já formado.
A teoria da personalidade condicional, por seu caráter eclético e
intermediário, acaba por atrair parte considerável da doutrina. É a posição de Clóvis
Beviláqua, embora este aproxime-se bastante da teoria concepcionista15. Seus
defensores sustentam que o nascituro tem personalidade, sob a condição de que
nasça com vida. Sem este evento, aquela não se concretizaria.
Já a corrente concepcionista é bem mais radical. Seguida inicialmente por
Teixeira de Freitas, Planiol e Rubens Limongi França, defende que, desde a vida
intra-uterina (entenda-se vida viável, a partir da nidação) o nascituro é pessoa,
sendo portanto titular de direitos. Para Silmara Chinelato, defensora desta idéia, a
personalidade do nascituro é incondicional, não dependendo de nenhum evento
subsequente, estando seus direitos personalíssimos (vida, liberdade, saúde)
garantidos. No entanto, certos efeitos de certos direitos (como os patrimoniais)
dependem do nascimento com vida. A titularidade dos direitos não seria discutida,
havendo apenas incapacidade. Já em relação aos direitos patrimoniais, o
nascimento sem vida funcionaria tão só como condição resolutiva16.

15
CHAVES, Benedita Inêz Lopes. Op. Cit., p. 28
16
CHINELATO, Op. Cit., pp.184-186.
10

Baseado nesta linha de argumentação, o professor Sílvio Neves Baptista17


aponta os direitos a receber doação e herança como existentes desde a concepção,
mas dependentes do nascimento com vida para a produção de efeitos. Além disso, o
professor defende que o nascituro tem direito a alimentos, uma vez que é ser
humano e necessita de refeições adequadas, tratamento pré-natal e assistência
médica.
Também neste grupo está Maria Helena Diniz:18

Tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que se refere aos direitos


personalíssimos, passando a ter personalidade jurídica material, adquirindo os direitos
patrimoniais, somente, quando do nascimento com vida. Portanto, se nascer com vida,
adquire personalidade jurídica material, mas, se tal não ocorrer, nenhum direito patrimonial
terá.

Como argumento final dos concepcionistas, há o recurso ao Código Penal,


que em seus arts. 124 a 126 considera crime o aborto. Neste caso, haveria uma
ofensa à vida, bem jurídico do qual o titular é o nascituro. Vê-se aí, para os que
defendem o concepcionismo, uma clara manifestação legal em prol da
personalidade anterior ao nascimento.
Para Pontes de Miranda19, seria "o concebido ao tempo em que se apura se
alguém é titular de um direito, pretensão, ação ou exceção, dependendo a existência
de que nasça com vida". Silmara Chinelato e Almeida20 o define como "pessoa por
nascer, já concebida no ventre materno (in anima nobile), a qual são conferidos
todos os direitos compatíveis com sua condição especial de estar concebido no
ventre materno e ainda não ter sido dado à luz.".(10)
O art. 2º do Código Civil de 2002, reproduziu ipsis litteris o art. 4º do Código
revogado (de 1916): "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com
vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro."
Tem-se aí dois temas a serem analisados: o conceito de nascituro e o dies a
quo que fixa ao começo da personalidade humana.

17
BAPTISTA, Sílvio Neves. Alimentos: direitos do nascituro. Diário de Pernambuco. Recife:
14/03/1990.
18
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. São Paulo:
Saraiva, 1994, p. 205
19
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I: Parte geral –
Introdução, Pessoas Físicas e Jurídicas. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 166.
20
ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Direitos da personalidade do nascituro. Revista
do Advogado. São Paulo: n. 38, dez. 1992, p. 21-30.
11

O atributo jurídico da pessoa passa a existir a partir do momento em que o


feto sai do ventre da mãe, quer por parto natural, induzido ou artificial, e tenha vida.
É a vida que dá a personalidade jurídica da pessoa.
Sendo assim, da concepção até o nascimento com vida, o embrião é um
nascituro, gerado e concebido com existência no ventre materno; nem por isto pode
ser considerado como pessoa. "A lei protege os interesses de um ser humano já
concebido (óvulo fecundado), ordenando o respeito pelas expectativas daqueles
direitos que esse ser humano virá a adquirir, se chegar a ser pessoa", o que
acontecerá, repetimos, somente após o nascimento com vida.
Deverá ser salientado que o nascituro, cuja existência é intra-uterina, não
deve ser confundido com outra figura, a do natimorto que é a criança que nasceu
morta. Ou seja, todo natimorto foi antes um nascituro, mas nem todo nascituro será
um natimorto.
Verifica-se a diferença entre o nascituro, que foi gerado e concebido mas só
existe no ventre materno, e a criança que já passou pelo nascimento com vida, já se
consumou como pessoa. Esta segunda tem personalidade jurídica; o primeiro é
apenas um nascituro com expectativa de direitos.
Como na lei civil, o marco inicial da personalidade humana é fixado pelo
começo da vida, é importante fixar-se o conceito de nascituro.
Como diz Santoro-Passarelli21 , por efeito da instituição do nascituro, forma-
se um centro autônomo de relações jurídicas, a aguardar o nascimento do
concebido ou procriado, da criatura que provenha de mulher.
O professor Washington de Barros Monteiro22, com a experiência de um
grande civilista esclarece:

Discute-se se o nascituro é pessoa virtual, cidadão em germe, homem in spem. Seja qual
for a conceituação, há para o feto uma expectativa de vida humana, uma pessoa em
formação. A lei não pode ignorá-lo e por isso lhe salvaguarda os eventuais direitos. Mas
para que estes se adquiram, preciso é que ocorra o nascimento com vida. Por assim dizer,
nascituro é pessoa condicional; a aquisição da personalidade acha-se sob a dependência
de condição suspensiva, o nascimento com vida. A esta situação toda especial chama
Planiol de antecipação da personalidade.

21
PAIVA, J. A. ALMEIDA. A Personalidade Civil começa com o nascimento ou com a vida.
Disponível em < http://conjur.estadao.com.br/static/text/2160,1>, acesso em 25.10.05
22
MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil. Vol. 02, São Paulo: Saraiva, 2001.
12

Para Goffredo Telles Jr23:

Os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é


próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação, a honra, a autoria
etc. Por outras palavras, os direitos da personalidade são direitos comuns da existência,
porque são simples permissões dadas pela norma jurídica, a cada pessoa, de defender um
bem que a natureza lhe deu, de maneira primordial e direta.

Caio Mario24 doutrina que liga-se à pessoa a idéia de personalidade, que


exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações , enquanto
Haroldo Valadão esclarece que a personalidade é o conceito básico da ordem
jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos
direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade.
A personalidade deriva, portanto, da pessoa, razão pela qual Maria Helena
25
Diniz nos ensina que:

Primeiramente, imprescindível se torna verificar qual é a acepção jurídica do termo "pessoa"


e ela mesma esclarece chamando a doutrina de Diego Espín Cánovas: "para a doutrina
tradicional, "pessoa" é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo
sinônimo de sujeito de direito. Sujeito de direito é aquele que é sujeito de um dever jurídico,
de uma pretensão ou titularidade jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma
ação, o não-cumprimento do dever jurídico, ou melhor, o poder de intervir na produção da
decisão judicial.

Diante do que foi exposto, vê-se, que a medida da personalidade é a


capacidade, não tratado aqui de outros aspetos interessantes como os relativos às
técnicas de fertilidade in vitro e do congelamento de embriões humanos, assim como
dos conceitos relativos ao início da personalidade natural no direito comparado, que
para certos sistemas jurídicos, como o húngaro, a concepção já dá origem à
personalidade humana.
Muito embora existam duas correntes doutrinárias sobre o início da
personalidade humana, a natalista e a concepcionista, o sistema positivo nacional
adotou a primeira, que "reconhece o início da personalidade no nascimento com

23
PAIVA, J. A. Almeida. Op. Cit. nota 14.
24
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direito Civil: Introdução. Rio de Janeiro: Forense,
2002.
25
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2003.
13

vida, reservada para o nascituro uma expectativa de direito". No mesmo sentido é a


doutrina de outros juristas de renome.
No sistema positivo brasileiro, a personalidade civil do homem começa com
o nascimento com vida, desde o momento em que o recém-nascido completou o
nascimento e adquiriu vida autônoma, capaz de respirar independentemente da
participação materna; todavia, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro, isto é daquele que está para nascer, embora concebido, mas que ainda
não é uma pessoa.
Objetiva foi Maria Helena Diniz26 ao doutrinar à luz do direito positivo
brasileiro, com bastante propriedade, que "conquanto comece do nascimento com
vida a personalidade civil do homem, a lei põe a salvo, desde a concepção, os
direitos do nascituro (arts. 353, 357, parágrafo único, 372, 377, 458, 462, 1718) , que
permanecem em estado potencial. Se nascer com vida adquire personalidade, mas
se tal não ocorrer nenhum direito terá."
A disciplina jurídica das pessoas sempre ocupou lugar de destaque na teoria
geral do Direito Civil, e desde a Roma antiga atrai discussão e polêmicas, por seu
caráter essencial na ordem jurídica, dentro deste campo de estudo, situa-se um
tema dos mais árduos, com posições divergentes ao extremo e nenhuma
perspectiva de solução: a personalidade ou não do nascituro.
Com o grande avanço experimentado na Biologia e principalmente na
Engenharia Genética, vemos que hoje o conceito de nascituro é bem mais técnico.
Engloba o feto, o embrião e, para alguns, o próprio zigoto27.
Dentre este leque de possibilidades, destaca-se o entendimento da Prof.
Silmara Chinelato. Pare ela, o nascituro surge com o fenômeno da nidação, ou seja,
da fixação do ovo na parede do útero materno. Com isso sua viabilidade estaria
garantida, num estágio de sobrevida. Vale também salientar que esta posição não
confere ao embrião fertilizado in vitro, mas ainda não implantado no organismo

26
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.
27
Para maiores detalhes sobre o aspecto biológico do nascituro, cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. O
Direito do Embrião Humano: Mito ou Realidade? Revista da Faculdade de Direito da UFPR.
Curitiba: a. 29, n. 29, 1996, pp. 121-146.
14

materno caráter de nascituro, já que a gravidez é elemento essencial para a


configuração da viabilidade28.
Mais importante que definir o que seja nascituro é analisar sua proteção
jurídica no decorrer da história. No Direito Romano, o início da personalidade jurídica
se dava com o nascimento, não se considerando o não-nascido como sujeito de
direitos. Era antes parte do corpo da mãe, portio mulieris vel viscerum29.
A pessoa física, como sujeito de direitos e obrigações, é representada pelo
ser humano e sua existência começa a partir do seu nascimento com vida. O artigo
4º do Código Civil é expresso nesse sentido: "A personalidade civil do homem
começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os
direitos do nascituro".
Por nascituro se entende o feto já concebido e que se encontra no ventre
materno, Enquanto o feto não se separar do corpo materno não se pode saber se
nasceu ou não com vida. Como ainda não nasceu com vida, não é sujeito de direito:
existe apenas uma expectativa de ser sujeito de direito, sendo, portanto, um sujeito
de direito em potencial. Só receberá ou transmitirá direitos se nascer com vida, mas
enquanto isso não acontecer, terá a proteção do Direito.
Para melhor esclarecimento, suponhamos o falecimento de um milionário, casado
recentemente pelo regime da separação de bens, deixando pais vivos e viúva
grávida.
Se o nascituro nascer morto, não adquire personalidade civil e, portanto, não
recebe nem transmite a herança do seu falecido pai que ficará com os avós
paternos, visto que a ordem da vocação sucessória é a seguinte:
1) Em primeiro lugar herdam os descendentes do falecido;
2) Não existindo descendentes, os sucessores serão os ascendentes;
3) Não possuindo descendentes nem ascendentes, quem herda é o cônjuge
sobrevivente, não separado judicialmente;
4) Na falta dos supracitados, herdam em seguida os colaterais até o 4º grau (2º grau
são os irmãos; 3º grau são tios e sobrinhos; 4º grau são os primos);

28
Cf. ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Op. Cit., p. 182.
29
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. I, 19ª ed.. Rio de Janeiro:
Forense, 1999, p. 144.
15

5) Inexistindo os descendentes, os ascendentes, o cônjuge e os colaterais, o Poder


Público é quem recolhe a herança.
Se nascer vivo, receberá a herança, mas se por acaso vier a falecer no
segundo subseqüente, a herança ficará com a sua mãe.
Esse é o principal motivo pelo qual o Direito dá proteção ao nascituro na
esperança do nascimento com vida. Não basta o nascimento. É preciso que a
criança nasça com vida para adquirir personalidade civil.
Legislação há, como a espanhola, que exige, além do nascimento com vida,
que também sobreviva 24 horas para ser sujeito de direitos e obrigações. A
mexicana considera o surgimento da capacidade civil por ocasião da concepção.
Poderá haver dúvida quanto ao recém-nascido ter, ou não, vivido por um
instante. Para tirar essa dúvida o juiz nomeia um perito e as partes interessados,
seus assistentes técnicos, para procederem à docimasia respiratória, que consiste
em colocar os pulmões do falecido num recipiente com água à temperatura de 15º-
20º C. Se os pulmões flutuarem é porque respirou e nasceu com vida; do contrário.,
é a prova de que nasceu sem vida.
A personalidade jurídica, como sujeito de direito independente das pessoas
naturais dos sócios, encontra seus alicerces na Idade Média, mais precisamente,
com a necessidade da Igreja Católica proteger o seu patrimônio. Na época, as terras
eram divididas em feudos, de propriedade dos senhores feudais, soberanos sobre o
espaço geográfico e sobre o povo que nele residia. Aos habitantes dessas terras
não era permitida a aquisição de propriedades, eis que tudo pertencia ao senhor
feudal, a quem estavam vinculados por juramento de fé e homenagem. Eram seus
súditos30.
Nesse contexto, a Igreja Católica emergiu como a única entidade, além dos
senhores feudais e imperadores, a se tornar proprietária de terras, prédios, tesouros
e todo tipo de patrimônio, bem como seus membros não prestavam juramento de
fidelidade ao senhor feudal, mas a Deus. COELHO31 diz que, "naquele tempo, o
direito canônico separava a Igreja, como corporação, de seus membros (os clérigos),
afirmando que aquela tem existência permanente, que transcende a vida transitória
dos padres e bispos".

30
READ, Piers Paul. Os templários. Rio de Janeiro: Imago, 2001.
31
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 230.
16

Os bens não pertenciam aos padres ou aos bispos, mas à Igreja, sendo que,
quando do falecimento de algum de seus membros, este não legava bem nenhum a
possíveis herdeiros, pois nada era propriedade sua. "Teoricamente, esse sistema
feudal era uma pirâmide que, em sua base, abrangia toda a sociedade ocidental. Na
verdade, a posição no topo era disputada entre papas e imperadores; o vínculo era
nocional entre imperadores e reis, e problemático entre reis e seus barões32."
Surgiu, no oriente, uma religião que velozmente ganhava adeptos entre os
povos: o islamismo. A fim de garantir a hegemonia da Igreja Católica sobre todas as
religiões, os papas e muitos imperadores e senhores feudais organizaram e
financiaram cruzadas, que por muito tempo conquistaram Jerusalém, uma terra
considerada santa por três religiões: cristianismo, islamismo e judaísmo. Os
cavaleiros cruzados, em suas travessias pela costa do Mar Mediterrâneo até o
Oriente Médio, começaram a acumular propriedades, concorrendo com a Igreja e
com os soberanos, o que fez com que a sua ordem fosse extinta pelos mesmos que
a patrocinaram.
Apesar das represálias aos cruzados, estes conseguiram se firmar como
proprietários de tesouros e terras que extrapolavam os limites dos feudos, iniciando
uma era em que as conquistas particulares e os negócios tornavam as pessoas
naturais capazes de adquirirem propriedades. Tornavam-se, dessa maneira,
negociantes autônomos que tinham capacidade de ampliar seu patrimônio por meio
da iniciativa privada.
Surgiam, então, as corporações de ofício, verdadeiras associações de
profissionais que detinham segredos de suas profissões a fim de garantir sua
autonomia, o monopólio e a continuidade dos seus serviços, restringindo qualquer
possibilidade de concorrência. Diferentemente da Igreja Católica, essas corporações
se ligavam diretamente à figura dos seus associados, que a representavam e
contribuíam com bens particulares para a sua composição. COELHO33 diz: “Em
outros termos, a generalização das noções de corporação (do direito canônico) e de
separação patrimonial (do direito comercial) de que resultou o conceito de pessoa
jurídica tem lugar apenas na segunda metade do século XIX, em reflexões
desenvolvidas principalmente por doutrinadores alemães”.

32
READ, Piers Paul, op. cit., p. 68.
33
READ, Piers Paul, op. cit., p. 231.
17

Os juristas alemães passaram a considerar a existência de sujeitos de


direitos distintos da pessoa humana, como titulares de direitos subjetivos, com
individualidade própria, titulares de direitos e deveres com objetivos comuns e
específicos.
No Brasil, a regulamentação das chamadas empresas e sociedades
comerciais se deu em 1850, com a Lei nº 556, intitulada Código Comercial.
Regulamentava a profissão do comerciante brasileiro e a sua atuação na atividade
mercantil em âmbito nacional ou internacional. COELHO34 diz:
O regulamento 737, também daquele ano, que disciplinou os procedimentos a serem
observados nos então existentes Tribunais do Comércio, apresentava a relação de
atividades econômicas reputadas mercancia. Em linguagem atual, esta relação
compreenderia: a) compra e venda de bens móveis ou semoventes, no atacado ou varejo,
para revenda ou aluguel; b) indústria; c) bancos; d) logística; e) espetáculos públicos; f)
seguros; g) armação e expedição de navios.

Mesmo com esses diplomas legais regulamentando os atos de comércio,


ainda não existia a figura da pessoa jurídica na acepção do termo como se conhece
nos dias atuais, pois eram apenas concepções antropomórficas, teorias que ilustram
as dificuldades ocorridas no passado para sustentar a titularidade de direitos e
obrigações por seres não-humanos35.
A personalidade é qualidade inerente da pessoa, seja ela física (natural) ou
jurídica. Francisco AMARAL36 diz que "a personalidade é, sob o ponto de vista
jurídico, o conjunto de princípios e regras que protegem a pessoa em todos os seus
aspectos e manifestações".
É a personalidade que torna a pessoa titular de direitos e de obrigações,
participante efetiva do ordenamento jurídico, autônomo e responsável pela prática
de seus atos. Os arts. 11 a 21 do Código Civil37, tratam dos direitos da
personalidade, cuja proteção aplica-se tanto às pessoas naturais como às pessoas
jurídicas.

34
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 16. ed., São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 9/10.
35
COELHO, Fábio Ulhoa, op. cit., p. 231.
36
AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 5. ed., Rio de Janeiro: Renovat, 2003, p. 140
37
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis
e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas
e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste
artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
REALE, Miguel. Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 3.
18

Os direitos da personalidade são, essencialmente, direitos subjetivos, que


têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral
e intelectual e que conferem ao seu titular o poder de agir em defesa dos seus bens
[08]
ou valores essenciais . Em relação à personalidade jurídica, os direitos da
personalidade são oponíveis em face do nome, da imagem, da vida privada e da
honra, e têm, excepcionalmente, caráter objetivo.
COELHO38 diz que "não se confunde o nome da pessoa jurídica com as
marcas de sua titularidade, [que são] bens industriais integrantes do patrimônio dela
e sujeitos à proteção específica da Lei de Propriedade Intelectual (Lei nº 9.729/96)".
O nome da pessoa jurídica encontra-se determinado no seu contrato social ou
estatuto, ao passo que as marcas integram o patrimônio da pessoa, juntamente com
os direitos de sua exploração.
O direito ao nome é o direito à identidade pessoal, que identifica e diferencia
a pessoa no meio em que atua, ao passo que o direito à propriedade intelectual
consiste na proteção à liberdade de pensamento e no direito autoral da
personalidade, na proteção jurídica às obras de inteligência39.
Nos apontamentos apresentados em relação à personalidade jurídica e seus
direitos são acepções modernas, atuais, frutos da evolução histórica do
ordenamento jurídico mundial.
O reconhecimento da personalidade jurídica como detentora de direitos
semelhantes aos da personalidade da pessoa natural é uma tendência cada vez
mais presente na doutrina nacional, em função das necessidades de proteção que
se fazem imperiosas frente à globalização e à informação em massa.
No direito sucessório, o art. 1.718 norma que "são absolutamente incapazes
de adquirir por testamento o indivíduo não concebido"; mas, faz uma ressalva para
"a prole eventual de pessoas designadas pelo testador e existentes ao abrir a
sucessão (art. 1.718, in fine)".
Diz a lei em seu art. 1.798, que "legitimam-se a suceder as pessoas
nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão" e o art. 1.799, I,
norma que "na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder, os

38
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit, p. 260.
39
cfe. AMARAL, op. cit..
19

filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas
estas ao abrir a sucessão".
Tem-se duas situações distintas: na hipótese do art. 1.798, tanto na
sucessão legítima como na testamentária os nascituros são aptos a suceder, tanto
quanto as pessoas já nascidas.
A doutrinadora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironka40 que "tanto
podem ser herdeiros legítimos, testamentários ou mesmo legatários os indivíduos
que já tivessem nascido quando no momento exato do falecimento do de cujus, bem
assim todos os que já estivessem concebidos no mesmo momento".
Se o feto nasce morto, não chega a adquirir vida. E como doutrina Giselda,
sem vida autônoma "não irão tornar titulares de personalidade jurídica, falecendo-
lhes a condição para adquirir a herança ou o legado que a lei lhes vinha
protegendo".
O feto, o embrião, o nascituro, tendo somente expectativa de direito, só
poderá ser herdeiro se nascer com vida.
Algo interessante no direito é saber se com o falecimento do autor da
herança, o nascituro herda de imediato, só pelo fato de estar concebido, recebendo
a propriedade e a posse da herança.
Há de se entender que não é possível por força do art. 2º do Código Civil
segundo o qual, "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida".
Por a salvo o direito do nascituro como previsto na norma ora comentada,
quer dizer resguardar seus direitos se vier a nascer com vida.
Aberto o inventário, havendo capacidade sucessória de nascituro, sua
legítima deverá ser preservada aguardando o nascimento com vida; se isto não
ocorrer, os bens reservados irão para o monte; se o inventário terminar antes do seu
nascimento com vida, e esta inexistir, far-se-á a respectiva sobrepartilha.
Com relação ao inciso I, do art. 1799, o ordenamento jurídico permite ao
testador beneficiar o filho ou filhos, pouco importa se seja um ou mais, "ainda não
concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a
sucessão", por exemplo, se o testador "a" tem um amigo "b", e este não tem filho(s)
e sequer é casado, como também pode sê-lo, e na época do falecimento de "a", "b"

40
PAIVA. J.A. Amaral. Op. cit. nota 14.
20

era vivo e depois teve filho(s) este(s) serão chamados à sucessão, desde que
tenham nascido com vida; este parece ser o espírito da lei.
O nascituro tem direitos, podendo ser contemplado em testamento e ter sua
legítima garantida quando no ventre materno, mas só receberá a herança se nascer
com vida.
Como diz o professor Sérgio Cavalieri Filho41, "o dano é, sem dúvida, o
grande vilão da responsabilidade civil". É elemento essencial, e principal
caracterizador do dever jurídico sucessivo de indenizar. Pode-se conceituar como
sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua
natureza, sendo que este conceito compreende as duas maiores formas de dano:
patrimonial e moral.
O primeiro abrange os casos em que o bem atingido faz parte do patrimônio
da vítima, tendo valor econômico definível. Via de regra, o dano patrimonial pode ser
reparado através de prestação pecuniária. Esta modalidade pode ser dividida em
dois grupos: o dano emergente e o lucro cessante.
Há dano emergente quando a diminuição do patrimônio é imediata e
completa. É o desfalque propriamente dito, a lesão a um bem já determinado.
Nestes casos o quantum debeatur é de fácil avaliação: corresponde ao valor
econômico, à perda ou à quantia necessária para reparar os estragos causados ao
bem.
Já os lucros cessantes correspondem a frustração da expectativa de ganhos
futuros, rendimentos ou salários pela vítima. É necessário que esta previsão tenha o
mínimo de certeza e razoabilidade, evitando assim a consideração de lucros
imaginários e danos remotos. A mensuração pecuniária desta espécie depende
essencialmente do prudente arbítrio do juiz, uma vez que não há dados empíricos
que provem o "dano futuro". A fixação do quantum, de modo geral, é feita com a
utilização de parâmetros, que orientam o arbitramento judicial42.
O dano moral, no entanto, difere enormemente do patrimonial. Refere-se a
esfera pessoal da vítima, que é lesada em direito de valor inestimável. A ausência de

41
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2000, P.
70.
42
CAVALIERI FILHO, Op. Cit., p. 72.
21

determinação pecuniária do dano é o principal traço característico desta espécie.


Além disso, atinge valores fundamentais da vida humana43.
O conceito de dano moral extrapola os limites do mero subjetivismo, que
considera apenas os prejuízos de ordem sentimental do homem. Hoje abrange os
danos estéticos, sociais e todos os direitos da personalidade, incluindo os
fundamentais. Essa amplitude levou alguns doutrinadores a preferirem a expressão
"dano não-patrimonial". José de Aguiar Dias44 resumiu esta questão afirmando:
"Quando ao dano não correspondem as características de dano patrimonial,
dizemos que estamos em presença do dano moral".
A natureza jurídica da indenização, nestes casos, não é verdadeiramente
reparatória, e sim compensatória. Afinal, a dor, o sofrimento e a humilhação
provocados por uma deformação corporal, trauma psicológico ou pela perda de um
filho são insuscetíveis de avaliação pecuniária. Todavia, não há que se falar em
pretium doloris, mas de uma real compensação ao mal injustamente provocado à
vítima. Para alguns, a reparação, além de compensar de alguma forma o dano,
sanciona o agente, tendo caráter também punitivo.
A jurisprudência brasileira anterior à Constituição de 1988 rejeitava
veementemente a possibilidade de indenização por dano moral. Acolhia a tese de
sua irreparabilidade, já que não haveria formas de avaliar economicamente os
prejuízos causados. Apenas em alguns acórdãos isolados e dissonantes foram
arbitradas indenizações reconhecendo a tese da reparabilidade. Na década de 80
esta postura, outrora minoritária, foi ganhando relevo, e o arbitramento do dano
moral passou a ser objeto de diversos julgados. Com o advento da Constituição
Cidadã, a proteção foi definitivamente assegurada (art. 5º, X). Hoje vemos que o
dano moral pode e deve ser indenizado, orientado pelo princípio da razoabilidade e
pela prudência judicial.
Pode-se resumir esta questão de maneira enfática: o dano moral, que atinge
a esfera não-patrimonial do indivíduo ou até mesmo da pessoa jurídica, é
susceptível de reparação (ou compensação), devendo esta ser arbitrada
razoavelmente pelo livre convencimento judicial.

43
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 20.
44
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, Apud STOCO, Rui. Op. Cit., p. 674.
22

Este assunto causa grande discussão doutrinária e jurisprudencial: a


possibilidade de consideração dos danos morais causados ao nascituro. Numa
tentativa de esclarecer é fundamental a adoção de uma das teses quanto a sua
personalidade expostas no item 2.2 , dependendo da opção, diversos entendimentos
podem ser obtidos.
Caso a teoria natalista fosse adotada, seria criado um quadro interessante. O
nascituro não poderia receber qualquer indenização, já que não é pessoa nem
sujeito de direito. Se sua genitora viesse a falecer e este sobrevivesse, o dano moral
seria causado ao filho por nascer. Nesta hipótese, a ausência de personalidade
quando do falecimento da mãe impediria, numa interpretação lógica, a pretensão do
filho em obter qualquer indenização do que causou o dano.
O mesmo problema ocorreria se o nascituro fosse vítima de medicamento
ministrado à mãe durante a gravidez, resultando em sequelas físicas terríveis. O
dano moral a ele causado dificilmente seria indenizado, já que à época do eventus
damni não detinha a titularidade do direito à integridade física. Poderia ser tentada a
indenização à mãe, que resultaria numa compensação reflexa e seguramente de
menor valor pecuniário.
Adotando a teoria da personalidade condicional, a possibilidade de
reparação estaria situada no mesmo patamar da personalidade: para que exista,
deve haver o nascimento com vida. Caso este ocorra, o nascituro é considerado
pessoa, e os danos morais a ele causados são passíveis de indenização. Todavia,
sendo o nascimento frustrado, o agora natimorto seria juridicamente inexistente, sem
nunca ter sido pessoa.
Como nos exemplos anteriores, a saída seria uma "reparação reflexa",
exigível por seus ascendentes. Embora o natimorto não pudesse de forma alguma
postular a reparação em nome próprio, vale salientar que o quantum debeatur
certamente não será o mesmo. A indenização por um filho morto seguramente seria
maior que pela morte de um feto que jamais teve o status de ser humano.
Se, de forma oposta, o nascituro for considerado pessoa em sua plenitude,
pode ele ser indenizado por danos morais ou, caso tenha falecido, seus
ascendentes podem exigir a dita reparação. Nesta última hipótese, considerar-se-ia
que o dano foi causado a filho menor, ampliando as possibilidades de indenização e,
ainda que de forma indireta, do quantum indenizatório.
23

Para Benedita Inêz Lopes Chaves e Silmara Chinelato45, ambas da corrente


concepcionista, a indenização por dano moral causado ao nascituro é plenamente
justificável, uma vez que este seria pessoa e titular de direitos. Nestes casos, o
fundamento legal da responsabilidade, seja ela contratual ou extracontratual, seria
exatamente o mesmo usado para os já nascidos.
Chinelato46 leva o problema às ultimas consequências, ao afirmar que "no
dano moral, sua reparação – que visa a uma compensação e não a um
ressarcimento – faz-se pelos mesmos critérios que norteiam a indenização pela
morte de filho menor."
Este último exemplo provoca uma discussão ainda sem resposta. A Súmula
491 do STF, editada antes de 1988, consolidou uma posição jurisprudencial
dominante à época, afirmando que "é indenizável o acidente que causa a morte de
filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado". Nestes casos, parte dos
tribunais confere aos pais da vítima uma pensão mensal, ainda que não haja
perspectivas concretas de que o filho morto ajudaria financeiramente nas despesas
do lar47.
Embora a personalidade jurídica do nascituro e a possibilidade de reparação
de danos morais a ele infligidos, seja assunto que causa grande polêmica não vem
sendo muito abordado em nossos tribunais.
A maioria dos julgados que envolvem este assunto referem-se apenas a
questões de herança, doações e vendas realizadas pelos pais em nome do ainda
não nascido.
Percebe-se que, nos acórdãos, há uma tendência do julgador em adotar as
teorias natalista ou da personalidade condicional, considerando a "ausência de
personalidade" como questão prejudicial. Exemplo típico é o julgado abaixo
transcrito:

Responsabilidade civil – Acidente de trânsito – Seguro obrigatório de veículos automotores


– Danos letais – Nascituro. Sumaríssima de reparação de danos letais causados à mulher
gravida e a seu feto. Reconhecido que fora o direito ao seguro obrigatório, este
reconhecimento não se estende ao nascituro, que não é pessoa nem sujeito de direito.
(TACRJ, 1ª C., AC 81004/88, Rel. Juiz Fernando Pinto, 11.10.1988)

45
CHAVES, Benedita Inêz Lopes. Op. Cit., pp.114-117.
46
ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Op. Cit., p.187
47
"Morte de filho menor, com 16 anos. Além da pensão mensal equivalente a 2/3 do salário mínimo, é
devida a indenização por dano moral" (STJ, 4ª Turma, REsp. 23.351, 01.09.1992).
24

No entanto, alguns julgados optam por interpretações mais progressistas do


tema, admitindo a personalidade do nascituro. Vale salientar que não há uma defesa
acentuada do concepcionismo, sendo geralmente omitida qualquer consideração
específica sobre a tutela jurídica do nascituro. Abaixo, vejamos a ementa de um
acórdão que concede indenização por dano moral, comprovando a possibilidade de
reparação:

Responsabilidade civil - Acidente do trabalho - Indenização - Direito comum - Dano moral -


Nascituro - Morte do seu pai - Termo inicial - Nascimento com vida. Devida é, a indenização,
por dano moral, desde o nascimento, ao nascituro, que nasceu com vida, como reparo pela
perda do genitor. (2º TACSP, 10ª C., Ap. c/ rev. 489.775, Rel. Juiz Adail Moreira,
29.10.1997).

Quanto a pensão ao nascituro, pode ser exemplificada nestas duas ementas


subsequentes. A primeira mostra a posição típica da jurisprudência: concessão de
pensão pela morte do filho menor, com prazo determinado pelo princípio da
razoabilidade. No segundo julgado, o pedido de pensão é julgado improcedente. Ao
contrário do que se possa imaginar, não houve uma resposta à discussão criada, já
que adotou-se a idéia de "expectativa de direito" do nascituro. Esta posição retrata a
jurisprudência dominante brasileira, pouco afeita às posições concepcionistas e
arraigada aos antigos conceitos de personalidade.

Indenizável é a morte acidental de menor oriunda de ato ilícito, ainda que não exercesse ele
trabalho remunerado, sendo sua família de condição econômica precária, fixando-se a
pensão a partir do óbito até a data em que a vítima completaria 25 anos de idade" (TJSP, 2ª
C., Ap., Rel. Cézar Peluso, 16.12.1996, RT 617/72)
Responsabilidade civil – Acidente de veículos - Invasão de preferencial - Morte da
companheira e nascituro, bem como da avó das menores. Culpa inequívoca do preposto do
apelante. Indenizações de ordem material e moral devidas. Legitimidade do companheiro
em exigir indenização pela morte de sua companheira, sendo que a renda mensal da vítima-
companheira é a constante de sua última indenização. Devida a indenização pela morte do
nascituro, a título de dano moral, visto que a morte prematura do feto, em conseqüência do
ato ilícito, frustra a possibilidade certa de que a vida humana intra-uterina plenificaria na vida
individual. Pensão devida ao feto. Impossibilidade. Há uma expectativa de direito em
relação ao nascimento do feto. Personalidade jurídica só inicia-se com o nascimento com
vida. Art. 4º do CC. Correta a pensão fixada e destinada ao companheiro e filhas. O limite
fixado para a cessação da pensão é de 69 anos, conforme nova orientação jurisprudencial.
(TAPR, 3ª C., AC 106.201-3, Rel. Juiz Eugênio Achille Grandinetti, 01.08.1997).

Embora a teoria concepcionista esteja mais adaptada às mudanças sofridas


pela medicina nos últimos anos, não foi aceita plenamente no mundo jurídico.
Vemos que apenas em decisões esparsas o nascituro é considerado pessoa, sem
que para isto deva ele nascer com vida.
25

Já o dano moral, com a Constituição de 1988, adquiriu maior importância, e


concretizou-se na jurisprudência. Hoje a situação é inversa: os pedidos de
indenização por danos deste tipo crescem assustadoramente, incorrendo muitos
deles em confusões grosseiras. Os danos causados a nascituros acabam por serem
relegados a segundo plano, esvaziando-se o debate com a mera declaração de que
"nascituro não é pessoa".
Há divergencia entre doutrinadores no que se refere aos direitos a alimentos
ao nascituro. A legislação fica em um vai-e-vém em positivar e negar, outras nem
conceder e nem negar, parciais em casos específicos. E os legisladores não tem um
referencial fixo, adaptando a lei a complexas e monstruosas circunstâncias sociais
exigentes, inserindo e excluindo o nascituro os direitos, indo ate mesmo contra
princípios morais seculares. Enquanto isso, os tribunais mergulham em indecisões.
Muitos são os doutrinadores opinando, a favor ou contra os alimentos ao
nascituro, porém mais são aqueles que não são nem a favor e nem contra, situando
numa posição de neutralidade ou simplesmente aceitando a “letra” assim como
disposta esta. Aos julgadores esta a se exigir que ante ao caso somente lhes resta a
visão doutrinária avançada à luz dos preceitos constitucionais, da moral civilizada e
no compasso que outras ciências sinalizam.
Entre os direito subsidiários ao direito à vida estão os alimentos, esta
ressalva exprime que o ser humano, desde o momento em que é concebido,
considera-se como já tendo nascido para tudo quanto diga respeito a seu interesse.
O Nascituro e seus direitos é um assunto de grande polêmica que está longe
de uma solução, seja ela conservadora ou progressista. Não há, entretanto, a
perspectiva de adoção uniforme de qualquer teoria no futuro. Dado o atual estágio
da evolução jurisprudencial, parece-nos mais provável que, a médio prazo,
prevaleça a concepção da personalidade condicional. Em relação aos casos de
responsabilidade civil, vemos uma tendência a maior valorização deste instituto no
Brasil, e esperamos que isto se reflita nos casos que envolvem a problemática do
nascituro.
Doutrinadores se preocupam em incentivar legisladores para elaboração das
leis que protejam o nascituro.
O que importa é saber que desde já podemos contar com mecanismos
emergenciais, já que são poucos os que tratam especificamente das contendas
26

envolvendo o nascituro e os embriões, de caráter geral que podem ser utilizados,


enquanto legislações específicas não são elaboradas, para proteção da vida e
dignidade dos mesmos, evitando, assim, sua manipulação como fossem eles meros
objetos de estudo ou meros objetos satisfatórios dos casais que pretendem, sob
qualquer custo, gerar um filho.
Não há razão para se continuar agindo de forma lacunosa. Não há razão
para se continuar a autorizar medidas que ataquem direitos fundamentais desses
seres inofensivos.
O nascituro tem o direito inalienável de nascer, vir ao mundo, mesmo que
morra minutos após. O Direito, como ciência social que é, evolui, altera seus
paradigmas, se reconstrói. Suas verdades e axiomas não são imutáveis ou
absolutos.
A realidade social deverá falar mais alto e o Direito, assim, obrigatoriamente,
tem que rever suas posições ou ter a coragem de tomar posição, que mesmo
polêmica, chegando a dividir os ministros do Supremo, merece ser comemorada por
todos aqueles que acreditam na vida, como um dom maior do Criador.
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REFERÊNCIA

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