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“A CIDADE DO OITAVO DIA”

Por uma espiritualidade da grande cidade.

O Senhor foi tentado no deserto: “O Espírito O conduziu para o deserto. E Ele esteve no
deserto quaren-
ta dias, sendo tentado por Satanás; vivia entre as feras e os anjos o serviam” (Mc. l,l2-l3)

O deserto não é uma entidade geográfica, um lugar físico, senão um estado


vital e uma situação “teológica”. Uma situação de encontro consigo mesmo e
com Deus.
Deserto é aquele espaço sem limites precisos, aquela situação vital cujo
horizonte se dilui diante dos olhos... é o lugar ideal para pôr a descoberto a
fragilidade radical do ser humano.
A partir de um ponto de vista espiritual, a grande cidade é considerada hoje por muitos como o
novo deserto, no qual somos submetidos à prova e expostos a todo tipo de tentações.
A cidade vive imersa no meio dos “maus espíritos” que sobrevoam os telhados e se adentram,
através
de sons e imagens e de outras mil maneiras, no interior dos lares e no próprio coração das pessoas.

Algumas “manifestações” típicas desses “maus espíritos”:

* o individualismo, que parece ser o motor primário da transformação social e o


reconhecimento prático
de que o indivíduo é o que importa, e de que sua força e seu poder são os que
contam. A cidade parece,
assim, um acúmulo de indivíduos em luta, em competição pela posse dos
bens...
* o egocentrismo narcisista: o que importa é a imagem de si mesmo
projetada sobre o espelho admira-
do de quantos o rodeiam. O elogio fácil e a vã admiração, as relações frias e distantes...
nos quais o
único protagonista é o ego vaidoso, narcisista e absorvente de cada um.
* falta de solidariedade: motor da injustiça que assola nossas cidades; define
a dureza dos corações de
pedra do homem da cidade que perde a sensibilidade através da abundância
insultante para os pobres.
* o vazio humano: um vazio prolongado se armazena nas relações humanas
apesar das comunicações
técnicas alucinantes. A cidade converte as pessoas em fantasmas sérios,
solitários que anseiam e temem
seus semelhantes.
* as pressas e os desejos de fugir do mundo real, gerando seres urbanos que
fogem de si mesmos, de sua
realidade cotidiana e de seus problemas, e buscam um mundo inexistente
dentro da própria cidade.
A grande cidade, portanto, se apresenta às pessoas como
desestabilizadora do seu próprio ser. Dentro do coração,
o medo de quem vive numa cidade que lhe é hostil.
Textos bíblicos: Mt 22,l-l4 Mt 23, 37-39

Como re-criar, no coração desértico das grandes cida-


des, a fé cristã e fazer delas um “ícone” da Jerusalém
celeste? Como transformar a vida das grandes cidades?

É preciso voltar a pôr o coração de Deus no coração da


grande cidade; do contrário, o deserto continuará crescendo.
Os cristãos não devem fugir da cidade para encontrar-se com o
mistério de Deus. Faz-se necessária uma opção para estar e viver imersos, e
com todas as consequências, no interior das cidades, em seu coração, para aí
descobrir o verdadeiro CORAÇÃO de DEUS, que pulsa ao ritmo dos despossuídos,
dos excluídos, dos sofredores e dos sedentos do deserto.
É preciso aprender a assumir o conflito urbano para convertê-lo em Vida nova
a partir do silêncio, e é preciso entrar nas ruas descoloridas e violentas da
cidade como se tratasse de um novo claustro monástico.
Nosso zêlo e amor pelo Evangelho e pela semente do Reino que nele está
contida, há de favorecer o advento de uma “NOVA JERUSALÉM”, cheia de
humanidade e comunhão, de justiça e de fraternidade, de sol e de
primavera, para a Igreja que vive encarnada e sofredora no coração da cidade.
É preciso cuidar o coração do “homem urbano”, esvaziá-lo, limpá-lo, aquecê-lo,
transformá-lo em humilde receptáculo, para que o Espírito do Senhor possa
pousar-se e habitar nele como num ninho acolhedor, transmitindo-lhe vida, luz,
calor, paz, ternura...

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