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Atualidades/Actualities

CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA


EXPLICAÇÃO EM EPIDEMIOLOGIA*

Luiz Jacíntho da Silva**

SILVA, L.J. da Considerações acerca dos fundamentos teóricos da explicação em epide-


miología. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 19 :377-83, 1985.

RESUMO: São analisadas as condições históricas do surgimento da epidemiolo-


gia como disciplina científica, em meados do século passado. É revista a evolução das
bases teóricas do processo explicativo em epidemiologia até o momento atual. Especial
atenção é dada ao papel da lógica positivista de Stuart Mill como base teórica da
Epidemiologia até recentemente. São discutidas as alternativas teóricas correntes e
proposta maior abertura da epidemiologia a diferentes correntes filosóficas como o
caminho para o estabelecimento da epidemiologia como uma ciência madura.
UNITERMOS: Epidemiologia. Métodos epidemiológicos. Historia da epidemiologia.

INTRODUÇÃO
Quando surgiu durante o século pas- social. Já no século XVIII surgem, prin-
sado, a epidemiologia tinha um objetivo cipalmente na Inglaterra, relatórios sobre
eminentemente pragmático: fornecer sub- as más condições de vida e saúde da
sídios para as ações de saúde pública. massa trabalhadora 3,14 . Durante toda a
A revolução industrial fez surgir na Eu- primeira metade do século XIX são pu-
ropa, a começar pela Inglaterra, um blicados relatórios semelhantes. A incli-
contexto sanitário até então inusitado na nação política desses relatórios variava;
história ocidental: a concentração de no entanto, todos eram unânimes em
grandes massas nos centros urbanos, que apontar a indústria como o determinante
se expandiam rapidamente, trabalhando maior. É nessa época também que vão
e vivendo em condições precárias fez surgindo os movimentos reivindicatórios
surgir a Saúde Pública nos moldes que de cunho socialista6. A doença já co-
a conhecemos hoje13. meça a ser vista do ponto de vista mate-
Até então, a intervenção estatal na rialista-histórico2. A época é propícia
saúde havia se limitado, quase que exclu- para tal, uma vez que não havendo ain-
sivamente, às epidemias e à principal via da se desenvolvido a teoria microbiana,
de introdução destas, os portos. Eviden- não era tão fácil a interpretação positi-
temente que as condições de saúde da vista do processo saúde-doença.
população estavam longe do ideal, mas, A primeira metade do século XIX
salvo nas epidemias, não chegavam a assiste, na Inglaterra, à ascensão da bur-
constituir ameaça à ordem social. O no- guesia ao poder político, através de uma
vo contexto criado pela revolução indus- série de reformas políticas, delegando à
trial, além de agravar as condições de nobreza uma função meramente figurati-
habitação, criou fator de instabilidade va no aparato de Estado 5 . Paralelamente
* Apresentado na I Reunião sobre Metodologia de Investigação Científica em Saúde. Itaparica, se-
tembro de 1984.
** Do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas da Univer-
sidade Estadual de Campinas (UNICAMP) — Caixa Postal 6019 — 13100 — Campinas, SP — Brasil.
Bolsista do CNPp.
a esta ascensão ao poder político, emerge avocaram a intervenção do Estado na re-
também a preocupação da burguesia com gulamentação das construções populares
as condições sanitárias da população, en- e no saneamento 12.
trevendo nestas um fator de tensão social À época, surgem também interpreta-
e de deterioração da força de trabalho. ções alternativas do processo saúde-doen-
ça, que viam nas contradições do capita-
O representante deste grupo foi, sem
lismo seu determinante maior. Cabe res-
dúvida, Chadwick, o autor da reforma sa-
saltar o trabalho de Engels 2 e os de Vir-
nitária implantada em meados do século chow 20, que apreenderam muito bem o
passado 12. Chadwick era ligado a Stuart
inter-relacionamento saúde-sociedade.
Mill e Bentham, e mantinha amplos con-
tatos com os líderes da burguesia liberal São duas visões antagônicas desse in-
da época, que contavam com um projeto ter-relacionamento: Chadwick vendo a
político bastante claro 8 e que passou a doença como resultante de inadequações
incluir uma reforma sanitária 12 . Ainda na estrutura urbana que poderiam ser
que não um profissional de saúde, Chad- corrigidas através de adequada legisla-
wick era político e administrador, e sua ção sanitária, e Engels como resultante da
obra e atuação refletem toda uma manei- contradição fundamental do capitalismo,
ra de pensar o processo saúde-doença. que só se corrigiria com a mudança do
Por sua orientação filosófica marcada- modo de produção vigente.
mente positivista, Chadwick e seu grupo O paradigma dos estudos epidemiológi-
viam a determinação social da doença cos, até hoje citado como modelo, o tra-
não como fruto das contradições do ca- balho de John Snow 18 sobre as epide-
pitalismo. Consideravam-na como resul- mias de cólera em Londres em meados
tante de inadequações deste na estrutura- do século passado, é talvez o melhor
ção de seus centros urbanos e de suas exemplo dos fundamentos filosóficos da
fábricas — uma falta de visão por parte epidemiologia no seu nascedouro. Inega-
dos capitães de indústria, que poderia e velmente brilhante em sua análise, Snow
deveria ser corrigida através de uma in- lança mão da metodologia explicativa po-
tervenção estatal. Esta intervenção, con- sitivista, fortemente influenciado por
tudo, não deveria afetar o modo de pro- Stuart Mill. Ao analisar, separadamente,
dução vigente, deveria discipliná-lo de as características de tempo, lugar e pes-
modo a coibir seus efeitos nocivos sobre soa, isolando um a um os fatores inter-
as condições de saúde do proletariado. venientes, comparando as características
Permitiria assim a preservação do sistema, de locais e pessoas afetados pelas epide-
evitando a deterioração da capacidade re- mias de cólera, Snow inaugura o método
produtiva e produtiva da força de traba- epidemiológico, que nada mais é do que
lho. Interessante notar que a preocupa- a aplicação da lógica de Stuart Mill, ao
ção de Chadwick e de seu grupo com a estudo dos determinantes da ocorrência
saúde pública era tão grande que, con- e distribuição das doenças(*). Este pro-
trariando os princípios do liberalismo, cesso indutivo aplicado à epidemiologia

(*) Não constitui nenhuma novidade a constatação de que o referencial teórico da epidemio-
logia é o do positivismo. As condições históricas de seu surgimento explicam isso facil-
mente. MacMahon e Pugh, em seu texto clássico7 apenas repetiram o que Durkheim 1 havia
feito com referência à sociologia, muitos anos antes, sistematizando uma metodologia. A
semelhança entre os dois textos é interessante de se observar, ainda que não surpreenda,
uma vez que todos beberam da mesma fonte. Surpreendente, no entanto, é que a epide-
miologia tenha se restringido a um único referencial teórico, transformado em quase-dogma.
persiste até os dias de hoje, admitido ex- logia se limita agora à descrição do ciclo
plicitamente por MacMahon e Pugh, em das infecções, na elaboração de sua "his-
seu clássico texto de epidemiologia7. Que tória natural". Isto evidentemente veio
esse processo indutivo tenha sido adotado mascarar a natureza simultaneamente bio-
pelos fundadores da epidemiologia é per- lógica e social da doença, valorizando a
feitamente compreensível, dadas as con- primeira, em detrimento da última. Este
dições particulares do momento histórico. direcionamento veio reforçar a posição da
Surpreendente talvez, é que tenha sido lógica positivista, esvaziando, por aparen-
adotado, com exclusividade, até época temente inúteis e desnecessárias, reflexões
bem recente, a ponto de ser confundido sobre o processo explicativo em epide-
com a própria Epidemiologia, ao se afir- miologia. A microbiologia veio demons-
mar haver um "método epidemiológico" 7 trar a existência de uma ordem universal
e não um dado método explicativo usado na determinação das doenças, regida por
em epidemiologia (*). leis naturais. Os avanços teóricos em epi-
A razão desta restrição filosófica ocor- demiologia são agora aqueles relaciona-
rida na epidemiologia deve muito ao sur- dos com a compilação e análise dos da-
gimento da microbiologia no último quar- dos. A epidemiologia foi promovida a
tel do século passado. Até então, a Epi- "ciência"(**). O século XX assistiria à
demiologia não tinha uma teoria acaba- revolução quantitativa em epidemiologia.
da sobre a causação das doenças, tanto Ross 15, no início do século já iniciara a
que o movimento sanitário inglês era formulação dos primeiros modelos mate-
marcadamente anti-contagionista, afir- máticos. Durante os anos '20 e '30 este
mando serem as doenças fruto de am- aperfeiçoamento ganha corpo com os tra-
bientes insalubres 19. balhos de Frost e Reed 17.
Com o surgimento da microbiologia, Como os problemas que se apresenta-
passou-se a dispor de uma teoria com- vam se referiam quase que exclusivamen-
pleta sobre a determinação das doenças te às doenças infecciosas, a epidemiologia
— estas passaram para o domínio exclu- se firma como um ramo da microbiolo-
sivo da biologia. A função da epidemio- gia, empobrecendo os seus recursos ex-

(*) Cabe aqui uma discussão de se é a epidemiologia uma ciência ou meramente um método,
como parecem insinuar alguns autores. A nós parece claro que seja ela uma ciência, que tem
por objeto a doença, mas a doença enquanto manifestação coletiva. MacMahon 7 , ainda que
não se aprofunde no tema, afirma que a "Epidemiologia é o estudo da distribuição da
doença e dos determinantes de sua prevalência no homem". Se é o estudo, deixa de ser
apenas um método, pois este seria "a maneira de se estudar. . .". Além disso, se a epide-
miologia for acenas um método, é um método de que ciência? É tarefa dos epidemiologis-
tas, portanto, proceder a uma reflexão da epidemiologia enquanto ciência, de modo a am-
pliar o seu potencial explicativo. Infelizmente, a preocupação tem sido quase que exclu-
sivamente com os aspectos técnicos da coleta e processamento de dados, mas não dos fun-
damentos teóricos de sua análise. Fugir da responsabilidade de firmar a epidemiologia co-
mo ciência é condenar-nos a conviver com a doença e a combatê-la sem uma adequada
compreensão de sua verdadeira natureza.
(**) Outra preocupação, que deriva daquela expressada na nota anterior, é se a epidemiologia é
uma ciência empírica, como se depreenderia da metodologia empregada. Isto merece uma re-
flexão mais profunda. Conquanto as manifestações da doença sejam inegavelmente biológicas,
merecedoras portanto de uma abordagem empírica, seus determinantes não o são, necessaria-
mente. Parece-nos pois que, ao estabelecer a epidemiologia como ciência empírica, derivada da
biologia, será o mesmo que restringir nossa capacidade de compreensão às manifestações do
objeto, relegando a um plano talvez inacessível por essa restrição metodológica, os determi-
nantes, ou boa parte deles, da ocorrência e distribuição das doenças.
plicativos, que se atrelam a um empiricis- zes uma mesma doença assume caracte-
mo arraigado. O processo indutivo teó- rísticas diferentes conforme o local e po-
rico deu lugar à demonstração de labo- pulação acometidos. Isto exigiu um aco-
ratório. modamento teórico. Foi a época do cres-
A segunda guerra mundial trouxe al- cimento das teorias "ecológico-geográfi-
gumas alterações importantes ao pano- cas" que buscavam na própria variabili-
rama da saúde pública a nível internacio- dade da natureza a explicação para a va-
nal, afetando, conseqüentemente, a epi- riabilidade das doenças, incorporando a
demiología. Estas alterações parecem, à variabilidade cultural das populações aco-
primeira vista, contraditórias. De um la- metidas. No primeiro caso foi este o fa-
do, vieram reforçar a fé na universali- tor da popularização da teoria dos focos
dade das doenças, principalmente graças naturais de Pavlovsky 10 e o surgimento,
aos avanços da biologia, no tocante à no- ou melhor, o ressurgimento da "geogra-
vas técnicas disponíveis para o controle fia médica", principalmente através dos
das doenças. Por outro lado, trouxeram trabalhos de May 9.
algumas questões que forçaram um aco- É interessante fazer aqui um parênteses
modamento teórico desta crença, através para refletir um pouco sobre as linhas
de um maior contato com o mundo sub- de análise epidemiológica em nosso meio.
desenvolvido, evidenciando características Talvez um dos que, no período pós-guer-
regionais de uma mesma doença. No pri- ra, melhor representaram as linhas "eco-
meiro caso, o surgimento de medidas de lógico-geográficas" em nosso meio foi
controle de um grande número de doen- Pessoa n, que produziu trabalhos impor-
ças infecciosas — drogas anti-microbia- tantes. Entretanto, pela ausência de um
nas, vacinas, inseticidas, para citar algu- recurso explicativo alternativo, estes não
mas —, e sua aplicação em diversas si- conseguiram se aprofundar no estudo das
tuações com grande sucesso, veio corro- relações doença-sociedade, uma preocu-
borar a interpretação de que as doenças pação bastante clara na quase totalidade
eram fenômenos biológicos que obede- de seus trabalhos (*).
ciam leis universais e poderiam ser con- A nova "geografia médica" incorpora-
troladas através de técnicas igualmente va à interpretação ecológica do processo
universais. Os sucessos da moderna tec- saúde-doença os estudos antropológicos
nologia de saúde pública durante e logo funcionalistas, que gozaram de grande po-
após a guerra — a diminuição da inci- pularidade no período anterior à II Guer-
dência das doenças sexualmente trans- ra Mundial. Esta incorporação vinha res-
missíveis, o controle da malária na Euro- ponder algumas inquietações surgidas pe-
pa e o controle de epidemias de tifo la constatação da variabilidade das doen-
exantemático — abriu a era dos paco- ças. Introduzia-se aqui um fator modula-
tes tecnológicos para o controle das doen- dor — a cultura, que modulava, mas não
ças. Note-se que estas medidas eram de contrariava, as leis universais que deve-
cunho estritamente biológico. No segun- riam reger a ocorrência e distribuição
do caso, o maior contato com o mundo das doenças. Esta interpretação ainda é
subdesenvolvido mostrou que muitas ve- bastante utilizada nos dias atuais, parti-

(*) Uma análise da obra de Pessoa u é exercício fascinante. Depreende-se que havia enorme preo-
cupação com os determinantes não-biológicos das doenças, mas que não puderam ser adequada-
mente apreendidos talvez pelo fato de o autor não dominar outros referenciais explicativos que
não os então em uso na epidemiología. Suas considerações acerca da geografia médica u são
um vivo testemunho dessa preocupação.
cularmente para tentar explicar o fracas- o processo explicativo, durante mais de
sso de medidas de controle de diferentes cem anos. O atrelamento da epidemiolo-
doenças transmissíveis. Paralelamente, gia à biologia durante o século passado
processa-se uma nova "revolução quanti- fez com que a epidemiologia obscureces-
tativa" em epidemiologia, com a intro- se sua natureza social, atendo-se a mé-
dução dos novos meios para o processa- todos explicativos rigidamente biológi-
mento de dados, havendo maior interesse cos. Dentro desta ótica positivista, a de-
por modelos matemáticos. Esta revolu- terminação da doença é sempre bioló-
ção quantitativa se verifica de maneira gica, cabendo à sociedade apenas papel
mais intensa nos estudos sobre a epide- de modulador do processo de distribuição
miologia das doenças não-infecciosas. A e da intensidade. A trajetória intelectual
constatação de que, nos países industria- vivida pela epidemiologia é semelhante à
lizados as doenças degenerativas substi- vivida pela geografia, ainda que longe de
tuiam as transmissíveis como o principal apresentar a mesma riqueza. A aparente
problema de saúde pública, impôs um dicotomia entre o social e o natural tem
problema teórico à epidemiologia. Acos-
sido o objeto de preocupação dos geó-
tumada que estava ao simplismo da mo-
grafos há vários anos 4,16 . Dentro da in-
nocausalidade das doenças infecciosas,
terpretação positivista que dominava a
cabia agora desenvolver um modelo pa-
geografia até meados deste século, a de-
ra as doenças degenerativas dentro da
terminação dos fenômenos caía ao lado
metodologia explicativa vigente.
do natural, tal como se verifica na Epi-
A solução foi a teoria da multicausa- demiologia. Mais recentemente, têm sido
lidade, na verdade uma expansão da mo- aplicados em geografia, métodos inter-
nocausalidade. As investigações necessi- pretativos materialista-históricos16. O
tavam agora de um aperfeiçoamento me- mesmo tem ocorrido na epidemiologia,
todológico. No entanto, mais uma vez o apenas que há muito menos tempo e sem
aperfeiçoamento foi na coleta e análise ainda a maturidade alcançada na geogra-
de dados, buscando metodologias que fia. O determinante da introdução de no-
substituíssem a facilidade da constatação vos processos explicativos deveu-se, sem
laboratorial. O resultado é conhecido de dúvida, ao insucesso do controle de di-
todos. Mas não houve uma alteração nos versas doenças. Estas, apesar de conta-
fundamentos filosóficos da epidemiologia, rem com procedimentos de controle bio-
o processo explicativo ainda era exata- lógicamente corretos, não alcançavam o
mente o mesmo empregado por John sucesso desejado, fazendo surgir a neces-
Snow, a diferença é que agora fora trans- sidade de explicações alternativas do pro-
formado em um quase-dogma(*). cesso saúde-doença, que permitisse com-
Vimos, no breve relato da evolução da preender as razões do insucesso. Talvez
epidemiologia, que é surpreendente a au- devido à pobreza filosófica da epidemio-
sência de uma maior preocupação sobre logia por vários anos, estas interpretações

(*) A aceitação da multicausalidade não pode ser considerada como um avanço teórico, mas sim
como uma acomodação à teoria da unicausalidade, vigente na epidemiologia das doenças
transmissíveis. Na análise da multicausalidade e da "rede de causalidade", tal como é feita
por MacMahon e Pugh, há o reconhecimento de que não se chegará à determinação última
das doenças 7, uma atitude, aliás, bastante anti-científica. Somos de opinião, já expressa em
nota anterior, que este reconhecimento é determinado pela incapacidade de uma abordagem
"exclusivamente" empírica para explicar os determinantes não-biológicos das doenças.
alternativas não têm sido vistas dentro epidemiologia e o plano em que sua apli-
de uma ótica adequada. Muitas vezes cação é mais proveitosa.
são rotuladas de "epidemiologia social",
como se houvesse um privilegiamento do Deve-se deixar bem clara também a
social. Isto se dá apenas na aparência. O distinção entre avanços no processo de
que ocorre é uma nova interpretação do coleta e compilação de dados e avanços
social e de sua participação no proces- no processo de interpretação destes. Até
so saúde-doença. A diferença não é quan- recentemente, a primeira instância tem
titativa, mas sim qualitativa. O social sido interpretada como um aperfeiçoa-
sempre foi considerado nas interpretações mento teórico, e pouca ou nenhuma aten-
de cunho positivista, apenas que de ma- ção tem sido dada à segunda. Já é tempo
neira diferente. de se por de lado a atitude de "neutrali-
dade científica" e explicitar-se claramen-
O que deve ficar claro, é que a Epide- te a fundamentação filosófica dos estudos
miologia é uma só — o estudo dos de- epidemiológicos, mormente aqueles que
terminantes da ocorrência e distribuição se propõem a análises mais amplas do
das doenças — os processos explicativos processo saúde-doença. A epidemiologia
empregados é que variam, e devem variar, é ainda uma ciência imatura, do ponto
uma vez que não se pode admitir uma de vista filosófico, o que torna desejável
ciência com um referencial teórico único uma intensificação do debate metodoló-
e absoluto. Necessita-se também uma gico analisando as diferentes abordagens
análise ampla dos diferentes métodos ex- interpretativas e as soluções que estas
plicativos passíveis de serem utilizados em podem apresentar.

SILVA, L.J. da. [Considerations concerning the theoretical foundations of explanation


in epidemiology]. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 19 :377-83, 1985.

ABSTRACT: The historical conditions surrounding the emergence, by the mid-19th


century, of epidemiology as a scientific discipline, were analysed. Special consideration
is given to the influence of the political milieu of Victorian England in the definition
of the theoretical basis of epidemiology. The English Sanitary Movement is seen as
a response of the emerging bourgeoise to problems created by industrialization and
urbanization. As a consequence, epidemiology was strongly influenced by Stuart Mill's
system of logic. During the latter part of the 19th century, bacteriology brought
important transformations to epidemiology. However, its theoretical foundations suffered
almost no change. Possibly the new challenges created by -the expanding colonial
empires were the driving force in the evolution of epidemiology. As a science, it could
not escape from the influence of social and political forces, It has only been
recently, mainly in Latin America, that a search for alternatives to the dominating
theoretical structure of epidemiology has taken place. The historical-materialist approach
has given way to what is sometimes refered to as "social epidemiology". Epidemiology
should be regarded as a science in which different theoretical approaches may coexist,
as in history, sociology or physics.
UNITERMS: Epidemiology. Epidemiologic methods. History of epidemiology.

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