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ORAR COM OS SENTIDOS

“O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos,
o que contemplamos, e nossas mãos tocaram do Verbo da vida...” (1Jo. 1,1)

S. João nos oferece uma esplêndida síntese do envolvimento de todos os


sentidos na experiência espiritual. Ele parecia assombrado ante o poder dos
sentidos para perceber a Deus
Olhar, escutar, cheirar, saborear, tocar: cinco sentidos essenciais para viver.
Também para orar.
Ver a Deus, escutá-lo, saboreá-lo, tocá-lo... queremos que Deus não seja um
pensamento,
uma intuição, uma idéia, e sim uma experiência. Como tal, tem de passar pelos
sentidos.
A filosofia antiga dizia: “Não há nada no entendimento que antes não tenha estado nos
sentidos”.
Todo o corpo humano é expressão: gesto, atitude, palavra... todas estas coisas
revelam interioridade, sentimento, espiritualidade; e os sentidos do outro, se
estão atentos, podem captar o que foi expresso.
Cessado o pensamento nós nos transformamos num ser só de sentidos, do jeito
mesmo como nascemos.
Nós somos olho, ouvido, nariz, boca, pele. Olhamos, escutamos, saboreamos,
cheiramos, tocamos...
S. Inácio pretende, através dos Exercícios Espirituais, recuperar a sensibilidade,
já que, se tivéssemos outros sentidos (os de Cristo), seríamos outros, viveríamos
de outra maneira.
Lançando mão de todos os sentidos, faz-se uma chamada à pessoa toda a estar
atenta a essas portas da percepção, do conhecimento interno e do sentir e gostar
internamente.
Ser “orante” implica um forma de ser:
um modo de “olhar”; interesse em “escutar”; proximidade ao “tocar”; “odor” para
emanar e detectar; “paladar” para saborear.

No Evangelho Jesus diz: “Deus é espírito e aqueles que o adoram, devem adorá-lo em
espírito e verdade”.
Orar no Espírito não quer dizer deixar de lado o uso dos nossos sentidos, fechar
as portas à percepção, mas ao contrário, abrir-lhe, introduzir o “sopro divino”
em cada um dos sentidos para que eles possam tornar-se os órgãos do
conhecimento de Deus.
Os sentidos se fazem “espirituais”, isto é, tornam-se sentidos transfigurados,
habitados, animados pelo Espírito de Deus porque o ser humano é o “templo do
Espírito” (S. Paulo).

Na oração, a ação do Espírito é aquela de iluminar e de curar, de restituir ao ser


humano o bom uso dos sentidos para que possa, na verdade, olhar, escutar,
tocar, sentir, gostar “aquilo que é” e viver na Presença “d’Aquele que é”.
- Trata-se de considerar os sentidos como aliados da oração e não como inimigos ou obstáculos à ação
da graça.
- Orar não é pensar em Deus, mas manter a sensação de uma Presença que nos envolve e nos guia
- Orar é “escutar” (“escuta, Israel”); orar é “olhar”, é contemplar a face profunda de cada coisa;
orar é “tocar”, é sentir o abraço de Deus; orar é “degustar”, é saborear sua Presença, é ter o sabor de
Deus; orar é sentir “odor”: a Presença de Deus nos impregna do perfume de Deus.

Também um texto de S. Agostinho é fonte de luz e consolação:


“Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei!
Tu estavas dentro de mim e eu estava fora de mim.
Tu estavas comigo e eu não estava contigo.
Me chamaste, gritaste e venceste minha surdez.
Fulguraste o teu esplendor e colocaste em fuga a minha cegueira.
Exalaste o teu perfume, o aspirei e desejo a Ti.
Te degustei e agora tenho fome e sede de Ti.
Me tocaste e agora queimo de desejo pela tua paz”.

Texto bíblico: 1Jo. 1, 1-7

Na oração: Fazer o exercício tomando consciência de todos os seus sentidos.


Eles são como portas para o interior. O convite é este: vivenciar os próprios sentidos,
ul-
trapassar a periferia, “gostar e saborear as coisas internamente”.
Somos corpo: nossos olhos, nossos ouvidos, nossa boca, nossas mãos... comunicam
o
amor que transborda, o amor que somos e que recebemos.
Fazemos oração com tudo o que somos. Continuamente sentimo-nos acariciados,
envol-
vidos, abraçados por dentro e por fora; quase “tocamos” em Deus, O apalpamos.

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