Professional Documents
Culture Documents
PORTUGUESA
No centro do templo, coberto de panos negros e sob a luz de um candelabro, está um caixão.
Lá dentro, um lenço branco manchado de vermelho tapa o rosto de um homem. A cabeça está
virada para Ocidente e emoldurada por um esquadro aberto e por um ramo de acácia. A porta
do templo abre-se e o mestre-de-cerimónias faz ajoelhar o maçom que entrou de costas na
sala. Tudo está preparado para o fazer subir mais um degrau na ordem secreta. O mestre
experto aproxima-se e cruza a espada com o bastão do mestre-de-cerimónias acima da
cabeça do candidato, formando um esquadro. Ouvem-se, em sequência, as pancadas de três
malhetes. “De pé e à Ordem, meus irmãos”, diz o venerável da loja. De uma mesa próxima, em
forma de triângulo, exige-se o juramento que o maçom faz de imediato: “Eu, Jorge Jacob Silva
Carvalho, de minha livre vontade, na presença do Grande Arquitecto do Universo e desta
Respeitável Assembleia de Mestres Maçons, juro e prometo solene e sinceramente nunca
revelar a qualquer profano, ou mesmo a qualquer Aprendiz ou Companheiro, os segredos do
Grau de Mestre.”
Há muito que o actual director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), a
secreta que actua fora de Portugal, disse estas palavras num templo da Grande Loja Legal de
Portugal (GLLP). E reiterou, como se faz sempre nos 33 graus maçónicos, os pactos secretos
de silêncio e auxílio: “Renovo a promessa de amar os meus irmãos, de os socorrer e ir em seu
auxílio. Se alguma vez me tornar perjuro que, segundo o castigo tradicional, o meu corpo seja
cortado em dois e que eu seja desonrado para sempre e que não fique de mim memória junto
dos maçons.”
Após o compromisso, o venerável mestre colocou-lhe a espada sobre a cabeça e informou-o
em voz alta que a partir de então passava a ter poderes para “comandar” os companheiros e
os aprendizes, os dois degraus inferiores da maçonaria. Seguiram-se mais golpes de malhete
cruzados com a sequência de palavras de um rito escocês com séculos que lhe passou a
contar novos segredos: os cinco pontos perfeitos da mestria, um toque, duas palavras e quatro
sinais. O Sinal de Socorro foi um deles. “Se alguma vez te encontrares em grave perigo, chama
os irmãos em teu socorro, com o seguinte sinal: atira o pé direito para trás, com o busto
inclinado, ergue ambas as mãos acima da cabeça, tendo os dedos entrelaçados, as palmas
viradas para cima, e exclama: A. M. O. F. D. V!” Hoje, aos 42 anos, Jorge Silva Carvalho,
espião requisitado ao Serviço de Informações e Segurança (SIS) e ex-chefe de gabinete de
Júlio Pereira, secretário-geral do Sistema das Informações da República Portuguesa (SIRP), já
está a meio dos altos graus da maçonaria (que vão do 4.º ao 33.º) e é apenas um dos
responsáveis de topo dos serviços secretos portugueses que fazem parte da GLLP e do
Grande Oriente Lusitano (GOL), as duas principais correntes maçónicas portuguesas.
OS TRÊS NÃO RESPONDERAM aos contactos da SÁBADO. O mesmo aconteceu com outros
operacionais dos serviços de informações que a SÁBADO detectou a partir do cruzamento de
largas dezenas de nomes de maçons mencionados nos documentos internos da GLLP. No
SIS, o director de área T. C. tem vários anos de maçonaria e foi inclusivamente eleito venerável
da Loja Jerusalém no equinócio de Outono de 2006, cumprindo o mandato até Junho de 2007.
Por outro lado, o ex-pára-quedista J. F., funcionário do SIS há mais de 10 anos e actual
director de área, é uma conquista relativamente recente da maçonaria. Foi iniciado na Loja
Fernando Pessoa da GLLP, para onde entrou juntamente com outros dois aprendizes iniciados
entre Outubro de 2005 e Janeiro de 2006, como revela um documento de novas entradas da
GLLP. Outro irmão da Loja Mercúrio é R. N. P., um operacional do SIED e membro do Instituto
Luso-Árabe.
“A maçonaria é equilíbrio e, por isso, tudo permanece bem desde que não haja uma avalancha
de gente dos serviços de informações”, diz à SÁBADO um dos mais influentes maçons da
GLLP, solicitando o anonimato. A mesma fonte garante que o número de espiões maçons não
deve ultrapassar uma dúzia. “Nas democracias mais maduras, como nos EUA, Inglaterra ou
França, é também normal encontrar gente dos serviços de informações nas respectivas
maçonarias”, conclui.
O autor espanhol Manuel Guerra, no livro Trama Maçónica, editado este ano em Portugal
(Principia), destaca a alegada colaboração maçónica verificada nos anos 90 e durante os
governos do PSOE de Filipe González, precisamente quando “foi necessário por mais de uma
vez renunciar à alta política diplomática e lançar mão das ligações pessoais de maçons
espanhóis com alguns maçons franceses influentes para obter um maior apoio da França na
luta antiterrorista contra a ETA. Nessa altura, o chefe dos serviços secretos franceses era
Pierre Marion, um destacado maçom francês, membro da Grande Loja Nacional Francesa”.
A RELAÇÃO PRÓXIMA ENTRE a maçonaria e alguns membros dos serviços secretos está a
provocar polémica entre os espiões. Um alto quadro dos serviços secretos garante-_-o: “Há
muita gente preocupada com esta situação. Claro que podem existir quebras de segurança,
mas o problema maior é se acontece um escândalo qualquer, como o da Universidade
Moderna, que começou numa guerra na Casa do Sino, e o SIS e o SIED acabam arrastados
por causa de gente nossa que esteja nas lojas maçónicas.”
A SÁBADO dirigiu por escrito um conjunto de questões sobre maçonaria, segurança e
recrutamento de espiões aos directores do SIED, Jorge Silva Carvalho, e do SIS, Antero Luís,
mas apenas recebeu uma curta resposta do gabinete do juiz desembargador Antero Luís:
“Encarrega-me o Senhor Director-Geral de o informar que quaisquer comentários sobre o tema
Maçonaria são da competência do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP).”
As perguntas seguiram para Júlio Pereira, secretário-geral do SIRP. Ficaram sem resposta até
ao fecho desta edição.
Nos últimos anos, a ligação a organizações como a maçonaria ou o Opus Dei tem sido
discutida de forma particularmente intensa. Em Inglaterra, o governo de Tony Blair impulsionou
um movimento que exigia que os maçons se identificassem quando estivessem a exercer
profissões relacionadas com cargos ou serviço público. No sector da justiça, mais de 1400
juízes decidiram voluntariamente divulgar que eram maçons. Em Portugal, no mês passado, a
Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), que representa cerca de 1900
magistrados, deu um passo que promete fazer história: “O juiz não integra organizações que
exijam aos aderentes a prestação de promessas de fidelidade ou que, pelo seu secretismo,
não assegurem a plena transparência sobre a participação dos associados.” O princípio, que
não refere especificamente a maçonaria nem diz como será implementado, consta do
Compromisso Ético aprovado no 8.º Congresso dos Juízes Portugueses.
“Não adianta nada pedir o registo de interesses para associações secretas. Pretendemos ir
mais longe e não permitir a pertença”, diz à SÁBADO o presidente da ASJP, António Martins.
“Tivemos a noção de que estávamos a ser exigentes com os juízes. Se isto é uma porta aberta
para outras classes profissionais? Serão elas a avaliar a exigência que têm de fazer aos seus
membros.”
ABEL PINHEIRO CAIU EM DESGRAÇA NO GOL por falar de mais, mas Rui Gomes da Silva
continua bem rodeado de irmãos na sua própria loja, a poderosa Universalis. Foi esta a loja do
GOL, com cerca de 60 irmãos, que conquistou há cerca de um ano o espião Heitor Romana,
um histórico do SIS que fundou informalmente os serviços de informações portugueses em
Macau e que chegou a director-adjunto do SIEDM, a secreta externa que o actual SIED
substituiu. No ano passado, foi nomeado por Júlio Pereira e tomou posse como director de
Recursos Humanos dos dois serviços de espionagem portugueses. Heitor Romana encontrou
na Universalis um outro homem das informações, José de Almeida Ribeiro, o adjunto que José
Sócrates requisitou ao SIS para o seu gabinete – e que também não respondeu ao contacto
por email feito pela SÁBADO.
Na Universalis juntam-se espiões irmanados com políticos, como os sociais-democratas Rui
Gomes da Silva e Miguel Relvas, como o director da ASAE, António Nunes, como o gestor e
vice-presidente dos CTT, Pedro Santos Coelho, como o socialista ex-secretário de Estado da
Saúde José Miguel Boquinhas, como jornalistas como Emídio Rangel e António Borga ou como
universitários como José Adelino Maltez e António Costa Pinto.
É no GOL que também estão outros, ainda que discretos, operacionais dos serviços de
informações portugueses. C. G. é técnico superior e um histórico do SIS. Está há largos anos
no GOL e é visto como muito próximo do anterior candidato a grão-mestre, Filipe Frade, o
representante do rito francês na maçonaria irregular. Outro espião é N. C., ex-director regional
do SIS Madeira, que transitou para o actual SIED em 2004 e que ali chegou a gerir o todo-
poderoso departamento das fontes secretas. Em 2008, já na direcção de Jorge Silva Carvalho,
foi colocado como antena na embaixada portuguesa em Madrid.