You are on page 1of 5

O novo turista é o que sente, pensa,

participa e compartilha responsabilidades


transformando o turismo num impulso
para uma sociedade mais humana (1)

O novo
turismo
De facto, o turismo economicista está já dar lugar ao turismo humanista, ao
turismo de rosto humano. Nesta transformação, é o novo turista que marca o
novo turismo, impondo um novo modelo de desenvolvimento e rejeitando as
efémeras, tímidas e infrutíferas tentativas de ressurreição e modernização do já
gasto e irrecuperável modelo tradicional. Consequentemente, este modelo,
onde o tipo de desenvolvimento turístico medíocre e ao estilo "mais do mesmo"
imperava e que prevaleceu imutável durante décadas em certos destinos
turísticos e que, ainda hoje, alguns pensam que se irá eternizar, deve ser, pura e
simplesmente, abandonado e substituído.

EVITAR OS ERROS DO PASSADO


Em meio século, o turismo passou de 25 milhões para cerca de 700 milhões de
chegadas registadas nas fronteiras dos vários países do mundo, um
espectacular aumento que ficou a dever-se a vários factores determinantes das
condições para ele propícias e dando origem, na história do turismo, ao
período da sua massificação. Esses factores foram não só o desenvolvimento
económico generalizado, o desenvolvimento tecnológico nos meios de
transporte (aviação e rodoviários) e nas comunicações como também, e
sobretudo, a crescente apetência das pessoas por viajar e conhecer outros
lugares e outras gentes, acompanhada pela profunda alteração no paradigma
das motivações dos turistas. Esta alteração deu origem, por sua vez, a novos e
dominantes tipos de turismo, entre os quais se destaca o impropriamente
chamado turismo de "sol e praia".

JOÃO MARTINS VIEIRA


ECONOMISTA PROFESSOR AUXILIAR CONVIDADO NA UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS

136 Cadernos de Economia


O NOVO TURISMO | JOÃO MARTINS VIEIRA

A explosão do turismo foi ainda alimentada por turismo no seu actor principal, o novo turista do século XXI,
megacampanhas publicitárias, algumas enganosas, dirigidas e criando assim condições para a implementação de um
a milhões de clientes potenciais submissos que os novo modelo de desenvolvimento do turismo.
operadores e agentes de viagens se propunham alojar em
hotéis incaracterísticos, de serviço reduzido, a preços
também reduzidos e onde a qualidade das instalações e do O NOVO TIPO DE TURISTA
serviço nem sempre estava no ordem do dia. A melhoria das condições económicas, as profundas
alterações demográficas com o aumento do tempo de vida
Como consequência desta evolução verificou-se uma de pessoas com dinheiro, saúde e actividade (o aumento dos
forte pressão sobre a oferta dos meios logísticos chamados OPALS-older people with active lifestyle) e as
turísticos, como os transportes e o alojamento, que alterações no leque das motivações dos turistas são as
conduziu à sua expansão meramente quantitativa, principais condições que conformam o que podemos
alimentada por especuladores imobiliários sem chamar de novo turista e caracterizar como sendo aquele
escrúpulos, apoiados por sua vez pelas autarquias ávidas que defende ou possui:
de apetecidas e fáceis receitas, destruindo à sua volta os
recursos naturais (mesmo os que constituem a razão de • Novos valores como a preferência pelo real e pelo
ser do próprio turismo que não era, verdadeiramente, o natural (mudança do "waste" para o "taste"). O artesanato
seu principal interesse), prejudicando o ambiente, industrial e o folclore de pacote turístico não têm aqui
desorganizando o território e levando à adulteração dos lugar.
valores humanos e culturais das comunidades de destino
que acabaram por sofrer um forte abalo de cujas • Novos estilos de vida preferindo mais tempo livre
consequências, em muitos casos, jamais foram capazes mesmo a troco de alguma redução salarial e maior
de recuperar. usufruto das coisas boas da vida, imperando o
"conspicuous consumption" com preferência pelas
A oferta de serviços turísticos estava então subordinada marcas com notoriedade e pelo consumo que expressa
ao império do colonialismo turístico, prática corrente status. Agora já não basta a qualidade, procura-se a
sobretudo nos destinos do Mediterrâneo, caracterizado excelência.
pela escandalosa exploração dos hoteleiros e dos
operadores nos destinos turísticos, forçados por vezes a • Novas motivações pela vivência de emoções cada vez
praticar preços abaixo do custo, e levada a cabo pelos mais fortes proporcionadas pelas características dos
operadores sedeados na origem dos mais importantes recursos, sendo as férias uma extensão da vida activa e
fluxos turísticos. não mais um tempo morto em que nada se faz.

Os turistas, ignorando o que os esperava no destino, • Novas atitudes perante a natureza (num quase
eram tratados como um conjunto indiferenciado de panteísmo) e os recursos culturais e artísticos.
indivíduos que iam para onde quisessem levá-los. O turismo
era então uma verdadeira aventura comandada, por vezes, Perante estas alterações num quadro tão complexo
por agentes de viagens sem escrúpulos e orientada de por ter a ver com a natureza humana, a principal
acordo com os seus interesses comerciais(2) soberanos e preocupação dos responsáveis (e dos estudiosos) do
egoístas. turismo não poderá continuar a ser a gestão e o estudo da
sua logística e dos meios físicos da oferta, sobretudo da
Algumas excepções a este terrível quadro, que hotelaria, mas antes e cada vez mais, o planeamento
felizmente existiram e ainda existem, não passam disso estratégico do desenvolvimento turístico, o estudo do
mesmo: excepções. comportamento dos turistas, a gestão da ocupação
turística do território e a antropologia e a sociologia do
Felizmente, como veremos, esta situação está hoje em turismo. A ênfase será no carácter social e humano da
profunda modificação caracterizada pela refocalização do economia e do turismo traduzida numa alteração no

2004 OUTUBRO/DEZEMBRO 137


âmbito dos objectivos do planeamento e da intervenção quando ele parte. Porém, este contacto individual e
governativa que passará do "marketplace" (destino, local directo, fundamental em todas as actividades do sector
turístico, edifícios) para o "marketspace" (comunidade de dos serviços, nomeadamente no turismo, deve ser
destino, envolvências). desenvolvido de acordo com os princípios do marketing
"one to one" em que cada cliente deve ser tratado,
Por outro lado, a relação individual entre o turista, o sempre que possível, pelo nome, em contacto visual
produto, o serviço e o destino turístico vai assumir uma directo e próximo, procurando que seja o cliente a sorrir
preponderância sobre a relação com o prestador de e não apenas o empregado, e executado por
serviços turísticos (companhia de aviação, hotel, etc.). profissionais com especiais habilitações naturais para
De facto, enquanto aquela se perpetua no tempo estas funções interactivas, aplicando-se a norma do
através de recordações, de fotografias, de livros e Consumer Relationship Management segundo a qual "o
folhetos e de conversas com familiares, amigos e bom serviço não está em sorrir para o cliente, mas sim
colegas, esta, apesar de crucial no turismo, termina fazer com que o cliente sorria para nós!".

Convento de Cristo em Tomar

Sendo

a nova geração de turistas

diferente das anteriores,

é natural que o turismo moderno

seja diferente daquilo que já foi

em anos anteriores.

138 Cadernos de Economia


O NOVO TURISMO | JOÃO MARTINS VIEIRA

Cada turista passou a valer por si próprio e já não como de 50% dos turistas terão mais de 50 anos e viajarão todo
uma unidade indiferenciada num grupo onde, geralmente, a o ano.
homogeneidade, embora aparente, nunca existia.
• O turismo da população em idade mais activa, aumento
Agora, mais importante do que vender um mesmo da "time poverty" ou seja a falta de tempo para lazer (o
produto ou serviço a um número cada vez maior de tempo é o nosso mais importante recurso mas é limitado
turistas, é fundamental vender a cada um deles um e não renovável), com redução do tempo de estadia nos
número cada vez maior de produtos e serviços destinos turísticos. Férias mais curtas e mais perto da
diferenciados (possivelmente alargando o espaço turístico) residência.
e fazê-lo toda a vida. A fidelização do cliente, base do repeat
business, é agora a chave do sucesso dos destinos e das • O aumento dos turistas "single" de ambos os sexos.
empresas turísticas e baseia-se no marketing de
relacionamento (importantíssimo na hotelaria) que tem • A preferência pela "brand hospitality" ou seja pela
como suporte uma completa base de dados permitindo: hotelaria integrada em cadeias com uma imagem de
sucesso, um estilo diferenciador e uma qualidade
• Identificar os clientes individualmente (família, garantida, quer se trate das grandes cadeias
aniversários, hobbies, etc.). internacionais ou de cadeias regionais de heritage hotels,
pousadas, etc.
• Registar as diferenças entre cada cliente (desejos
especiais: jornais, hábitos alimentares, etc.). Por fim, devido às vantagens e benefícios que a sua
enriquecedora vivência proporciona – e são muitas – o
• Manter contacto com o cliente mesmo quando ele não turismo já não é mais o privilégio de alguns, daqueles que
está nas instalações. têm as condições materiais que lhes permitem a ele ter
acesso, para passar a ser um direito de todos, o chamado
• Clientelizar o serviço, isto é, dar ao cliente o que ele quer "direito ao turismo".
e não o que se pretende vender.

• Criar canais de interactividade com o cliente, adaptando A INOVAÇÃO – BASE DO NOVO MODELO
o serviço de acordo com a evolução do cliente (o seu DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO
gosto, a sua idade, a sua formação, a composição da Esta modernização em curso, base do novo modelo de
família, etc.). desenvolvimento, deve ser audaz nas suas metas e
objectivos passando mais pela inovação do que pela
Por outro lado, continuará a verificar-se a tendência para: renovação. Ela é mesmo imperativa, quer para todos os
destinos turísticos tradicionais que quiserem manter a
• A polarização dos gostos dos turistas nas faixas extremas sua actual posição de actores principais no mercado
dos serviços (luxo/económico). Já não se justifica uma mundial do turismo (França, Espanha, Portugal, Caraíbas,
classificação hoteleira com 4 ou 5 classes de Madeira, Algarve, etc.), quer ainda para os novos destinos
estabelecimentos. turísticos emergentes (China, Índia, Brasil, S. Tomé, Cabo
Verde, Alqueva, Douro, etc.). Para uns e outros é
• A predominância do turismo multidestinos sobre o imprescindível e urgente encontrar um modelo de
turismo "point-to-point", alargando o espaço desenvolvimento compaginável com essa modernização
turístico, o que implica uma abundante e correcta e iniciar um processo de planeamento estratégico que,
informação (e sinalização) sobre os recursos depois de definidas as metas e os objectivos a alcançar,
existentes nesse espaço. aponte o caminho a seguir para o futuro desejado, com
apertada sujeição aos interesses convergentes e
• A predominância dos turistas seniores exigindo uma homogéneos dos actores presentes no processo e onde o
hotelaria especializada (senior hospitality): em 2005 mais tempo é, talvez, o recurso menos abundante.

2004 OUTUBRO/DEZEMBRO 139


O NOVO TURISMO | JOÃO MARTINS VIEIRA

Na construção desse futuro desejado importa que, sua própria viagem. A deslocalização (do escritório para
numa atitude prospectiva, sejamos capazes de casa), a desmaterialização dos meios de apoio (imagens no
encontrar o sentido inovador da modernização do ecrã em vez de folhetos turísticos) e a destemporização do
complexo fenómeno turístico e que saibamos construir negócio (24 horas por dia) são hoje três das suas grandes
os cenários onde se "projectam" as grandes derivas características.
dessa modernização. Referimos aqui apenas algumas
dessas derivas e o seu posicionamento nesses cenários Por outro lado o marketing faz-se na Internet e tem de
de "futuros não indesejáveis", focalizando sempre a atingir o cliente no local e no momento certos em que ele
nossa atenção no turista enquanto ser humano e como quer expressar e fazer valer a sua vontade. A tradicional
parte central de todo o processo de desenvolvimento. importância da força de persuasão do vendedor clássico que
Não sendo possível ir mais longe, aqui fica, pelo menos levava o cliente a comprar mesmo o que ele não queria,
para os mais distraídos, um alerta para a transformação perdeu todo o seu valor. Agora, os meios e os argumentos de
em curso. venda são outros.

O NOVO MODELO DE TURISMO CONCLUSÃO


Sendo a nova geração de turistas diferente das anteriores e O turismo está hoje a passar por uma interessante fase de
tendo estas evoluído, é natural que o turismo moderno seja, inovação que toca em todos os seus aspectos quer sociais,
também ele, diferente daquilo que já foi em anos anteriores. culturais ou económicos. Embora tenha sido a envolvente
Ou, melhor, que o modelo de desenvolvimento do turismo externa do turismo a comandar este processo de inovação,
tome em consideração essas diferenças que se fazem sentir ele teve rápida repercussão na expressão da vivência do
na nova oferta, na nova procura, e no novo paradigma do fenómeno turístico, tendo sido acolhido mais depressa pelos
relacionamento com o turista. próprios turistas do que pela pesada estrutura da oferta de
serviços logísticos no turismo e da administração pública.
A nova oferta de serviços turísticos deverá respeitar os
recursos turísticos, nomeadamente os ambientais Se se quiser que o desenvolvimento do turismo continue
recorrendo a energias alternativas, contribuindo para a a contribuir para o bem-estar e o desenvolvimento humano
redução da "pegada ecológica" deixada pelos turistas. Por e integral dos novos turistas do século XXI e das populações
outro lado, o espaço turístico ocupado (visitado) pelos de acolhimento nos destinos turísticos, é importante que
turistas deve ser aumentado, oferecendo um vasto conjunto sejam criadas, rapidamente, condições para acompanhar de
de recursos que justifiquem uma visita. Os factores de forma participativa esse processo de inovação. ><
diferenciação que consubstanciam a competitividade
devem ser procurados na excelência e variedade da oferta
e dos recursos e na qualidade e organização dos serviços
colectivos (os intoleráveis custos de contexto devem ser
implacavelmente eliminados) e das empresas turísticas.

Por outro lado, como consequência da evolução das NOTAS (1) Krippendorf, Jost. Conferência proferida durante a Assembleia Geral da

características do novo turista, o novo modelo de Swiss Reisckasse em 1984. Texto baseado no livro do mesmo autor The

desenvolvimento do turismo deve dirigir-se para uma Holiday People – Towards a New Understanding of Leisura and Travel, Orell

procura que é frontalmente anti-massificação. Füssli, Zürich, 1984 e referido em Tourism Management, Junho de 1986.

Por isso, a segmentação do mercado tende a ser quase (2) Nos EUA, milhões de americanos preferem seguir as recomendações de

infinita, o que obrigará ao recurso a novas formas de Rick Steves em vez das do descredibilizado agente de viagens. Este autor

contacto entre os prestadores de serviços e os seus clientes, já escreveu 25 livros sobre destinos turísticos vendendo três milhões de

como é o caso do e-marketing que levou esta atomização ao exemplares e o seu programa televisivo é visto por mais de 100 milhões

extremo com o cliente a construir em casa ou no escritório a de americanos.

140 Cadernos de Economia

You might also like