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RELAÇÕES ENTRE MUNDO RURAL E MUNDO


URBANO - O CASO
PORTUGUÊS

1 – INTRODUÇÃO

Procurámos neste nosso trabalho dar uma ideia geral do desenvolvimento das relações
entre o mundo rural e o mundo urbano ao longo dos tempos e a forma actual como são
encaradas. Para além disso, não quisemos deixar de dar uma perspectiva sobre o caso
português. Consultámos, para tal, vários trabalhos, de vários autores que, esperamos,
nos possam dar uma ideia, o mais aproximada possível, da realidade que pretendemos
confrontar.
Tanto Afonso de Barros como João Ferrão se debruçam sobre as relações entre o mundo
rural e o mundo urbano e a problemática do espaço. João Ferrão critica as recentes
visões sobre o mundo rural que, segundo ele, revelam uma grande permeabilidade à
ideia de património como elemento estruturador de uma nova geração de estratégias e
políticas de desenvolvimento para este tipo de territórios. Também Afonso de Barros
analisa o processo de reorganização territorial que vêm atravessando as sociedades
modernas, tendo em conta as grandes linhas de transformação dos espaços rurais.
Analisa o posicionamento da sociologia rural perante a problemática do espaço
concluindo ser este que confere especificidade tanto à sociologia rural como à
sociologia urbana e, ao mesmo tempo, como ponto de convergência entre ambas.
João Ferrão apresenta, ainda, diversas orientações estratégicas para a definição de
políticas e medidas que visem uma nova complementaridade rural-urbano, mais sensível
aos ensinamentos da história, aos requisitos ambientais e às expectativas e necessidades
das populações residentes em cada uma dessas áreas.
Por outro lado, Teresa Barata Salgueiro e Aida Valadas de Lima dão-nos uma
perspectiva do caso português. A primeira autora debruça-se, especialmente, sobre as
relações entre o mundo rural e o mundo urbano no nosso país. Dá-nos uma perspectiva
do desenvolvimento dessas relações ao longo dos tempos, assim como uma perspectiva
mais actual, definindo as novas formas de relacionamento entre estes dois mundos.
Quanto a Aida Valadas de Lima debruça-se sobre a agricultura de pluriactividade e,
complementarmente, sobre o que ela própria designa por construção social da
ruralidade. A autora procura colocar a questão da necessidade de redefinir as fronteiras
entre o rural e o urbano. Tomando como realidade empírica de referência, a realidade
portuguesa, procura salientar a pertinência do paradigma da integração entre espaços
sociais, sem deixar de questionar a imagem do “fim do rural”.

2 – RELAÇÕES ENTRE O MUNDO RURAL E O MUNDO URBANO

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2.1 - A PROBLEMÁTICA DO ESPAÇO


No plano do conhecimento, o processo de mudança na organização territorial
veio a traduzir-se na emergência da problemática do espaço no domínio das ciências
sociais. Tornava-se inevitável romper com a perspectiva tradicional que consistia em
visualizar o espaço como mera categoria abstracta, como meio vazio. A problemática do
espaço configura a questão fundamental com que a sociologia rural inevitavelmente se
enfrenta na actualidade e aquela que porventura designa as suas perspectivas de
evolução.
Hoje em dia, o espaço social tornou-se expressão corrente em diversas ciências sociais e
surge como referência cada vez mais obrigatória na análise sociológica.
A evidência espacial que caracteriza alguns dos mais marcantes fenómenos das últimas
décadas contribuiu decisivamente para que assim houvesse acontecido. É o que sucede
com o crescimento e a transformação funcional das cidades; a ampliação e a
modificação dos meios e das redes de comunicação; as alterações relativas ao uso dos
solos determinadas por mudanças ao nível dos processos agrícolas; as movimentações
populacionais de ignorada envergadura decorrentes, designadamente, dos processos de
êxodo agrícola e rural; as modificações sem precedentes do meio ambiente.
Este conjunto de fenómenos viria obrigar à definição e concretização de acções de
intervenção política de directa incidência espacial, circunstância que, por sua vez, teve
importantes repercussões quanto ao estatuto do espaço de análise sociológica. É a partir
de meados dos anos 60 que, paralelamente às políticas de ordenamento do território e de
planificação urbana, surgem novos objectos de pesquisa no seio da sociologia. Estas
pesquisas têm por efeito levantar e legitimar novas interrogações sobre o espaço em si
mesmo e não apenas sobre os seus efeitos.

2.2 - RELAÇÕES RURAL-URBANO: HISTÓRIA A COMPREENDER


Historicamente o mundo rural definia-se segundo os seguintes aspectos:
 Uma função principal: a produção de alimentos;
 Uma actividade económica dominante: a agricultura;
 Um grupo social de referência: a família camponesa, com modos de vida, valores e
comportamentos próprios;
 Um tipo de paisagem que reflecte a conquista de equilíbrios entre as características
naturais e o tipo de actividades humanas desenvolvidas.
Este mundo rural secular estava claramente em oposição ao mundo urbano. Esta
oposição era encarada como “natural”, campo e cidade eram complementares e
mantinham aparentemente um relacionamento estável, marcado pelo equilíbrio e
harmonia de conjunto.
A revolução industrial iniciada no século XVIII veio alterar a situação anterior. A
sociedade rural sofreu um processo de transformação de uma sociedade pluriactiva e
multifuncional num espaço social agrícola, económica e socialmente desintegrado.
Ao transferir para a cidade as actividades agora designadas por industriais, a revolução
industrial teve por efeito arruinar a produção rural de bens não agrícolas, organizada em
forma artesanal e, por outro lado, quebrar, a montante, o ciclo produtivo agrícola,

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tornando a agricultura dependente dos inputs produzidos industrialmente no espaço


urbano. O campo via-se, assim, especializado unicamente na produção agrícola, a qual
por sua vez, se tornava cada vez mais directamente orientada para a cidade e pela
cidade. No plano económico, quebrava-se deste modo, a integração no espaço rural.
Mas não apenas no plano económico. A transferência de força de trabalho para a cidade,
ao adquirir a dimensão de êxodo, veio romper o tecido social existente, contribuindo
decisivamente para acelerar e aprofundar o processo de recomposição social
determinado pelo que se pode chamar “agriculturização” do espaço rural. No plano
social, também o campo perdia, deste modo, a natureza de espaço integrado.
A mudança operada nas relações cidade/campo, traduzida em alargamento e
diversificação, era comandada pela emergência do espaço social urbano/industrial, o
qual, na sua lógica de afirmação e de inovação, se guindava a posição dominante e
subordinava a si o espaço social rural.

2.3 - A NOVA DICOTOMIA PÓS-RURAL/URBANO


As tendências que na actualidade se vêm afirmando apontam para panorama
bem distinto. Dos espaços rurais especializados na agricultura, subordinados aos
espaços urbano-industriais e socialmente desvalorizados, vai-se caminhando para
organizações espaciais pluriactivas, multifuncionais e integradas. Correlativamente,
assiste-se a um movimento de crescente revalorização social dos espaços rurais, de que
é resultado visível o recente fenómeno de maior acréscimo demográfico destes espaços,
por comparação com os urbanos, a que se assiste em diversos países do Noroeste
europeu.
O modelo de desenvolvimento concentrado, inerente à polarização urbano-industrial,
entrou em crise, dá sinais de esgotamento e conhece já importantes inflexões. As
transformações tecnológicas decorrentes do processo com frequência designado por
terceira revolução industrial favorecem diferentes formas de implantação industrial e,
deste modo, têm vindo a contribuir para significativas alterações na organização
espacial. A sensibilidade crescente às questões ambientais surge como um outro aspecto
da crise que o industrialismo, enquanto forma concentrada e arrogantemente alheia ao
meio ambiente, vem conhecendo e desenha-se como factor que impele para novas
formas de relacionamento espacial.
A implantação industrial em meios rurais, em modalidade de industrialização difusa,
tem por efeito imediato modificar o quadro das actividades rurais, quebrando a
monicidade da agricultura e, até, conforme já acontece em diversas regiões, retirando-
lhe a primazia tanto económica como social. Acresce que, ao propiciar o
desenvolvimento da agricultura a tempo parcial, este fenómeno vem a traduzir-se na
disseminação de novos modos de relação indústria/agricultura, tendo por eixo principal
o homem (representado na figura do operário-agricultor) e não, como era tradicional, o
fluxo intersectorial de bens e serviços. Por outro lado, através dos fenómenos
designados por “rurbanização” e por “novos rurais” diversifica-se o uso do espaço rural,
que de meio de produção tende, em algumas zonas, a passar a meio de recriação.
Despontam novas configurações espaciais ao mesmo tempo que se organizam novas
formas de vida no campo e se constituem novas redes de relacionamento entre o campo
e a cidade.

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A industrialização da agricultura criou duas realidades distintas: o mundo rural


moderno e o mundo rural tradicional. A oposição rural-urbano deixa de ser a mais
decisiva, na medida em que a modernidade deixa de constituir um exclusivo das áreas
urbanas. Ganha, assim, consistência uma nova dicotomia pós-rural/urbana, que valoriza
a oposição existente entre o mundo moderno (urbano-industrial ou rural) e um mundo
arcaico (predominantemente rural).
A atractividade de que a vida urbana tem sido objecto nas sociedades industrializadas
tem vindo a experimentar sucessivo decréscimo sob o impacto de múltiplos factores
(poluição, stress, impessoalidade, solidão) em que se traduz a crise da civilização
urbano-industrial. Em contrapartida, a repulsividade do espaço rural desvanece-se e vai
dando lugar, em diversos casos, a uma cada vez mais nítida atractividade, baseada não
apenas em melhores condições de vida e em maiores oportunidades de emprego que os
meios rurais, actualmente vêm proporcionando por comparação com um passado
recente, mas também na busca de formas de vida alternativas às características do
espaço urbano-industrial.
Todos estes factores se conjugam para quebrar a tendência desintegradora que o
industrialismo imprimiu ao espaço rural. Diversificado no plano das actividades
económicas, redimensionado ao nível funcional, complexificado na organização social,
o campo ganha capacidade integradora, em novos e bem distintos moldes em relação à
que possuía na época pré-industrial.
Mas a integração espacial assume uma outra e mais fundamental dimensão quando
perspectivada em termos de relação cidade/campo. Na verdade, o processo que se tem
vindo a referenciar implica a constituição de redes de relacionamento entre o campo e a
cidade, entendidos como espaços morfologicamente distintos, cada vez mais
diversificadas e apertadas. Nessas redes, os elos pessoais assumem uma importância
cada vez maior no relacionamento cidade/campo. A diversificação territorial das
actividades e o espectacular incremento dos sistemas de comunicação estão na origem
deste fenómeno.
Nos anos 80 assiste-se à invenção social de uma nova realidade: o mundo rural não
agrícola, o que introduz novos elementos no modo de encarar os mundos rural e urbano
e a forma como se relacionam.
Em primeiro lugar a função principal do mundo rural deixa de ter de ser
necessariamente a produção de alimentos e a actividade predominante pode não ser
agrícola. Em segundo lugar, a valorização da dimensão não agrícola do mundo rural é
socialmente construída a partir da ideia de património. Em terceiro lugar, as actividades
que contribuem para manter vivo o mundo rural devem de ser remuneradas não apenas
pelo seu valor económico mas também pelas funções sociais e ambientais que
asseguram. Finalmente, em quarto lugar, a problemática do mundo rural profundo foi
sendo crescentemente abordada à luz de uma nova concepção: a dos espaços de baixa
densidade, não só física, associada ao despovoamento intenso que caracteriza estas
áreas, mas também relacional.
A ideia de um mundo rural não agrícola que importa preservar em virtude do valor
patrimonial vem alterar, uma vez mais, as relações urbano-rural. É na procura urbana
que parece residir o essencial da evolução futura das áreas rurais onde a actividade
agrícola orientada para o mercado não alcança uma expressão significativa.

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Registam-se novas situações de integração cidade/campo:


 viver no campo e trabalhar na cidade;
 viver na cidade e trabalhar no campo (na agricultura ou na industria);
 viver e trabalhar na cidade e usar o campo para efeitos de tempos livres;
 viver e trabalhar na cidade e manter relações regulares com familiares que vivem no
campo e inversamente;
 viver e trabalhar no campo em articulação com a cidade, nomeadamente através das
redes de comunicação à distância;
Este processo tem sido qualificado com frequência como urbanização, perspectivado
este fenómeno como a “difusão do sistema de valores, atitudes e comportamentos que
se resume sob a designação de cultura urbana”. É, simultaneamente, um processo de
urbanização e de ruralização. À medida que a integração espacial se vai efectuando,
modificam-se, tanto no campo como na cidade, os sistemas de condutas e de
comportamentos e geram-se novas formas de relacionamento social que tanto
incorporam elementos de origem urbana como de origem rural. A integração espacial
não pode ser vista como o campo que se urbaniza ou como a cidade que se ruraliza, mas
como um processo de reorganização social com forte evidência espacial traduzido numa
crescente interpenetração territorial.

2.4 - PISTAS PARA UMA NOVA RELAÇÃO ENTRE O MUNDO RURAL E


O MUNDO URBANO
A construção de uma nova relação rural-urbano desenvolvida na óptica dos
espaços rurais poderá assentar, segundo João Ferrão, em dois objectivos de
âmbito geral:
 consolidar relações de proximidade mutuamente benéficas e de natureza sinergética
em detrimento de relações assimétricas e predadoras do mundo rural;
 transformar as cidades em pontes efectivas entre as áreas rurais e o mundo exterior;
Sendo a baixa densidade física e relacional um dos problemas principais de grande parte
das áreas rurais, importa rediscutir a questão das condições de acesso a infra-estruturas,
equipamentos, serviços e competências cujo grau de especialização é incompatível com
uma localização rural ( João Ferrão dá o exemplo das escolas do 1º ciclo de
escolaridade obrigatória que estão a ser alvo de um processo de encerramento).
O desenvolvimento de relações de proximidade mutuamente benéficas e de natureza
sinergética pressupõe a capacidade de conciliar uma articulação territorial (coesão) e
uma articulação funcional (integração) entre centros urbanos e áreas rurais envolventes.
Por comparação com o passado recente, torna-se evidente que a reformulação das
relações que se estabelecem entre os mundos rural e urbano depende, crescentemente,
da capacidade de identificar e concretizar soluções organizacionais adequadas. Esta
abordagem implica uma visão de conjunto das áreas geográficas de intervenção, uma
forte capacidade de diálogo institucional e ainda a existência de condições humanas,
técnicas e financeiras de monitorização das soluções concretizadas. Isto impõe que se
abandonem as abordagens tradicionais baseadas exclusivamente numa óptica de procura
ou de oferta.

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Importa alterar atitudes e comportamentos por parte das pessoas e das organizações e
melhorar as condições reais de acesso, não apenas físico mas também económico e
social, a infra-estruturas, equipamentos e serviços não locais mas de proximidade sub-
regional ou até regional. Só esta visão evitará a falsa alternativa entre duas opções
extremas: manter, a qualquer preço, iniciativas sem qualquer viabilidade económico-
financeira ou encerrar e impedir a criação de novas estruturas incapazes de sobreviver
em termos de mercado (João Ferrão dá o exemplo do serviço de transporte posto
gratuitamente à disposição das populações por algumas grandes superfícies comerciais
localizadas em aglomerados urbanos de média e reduzida dimensão).
Por outro lado, o essencial das instituições de interface localiza-se em áreas urbanas.
Assim sendo, uma relação de complementaridade menos assimétrica e mais simbiótica
entre as populações e as organizações dos mundos rural e urbano implica que os meios
urbanos funcionem como veículo redistribuidor entre as áreas rurais e o mundo exterior,
tanto de forma ascendente (condições de mobilidade e de acesso a mercados distantes)
como descendente (condições de atracção e de disseminação ao nível local). Esta função
redistributiva depende grandemente da disponibilidade evidenciada por parte das
instituições existentes para integrarem as necessidades e os interesses do mundo rural.
Assim, o patamar de exigência nos dias de hoje deve ser colocar na agenda das
instituições de sede urbana os problemas do mundo rural. O papel dos órgãos de
comunicação social e dos movimentos de opinião pública é decisivo para que
determinados assuntos ganhem não só visibilidade mas também notoriedade,
reconhecimento social e credibilidade.
É possível defender que os meios urbanos serão uma ponte entre as áreas rurais e o
mundo exterior, tanto mais eficiente quanto conseguirem transformar-se em focos de
uma cultura de ruralidade susceptível de contribuir não só para consolidar a visão
patrimonialista actualmente dominante mas, também, para a ultrapassar, reintroduzindo
a componente produtiva com a centralidade que esta merece.

3 – O CASO PORTUGUÊS
3.1 – MODELAÇÃO DO SISTEMA URBANO

A configuração do sistema urbano reflecte as condições naturais e históricas de


ocupação do território e os movimentos da população, mas deve-se principalmente ao
modelo de desenvolvimento económico escolhido para o país e ao modo como tem sido
aplicado; concretamente, expansão económica baseada na industrialização e
crescimento do sector terciário, privilegiando a faixa do litoral.
Os investimentos relacionados com a industrialização foram canalizados principalmente
para o litoral, com destaque para as regiões próximas de Lisboa e Porto. Como não
foram acompanhados de medidas de enquadramento da agricultura que, por isso, não
registou aumentos de produtividade nem modernização, contribuíram para aumentar os
desequilíbrios regionais e favoreceram a intensificação dos movimentos de abandono do
interior. Os processos de estagnação e declínio das estruturas agrárias, industrialização
geograficamente localizada e êxodo rural crescente estão na origem do acentuar das
desigualdades espaciais.

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Em Portugal tem-se vindo a assistir ao crescimento geral da taxa de urbanização, bem


como ao reforço da concentração demográfica, num movimento contínuo e lento. À
medida que o processo de abandono do interior se amplia e generaliza nota-se progresso
nas taxas de urbanização distritais, visto que a população global tende a diminuir e os
que permanecem o fazem sobretudo nos lugares de maior dimensão.
O desenvolvimento do sistema urbano fez-se através da multiplicação do número de
lugares e do alargamento das áreas cobertas pela rede definida por estes, não obstante os
grandes desequilíbrios espaciais ainda revelados pela distribuição das aglomerações.
Nos séculos XVIII e XIX deram-se importantes alterações no espaço económico e
social, com fortes implicações na distribuição das povoações. No inicio do século XX
encontrava-se no essencial configurada a posição dos centros urbanos. Pode dizer-se
que entre 1801 e 1911 se acentua o carácter de macrocefalia, assiste-se ao declínio das
cidades do interior e ao desenvolvimento das industriais e de todos os portos, bem como
ao crescimento acentuado de alguns núcleos nas imediações das cidades de Lisboa e
Porto, que vêm assim esboçados os seus primeiros subúrbios. A penetração de
estruturas económicas de tipo capitalista tiveram consequências assinaláveis na
distribuição do povoamento. Cidades do sul, como Évora, ou do interior, como Viseu,
vão manter-se como sedes de regiões agrícolas relativamente estagnadas e por isso
perdem posição face aos núcleos onde a industria prosperou, como Setúbal, Braga, Vila
Nova de Gaia, Covilhã e Guimarães.
De 1960 a 1981 acentuam-se os desequilíbrios espaciais e inicia-se um grande
crescimento das áreas metropolitanas, bem como a consolidação da urbanização nos
distritos próximos de Lisboa (Leiria, Santarém, Setúbal). Apesar do desenvolvimento
industrial e da maior e mais rápida modernização das suas estruturas produtivas, Lisboa
manter-se-á como um centro onde predominam as actividades administrativas e
comerciais (ou ligadas com a circulação), enquanto o Porto se afirmará como pólo
industrial. Verifica-se que, enquanto os distritos de Lisboa e Porto concentram um
pouco mais de 1/3 da população do país, detém uma parte muito mais significativa da
actividade económica. Embora apenas metade das empresas aqui estejam sediadas,
encontram-se entre estas tanto as mais importantes como as que têm capital social mais
elevado.
Existem grandes disparidades na taxa de urbanização entre as várias regiões do país (ver
figura 1 em anexo). Para além das zonas metropolitanas, as áreas onde maior número de
pessoas reside em lugares com 5.000 e mais habitantes são os distritos do Sul e as Ilhas.
Os menos urbanizados são os do Centro Interior e os do Norte, apresentando o Litoral
Ocidental características de transição. No continente, a atracção do povoamento pela
orla litoral é devida, não só à menor altitude, como também à maior fertilidade dos solos
e, principalmente, à facilidade de comunicações. O povoamento e a rede urbana das
regiões autónomas reflecte ainda com mais clareza esta vocação pelas posições litorais.
Situadas no mar, foi pelo mar que viram chegar os primeiros povoadores que, através da
navegação, mantinham o essencial dos contactos entre si e com o exterior.
Os lugares com uma população de 5.000 e mais habitantes são particularmente
numerosos no litoral, de Setúbal a Viana do Castelo, no Algarve e mesmo no Alentejo
Interior, enquanto as menores ocorrências se verificam no Alentejo litoral e no interior a
norte da Cordilheira Central (ver figura 2 em anexo). Isto prende-se com um conjunto
de razões histórico-geográficas nas quais avultam a facilidade de comunicações e a
maior fertilidade das terras baixas atlânticas, as marcas da tradição urbana muçulmana

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avivadas pelo modelo de divisão da terra adoptado depois da Reconquista, e os efeitos


da proximidade da fronteira.
Os factores histórico-culturais têm expressivos reflexos nos contrastes existentes entre o
Norte e o Sul, enquanto a oposição litoral-interior parece reflectir mais fortemente
condicionantes geográficas e económicas.
O noroeste é uma região de povoamento disperso em que o crescimento económico
recente continua a dar-se nos ramos tradicionais, com destaque para as indústrias têxteis
e do mobiliário, que apresentam uma estrutura empresarial bastante pulverizada pelo
que o seu desenvolvimento não implicou alterações profundas na estrutura do
povoamento. Quanto à dimensão dos lugares nota-se o predomínio pouco nítido dos
mais pequenos e uma rede relativamente equilibrada em termos demográficos, com a
população a distribuir-se quase equitativamente entre grandes, médios e pequenos
centros. Os distritos de Aveiro, Coimbra, Leiria e Santarém têm uma posição de
transição entre o norte menos urbanizado e o sul mais citadino.
O povoamento algarvio conta com núcleos urbanos de dimensão apreciável. O distrito
de Faro mostra, assim, uma taxa de urbanização elevada e dispõe de uma rede urbana
relativamente equilibrada. Na Região Centro existe uma distribuição equilibrada de
povoações médias, mas faltam as de pequena dimensão não existindo centros de
dimensão intercalar entre os centros médios e os muito pequenos. Esta situação pode
estar relacionada com o enorme despovoamento a que foi sujeita esta área por via da
emigração, e com a reduzida actividade industrial e até agrícola.
O Alentejo apresenta uma rede simples, que traduz a sua fraca densidade populacional e
as condições de relativa homogeneidade física e de fácil acessibilidade existentes.
Região com povoamento aglomerado e importante tradição urbana, tem uma elevada
taxa de urbanização que registou aumento pronunciado nas últimas décadas, devido ao
crescimento de Setúbal e ao declínio demográfico dos outros distritos.
Em Trás-os-Montes, ao contrário do Alentejo, verifica-se a falta de centros de grandes
dimensões. Com povoamento de tipo aglomerado mas escassamente habitada e sem a
tradição urbana do sul, esta região apresenta um número reduzido de centros urbanos,
que pouco têm aumentado e se situam nas classes de pequena e média dimensão. As
características da rede urbana devem-se à falta de gente, à pequena procura de
mobilidade e ao atraso na formação do sistema urbano num território com grandes
obstáculos naturais à comunicação. De facto, a reduzida acessibilidade das regiões
transmontanas e a ausência de tradição urbana explicam que duas regiões interiores e
igualmente pouco populosas apresentem aspectos tão diferentes do ponto de vista
urbano.

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3.2 - O SURTO URBANO ACTUAL


A urbanização começa a não estar apenas confinada aos perímetros urbanos e
invade outras áreas. Se os emigrantes são o veículo privilegiado de urbanização, a
proliferação de residências secundárias contribui fortemente para aquilo que alguns
chamam de rurbanização. Também a localização de algumas indústrias e grandes
superfícies comerciais na área peri-urbana, para isso contribui.
Em paralelo com esta disseminação do “habitat” individual nas periferias, assistiu-se ao
incremento da construção em altura, mesmo em vilas de pequena dimensão onde o
espaço não escasseia.
É depois da Segunda Guerra Mundial que o movimento de suburbanização adquire
maior vigor, estimulado por uma procura crescente de habitações a que a cidade
tradicional não podia dar resposta. O alojamento suburbano tende, então, a ser fornecido
através da construção de imóveis cada vez mais altos, procurando minimizar a subida
do preço dos terrenos e a obtenção de maiores lucros.
Nos anos 60, em paralelo com a progressão das urbanizações, começa a assistir-se ao
loteamento ilegal de importantes áreas da periferia urbana. Num período de forte
crescimento demográfico, grandes bloqueios no mercado habitacional e acentuada
especulação, muitos desses lotes serão utilizados para construção neles surgindo prédios
de elevado número de andares, em resultado de práticas de corrupção, suborno e
especulação. Nascem, assim, os bairros clandestinos, que se multiplicam como
cogumelos nos anos seguintes.
O crescimento das áreas urbanas processa-se através da conversão do uso do solo
agrícola na periferia, de modo que avanço da urbanização implica o sacrifício de áreas
cultivadas, não raras vezes com grande fertilidade. Este processo faz-se através do
transbordar da zona urbana, cobrindo todas as áreas envolventes ou privilegiando certos
eixos dotados de maior acessibilidade. A progressão urbana pode também ser feita de
forma mais difusa, sobre áreas muito vastas, inserindo-se as residências ou algumas
actividades económicas de tipo urbano no meio rural, no qual subsiste a agricultura.
Este processo é desencadeado pela utilização do território por residências secundárias
dos habitantes de uma grande cidade, caso em que a rurbanização pode chegar bastante
longe, mas pode também resultar do emprego de rurais na cidade, sem envolver
migração residencial, podendo estes activos conservar uma actividade agrícola a tempo
parcial (agricultura de pluriactividade). A importância dos migrantes pendulares é um
mecanismo importante de conservação, tanto da estrutura agrária, como dos processos
produtivos existentes.
Fora das duas áreas metropolitanas, o processo de urbanização/suburbanização vem-se
efectuando sem a grande aglomeração de alojamentos em espaços restritos,
característica dos subúrbios tradicionais de tipo dormitório. Assim, o aumento da
mobilidade individual e a própria alteração dos padrões locativos da indústria permitem
uma ocupação mais dispersa do território, tanto pelas actividades económicas, como
pelos trabalhadores, muitos dos quais mantém esquemas de pluriactividade. A
urbanização dissemina-se no tecido rural, produzindo-se paisagens de características
mistas, típicas do que se costuma chamar urbanização difusa ou rurbanização.

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3.3 - AGRICULTURA DE PLURIACTIVIDADE E INTEGRAÇÃO


ESPACIAL
As novas e complexas configurações espaciais resultantes das transformações
sociais ocorridas nos últimos 15 a 20 anos parecem por em causa duas das
grandes dicotomias sobre as quais assentava o modelo espaço-temporal do
pensamento clássico: agricultura/indústria, rural/urbano. Porém, as
transformações da agricultura e do espaço rural induzidas por essas
transformações sociais não significam que a agricultura e espaço rural deixem de
existir; a especialização do espaço agrícola e diversificação do espaço rural, por
via do surgimento nesse espaço de novas funções e do recuo da actividade
agrícola, conduzem a uma ruralidade transformada mais do que a uma
dissolução da ruralidade.
A questão que se coloca hoje é a da articulação/integração entre espaços sociais. Mais
do que votar ao “ostracismo” a designação rural, a questão fundamental passa por
redefinir teórica e metodologicamente o modo de apreender as realidades socio-
espaciais à luz do novo modelo de acumulação e regulação económica e social.
A agricultura de pluriactividade constitui-se cada vez mais numa nova articulação entre
a agricultura e outros sectores de actividade económica. Em Portugal a integração da
agricultura e do espaço rural na economia e na sociedade englobantes tem-se feito, até à
data, sobretudo através do mercado de trabalho e não tanto através do mercado de
produtos a montante e a jusante do sector agrícola. De facto, a industrialização da
agricultura encontra-se, em Portugal numa fase de atraso relativamente a outros países
e, porventura, de certa forma comprometida. Em contrapartida, a significativa expressão
numérica da agricultura praticada numa base de pluriactividade conduz, sobretudo no
Norte e Centro Litorais do País, a configurações socio-espaciais onde a clássica
dicotomia rural/urbano se dissolve.
Na base da importância económica e social deste tipo de agricultura estão processos de
urbanização difusa e de industrialização em meio rural, que vão da implantação nos
espaços rurais da indústria cujos centros de decisão estão localizados fora desses
espaços, até a formas industriais de carácter endógeno, a designada industrialização
difusa.
Em Portugal, a agricultura de pluriactividade representava em 1979, 48% do total das
explorações agrícolas e cerca de 32% da área total. A esmagadora maioria deste sector
encontra-se confinado à pequena agricultura (42,5%). O que é especifica à situação
portuguesa é que o grosso destas explorações constituem uma agricultura a tempo
parcial de base camponesa. Trata-se, na maior parte das situações, de uma agricultura
que funciona como retaguarda de outras fontes de rendimento, designadamente do
salário. A agricultura, principalmente a pequena agricultura familiar, assume assim, um
papel decisivo na reprodução da força de trabalho assalariada noutros sectores. Algumas
evidências empíricas localizadas nos distritos do Norte e Centro Litorais ( os focos
regionais da pluriactividade agrícola em Portugal) parecem apontar para uma maior
intensificação agrícola entre os agricultores pluriactivos do que os agricultores
monoactivos.

4 – CONCLUSÃO

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Esperamos com este nosso trabalho ter conseguido, por um lado, dar uma perspectiva
do pensamento dos quatro autores escolhidos e, por outro, contribuir para a reflexão
sobre as novas orientações estratégicas de forma a poder olhar para o futuro do mundo
rural à luz das grandes linhas de evolução das relações campo-cidade observadas nos
países mais evoluídos.
Tendo em conta o evoluir do movimento teórico que tem vindo a guindar o espaço,
tentámos dar, neste trabalho, uma ideia do novo posicionamento da sociologia rural
perante a problemática do espaço. O campo e a cidade não são compreensíveis em si
mesmos, à margem das relações entre ambos existentes. A problemática espacial vem-
se desenhando, com precisão crescente, como representando o campo analítico e a
perspectiva de análise susceptíveis de conferir especificidade tanto à sociologia rural
como à urbana e, ao mesmo tempo, como ponto de convergência entre ambas.
Gostaríamos de poder olhar para o futuro com esperança na sustentabilidade do meio
ambiente. É para isso necessário olharmos para as relações cidade-campo tendo em
conta os requisitos ambientais e as expectativas e necessidades das populações que
residem em cada uma dessas áreas.

BIBLIOGRAFIA:
- Ferrão, J., 2000, “Relações entre mundo rural e mundo urbano”, Sociologia -
Problemas e Práticas, nº 33, Lisboa: CIES - ISCTE, pp. 45-54.
- Barros, A., 1990, “A Sociologia Rural perante a problemática do espaço”,
Sociologia - Problemas e Práticas, nº 8, Lisboa: CIES - ISCTE, pp. 43-53.
- Lima, A. Valadas, 1990, “Agricultura de pluriactividade e integração espacial”,
Sociologia - Problemas e Práticas, nº 8, Lisboa: CIES – ISCTE, pp. 55-61.
- Salgueiro, T. B., 1992, A cidade em Portugal, Porto: Afrontamento, pp. 55-79,
200-209.

TRABALHO DE:
 José Paulo da Costa Neves – Turma: SPA3 – Nº: 22700
 Maria Luísa Ekila Madeiras – Turma: SPA3 – Nº: 22707

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ANEXOS

FIGURA 1

FIGURA 2

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