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Universidade Federal de Minas Gerais

Programa de Pós-Graduação em Ciência Política

Guilherme Alberto Rodrigues Araújo

GRUPOS SOCIAIS E PREFERÊNCIA POLÍTICA: AS IGREJAS EVANGÉLICAS E


A DEFINIÇÃO DO VOTO

Belo Horizonte
2010
Guilherme Alberto Rodrigues Araújo

GRUPOS SOCIAIS E PREFERÊNCIA POLÍTICA: AS IGREJAS EVANGÉLICAS E


A DEFINIÇÃO DO VOTO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciência Política da Universidade
Federal de Minas Gerais como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em Ciência
Política.

Banca Examinadora:

Mário Fuks (Orientador – DCP/UFMG)

Malco Camargos (PUC-MG)

Mônica Mata Machado Castro (DCP/UFMG)

Bruno PinheiroWanderley Reis (DCP/UFMG)

Belo Horizonte
2010
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Agradecimentos

Este trabalho é resultado da união de esforços de diversas pessoas que contribuíram,


de uma forma ou outra, para a sua consolidação. Sem o apoio que recebi de amigos, colegas
de trabalho, professores e familiares ao longo do último ano, principalmente, eu não
conseguiria ter concretizado esse projeto.
Durante esse período, deparei-me com inúmeras dificuldades. Uma, em especial,
ocupou boa parte de minhas preocupações, da construção do projeto à redação de cada um dos
três capítulos: a ausência de um corpo teórico já consolidado e com ampla aceitação nos
estudos eleitorais que lidasse com a mesma temática desse estudo. A vertente sociológica do
voto, que foi a principal referência teórica adotada aqui, é a “prima pobre” das abordagens do
comportamento eleitoral, ocupando um lugar secundário na Ciência Política contemporânea.
Estudos brasileiros que mantém diálogo com essa perspectiva são escassos. Diante desse
quadro inesperado, grande parte de meu esforço foi o de tentar recompor ao menos um pouco
da trajetória dessa abordagem, apontando seus avanços e inconsistências.
Foi com o auxílio de meu orientador, Prof. Mário Fuks, e de outros dois colegas do
DCP/UFMG, Frederico Batista Pereira e Fabrício Fialho, que pude chegar a uma condição
minimamente satisfatória para lidar com essa dificuldade.
Meu agradecimento inicial se dirige ao Prof. Mário Fuks. Como orientador, deu-me
liberdade para que eu buscasse respostas às minhas inquietações. Suas sugestões foram
fundamentais para que eu estabelecesse um rumo para o projeto e contivesse meus exageros e
imprecisões. Ao longo desse processo, tornei-me um admirador de seu conhecimento e
profissionalismo. Sua postura intelectual será uma referência que carregarei como exemplo a
ser seguido. A ele, devo também desculpas pela forma meio “rebelde” com que conduzi a
dissertação.
Dois outros colegas também foram importantes personagens nessa empreitada. Sou
muitíssimo grato a Frederico Batista Pereira pelas contribuições ao meu estudo e pela
camaradagem nesses pouco mais de dois anos de mestrado. Ele foi o responsável por minha
inserção no campo dos estudos eleitorais. Não fossem as nossas discussões, eu teria trilhado
outros caminhos. Devo agradecimentos também a Fabrício Mendes Fialho, que me motivou e
acompanhou os momentos finais (e mais angustiantes) desse trabalho, auxiliando-me no
desfecho da dissertação. A esses dois amigos, agradeço pela disposição com que me ajudaram
na construção desse projeto.

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Não posso deixar de mencionar outros colegas e professores do DCP/UFMG, que
também contribuíram diretamente para a realização desse estudo. Devo eternas gratidões a
Felipe Nunes pelo incentivo permanente e pelos inúmeras assistências. Na reta final, ajudou-
me com algumas leituras e dicas fundamentais. Agradeço também às professoras Marlise
Matos e Cláudia Feres Faria pelos Seminários de Dissertação; e ao professor Bruno Reis, pela
disciplina de metodologia. Aos colegas de turma, sou grato pelos comentários e contribuições
ao projeto, em especial a Maria Cristina Aires, que foi uma exímia leitora de minhas primeiras
incursões na redação da dissertação. A todos os outros colegas da “salinha de estudos do
DCP”, sobretudo a Robert Bonifácio da Silva, com quem mantive interlocução com certa
recorrência, agradeço pelas dicas e elo diálogo constante. Ao prof. Carlos Ranulfo Melo,
coordenador do PPGCP, e aos funcionários da secretaria Adilsa e Alessandro, sou grato pela
dedicação com que conduzem a nossa pós-graduação. E à CAPES, agradeço pela
oportunidade.
Evidentemente, não foram apenas meus vínculos acadêmicos que contribuíram para
esse projeto. Antes de mais ninguém, gostaria de agradecer a todos da Herkenhoff & Prates,
principalmente a Cristina Margoto – que tem tentado me ensinar que “o ótimo é inimigo do
bom!” – e às minhas colegas Anna Beatriz e Raíssa Burgarelli. Todas elas foram muito
atenciosas à minha condição de “mestrando em fase final”. Sou muito grato pela oportunidade
que a H&P tem me dado nesses últimos meses. Obrigado a todos da H&P!
Ao amigo Francisco Meira e a outros colegas da Vox Populi, agradeço pela
interlocução no campo dos estudos eleitorais. Esse diálogo foi importante para manter vivo o
meu interesse pela temática do comportamento eleitoral.
Aos meus amigos de “Sindicato” e a outros companheiros de farras e viagens,
agradeço por tornar esse período de mestrado mais leve e divertido. Pude viver bons
momentos ao lado de pessoas muito queridas, como Maria Cristina, Fernanda e Fred, Cassio e
Briza, Zinger, Eliéser e tantos outros, inclusive aqueles com quem tive contado mais recente,
como é o caso da Marcela. Ao “sindicalizado” Professor Luiz, sou grato também pela leitura
de alguns trechos da dissertação. Da mesma forma, agradeço aos meus pais, José Rodrigues e
Maria Marta, e aos meus três irmãos pelo companheirismo e apoio incondicional.
Por fim, devo agradecimentos aos membros da banca examinadora, professores Malco
Camargo, Mônica Mata Machado de Castro e Bruno Reis. Tive o privilégio de contar com
todos eles, que aceitaram o convite apesar dos meus sucessivos atrasos e do prazo curto para a
leitura e avaliação de meu trabalho.

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SUMÁRIO

Introdução

Capítulo 1. Contexto social e a construção de preferências políticas


1.1. Introdução
1.2. As origens do campo: o encontro entre os estudos de comunicação e os de grupos
sociais
1.3. A Escola de Columbia e a lógica social da política
1.3.1. Determinismo social: os limites da crítica.
1.4. A análise contextual da política
1.4.1. Grupos, contextos e redes de interação social
1.5. Como o contexto social influencia
1.5.1. O nível de integração às redes de interações
1.5.2. A difusão de informação no interior do grupo
1.5.3. Os modelos de organização dos grupos
1.5.4. Liderança: posição social e funções
1.6. Quando o contexto social é determinante
1.6.1. Motivações individuais para a conformação com o grupo
1.6.2. Condições ambientais e fluxo informacional
1.6.3. Sofisticação política e grupos sociais
1.7. Considerações finais

Capítulo 2. Os evangélicos brasileiros e a política


Introdução ....................................................................................................................57
2.1. A diversidade do protestantismo brasileiro ...........................................................59
2.1.1. A constituição do protestantismo no Brasil ...................................................59
2.1.2. A multiplicidade do protestantismo brasileiro: os principais traços distintivos
dos grupos evangélicos .............................................................................................62
2.2. Tipologias do protestantismo brasileiro ................................................................ 69
2.3. Igrejas e ação política .............................................................................................73
2.4. Comportamento eleitoral dos evangélicos: o que dizem os estudos brasileiros .....77

Capítulo 3. Os fatores associados ao voto evangélico


Introdução .....................................................................................................................82
3.1. Preâmbulos metodológicos
3.1.1. A referência empírica ................................................................................... 84
3.1.2. Igreja como contexto social ............................................................................85
3.1.3. A variável dependente ....................................................................................87
3.2. Grupos evangélicos e voto: qual a afinidade? ........................................................89
3.2.1. Compromisso religioso ...................................................................................90
3.2.2. Modelo de organização eclesial .....................................................................94
5
3.2.3. Lideranças religiosas ................................................................................... 102
3.2.4. Sofisticação política ................................................................................... ..109
3.3. Os determinantes do voto evangélico: modelos e resultados ...............................114
Considerações finais ....................................................................................................122

Considerações finais ............................................................................................................124

Referências bibliográficas .................................................................................................. 129

6
INTRODUÇÃO

É bem conhecida a tese de que os ambientes sociais imediatos nos quais os indivíduos
estão inseridos afetam suas atitudes e opiniões. Esse princípio orienta uma parte significativa
dos estudos sobre o comportamento político produzidos nas Ciências Sociais em geral,
derivando-se de uma idéia elementar que permeia, em menor ou maior grau, as investigações
sobre o assunto: a vida humana é inevitavelmente social. É por meio das interações cotidianas
entre os indivíduos que as percepções, os valores e as expectativas que dão sentido à realidade
são compartilhados. Todas as preferências e escolhas políticas estariam sujeitas a esse
processo, pois qualquer indivíduo se submete a contingências socialmente determinadas que
definem o seu acesso a conhecimentos, a normas e a valores, interiorizados a partir de sua
vivência cotidiana nos mais diversos círculos de relações sociais, fixando a força e a direção
de suas atitudes políticas1.
Essa não é uma idéia nova. Entre os autores clássicos da ciência social moderna é
possível identificar elementos teóricos que se baseiam na tese de que os ambientes sociais
determinam as escolhas políticas. Para Tocqueville (2002), por exemplo, o comportamento
político é tributário da inserção individual nos meios sociopolíticos, onde são construídas as
visões de mundo que definem suas preferências e expectativas. Para o autor, o convívio
recorrente com a condição de desigualdade e de dependência ao longo da vida leva ao
desenvolvimento, por parte das classes subalternas, de uma relação de obediência e respeito
com a aristocracia (TOCQUEVILLE, 2002). Da mesma forma, Marx sustenta a idéia de que
os indivíduos se encontram inseridos em circuitos sociais que estão sujeitos aos mesmos
meios de produção e aos mesmos condicionantes que os levam a compartilhar valores,
atitudes e opiniões, resultando em comportamentos políticos similares. Desse processo,
originam-se as classes como condição subjetiva, conduzindo os indivíduos a uma realidade
sociopolítica própria (ARON, 2005). Um conjunto de outros autores se afasta dessa leitura de
Marx e ressalta o papel das redes de interações sociais e da natureza probabilística intrínseca a
esse processo, circunscrevendo o comportamento individual à sociabilidade existente nos
1
Ao longo dessa dissertação, termos como preferências e atitudes serão recorrentes. Com a noção de
preferência, pretende-se remeter às avaliações comparativas que um indivíduo faz a respeito de objetos ou
questões, sendo ordenados por ele. Portanto, preferências se dão em relação a algo, do tipo “eu prefiro A a B”.
Atitudes são apreciações ou orientações gerais que implicam na atribuição de valores (positivos ou negativos,
inferiores ou superiores). Como se pode perceber, esses dois termos estão imbricados, sendo as preferências
reflexos das atitudes (DRUCKMAN & LUPIA, 2000).
7
diferentes ambientes. Para essa perspectiva, essas interações constituem o mecanismo pelo
qual atitudes e opiniões são compartilhadas, conduzindo grupos de indivíduos a certa
homogeneização de seu comportamento político (WEBER, 1991; SIMMEL, 1955).
Não surpreende, assim, que os fatores sociais estejam presentes ainda hoje no centro
de muitas teorias sobre as escolhas políticas individuais. Na Ciência Política, em especial, é o
que se pode observar entre os estudos que buscam compreender o processo de formação das
preferências eleitorais. As primeiras investigações sistemáticas nesse campo foram produzidas
a partir dessas orientações mais gerais, tendo como referência análises de natureza sociológica
que entendiam o voto como resultado da ação de forças externas coercitivas que determinam o
comportamento do eleitor (LAZARSFELD, BERELSON & GAUDET 1948; BERELSON,
LAZARSFELD & McPHEE, 1966). Nesse período, por volta das décadas de 40 e 50 do
século XX, não existia uma clara separação entre Sociologia e Ciência Política (UDEHN,
1996). Essa última encontrava-se submetida a um processo de colonização por outras áreas de
conhecimento, sofrendo fortes influências das abordagens mais empiricistas do behaviorismo
e da microssociologia (VERBA, 1962; KATZ & LAZARSFELD, 1965). Métodos e teorias
aplicados à compreensão do comportamento político se originavam dessas duas referências,
principalmente (UDEHN, 1996; KATZ & LAZARSFELD, 1965). A Escola de Columbia foi
a iniciativa mais expoente nesse campo de estudos da Ciência Política, desenvolvendo grande
parte dos conceitos e técnicas de pesquisa que embasaram as contribuições mais relevantes da
abordagem sociológica do voto.
Na verdade, o que surpreende em todo esse processo é o fato dos fatores sociais
entrarem e saírem, alternadamente, do foco de análise das principais vertentes teóricas que
têm sido produzidas e desenvolvidas nessa área. Embora o behaviorismo e a microssociologia
tenham dado corpo a uma vasta e profícua literatura sobre o voto, a ascensão da psicologia
política e da economia trouxeram novos elementos para a análise das preferências eleitorais.
De forma mais contundente, a abordagem econômica da política substituiu a sociologia como
a principal fonte externa de influência na Ciência Política no último quarto do século passado,
sendo depositada grande expectativa quanto à possibilidade da economia conferir maior
cientificidade e rigor empírico aos estudos que eram realizados (UDEHN, 1996). A
abordagem sociológica do voto teve vida curta diante da afirmação desse quadro. Após um
início promissor, o que se observou no período subsequente foi a marginalização do preceito
sociológico a favor de enquadramentos centrados no indivíduo e descolados das referências
sociais.

8
Nos últimos anos, no entanto, um novo movimento ganha fôlego. Desde os finais da
década de 80 que diversas iniciativas surgem a partir de uma releitura das contribuições
pioneiras da Escola de Columbia, sendo enfatizada particularmente a centralidade das redes
de interações sociais para a formação das preferências políticas de cada indivíduo. A principal
diferença em relação aos clássicos estudos reside no novo enquadramento dado à
intencionalidade do eleitor. Sob influências de abordagens concorrentes – principalmente da
escolha racional –, o foco desses estudos se desvia para aspectos mais individualistas do
comportamento político (CARMINES & HUCKFELDT, 1998; UDEHN, 1996). De certa
forma, a última referência de análise permanece sendo os grupos sociais e as redes de
interação, mas a ênfase dessa nova perspectiva teórica se direciona para um indivíduo dotado
de intenções que busca maximizar a utilidade do voto.
Nessa nova abordagem, indivíduos deixam de ser apenas unidades empíricas de suas
investigações e se tornam também a referência teórica de análise. Com essa mudança, perde-
se o interesse pelo debate a respeito dos mecanismos responsáveis pela influência dos grupos
sobre o comportamento individual. Há certa inversão na direção da causalidade: enquanto os
estudos clássicos buscavam entender como a estrutura social define os padrões de
comportamento, a nova abordagem se interessava pela forma como um eleitor racionalmente
orientado se insere nas estruturas do ambiente social. Consequentente, conceitos caros aos
estudos pioneiros foram alvo de um novo enquadramento e sentido, em especial as noções de
grupos e de redes de interação social. Tudo isso porque o comportamento passa a ser
concebido como estrategicamente motivado, reduzindo a importância dos grupos à noção de
redes, que, por sua vez, seria o resultado da ação intencional dos indivíduos no limite das
possibilidades estruturalmente impostas.
Essa dissertação se insere em meio a esse debate. Tem por objetivo entender como e
quando os grupos sociais são determinantes para a escolha política individual. Para tanto,
pretende reconstruir o processo de desenvolvimento da abordagem sociológica do voto e
apontar possíveis limitações existentes nos estudos que partem desse referencial teórico.
Algumas considerações a respeito dos problemas eventualmente identificados serão feitas
com o intuito de contribuir para a discussão. Ao final, posiciona-se a favor de um
enquadramento que resgata alguns elementos da vertente clássica da abordagem sociológica
como forma de retomar a discussão sobre os mecanismos que sustentam a associação entre
grupo e escolha política individual.

9
De forma complementar, um estudo de caso será realizado como forma de se observar
empiricamente as proposições teóricas. O grupo alvo dessa empreitada serão as igrejas
evangélicas brasileiras, que têm alcançado elevada projeção nos ambientes acadêmicos e
políticos por conta do expressivo número de candidatos eleitos sob a tutela dessas
organizações (BAPTISTA, 2009). Portanto, tem-se como objeto desse estudo empírico o
“voto evangélico” dos eleitores protestantes, que consiste precisamente na escolha eleitoral
motivada por estímulos políticos adquiridos no interior do grupo religioso.
Essa escolha não foi fortuita. Ao ter os evangélicos como referência, pretende-se
também problematizar a atribuição de “causas” ao voto evangélico. Embora existam muitos
trabalhos no Brasil que se dedicam à compreensão desse fenômeno, acredita-se que eles
careçam de melhor enquadramento e sustentação teórica. Toda a discussão a respeito da
abordagem sociológica do voto desenvolvida na primeira parte dessa dissertação servirá como
referência para esse contraponto entre os estudos brasileiros do voto evangélico e aqueles que
são desenvolvidos no âmbito da Ciência Política e que tem suas origens nas pesquisas
eleitorais americanas. É digno de nota que são raros os estudos no Brasil que evocam essa
literatura para explicar os fenômenos político-eleitorais, embora muitos deles pretendam
compreender o papel dos grupos sociais na formação das preferências políticas. Com a
conexão que será estabelecida, essa aproximação será realizada.
Desde já é importante mencionar que a relação entre religião e política será tratada nos
termos estritos da abordagem sociológica do voto. Em muitos estudos, a religião é trabalhada
a partir de conceitos e termos que remetem aos fundamentos teológicos e às representações
simbólicas sobre os quais se constituem as diferentes religiosidades. Para essa leitura, a
introjeção de princípios e crenças pelos seguidores de uma determinada religião moldaria sua
personalidade e visão de mundo, produzindo efeitos nas atitudes e opiniões políticas
individuais. Tais estudos exploram, assim, o que há de “religioso” no comportamento político
como resultado da interiorização de um sistema de crenças. Diferentemente, nessa
dissertação, busca-se igualar o status da religião a de outro grupo qualquer. Mesmo que os
seus objetivos sejam específicos e que os princípios que a orienta não sejam de todo
desconsideráveis, optou-se, aqui, por enfatizar aquilo que há de comum na influência dos
grupos sobre o comportamento político dos indivíduos. Se por um lado esse enquadramento
não admite maiores incursões analíticas em determinados campos, por outro permite uma
avaliação adequada do fenômeno do voto evangélico a partir de uma teoria geral da influência

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de grupos, o que, certamente, constitui um ganho analítico em termos de generalização e
consistência.
A dissertação está organizada em três capítulos, além dessa introdução e de um
capítulo conclusivo. Sua organização busca refletir o objetivo mais geral desse trabalho, que é
o de redimensionar o debate sobre o voto evangélico a partir das incursões teóricas no campo
do comportamento eleitoral.
No primeiro capítulo, são discutidas as proposições gerais da abordagem sociológica
do voto. O que se pretende com isso é destacar os principais marcos conceituais e o legado
dessa vertente para as investigações mais recentes que se debruçam sobre a importância dos
grupos para as escolhas políticas. De certa forma, serão contrapostas duas posições: de um
lado, as contribuições clássicas dos estudos pioneiros da Escola de Columbia e da psicologia
social; do outro, os trabalhos contemporâneos que se filiam a essa abordagem mais geral, mas
que enfatizam sobremaneira certos aspectos individualísticos antes ignorados. O propósito do
capítulo será o de reafirmar os estudos clássicos sem, no entanto, desprezar os avanços
proporcionados pelas abordagens mais recentes. Todas essas considerações servirão como
base teórica para o restante da dissertação, fornecendo os elementos analíticos para o estudo
empírico que será desenvolvido nos capítulos seguintes.
O capítulo 2 tem por finalidade apresentar o objeto que será o alvo de análise dessa
dissertação: o voto evangélico. Serão destacadas não só as principais características do
segmento religioso evangélico, mas será também explorada a relação entre as igrejas
protestantes, suas ações políticas e o comportamento eleitoral desses grupos no Brasil. Grande
parte da exposição estará voltada para a identificação daqueles elementos que se julga
relevantes para a definição das escolhas políticas desse público. Uma discussão específica a
respeito das limitações dos estudos brasileiros será feita ao final, fornecendo alguns
indicativos de como esses problemas podem ser contornados.
O terceiro capítulo trata de promover o encontro entre os estudos brasileiros do voto
evangélico e a abordagem sociológica delineada no capítulo inicial. É onde também o estudo
empírico que é proposto toma contornos mais claros. Todas as questões referentes à base de
dados e às variáveis que foram mobilizadas serão trabalhadas nos seus tópicos iniciais. A
maior parte do capítulo se dedica à construção de um modelo de análise do voto evangélico,
de onde serão retiradas as hipóteses do estudo proposto. Em seguida, testes estatísticos serão
realizados como forma de se observar a sustentação empírica das proposições teóricas
discutidas ao longo da dissertação.

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Por fim, na conclusão, pretende-se avaliar em que medida a discussão levantada por
esse estudo contribui para o debate a respeito do papel dos grupos sociais na formação das
preferências políticas. Os principais pontos trabalhados na dissertação serão retomados, com
uma breve discussão sobre as vantagens e desvantagens que a abordagem sociológica do voto
traz para a análise da escolha eleitoral.

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CAPÍTULO 1

GRUPOS SOCIAIS E A CONSTRUÇÃO DE PREFERÊNCIAS


POLÍTICAS

“os grupos e não os indivíduos são os protagonistas da


vida política numa sociedade democrática” (Bobbio,
1986:23)

INTRODUÇÃO

Com esse capítulo, pretende-se retomar a abordagem sociológica do voto, da sua


constituição às contribuições mais recentes. Buscar-se-á destacar os principais legados dessa
perspectiva para a análise da influência dos determinantes sociais sobre as escolhas políticas.
O seu objetivo é discutir os principais marcos conceituais e os desdobramentos empíricos e
teóricos que se deram a partir dos trabalhos pioneiros. Com isso, pretende-se organizar as
bases analíticas que norteiam a discussão sobre a influência dos contextos sociais na decisão
eleitoral. A identificação de eventuais problemas ou lacunas será alvo de problematização.
Todas essas considerações serão importantes para o delineamento do estudo empírico que será
proposto na segunda parte dessa dissertação, e que será objeto de maiores esclarecimentos nos
dois próximos capítulos.

1.1. AS ORIGENS DO CAMPO: O ENCONTRO ENTRE OS ESTUDOS DE


COMUNICAÇÃO E OS DE GRUPOS SOCIAIS

A complexa trajetória que levou ao surgimento da abordagem sociológica do voto teve


suas origens nos estudos dos meios de comunicação e nos trabalhos sobre grupos conduzidos
pelos psicólogos sociais. Desde o início do século XX que esses dois campos se consolidavam
como corpos de conhecimento concisos e empiricamente orientados. Em meio às tendências
vigentes no período, emergiam teorias e técnicas de pesquisa que buscavam superar as
limitações impostas pelas fronteiras disciplinares. Tanto as investigações sobre os efeitos dos
meios de comunicação (mass communication research) quanto as pesquisas de pequenos

13
grupos (small groups research) estavam submetidas a esse processo2. A aproximação entre os
dois campos, concretizada nas investigações sobre o impacto das campanhas eleitorais,
resultou na emergência dos primeiros estudos do comportamento dos eleitores, tendo os
trabalhos de Paul Lazarsfeld e seus colegas de Columbia como os pioneiros no campo.
O ponto de partida se deu com os estudos que eram desenvolvidos com o objetivo de
identificar os efeitos proporcionados pelos meios de comunicação, num período em que se
propugnava a idéia de que os media, de modo geral, constituíam um fator de grande impacto
nas opiniões e atitudes dos indivíduos. A afirmação dessa idéia ganhava respaldo em certas
escolas ou teorias sociológicas clássicas que destacavam a desagregação social como
resultado inevitável da expansão da sociedade industrial urbana, criando lacunas a serem
ocupadas por novas formas de controle social. Nascia dessas proposições uma visão da
comunicação como fator de integração, supondo que a mídia atuaria na conformação das
opiniões e atitudes individuais conforme o esquema da “agulha hipodérmica”, termo forjado
por Harold Lasswell para se referir ao impacto atomizado, direto e indiferenciado produzido
pelos meios de comunicação. Era esse o tipo de sociedade que as pesquisas sobre o tema
tinham em mente quando se constituía esse campo de estudo (cf. MATTELART, 1999;
KATZ & LAZARSFELD, 1965).
No auge desse período, por volta da década de 40, muitos veículos de comunicação
buscavam identificar a extensão do alcance de sua cobertura e de seus efeitos. Em especial,
interesse maior esteve voltado para o estudo dos possíveis impactos das campanhas políticas
que eram realizadas pelos media. Repetidas vezes, os resultados apontavam que informações
políticas de jornais, revistas, rádios e de outros meios eram mais consumidas por pessoas que
asseguravam posições de destaque em segmentos da população. Existiam, assim, certos
indivíduos com maior exposição e interesse nas informações políticas emitidas pelos meios de
comunicação, e uma maioria desinteressada e menos exposta. Diante do desafio de aprofundar
os entendimentos a respeito dessa evidência, diversos pesquisas foram desenvolvidas com o
objetivo de trazer novos esclarecimentos a esse respeito.
Em meio a esse processo, Lazarsfeld e outros pesquisadores daquela que veio a ser
conhecida como Escola de Columbia desenvolveram novas técnicas de investigação com o
intuito de conferir maior rigor à aplicação de métodos empíricos a questões sociais. Dentre
outras coisas, propuseram desenhos de pesquisa experimentais que permitiam examinar o

Para uma revisão da constituição da abordagem sociológica do voto, conferir, dentre outros: VERBA
2

1962; KATZ & LAZARSFELD 1965; MATTELART & MATTELART 1999.


14
voto como constructo, ao invés de tratá-lo apenas como um evento singular. Para tanto,
circunscreveram suas investigações em amostras de comunidades delimitadas, tornando
possível identificar os efeitos concretos das campanhas conforme as variações na sujeição dos
eleitores aos veículos de comunicação política3.
Os projetos metodológicos de Lazarsfeld incluíam a realização de estudos de painéis,
coletando dados através de pesquisas aplicadas repetidas vezes nas mesmas pessoas, que eram
entrevistadas seguidas vezes e em momentos distintos como forma de captar a constituição de
suas preferências políticas. Além desse aspecto temporal, as iniciativas dos pesquisadores de
Columbia também manifestavam o desejo de formalização estatística de suas observações.
Todas essas inovações, sobretudo as técnicas metodológicas empregadas, foram algo inovador
e revolucionário nas ciências sociais (BABBIE, 2005, p.80)
Duas orientações mais gerais emergiram dessas iniciativas. Primeiro, buscou-se
identificar a posição relativa dos diferentes membros de um grupo ou comunidade através dos
tipos de relações existentes entre eles. Foi levantado o nível de exposição de cada indivíduo
aos meios de comunicação e perguntado quem são as pessoas com quem mantinham
conversas políticas com maior frequência. Ao observarem níveis diferenciados de exposição e
de interesse, identificaram quais indivíduos são mais influentes no seu ambiente social
imediato. Essa técnica, amplamente utilizada desde então, é originada do campo da
sociometria, constituindo uma manifestação patente da abertura das pesquisas de
comunicação para a importância das relações interpessoais4.
Em segundo lugar, como resultado dessas investigações, focou-se a análise sobre as
“lideranças moleculares” mais recorrentemente acionadas nas conversas políticas cotidianas,
de onde se constatou que os efeitos dos meios de comunicação são pequenos se comparados
com aqueles proporcionados pelas influências dos contatos interpessoais5. As opiniões dos

3
De acordo com Katz e Lazarsfeld (1964), os primeiros estudos experimentais desse período eram conduzidos
na direção dos trabalhos de Robert Merton e de outros autores que buscavam aproximar as pesquisas do
campo da comunicação daquelas das relações interpessoais. Katz e Lazarsfeld citaram duas referências:
Merton, R. “Patterns of Influence: A Study of Interpersonal Influence and of Communication Behavior in a local
Community”, in Lazarsfeld and Stanton, eds., Communications Research 1948-49 (New Yoork: Harper and
Brothers, 1949); Stewart, F. “A Sociometric Studey of Influence in South-town”. Sociometry, Vol.10, pp. 11-31,
273-286. 1947.
4
Um dos trabalhos de maior relevância e que reúne grande parte das inovações metodológicas e teóricas foi
“The People’s Choice” (1948), de Lazarsfeld, Berelson e Gaudet. Esclarecimentos a respeito dessa obra serão
feitos mais adiante, ainda nessa sessão.
5
Todos os principais estudos da Escola de Columbia destacaram que os efeitos dos meios de comunicação
eram pequenos se comparados com aqueles proporcionados pelas influências dos contatos interpessoais. “The
People’s Choice” (1948), de Lazasfeldt, Berelson e Gaudet, e “Personal Influence” (1965), de Katz e Lazarsfeld,
são as obras mais relevantes onde a análise das lideranças moleculares é alvo de maior atenção, em especial a
última.
15
indivíduos a respeito de questões políticas são formadas não pelos impactos diretos dos
media, mas através da intermediação desses líderes moleculares, que forneciam dicas e
sugestões para outros indivíduos com quem interagem no curso da vida diária, sendo os
principais responsáveis pela cristalização de suas posições políticas.
A obra de maior importância e que resume grande parte desses achados foi The
People’s Choice, de Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, publicada originalmente em 1944,
tomando como referência empírica as eleições presidenciais americanas de 1940. Ela
colocaria em cheque o princípio lasswelliano dos efeitos máximos dos meios de comunicação,
apresentando contrapontos às idéias vigentes que remetiam a termos como “sociedade de
massas” ou “efeitos massificadores” dos media. Nesse estudo, os autores demonstram existir
um elemento intermediário entre o ponto inicial e o ponto final no processo de comunicação.
Além disso, na contramão do que muitos afirmavam àquele tempo, os formadores de opinião
que atuavam como intermediadores nesse processo não eram, necessariamente, representantes
da elite econômica dos mais altos estratos sociais. Prevaleciam, na verdade, lideranças
horizontalmente distribuídas na população, que atuavam nos seus ambientes sociais mais
imediatos. Cada estrato social ou grupo produzia o seu próprio líder.
Nascia de todas essas constatações o que veio a ser denominado com two-step flow,
que consiste na idéia de que o setor da população politicamente informado – os líderes
moleculares – é aquele que se expõe de modo sistemático aos meios de comunicação e atua
no sentido de ativar, reforçar ou converter opiniões de outros indivíduos com quem mantém
contato. Essa constatação contradiz as expectativas de que os indivíduos obtinham
informações diretamente dos jornais, revistas e canais de rádio, de onde se sustentava a idéia
dos efeitos máximos dos media. Os resultados encontrados vieram a demonstrar que não é
bem isso que ocorre geralmente, pois grande parte das pessoas forma sua opinião por meio do
contato com os líderes de seus grupos, mitigando o impacto dos veículos de comunicação.
Haveria, portanto, duas etapas no processo de difusão de informação: dos media para os
formadores de opinião, e desses para os setores menos ativos da população.
Esclarecido esse ponto, restava ainda compreender melhor o processo de contágio
social que fora observado nessas pesquisas. Para tanto, não bastava direcionar a análise
apenas para a difusão de informação política pelos meios de comunicação e os caminhos
percorridos para se atingir o público como um todo. Tornou-se evidente, pelas próprias
constatações de The People’s Choice, que a influência dos media também era determinada

16
pelos ambientes sociais em que os indivíduos se encontram imersos. O fato de um eleitor
melhor informado influenciar um outro não depende apenas da relação direta estabelecida
entre os dois, mas também da dinâmica do grupo do qual ambos faziam parte. A essa altura,
as pesquisas de comunicação política convergem para o encontro com os estudos de grupos
(small-groups research), provindos do behaviorismo e da microssociologia americana.
Essa aproximação veio preencher um espaço existente nos dois campos. Ao mesmo
tempo em que os macro-estudos de comunicação começavam a se voltar para os efeitos micro
do processo de difusão de informação política, a crescente literatura de small-groups dirigia
sua atenção para os efeitos mais amplos proporcionados pelos media. Como um complemento
necessário, nos dois casos se observava uma tentativa de promover a integração sistemática
das abordagens. Dois pressupostos principais contribuíram de forma decisiva para esse
processo, ambos remetendo aos princípios que orientam a lógica de comunicação que é
observada no interior de unidades sociais delimitadas. Primeiramente, reconhece-se que
opiniões e atitudes pessoais são geradas e reforçadas nos grupos íntimos nos quais se encontra
inserido cada indivíduo, onde valores, normas e informações são compartilhadas, criando
certa estabilidade de posições. Nos ambientes sociais da família, do trabalho, da religião,
dentre outros, são estabelecidas redes de comunicação pessoal por onde o fluxo de influência
percorre caminhos padronizados e, com isso, torna-se mais provável que a afirmação ou a
mudança de atitudes se dê de forma conjunta, por todo o grupo, e não por indivíduos
isoladamente. Em segundo lugar, é admitida a tese de que os líderes de opinião desempenham
papel estratégico ao mediar as influências externas que agem sobre os indivíduos. Essas
lideranças são as referências que estabelecem o elo entre o grupo e os determinantes externos
na dinâmica do fluxo de comunicação.
Portanto, em todo esse processo, é considerada a lógica interna das comunicações e
interações sociais dos grupos para o entendimento da influência de fatores externos que agem
sobre unidades sociais delimitadas. Isto é, condições internas de funcionamento que filtram os
efeitos dos determinantes externos de influência, como aqueles proporcionados pelos meios
de comunicação de massa. Como resultado, tem-se uma nova perspectiva de análise
sociológica que busca compreender o comportamento político do indivíduo a partir da sua
inserção nos grupos e por meio dos estímulos externos que lhe são transmitidos. Originam-se
desses estudos iniciais conduzidos por Lazarsfeld e seus colegas de Columbia as
investigações mais sofisticadas no campo do comportamento eleitoral que partem desse
referencial teórico.

17
1.2. A ESCOLA DE COLUMBIA E A LÓGICA SOCIAL DA POLÍTICA

Como demonstrado, a constituição do campo de estudos do comportamento eleitoral,


ao longo das décadas de 40 e 50, deu-se a partir das contribuições da Escola de Columbia,
cujos principais representantes – Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson, Hazel Gaudet, Elihu
Katz e William McPhee – estabeleceram os princípios fundamentais daquilo que Alan
Zuckerman (2005) denomina como a lógica social da política: a formação de preferências
políticas está condicionada ao pertencimento a grupos sociais e às relações interpessoais que
caracterizam a vida cotidiana. Esse pressuposto foi sistematizado, gradualmente, nas três
principais obras dessa Escola – The People’s Choice, Voting e Personal Influence,
originalmente publicadas nos anos de 1944, 1954 e 1955, respectivamente6. Em todas elas, a
formação de preferências através desses condicionantes sociais é o processo mais elementar
da análise proposta.

“[...] people who live together under similar external conditions are likely to
develop similar needs and interests. They tend to see the world through the
same colored glasses; they tend to apply to common experiences common
interpretations. They will approve of a political candidate who has achieved
success in their own walk of life; they will approve of programs which are
couched in terms taken from their own occupations and adapted to the moral
standards of the groups in which they have a common ‘belonging’”
(LAZARSFELD, BERELSON, & GAUDET, 1948, p. 148).

The People’s Choice foi a obra precursora e de maior impacto. Tornou-se a principal
referência e foi alvo de grande parte das críticas que pesaram sobre a perspectiva sociológica
do voto. Apesar de sua centralidade em todo o conjunto, não é o estudo teoricamente mais
desenvolvido da Escola de Columbia. O caráter experimental e a inexistência de um corpo
teórico elaborado tornavam as interpretações de The People’s Choice sujeitas a certas
limitações. De qualquer forma, essa é uma obra merecedora de grande atenção por parte
daquele que se propõe a compreender os fundamentos dessa vertente teórica, dada a sua
importância para a configuração do campo de estudos eleitorais. O seu objetivo foi observar
os efeitos da campanha presidencial de 1940 sobre os eleitores em uma pequena cidade

6
Esses três estudos não esgotam a relação de todos os trabalhos sobre comunicação de massa,
comportamento político e influências interpessoais desenvolvidos pela Escola de Columbia. Entre os diversos
que ainda poderiam ser citados, destacam-se o famoso estudo de Merton “Patterns of influence: Local and
Cosmopolitan Influentials”, e um conjunto de outras importantes investigações conduzidas por McPhee (1963),
McPhee & Glaser (1963) e Burdick & Brodbeck (1959).
18
americana, Erie County (Ohio). Para a construção do estudo, seus autores – Lazarsfeld,
Berelson, e Gaudet – partiram da premissa de que esses efeitos se davam em curto prazo e
tinham grande impacto na decisão eleitoral. Por conta disso, se fazia necessário compreender
as escolhas políticas individuais ao longo do ciclo de exposição dos eleitores aos estímulos da
campanha – do acesso a informação política à decisão propriamente dita7.
No entanto, ao invés dos resultados esperados, constatou-se que poucos eleitores
mudaram sua intenção de voto durante o período observado, o que significava afirmar que os
estímulos de curto prazo produzidos pelos media tinham efeitos insignificantes na
determinação da escolha do eleitor. Essas evidências, somadas à observação de certas
regularidades no comportamento de grupos de eleitores, levaram os autores a apostarem na
tese de que as predisposições dos indivíduos já os qualificavam a certas atitudes e
determinavam previamente a direção de suas escolhas. Ou seja, antes mesmo das modernas
campanhas políticas iniciarem, as preferências partidárias já estavam definidas, sendo
prescritas não pelo processo de “estímulo-resposta” sustentado pela tese dos efeitos máximos
dos meios de comunicação, mas pela inserção dos indivíduos em grupos onde são
desenvolvidas suas predisposições.
Para chegar a essas conclusões mais gerais, o estudo esteve voltado para a análise de
dois conjuntos principais de eleitores: de um lado, a maioria dos entrevistados, que manteve
suas preferências políticas estáveis ao manifestar intenção de voto ao mesmo partido durante
o período em que foi realizada a pesquisa; e, de outro, aqueles que mudaram suas preferências
no desenrolar do processo eleitoral. Essas preferências foram contrastadas com suas posições
socioeconômicas objetivas, conforme o índice de predisposição política elaborado pelos
autores, que era composto pelas três variáveis sociais mais salientes na sociedade americana
daquele tempo: religião, status socioeconômico e local de residência (rural ou urbano)
(LAZARSFELDT et.all. 1948, p.ix). Esse índice permitiu classificar o background social dos
indivíduos e a sua propensão a votar no partido Democrata ou Republicano, distinguindo
aqueles que votam em harmonia com seu background e aqueles casos desviantes aos grupos a
que pertencem8.

7
Lazarsfeld e seus colegas de Columbia inseriram a pesquisa de painel como método nas Ciências Sociais.
Nesse tipo de pesquisa, é coletada a opinião da mesma amostra da população em diferentes períodos de
tempo. O objetivo principal é acompanhar o processo de formação de atitudes e opiniões, observando também
sua estabilidade e eventuais mudanças.
8
Os autores demonstraram que eleitores protestantes, economicamente mais abastados e residentes nas
áreas rurais tendiam a declarar sua opção partidária ao Partido Republicano. Por outro lado, eleitores católicos,
moradores de áreas urbanas e provenientes das camadas mais pobres da população eram mais propensos a
votar no Partido Democrata.
19
As oscilações do voto são enquadradas pelos autores na noção de turnover, tido como
elemento básico para a análise das mudanças de opinião (LAZARSFELD et.alli., 1948, p. xi).
Esse termo remete às transformações que se dão nas intenções, expectativas e
comportamentos políticos dos indivíduos, e está relacionado à presença de pressões-cruzadas
(“cross-pressures”) atuando sobre os eleitores. Isso se dá porque, em sociedades complexas,
os indivíduos pertencem a uma grande variedade de grupos, sendo coagidos, em menor ou
maior grau, por cada um deles. Eleitores sujeitos a pressões de opiniões divergentes a respeito
de candidatos, issues ou partidos políticos – isto é, opiniões ou visões políticas apoiando
simultaneamente lados diferentes – são mais propensos a demonstrar preferências eleitorais
instáveis, podendo se desviar de suas inclinações socialmente determinadas (LAZARSFELD,
et alli., 1948; BERELSON, et.alli.,1966, p.19).
Colocada nesses termos, portanto, para esses e outros sociólogos influenciados pelos
estudos da psicologia social da primeira metade do século XX, a vida social é compatível com
a existência de relações dissonantes e desajustadas. Haveria, no entanto, uma tendência à
mitigação desses desvios, resultando na promoção de certa uniformidade no interior dos
grupos. Não haveria espaço, assim, para que as campanhas políticas atingissem grande parte
do eleitorado que já apresentava atitudes definidas que orientavam a sua escolha política.
Restava a elas um outro papel: o de ativar ou reforçar predisposições existentes. Os eleitores
que já tinham clareza quanto a escolha partidária antes do início do processo eleitoral
reforçavam suas posições prévias diante a exposição às informações políticas emitidas pelas
campanhas; os demais eleitores, sem preferências definidas ou indecisos quanto a escolha
partidária, ao serem submetidos aos estímulos políticos, tendiam a ativar predisposições
latentes e a votar, ao final, de acordo com o seu grupo. Os efeitos de campanha atuariam de
forma mais incisiva somente sobre esses eleitores indecisos, despertando inclinações ocultas
que, uma vez reveladas, leva os indivíduos a se conformarem com os seus grupos de
pertencimento.
Reforçando todas essas constatações, mas direcionando de forma mais contundente a
análise para o processo de formação das preferências eleitorais, Voting: a Study of Opinion
Formation in a Presidencial Campaign é resultado de uma nova investigação dos
pesquisadores de Columbia, cujo propósito foi a replicação, a sistematização e a
generalização dos achados acumulados por estudos similares (BERELSON et.alli., 1966, p.
ix). Diferentemente de The People’s Choice, que esteve concentrado nos impactos dos meios
de comunicação, Voting voltou sua análise para organizações ou instituições que estiveram

20
envolvidas, direta ou indiretamente, com a campanha presidencial de 1948, circunscrevendo
os efeitos políticos imediatos da inserção dos eleitores nesses grupos9. Além de corroborar
com os resultados anteriores, essa nova investida da Escola de Columbia avança no sentido de
apresentar, mesmo que de forma ainda pouco elaborada, o modo como os diferentes grupos
estimulam determinados comportamentos.
Curiosamente, o maior ganho proporcionado por essa obra não está nos resultados
propriamente ditos, mas na problematização do sentido dos achados dessas pesquisas para a
democracia e para a teoria democrática que se produzia.

“Perhaps the main impact of realistic research on contemporary politics has


been to temper some of the requirements set by our traditional normative
theory for the typical citizen. ‘Out of all this literature of political
observation and analysis, which is relatively new’, says Max Beloff, ‘there
has come to exist considerably from that familiar to us from the classical
texts of democratic politics’. Experienced observers have long known, of
course, that the individual voter not all that the theory of democracy requires
of him” (BERELSON et.alli. 1966, p.306-7).

Com Voting, a Escola de Columbia reitera estudos que já vinham sendo realizados ao
desmistificar, empiricamente, a idéia de que os eleitores comuns – ou eleitores médios –
possuem extenso conhecimento a respeito de assuntos de natureza política10. Tal como em
The People’s Choice, em Voting é sistematicamente observada a existência de um contingente
predominante de cidadãos desengajados, desinteressados e pouco informados politicamente.
Não era esse o quadro esperado pela teoria democrática clássica vigente até então11.
Diante dessas evidências que contradiziam as expectativas, cabia explorar a
relevância, as implicações e os significados desses novos fatos empíricos. A leitura da Escola
de Columbia aponta para certo paradoxo. Berelson et.alli. (1966) ressaltam que apesar da
constatação da predominância de uma maioria de eleitores desprovidos dos requisitos
desejáveis para o exercício do papel de eleitor politicamente consciente e interessado, os
regimes democráticos têm funcionado relativamente bem e as posições políticas individuais
refletem, mesmo que de forma indireta, as predisposições e clivagens que sustentam a
democracia. A necessidade de conformação com o grupo de pertencimento e o papel

9
Um conjunto de referências sociais foi trabalhado pelos autores. Em especial, destacaram os efeitos do
pertencimento a sindicatos, partidos políticos, grupos primários como a família, e outras organizações formais.
10
Dentre vários estudos a respeito dessa questão que esteve no âmago das preocupações da Ciência Política da
primeira metade do século XX, destaca-se o clássico de Joseph Schumpeter “Capitalismo, Socialismo e
Democracia”, publicado originalmente em 1942.
11
Em “Voting”, seus autores reconheceram que a teoria política majoritária, vigente até meados do século XX,
era pensada com fins de influenciar o comportamento político real, valorizando o seu papel ideológico. Não
era, assim, uma teoria assentada na observação de evidências concretas (BERELSON et.alli. 1966, p.305-6).
21
desempenhado pelos líderes de opinião, simplificando o processo de tomada de decisão do
eleitor comum, são duas das possibilidades expostas por essa perspectiva para se contornar os
desafios que são colocados ao exercício democrático. São, portanto, formas de se superar as
deficiências observadas.
Os próprios fundamentos da perspectiva analítica de Columbia levam a essa
redefinição (ou dissolução) do sentido normativo do voto sem perdas para o julgamento da
qualidade da democracia: embora seja constatada a não correspondência entre o típico eleitor
médio empiricamente identificado e o tipo ideal forjado pela teoria clássica, observa-se que o
resultado final do processo democrático é minimamente satisfatório. A inserção individual
nos grupos sociais seria determinante para que as posições políticas do segmento
desinformado e politicamente desinteressado do eleitorado sejam próximas daquelas
apresentadas pelos eleitores mais comprometidos.
Todas essas considerações a respeito o eleitor médio e de seu comportamento eleitoral
foi fundamental para a constituição desse campo como área de conhecimento no interior da
Ciência Política. Faltava, no entanto, maiores aprofundamentos teóricos que viessem apontar
os mecanismos responsáveis por esse processo de conformação atitudinal e formação de
preferências. Foi o que buscou fazer, de certa forma, Katz e Lazarsfeld com Personal
Influence: the Part Played by People in the Flow of Mass Communications (1965). Com esse
estudo, os autores apresentaram os resultados empíricos de uma pesquisa conduzida por eles a
respeito do lugar dos indivíduos e dos grupos sociais no fluxo de comunicação dos media.
Trata-se, na verdade, de uma extensão de The People’s Choice, que trouxe claras evidências
do papel das relações interpessoais na difusão dos meios de comunicação de massa
Com Personal Influence, Katz e Lazarsfeld procuraram dar contornos teóricos mais
bem definidos às descobertas iniciais da Escola de Columbia. Em especial, buscaram
compreender os fundamentos e a extensão da proposição já afirmada pelos estudos pioneiros:
“‘peoples as intervening factors between the stimuli of the media and resultant opinions,
decisions and actions” (KATZ & LAZARSFELD, 1965, p.33). Com isso, investia-se não só
na validação da importância desse novo fator (as relações interpessoais), mas também em uma
nova concepção teórica para o campo, que é marcada pela redescoberta dos grupos primários:
enquanto estudos sociológicos apontavam para a importância dos grupos informais,
psicólogos sociais dedicavam-se a investigar mecanismos microssociológicos de influência
interpessoal, voltando suas análises para a pesquisa dos pequenos grupos da vida cotidiana.
Nesse momento, diversas áreas de conhecimento começam a explorar a importância das

22
relações interpessoais informais do dia-a-dia para a formação e mudanças de atitudes e
opiniões. Katz e Lazarsfeld buscaram mostrar, com base nessa literatura, porque razões os
indivíduos compartilham opiniões e atitudes comuns com outras pessoas de seu ambiente
social.

“[...] we might say that while sociologists were finding that the effects of the
institutional order of mass society are mediated by interpersonal ties,
psychologists were finding that everyday psychological processes, such as
perception and judgment, and everyday behavior, such as an individual’s
performance on a test, are markedly influenced by interpersonal relations.
Out of this combination of interests grew small group research” (KATZ &
LAZARSFELD, 1965, p.45-6).

Mas diferentemente de Voting e The People’s Choice, que voltaram suas análises para
a formação de preferências políticas e para as escolhas eleitorais propriamente ditas, em
Personal Influence o foco dos autores esteve direcionado para quatro diferentes arenas, que
constituíram a referência empírica do estudo: marketing, moda, cinema e assuntos públicos.
Em cada uma dessas dimensões, Katz e Lazarsfeld buscaram identificar os processos pelos
quais indivíduos em relações primárias comunicam entre si, levando-os a compartilhar
preferências similares. Com isso, os autores pretenderam elaborar um modelo que tornasse
possível a análise de toda e qualquer preferência, seja ela política ou não, um quadro teórico
que parte do reconhecimento de que os contatos interpessoais são os principais responsáveis
pela conformação de atitudes e opiniões de cada indivíduo, nas mais variadas arenas da vida
cotidiana.
Essas três obras principais da Escola de Columbia trabalhadas acima trouxeram, em
menor ou maior grau, alguns novos elementos para a compreensão do processo de formação
de preferências eleitorais, falseando, por um lado, a imagem do indivíduo absolutamente
autônomo e racional propugnado pela teoria democrática clássica e, por outro, a de um
indivíduo passivo que é vítima das investidas dos meios de comunicação de massa. Em
termos substanciais, os contrapontos fornecidos pela Escola de Columbia a essas duas leituras
predominantes até então foram fundamentais para as novas tendências que se constituíam no
interior da Ciência Política. E em um sentido mais pontual, as descobertas da Escola de
Columbia também foram importantes para a consolidação de métodos e conceitos centrais
para a abordagem sociológica do voto. Em especial, as contribuições de Lazarsfeld e seus
colegas de Columbia permitiram identificar as causas dos eleitores flutuantes, a tendência à
homogeneidade política dos grupos e, finalmente, a centralidade da influência interpessoal
como variável politicamente relevante para a compreensão da escolha dos eleitores. Todos
23
esses avanços foram marcados pela abertura da Ciência Política à influência de outras
disciplinas.

1.2.1. Determinismo social: os limites da crítica.


Essas interseções disciplinares, particularmente com a psicologia social, foram
importantes fontes para os estudos Columbia e demarcaram um momento de inflexão na
Ciência Política. Dominada até então por abordagens fortemente institucionalistas, a
disciplina passa a se configurar, em meio à sua colonização por outras áreas, como um campo
de conhecimento científico, tal como é conhecida hoje. Os estudos de Columbia foram
pioneiros nesse movimento, pois abriram as portas da Ciência Política para a formação da
primeira geração de estudos sobre o comportamento político dos indivíduos, embora seu
marco teórico se mantivesse, também, sob o viés institucionalista da primeira metade do
século XX.
Tais inovações implicaram uma profunda transformação da disciplina, dando origem
ao que veio a ser conhecido como revolução comportamentalista. Trata-se de um movimento
que se opunha fortemente à abordagem dominante dos fenômenos políticos vigente até
meados da década de 40 e que estava centrada em análises especulativas e formalistas, voltada
para o estudo de costumes e leis. Dois pontos fundamentais traçaram os rumos da Ciência
Política a partir das inovações trazidas por essa ruptura de paradigmas: primeiro, elaborou-se
uma crítica à análise especulativa de então, propondo, em seu lugar, a adoção de uma
orientação rigorosa em termos empíricos e conceituais; e, segundo, promoveu-se uma
absorção teórica e metodológica de outros campos de conhecimento, particularmente da
sociologia e da psicologia social (PERES, 2008).12
A produção subsequente a Personal Influence aprofundou o processo de incorporação
da psicologia social e, em seguida, da tradição da economia política (ZUCKERMAN 2005;
PERES 2008). Paralelamente, observou-se uma progressiva perda de proeminência da
sociologia nos estudos eleitorais a favor das abordagens da Psicologia Política e da Escolha
Racional. Vários fatores explicam essa mudança de direção. O maior deles teria ocorrido

12
Num primeiro momento, entre as décadas de 40 e 60, a revolução comportamentalista absorveu maiores
influências da Psicologia, Sociologia e Antropologia. Somente a partir de então, sobretudo após a publicação de
Uma Teoria Econômica a Democracia, de Anthony Dows (publicado em 1958), que a Economia entra, de fato,
para o universo dos estudos de comportamento eleitoral (PERES, 2008).
24
devido a uma crítica de natureza teórica que imputava um suposto determinismo social no
modelo de Columbia (ZUCKERMAN 2005; CARMINES & HUCKFELDT, 1998) 13.
Key & Munger (1959) esboçam uma das mais citadas e impactantes críticas a esse
modelo, procurando afirmar a peculiaridade da política diante o “determinismo” da
perspectiva sociológica (ZUCKERMAN, 2005; CARMINES & HUCKFELDT, 1998).
Mesmo que reconheçam grande parte dos avanços propiciados por Lazarsfeld e seus colegas,
não rompendo radicalmente com os seus preceitos, em Social Determinism and Electoral
Decision: the Case of Indiana os autores se dedicam a apontar os excessos de The People’s
Choice, sobretudo no que se refere à ênfase na conformidade e homogeneidade do
comportamento individual:

“The style set in the Erie County study of voting, The People’s Choice,
threatens to take the politics out of the study of electoral behavior. The
theoretical heart of The People’s Choice rests in the contention that ‘social
characteristics determine political preference’ […] The focus of analysis
under the doctrine of social determinism comes to rest broadly on the
capacity of the ‘nonpolitical group’ to induce conformity to its political
standards by the individual voter.
At bottom the tendency of the theory of group or social determinism is to
equate the people’s choice with individual choice. Perhaps the collective
electoral decision, the people’s choice, is merely the sum of individual
choice […] As such it does not invariably throw much light on the broad
nature of electoral decision in the sense of decisions by the electorate as a
whole” (KEY & MUNGER, 1959, p. 281-2)

Para esses autores, o comportamento político individual possui certa independência


em relação a fatores externos. Tomando como exemplo a lealdade partidária dos eleitores de
diversos condados de Indiana, Estados Unidos, ao longo de uma série histórica, Key e
Munger procuraram demonstrar que não existe uma correspondência única entre preferência
partidária e características sociais. Os resultados encontrados apontam para variações nos
efeitos de um mesmo determinante entre diferentes condados e eleições14. Isso se deu como
resultado da influência de realidades políticas vivenciadas por cada condado e em cada
momento eleitoral, o que moldaria os processos como um todo. Ou seja, os condicionantes

13
Teorias deterministas, tal como define Johnson (1997, p.71), são aquelas que explicam algo a partir de alguns
fatores estreitamente definidos, excluindo todos os demais, de tal forma que supõe que X causa Y de modo
previsível e irreversível. O determinismo social, particularmente, atribui a causa de algo exclusivamente a fatores
sociais. Nessas condições, os indivíduos têm pouco controle ou arbítrio diante os determinantes sociais.
14
Os condicionantes sociais utilizados pelos autores para ‘testar’ a validade externa dos argumentos de
Lazarsfeld et.ali. foram filiação religiosa, nacionalidade, localização rural/urbano. Essas variáveis foram
relacionadas aos indicadores oficiais de voto dado aos partidos Democrata e Republicano.
25
sociais sobre o comportamento do eleitor não operam em um completo vácuo político,
podendo existir outras variáveis mais importantes na definição da direção do voto partidário15.
De modo mais incisivo, no clássico estudo sobre a hostilidade racial no sul dos
Estados Unidos, Key (1949) busca estabelecer o caráter idiossincrático da política diante os
fatores sociais. O autor trata de demonstrar que o conflito racial entre brancos e negros nas
cidades do sul é resultante de aspectos tipicamente políticos, produto de interesses e escolhas
individuais. O grau de hostilidade racial variaria em função da concentração de negros nessas
cidades, sendo definido localmente e conforme situações específicas. Onde prevalecesse uma
população com maioria negra, os brancos tendiam a adotar uma estratégia mais participativa
na política em defesa de seus próprios interesses (daí a manutenção do controle pela minoria
branca no black belt). Na análise do autor, o auto-interesse político é o mecanismo explicativo
da hostilidade racial. Essa seria uma forma estratégica e racional de orientação do eleitor
diante as circunstâncias dadas, o que escaparia, de acordo com Key, ao arcabouço analítico
que se restrinja unicamente ao background social dos indivíduos e a seu pertencimento a
grupos.
Análises dessa natureza tiveram grande impacto nos estudos do campo do
comportamento eleitoral, sendo bem recebidas pelas vertentes da psicologia política e escolha
racional em desenvolvimento. Qual seria, no entanto, a proficuidade dessa crítica? A Escola
de Columbia eliminou a intencionalidade do indivíduo de modo a tratar todo comportamento
político individual como expressão invariável do grupo? Para responder essas questões, torna-
se necessário retomar dois conceitos chave de The People’s Choice, trazendo alguns
esclarecimentos a respeito desse problema.
Dado o seu caráter experimental e a ausência de um corpo teórico consolidado, essa
obra pioneira apresenta algumas dubiedades na sua construção analítica. Por um lado, o
conceito de predisposição remete ao caráter estático e previsível das atitudes políticas dos
indivíduos. Por meio desse artifício sociológico, Lazarsfeld et.al (1948) buscaram tornar
identificável certas regularidades no comportamento político dos eleitores. Por outro lado, o
conceito de pressões-cruzadas se refere à existência de orientações atitudinais diferenciadas
no interior de um mesmo grupo ou entre os diferentes grupos aos quais pertencem os
eleitores, atuando sobre eles no processo de escolha política. Diante de informações que
apontam para direções divergentes, dada suas experiências sociais múltiplas, abre-se a

15
“Social characteristics do not operate in a political vacuum. It is quite as meaningful, perhaps more, to assert
that changes in the structure of political alternatives govern electoral choice as it is to say that social
characteristics determine political preference” (KEY & MUNGER, 1959, p.291).
26
possibilidade de mudança de atitudes como forma de resolução do impasse vivido pelo
indivíduo.
Tendo em vista esses conceitos, dois comentários podem ser colocados a respeito da
atribuição de determinismo social a Columbia, tal como consta em Key e Munger (1959) e
Key (1949). Ambos estão relacionados ao fato dessas críticas estarem focadas sobremaneira
nas predisposições sociais dos eleitores. O primeiro ponto se refere ao fato do estudo de
Lazarsfeld et.ali. ter sido feito durante as eleições presidenciais de 1940 em um pequeno
município, Erie County, Ohio, com suas fronteiras geográficas e redes de interações pessoais
delimitadas. A mera transposição das conclusões dos autores a respeito do comportamento das
variáveis do índice de predisposição política para unidades maiores e tempos diferentes
poderia tornar inválidas quaisquer comparações que busquem resultados idênticos. Com o
arranjo analítico proposto por Lazarsfeld et.ali. não se pretendia fazer inferências quanto aos
efeitos desse índice que fossem transpostas, ipsis litteris, para outras cidades ou para o
universo dos eleitores americanos.
O segundo ponto, e o mais importante, remete ao fato dessas críticas se basearem
unicamente no background social dos indivíduos, ignorando a centralidade, para o conjunto
teórico da obra, das pressões-cruzadas e do controle intencional exercido pelos indivíduos no
que tange à sua exposição a fontes de informações políticas. As posições socioeconômicas e
demográficas objetivas foram o ponto de partida de Lazarsfeld et.ali (1948), mas perdem
importância no desenrolar da obra, quando o foco se volta mais para os mecanismos micro de
influência social, para os efeitos de contágio das relações interpessoais e para os papéis dos
indivíduos nesse processo, isto é, para a dinâmica dos grupos propriamente ditos. Há,
portanto, uma diferença entre predisposições e grupo: não são as características inatas que
determinam as preferências eleitorais, mas as relações interpessoais por onde se adquire
informações e se sujeita a premiações e a sanções que guiarão a escolha. Ou seja, as críticas
apresentadas acima se limitaram a explorar os efeitos das predisposições dos indivíduos,
considerando-os expressão inequívoca e infalível dos determinantes sociais, como se o mero
fato do indivíduo apresentar certos atributos (ser branco e protestante urbano, por exemplo) já
garantisse a direção da sua escolha política. Essas críticas ignoraram todo o cuidado que
tiveram os autores com as instabilidades, mudanças de atitudes e ações intencionais do eleitor.
Portanto, para uma compreensão mais adequada de The People’s Choice e das demais
contribuições da vertente sociológica , deve-se ter em mente que os atributos sociais são
importantes não porque transmitem de modo direto e deterministicamente um conjunto de

27
preferências políticas dadas, mas antes porque eles localizam os indivíduos no interior de
determinadas estruturas sociais, afetando probabilisticamente suas possibilidades de aquisição
e validação de informação e, por conseguinte, de escolha política. Trata-se, assim, de uma
questão de probabilidade, e não de determinismo social.
Seja como for, a atribuição de determinismo gerou impactos significativos e
irreversíveis nos estudos do comportamento eleitoral. O caráter experimental e a fragilidade
teórica de The People’s Choice fez dessa obra alvo fácil dessa e de muitas outras críticas.
Apesar dos avanços que podem ser observados em outros trabalhos de Columbia,
particularmente em Personal Influence, a abordagem sociológica do voto caiu em certo
esquecimento no período subseqüente. Esse e outros pontos críticos só vieram a ser retomados
e melhor trabalhados pelos desdobramentos teóricos mais recentes.
Nas décadas de 80 e 90, sobretudo nessa última, diversos estudos sobre a influência da
dinâmica social sobre o voto surgiram a partir de uma releitura de Columbia. A questão
central nesse debate continuou se referindo às fontes de difusão de informações como
elementos decisivos na instrução da escolha dos eleitores. Em todos os estudos que se
enquadram nessa perspectiva, em alguns mais explicitamente que em outros, está presente a
idéia de que a inserção dos indivíduos nos mais variados grupos afeta a aquisição e o uso da
informação política, sobretudo durante um processo eleitoral. A principal diferença em
relação aos clássicos estudos de Columbia reside no novo enquadramento dado à
intencionalidade do eleitor.
Carmines & Huckfeldt (1996) classifica essa maior atenção ao lugar do indivíduo no
processo de formação de preferências políticas como resultado da absorção, pelo modelo
sociológico, de diversos princípios da Escolha Racional e da Escola de Michigan16. Grande
parte da nova abordagem se dá entorno da articulação e desenvolvimento de modelos
alternativos que conciliam as contribuições das outras escolas, produzindo uma grande
quantidade de estudos que, embora partam de um lugar comum - a lógica social da política -,
percorreram caminhos não necessariamente coincidentes.

“Not surprisingly, many of these models are derived from the political
psychology and political economy traditions. And in this sense, the political
sociological tradition has become agnostic with respect to epistemological
issues regarding individual impulse – there is no official micro-theory that is
inseparable from the political sociology […] Indeed, those who engage in

16
A absorção de princípios da escolha racional e da psicologia política de Michigan já podiam ser verificadas
ainda na década de 60, como, por exemplo, nos estudos de McPhee e Smith (1962), McPhee e Ferguson
(1962), McPhee, Smith e Ferguson (1963). Isso, no entanto, foi residual.
28
multi-level analyses connecting citizens and environments’ include game
theorists and cognitive psychologists, rational choice theorists and learning
theorists” (CARMINES & HUCKFELDT, 1996, p.235-6).

Os dois outros modelos concorrentes ao de Columbia foram importantes para a nova


perspectiva sociológica do voto que se consolidou ao final do século XX. O ator estratégico,
dotado de propósitos, tal como elaborado pela Escolha Racional, reverberou de modo mais
consistente na tradição sociológica que emergiu nos finais dos anos 80 e início de 90. Os
estudos voltados para a compreensão dos efeitos dos grupos e das interações sociais nas
preferências políticas dos indivíduos passaram a buscar encontrar um modelo teórico que
processasse, simultaneamente, as estruturas sociais e as motivações dos indivíduos. O produto
final seria uma perspectiva que concebe o eleitor como indivíduo dotado de certos atributos e
que age propositalmente no interior de determinadas estruturas, onde são colocadas
possibilidades e impostas restrições às suas escolhas. As noções de contexto social e redes
pessoais de interação foram fundamentais nessa tentativa de conciliar variados níveis de
análise em um mesmo modelo, permitindo que os determinantes sociais entrassem novamente
para a agenda de pesquisa no campo dos estudos eleitorais, sobretudo nos Estados Unidos,
onde uma literatura ganhou fôlego ao longo da década de 90 (ver MUTZ 2002; SPRAGUE
1982; HUCKFELDT E SPRAGUE 1991, 1995).

1.3. A ANÁLISE CONTEXTUAL DA POLÍTICA

A análise contextual da política tem sido a abordagem mais promissora no interior dos
estudos sociológicos que se desenvolveram nas últimas décadas. As raízes contemporâneas
desse empreendimento se encontram nos trabalhos de John Sprague (1982), Heinz Eulau
(1986) e Adam Przeworski (1974; 1985), onde foram estabelecidos os pilares da análise
contextual. Conceitos e noções caras a essa perspectiva, como contexto e ambiente, foram
primeiro problematizados por esses autores. Mas é nos trabalhos de Huckfeldt e Sprague
(1987; 1993a; 1995) e Huckfeldt com diversos outros autores (HUCKFELDT, JOHNSON &
SPRAGUE, 2004; HUCKFELDT, BECK, DALTON & LEVINE, 1995) onde se percebe um
aprofundamento teórico e empírico sobre o papel das estruturas sociais na definição das
atitudes políticas dos indivíduos.
O argumento central dessa abordagem se baseia na idéia de que cada cidadão faz suas
escolhas em tempos e lugares específicos, localizado em diversos ambientes e operando numa
variedade de níveis. Tal como em The People’s Choice, o comportamento individual é

29
apreendido como contingente às redes de interações, onde ele obtém informações de
importância política através de processos de comunicação que se dão nas mais variadas
experiências cotidianas. Conforme salientam Huckfeldt e Sprague,

“political behavior may be understood in terms of individuals tied together


by, and located within, networks, groups, and other social formations that
largely determine their opportunities for the exchange of meaningful
political information. In short, environment plays a crucial role in affecting
the social flow of political” (HUCKFELDT & SPRAGUE, 1987, p.1197).

Em especial, destaca-se o esforço dessa nova perspectiva em trabalhar com diferentes


níveis de análise e sentidos, numa bem sucedida tentativa de se entender o comportamento
político através da relação entre motivações e atributos individuais, por um lado, e a
ambiência social no qual o indivíduo se encontra imerso, por outro. Substantivamente, isso
significa “observing individuals at the same time we observe the collective properties of the
aggregates within which individuals are imbedded” (HUCKFELDT & SPRAGUE, 1993,
p.284). As preferências individuais seriam o produto final dessa interseção entre grupos e
indivíduos no interior de circunstâncias socialmente estabelecidas. Há, nesse ponto, certo
esforço em superar algumas das críticas que eram direcionadas à análise sociológica ao ser
enfatizada, de forma sistemática, a intencionalidade do ator.
Na análise contextual, em especial no enquadramento dado por Huckfeldt e Sprague
(1995) e Huckfeldt com outros autores (AHN, HUCKFELDT, MAYER e RYAN, 2009;
AHN, HUCKFELDT E RYAN, 2008), os contornos analíticos conferidos à intencionalidade
tiveram claras influências de abordagens economicistas. Isso fez com que as escolhas políticas
passassem a ser entendidas como motivadas pelo auto-interesse e pela busca da maximização
da utilidade, de modo que um indivíduo procure sempre reduzir os custos envolvidos no
processo de tomada de decisão. Para essa leitura, uma forma menos onerosa obter
informações políticas relevantes seria acionar as redes de interações em que o eleitor já
participa, onde encontrará informações mais acessíveis e com vieses similares ao do próprio
interessado, evitando dissonâncias ou qualquer outro custo adicional para a sua escolha.
Ao enfatizar essa relação entre os custos e os benefícios da decisão política, há um
nítido afastamento dessa perspectiva em relação os clássicos estudos da Escola Columbia.
Essa aproximação com as premissas da Escolha Racional, no entanto, tem certos limites. Dois
pontos principais vinculam a análise contextual à abordagem sociológica, em oposição ao
modelo econômico clássico. Primeiramente, porque a Escolha Racional assume as
preferências individuais como dadas em sua análise; a abordagem contextual, diferentemente,
30
busca compreender o processo de formação dessas preferências, não abrindo mão do legado
sociológico que pressupõe que os indivíduos se encontram inseridos em redes de interações
onde desenvolvem atitudes e opiniões em caminhos padronizados. Em segundo lugar, a
análise contextual se diferencia das abordagens economicistas porque essas últimas assumem
que os indivíduos têm liberdade para escolherem suas fontes de informação, engajando-se na
seleção daquelas que podem lhe propiciar maiores benefícios, independentemente de qualquer
outro fator. A análise contextual não compartilha desse pressuposto. Para essa abordagem, a
escolha das fontes está sujeita às limitações impostas por estruturas sociais, restringindo as
suas possibilidades de seleção. A escolha e o controle sobre as fontes de informação são
sempre incompletas e probabilísticas, e isso significa que “socially obtained political
information (indeed all political information) is not simply a reflection of prior preference”
(HUCKFELD & SPRAGUE, 1995, p.16). Parece, assim, que a influência da economia sobre
a teoria contextual se circunscreve precisamente na idéia dos custos e benefícios envolvidos
na aquisição individual de informações politicamente relevantes para a sua decisão.
Portanto, existem duas lógicas concorrentes sendo simultaneamente trabalhadas nesse
modelo como elementos complementares. A lógica social da política fornece os mecanismos
responsáveis pelo acesso à informação: as interações entre os indivíduos produzem um fluxo
de informações que são transmitidas àqueles que se submetem a uma determinada formação
social, limitando as possibilidades de acesso. A aquisição e o processamento dessas
informações, no entanto, são motivadas por cálculos econômicos. Ou seja, o eixo de
gravidade do modelo é o indivíduo, suas preferências e suas motivações instrumentais; os
contextos sociais atuam de modo constranger e fornecer possibilidades parciais ao acesso à
informação.
É essa junção entre modelos que vem justamente localizar as readequações teóricas
que a análise contextual da política propicia à abordagem sociológica do comportamento
político. Há, com isso, certa crítica aos estudos que estabelecem a distinção entre indivíduo e
estrutura, entre a escolha individual racionalmente orientada e o efeito socialmente
determinante, entre os níveis micro e macro de análise. O foco analítico voltado apenas para
os eleitores tomados isoladamente corre o risco de ignorar as estruturas que determinam os
limites e as possibilidades da aquisição de informação política e de conformação atitudinal.
Por outro lado, a análise focada apenas nos agregados político e social podem levar a perder
de vista os interesses e particularidades que motivam os eleitores. De acordo com Huckefeld
& Sprague (1993a), a análise contextual fornece um antídoto para essa disjuntura analítica

31
entre indivíduos e estrutura social ao processar simultaneamente as duas dimensões do
comportamento político.

“The individual provides the ultimate unit of analysis in any contextual


theory of politics, and individual choice is viewed as located at the
intersection between individual purpose, individual cognition, individual
predisposition, and individual preference, on the one hand, and
environmental opportunities and constraints, on the other hand
(PRZERWORSKI 1985). Citizens are always understood within a particular
setting – a setting that attaches probabilistically to the menu of choice that is
available to the individual” (HUCKFELDT & SPRAGUE, 1993a, p.292).

Esses supostos avanços não eximem a análise contextual de apresentar um conjunto de


problemas. A noção de contexto não foi submetida a uma conceitualização rigorosa que
viesse a torná-la consistente nos planos teórico e empírico. O seu uso pelos diversos
estudiosos que partem da análise contextual não é padronizado, variando quanto a amplitude e
sentido. Diante disso, muitas possibilidades se abrem, perdendo em precisão analítica e
obscurecendo os mecanismos responsáveis pelos efeitos tanto dos condicionantes sociais
quanto das motivações individuais. Da mesma forma, o enquadramento empírico dado à
noção de grupos vacila por desconsiderar grande parte das contribuições da psicologia social,
principalmente dos estudos de pequenos grupos. Esses problemas parecem estar relacionados
ao fato da análise contextual dar menos atenção a certos aspectos estruturais. O resultado é
uma abordagem que nem sempre consegue identificar as especificidades das formações
sociais. O próximo tópico se ocupará de esclarecer essas limitações.

1.3.1. Grupos, contextos e redes de interação social


Diante do desafio de se mensurar os efeitos proporcionados por fatores exógenos ao
comportamento individual, Huckfeldt & Sprague (1990; 1995) ressaltam a importância da
distinção entre contexto social e ambiente social, tal como proposto por Przeworski & Teune
(1970) e Eulau (1986). Essa distinção se baseia na constatação de que existem variados
fatores externos agindo sobre o comportamento dos indivíduos, dotados de força e natureza
diversas. Parte desses efeitos é proporcionada por formações sociais compostas por redes de
interação. O impacto gerado por esses agregados é definido pelos autores como efeitos
contextuais. O que pretendem, com isso, é distinguir esses efeitos do amplo conjunto possível
de influências externas que atuam sobre os indivíduos, denominados por eles como efeitos
ambientais. Derivam-se daí os contextos e os ambientes sociais, sendo o primeiro um
subconjunto do último (HUCKFELDT & SPRAGUE 1993a, 1995; HUCKFELDT 1986).
32
“Where does this leave us? An environmental effect is any effect on
individual behavior that arises due to extraindividual factors. In contrasts, a
contextual effect is any effect on individual behavior that arises due to social
interaction within an environment. We adopt that view here. Both effects are
more generally seen as being structural consequences of individual standing
and location within particular social and political orders, and thus they can
be seen as subsets of social and political structure” (HUCKFELDT &
SPRAGUE, 1995, p.10)

Os contextos são politicamente relevantes porque determinam a probabilidade de


interação entre indivíduos nas fronteiras de uma formação social, afetando o fluxo de
informações políticas disponíveis e as possibilidades de coação atitudinal. Sua definição,
segundo a análise contextual, é similar àquela de grupos comumente utilizada pelos estudos
clássicos da literatura sociológica do voto, mas permite maior flexibilidade ao delimitar a
amplitude do termo em torno das redes de interações sociais que, muitas das vezes,
transcendem um único grupo. Ou seja, para a análise contextual, contexto remete ao aspecto
relacional das experiências sociais que estejam circunscritas por certos limites de abrangência.
Uma família e uma igreja, por exemplo, configuram-se como contextos porque constituem
redes de relações que compõem esses agregados sociais, onde os indivíduos influenciam uns
aos outros através da troca de informações e validações de atitudes.
Ambientes, diferentemente, remetem a instâncias independentes das relações
interpessoais. Embora se configurem em torno de certas fronteiras e características
estabelecidas, os ambientes tomam forma por meio de estruturas institucionais, de regras,
procedimentos e referências mais amplas que regulam, formal ou informalmente, as relações e
as expectativas dos indivíduos. Ambientes eleitorais, por exemplo, estabelecem o número de
candidatos concorrentes, as regras de distribuição de cadeiras, a permissividade de coligações
e a amplitude do distrito eleitoral. Os ambientes religiosos, da mesma forma, sustentam um
conjunto de normas e princípios que estabelecem orientações gerais aos seus seguidores,
prescindindo dos contatos face-a-face que são mantidas no contexto das igrejas.

“… an environment is a structured setting that shares one or more common


characteristics: spatial boundaries, political functions, institutions of
governance, political organization and so forth. In contrast, a context is
defined in terms of an environment’s social composition and the resulting
consequences of social composition for social interaction and the social
transmission of information and influence” (1990, p.25).

A noção de redes de interações sociais constitui um conceito complementar a esses


outros dois. Tal como colocado pela Escola de Columbia, as interações são os meios pelos
33
quais os indivíduos se comunicam, formam e reforçam suas atitudes. A recepção e o
processamento das informações são feitos por indivíduos interdependentes que conduzem
suas atividades cotidianas em um meio socialmente estruturado. Essa definição passa, assim,
pela identificação dos laços que são firmados em situações de contatos face-a-face,
estabelecidos com força e regularidade variáveis. São através dessas interações que os
contextos operam sobre o comportamento dos indivíduos.
É um erro, no entanto, restringir os contextos apenas a essas relações. Contextos não
são o mesmo que redes no plano conceitual, sendo um engano reduzi-los a simples medidas
de interações (HUCKFELDT & SPRAGUE 1993a, p.289). Enquanto contextos são externos e
estruturalmente definidos, constituindo uma realidade sui generis, as redes de interações
sociais são construídas e mantidas conforme os propósitos dos indivíduos, mesmo que o
controle exercido por eles sobre a composição social dos ambientes seja incompleto e
limitado. Um clássico estudo de Ada Finifter (1974) sobre o papel dos grupos na definição de
valores e atitudes políticas exemplifica essa diferenciação. A autora demonstra que as
interações sociais entre metalúrgicos de uma fábrica de automóveis em Detroit, Estados
Unidos, estavam sujeitas a uma preponderância de trabalhadores identificados com o partido
Democrata, que eram maioria naquele meio. Diante desse contexto, uma minoria de
metalúrgicos republicanos criava redes fechadas que se contatavam durante os períodos
intermitentes ao trabalho, o que não eximia essa minoria de estar submetida a um contexto
permeado por democratas durante quase todo o expediente. Como se pode observar nesse
caso, as interações sociais resultavam tanto da influência externa do contexto quanto da
intencionalidade dos atores.
Todas essas distinções conceituais demarcam um avanço no plano teórico e são de
grande importância para o estudo do comportamento eleitoral sob a ótima da tradição
sociológica, pois permitem contemplar as especificidades dos diversos contextos e dos
ambientes sociais. Abre, também, a possibilidade de se identificar as características relevantes
dessas estruturas na conformação das escolhas políticas, além de introduzir o papel
desempenhado pelos indivíduos nesse processo. O maior obstáculo é torná-los consistentes e
mensuráveis no plano empírico. Esse, talvez, seja o grande desafio da análise contextual da
política. Duas considerações a esse respeito merecem ser destacadas.
A primeira se refere ao uso não padronizado do conceito de contexto social. As
pesquisas conduzidas por Wald, Owen e Hill (1988) e por Erikson, Wright e McIver (1993)
ilustram essa problemática. Os primeiros avaliaram os efeitos das organizações religiosas

34
sobre o comportamento político de seus membros; os últimos, por sua vez, demonstraram o
impacto de culturas políticas de unidades territoriais extensas sobre escolhas eleitorais
individuais17. Os dois estudos pretendiam elucidar as causas dos efeitos proporcionados pelo
o que julgavam constituir seus respectivos contextos sociais de análise. O problema que se
pode identificar em ambas as investigações está no fato delas remeterem a unidades de
agregação social muito variáveis quanto a amplitude: Wald et.alli. se referem a organizações
secundárias da sociedade civil constituídas por um corpo social relativamente fixo, dotadas de
fronteiras claras e com interações regulares entre os seus membros; Erikson et.alli.,
diferentemente, faz alusão a grandes agrupamentos sociais, cujos limites não são claramente
delimitáveis e as interações entre os indivíduos é incerta. Apesar dessas diferenças, ambos
atribuem o rótulo de contexto social às suas variáveis explicativas, mesmo em se tratando de
elementos muito distantes entre si. Há, portanto, uma apropriação não padronizada dessa
noção pela literatura, o que se reflete na imprecisão de suas medidas.
Se se adota a formulação proposta por Eulau (1963; 1986), o conceito de contexto
deve se limitar à composição social de um ambiente onde um fluxo de informações circula
por meio das interações entre os indivíduos que o integram, levando ao desenvolvimento de
atitudes e opiniões específicas. Aproxima-se, assim, da noção de grupos, concebidos como
padrões de interação entre pessoas que compartilham características e motivações em comum.
Ao mesmo tempo, diferencia-se de redes sociais na medida em que essas últimas podem não
se limitar a uma única estrutura social, ampliando-se a zonas remotas de relações mais
extensas. Dessa forma, restringir a extensão do conceito de contexto às fronteiras das
interações possíveis de uma mesma formação social, tal como feito por Wald et alli., confere
maior precisão ao termo.
O segundo ponto a ser destacado remete à mensuração dos efeitos específicos dos
contextos sociais, o que é comumente negligenciado pelos estudos da análise contextual.
Apesar do grande apelo empírico presente nessa abordagem, pouco se investe na identificação
dos mecanismos responsáveis pelos efeitos observados. Alguns estudos esclarecem essa
questão. Huckfeldt, Plutzer e Sprague (1993b), por exemplo, buscaram identificar os efeitos
contextuais de igreja e bairro sobre duas atitudes específicas entre os moradores de South
Bend, Estados Unidos: a identidade partidária e a opinião sobre o aborto. Católicos e não-
católicos foram os dois grupos analisados. Diante dos resultados, o que mais instigou os
autores foi alguns dados que sugeriam certa sobreposição entre os dois grupos analisados: ser
17
No caso do estudo Erikson, Wright e McIver, foram trabalhados os estados (unidades federativas) dos
Estados Unidos como representação do contexto.
35
católico e residir no mesmo bairro eram variáveis que coincidiam em muitos aspectos. De
certo modo, essa evidência não contraria nenhum preceito teórico da análise contextual da
política, pois se presume que a realidade social é marcada por múltiplas e simultâneas bases.
O problema é que não existiam dados disponíveis sobre as especificidades de cada efeito
contextual e, nessas condições, torna-se difícil acessar os efeitos independentes que cada um
dos dois contextos propicia para as trocas informacionais e a construção de preferências de
seus membros.
Essa sobreposição exemplifica uma limitação que tem sido encontrada em estudos
similares. Não muito raro, investigações que mobilizam a noção de contexto têm se
restringido a apontar a existência de certa relação entre o contexto social em questão e as
preferências políticas, justificando suas conclusões tomando por base apenas a direção da
atitude do indivíduo conforme o contexto em jogo18. Poucos têm elaborado modelos que
explicam como essa relação se constrói e quando o contexto determina a atitude política. Com
muita frequência, as medidas utilizadas para se alcançar os efeitos contextuais são indiretas e
os mecanismos são obscuros ou não são especificados. Foi por esse motivo que os autores do
estudo destacado acima não mapearam, empiricamente, os efeitos independentes da igreja e
do bairro.
Essa parece ser uma crítica de grande importância para a análise da influência dos
grupos sociais. Se contextos causam efeitos sobre as preferências dos indivíduos, e se esses
efeitos se dão através das restrições e possibilidades impostas sobre as interações sociais no
interior dos grupos, cabe identificar quais características relevantes do contexto agem no
sentido de estruturar as relações interpessoais e o fluxo de informações políticas. Como
salienta Eulau,

“Clearly the relevance of a group in a person’s political behavior is likely to


vary with the character of the interaction. Of critical importance are the size
of the group, its permanence, the degree of intimacy or formality in intra-
group relations, the degree to which members identify with each other or
group symbols (solidarity), the extent to which attributes or attitudes are
shared (homogeneity), the group’s tasks and the degree of specialization
among the members, the formal system of coordination of individual
activities, and so on […] Whatever the classification, political behavior is
likely to vary with the type of group in which the individual is involved”
(EULAU, 1963, p.49).

18
Sobre esse aspecto da análise contextual, ver mais em M. Johnson, W. Phillips Shively and R. M. Stein.
“Contextual data and the study of elections and voting behavior: Connecting individuals to environments”.
Electoral Studies, Volume 21, Issue 2, June 2002, Pages 219-233.

36
Há, portanto, condições mais ou menos propícias para a influência social, pois certos
atributos dos contextos podem constituir fatores determinantes no processo de transmissão de
informação política e conformação de atitudes. Essa crítica, que se aplica a muitos estudos
contemporâneos, evidencia que os desdobramentos mais recentes da abordagem sociológica
acabaram por enfatizar certos aspectos do legado de Columbia em detrimento de outros. As
contribuições dos estudos de grupos, em especial, foram relegadas a segundo plano pela
análise contextual. Em Personal Influence (1964), um dos trabalhos mais elaborados da
Escola de Columbia, os autores Katz e Lazarsfeld trataram de ser meticulosos ao demonstrar
algumas especificidades dos grupos que podem determinar sua capacidade de comunicação e
persuasão, definindo quais elementos levam a uma maior efetividade da influência social.
Identificar essas características, tal como fizeram esse e alguns outros estudos de grupos,
permite ao analista observar como e quando o contexto influencia a decisão do eleitor, sendo,
portanto, imprescindível para se apontar quais os mecanismos responsáveis pelos efeitos
observados.
Nessa dissertação, posiciona-se a favor de uma abordagem que busque resgatar esse
legado da teoria de grupos, sem, no entanto, abrir mão de alguns dos avanços proporcionados
pela análise contextual da política. Nos tópicos seguintes, pretende-se destacar algumas dessas
condições que favorecem a influência social dos contextos, nos seus múltiplos níveis de
análise.

1.4. COMO O CONTEXTO INFLUENCIA

Conforme destacado, muitas investigações têm mobilizado termos e conceitos caros à


abordagem sociológica sem apontar os fundamentos da relação que é estabelecida entre o
grupo de referência e a escolha política individual. Em especial, a noção de contexto social
tem sido empregada sem muitos critérios. Em muitos estudos, vêm sendo identificado efeitos
contextuais a partir de enquadramentos teóricos e mensurações que se restringem a
demonstrar a existência de associação entre variáveis, sem, no entanto, explicar como essa
dependência causal se constituiu.
Nessa sessão, pretende-se destacar algumas das dimensões consideradas mais
relevantes para a compreensão dos efeitos proporcionados pelo pertencimento a grupos.
Evidentemente, não se esgotará a discussão com os fatores apresentados. Serão trabalhados
apenas aqueles que, de alguma forma, permitem certos esclarecimentos a respeito da
influência dos contextos sociais e que sejam úteis, em alguma medida, para uma melhor
37
fundamentação teórica do estudo empírico que será proposto nos capítulos seguintes. Como
referências para essa discussão, serão utilizadas a análise contextual da política e alguns
estudos de grupos desenvolvidos no âmbito da microssociologia e da psicologia social. Com
isso, pretende-se explorar algumas das contribuições mais recentes da abordagem sociológica
do voto e, ainda, recuperar importantes estudos que alimentaram as primeiras investigações
no campo do comportamento político.
Antes, no entanto, é importante destacar que as noções de grupos e contextos serão
tratadas como sinônimas. Conforme já destacado nesse capítulo, o entendimento mais
adequado do conceito de contexto é feito quando limita a sua extensão à composição social de
um ambiente, onde são estabelecidos padrões de interação entre indivíduos que compartilham
características e motivações em comum. Tal como em Personal Influence,

“We are thinking specifically of families, friends, informal work teams, etc.,
as well as those relatively more formal groupings of clubs and organizations
of all kinds […] Such groups are usually characterized by their small size,
relative durability, informality, face-to-face contact and manifold, or more or
less unspecialized, purpose” (KATZ & LAZARSFELD, 1965, p.48).

Esclarecidas essas questões iniciais, coloca-se a seguinte pergunta: se o pertencimento


a grupos sociais pode direcionar as escolhas políticas dos indivíduos, como esses efeitos se
dão? Três razões são apontadas nos tópicos que seguem: o nível de imersão do indivíduo no
grupo, que determina a exposição individual ao contexto de referência; a capacidade de
difusão de informações dos grupos, dado a sua estrutura organizacional; e o tipo de liderança
existente, que intermédia a comunicação da informação política chega aos membros de um
determinado grupo.

1.4.1. O nível de integração às redes de interações: a absorção social dos contextos


Como demonstrado na parte inicial desse capítulo, ao longo das últimas décadas a
abordagem sociológica do voto tem sofrido influências de outras correntes. Por esse motivo,
os estudos mais recentes que se filiam a essa perspectiva tendem a apresentar enquadramentos
teóricos e metodológicos bastante diversificados. Consequentemente, diferentes variáveis têm
sido mobilizadas como fatores explicativos dos efeitos contextuais, com interpretações e
sentidos múltiplos, sendo essa uma das razões pelas quais importantes conceitos não contam
com um entendimento comum. Apesar de toda essa heterogeneidade, há certo consenso no
campo quanto à centralidade de uma dimensão em especial. Para todos os estudos que partem
desse referencial teórico, a influência dos contextos sobre as preferências políticas do eleitor

38
varia conforme o nível de inserção do indivíduo nos grupos, o que criaria condições mais ou
menos propícias para o desenvolvimento de preferências políticas homogêneas
(LAZARSFELD et.alli. 1948; BERELSON et.alli. 1966; VERBA, 1962; HUCKFELDT &
SPRAGUE 1995; AHN et.alli. 2009).
A convergência em torno desse ponto é intuitiva, dado os pressupostos elementares
dessa abordagem. Ao pressuporem a lógica social da política, todos esses estudos concebem
as interações sociais como dispositivos fundamentais para a formação e compartilhamento de
opiniões, hábitos e valores comuns. Entende-se, assim, que indivíduos, ao interagirem com
frequência, vêm reiteradamente a gerar e a manter atitudes e padrões de comportamentos.
Dessa forma, quanto maior a inserção dos indivíduos nas redes de relações sociais, maiores
são as possibilidades de se conformarem com as posições do grupo e maior se torna a
influência dos contextos sociais.
Portanto, para a abordagem sociológica do voto, a integração do indivíduo aos
contextos constituiria uma variável-chave para se compreender o modo como o pertencimento
a grupos leva à formação de preferências políticas socialmente compartilhadas. Essas
conclusões também são sustentadas pelas teorias da análise contextual e teorias de grupo em
geral (VERBA, 1962; HUCKFELDT & SPRAGUE 1995). Para ambas, a extensão com que
um indivíduo é influenciado pelos grupos depende do quanto ele se encontra exposto à
ambiência social, o que pode ser mensurado por meio da regularidade com que interagem com
os outros membros da mesma rede de relações. Ou seja, quanto mais sujeito às interações
sociais de um grupo, maior a probabilidade de o indivíduo receber informações e de se
submeter a coações que o leve a se adequar aos posicionamentos compartilhados pelos demais
membros. Há uma alusão, nesse ponto, ao nível de imersão e de identificação do indivíduo
com o grupo de referência. Berelson et alli. (1966) denomina esse processo como absorção
social (p.48).
Para muitos estudos, a família, em particular, é apresentada como uma das instituições
sociais de maior relevância nesse processo. Entre os diversos grupos dos quais fazem parte
um indivíduo, a família seria aquele no qual interage de forma mais regular e intensa ao longo
da vida, interiorizando um conjunto de predisposições que serão responsáveis por algumas de
suas preferências políticas mais duradouras (BERELSON et.ali. 1966; CAMPBELL ert.ali.
1960; ZUCKERMAN 2005). Em Voting, por exemplo, seus autores demonstram que as
relações sociais imediatas das famílias são uma das principais responsáveis pela estabilidade
geracional da identidade partidária nos Estados Unidos:

39
“Here is primary group solidarity of a high order. In the end many American
families vote as a unit, making joint decisions in voting as in spending parts
of the common family income” (BERELSON, LAZARSFELD E McPHEE,
1966, p.92-3).

Diversos outros estudos também exploram a relação entre o nível de envolvimento do


indivíduo nas redes de interações e a capacidade de influência dos contextos. Muitos deles
têm investigado essa associação para diferentes grupos, como vizinhança ou bairro
(HUCKFELD & SPRAGUE 1995; RENNÓ 2004; BAKER et alli. 2006), grupos religiosos
ou igrejas (WALD et.alli. 1988; HUCKFELD & SPRAGUE 1993; CARNEIRO, 1998;
BERELSON et.alli. 1966), ambientes de trabalho (FINIFETER, 1974), sindicatos
(BERELSON et.alli. 1966), dentre outros. As causas dessa associação são trabalhadas, por
essa literatura, com um mesmo sentido: o nível de imersão em um determinado grupo está
diretamente relacionado ao grau de exposição às redes de interações, ao fluxo de informações
políticas e às possibilidades de coerção social.

1.4.2. A difusão de informação no interior do grupo


Apesar da grande relevância do nível de imersão individual nos contextos para o
entendimento dos processos de influência social, esse fator pouco diz a respeito da forma
como a comunicação é estabelecida entre os indivíduos. Afinal, o acesso à informação e a
capacidade de influência dos grupos é determinada não apenas pela densidade de suas redes
de relações, existindo outros mecanismos que condicionam esse processo. Em especial, dois
outros fatores moldariam a forma como são difundidas mensagens no interior dos grupos,
criando condições mais ou menos favoráveis aos efeitos contextuais: o primeiro remete aos
padrões de interação e transmissão de informações; o segundo, às funções de comunicação
numa rede de interações sociais, particularmente quanto ao papel das lideranças. Apesar de
dimensões distintas, ambas remetem aos caminhos por onde percorre o fluxo de informações
e aos processos pelos quais indivíduos comunicam entre si (KATZ & LAZARSFELD 1965;
HARE 1962; VERBA 1962).

i. Os modelos de organização dos grupos


O primeiro fator trata da forma como estão estruturadas as redes de interações sociais.
Remete, assim, às diferenças existentes entre os modelos de organização dos grupos,
definindo os padrões de relações entre os indivíduos que o compõem: “quem fala com quem”

40
e “em que medida”. A distinção entre estruturas centralizadas e estruturas descentralizadas de
organização é de fundamental importância para o entendimento dessas diferenças. As
configurações envolvidas em cada um desses dois modelos gerais circunscrevem os possíveis
elos entre indivíduos de uma rede, criando dimensões mais hierarquizadas ou mais
cooperativas. Em instituições altamente centralizadas, como organizações militares e
industriais, são estabelecidas redes que buscam limitar as possibilidades de interações e de
trocas informacionais entre os seus membros, com um ou mais pontos da rede tendo certos
privilégios na comunicação com todo o grupo. Entre amigos ou colegas de prática esportiva,
por outro lado, tende a prevalecer certa igualdade quanto ao acesso dos indivíduos aos canais
de comunicação, induzindo a um tipo de rede baseada na cooperação e na livre troca de
informações. Todas essas diferenças impactam na efetividade da difusão de mensagens e
estímulos e, consequentemente, na extensão dos efeitos contextuais (HARE 1962; BACK
et.alli. 1950; VERBA 1962).
Pesquisas sobre o tema têm definido tipologias para as diferentes estruturas de grupos.
No âmbito da microssociologia e da psicologia social, particularmente, essa definição tem se
dado através da observação dos canais de comunicação existentes em uma determina rede de
interações, destacando as restrições e potencialidades intrínsecas a cada configuração. Grande
parte desses estudos é feita por meio de experimentos em laboratórios com um número
reduzido de participantes (entre 3 e 10 integrantes, na maioria dos casos)19, sendo mais raros
aqueles que investem em investigações com grupos mais amplos. Apesar dessa aparente
limitação, experimentos com pequenas unidades permitem estabelecer analogias com
organizações maiores, pois se assemelham a elas, em termos substanciais, quanto a sua
estrutura de comunicação. Os sociogramas a seguir representam quatro tipos ideais básicos
que são comumente empregados por esses estudos (ver p.e. HARE 1962; COHEN 1962)20.

19
Em grande parte desses estudos, são utilizados grupos com 5 integrantes. Conforme destacou Peter Mears
(1974), grupos formados com apenas 3 indivíduos podem se sujeitar a uma condição em que 2 se voltam
contra 1, inviabilizando o experimento. Da mesma forma, grupos com 7 ou mais integrantes podem criar
subgrupos em seu interior.
20
É importante destacar que estudos experimentais de pequenos grupos, em geral, se dão em situações
estáticas, o que evidentemente é muito diferente da complexidade que se pode observar em situações reais de
organizações um pouco mais extensas.
41
Figura 1 – Sociogramas – Modelos de organização dos grupos
(a) (b) (c) (d)

(a) Modelo Círculo Livre


(b) Modelo Círculo
(c) Modelo Encadeado ou Corrente
(d) Modelo Roda

Em cada um dos quatro modelos estão definidas as possibilidades de comunicação


entre os elementos que compõem os grupos. Cada uma das posições na rede corresponde a um
ponto no gráfico (A, B, C, D e E) e para cada canal de comunicação existente há uma linha
que conecta os pares de posições. A extensão desses vínculos permite especificar as fronteiras
do grupo e analisar seus efeitos dentro dos limites impostos pela estrutura organizacional. As
variações quanto ao número e a forma das conexões entre os diferentes pontos levam a
configurações específicas. Essas particularidades podem ser identificadas através da
observação da quantidade de canais existentes em cada uma das redes e da distância, em
termos do número de conexões, entre os pontos que a compõem.
Entre os quatro modelos existiria uma gradação nos termos da dicotomia
centralizado/descentralizado. Dois deles, em especial, se contrastariam claramente quanto a
essa dimensão, com efeitos opostos na forma de difundirem informações. O modelo “roda”,
por um lado, é o mais hierarquizado. Os pontos não são conectados uns aos outros e todas as
suas comunicações são dependentes do ponto central (ponto C), que dispõe de amplas
oportunidades de transmissão direta para toda a rede. A relação entre o ponto C e os demais é
do tipo centro-periferia, com C contando com certo exclusivismo na estrutura do grupo,
constituindo um elo imprescindível para a difusão de mensagens e estímulos. Assim, haveria
grandes desigualdades de oportunidades de trocas informacionais entre os cinco pontos, com
o ponto central sendo o fator determinante do fluxo no interior da rede. Organizações que
contam com estruturas similares a esse modelo tendem a apresentar um núcleo que alcança
todo o grupo de forma mais direta e eficiente, mesmo que isso implique em baixa cooperação
entre seus partícipes. Essa configuração é conhecida como “sistema de eixo-central”, em

42
alusão à existência de um núcleo que mantém forte controle sobre o desempenho do grupo
(COHEN 1962; HARE 1962).
Por contraste, o modelo “círculo livre” produz oportunidades iguais de comunicação a
todos os pontos da rede. Dada a sua configuração descentralizada, todos estão conectados
entre si e podem se comunicar diretamente com os demais sem restrições estruturais. Grupos
que contam com estruturas organizacionais similares a esse modelo procedem de tal modo
que o fluxo de informações tem as mesmas possibilidades de alcançar toda a rede, sem um
núcleo central intermediando o processo. Nessas condições, cada um dos pontos age como um
centro autônomo de tomada de decisões e de formulação das próprias respostas. Se isso, por
um lado, tende a gerar maior interação e cooperação entre os membros, por outro sujeita o
fluxo de comunicações a erros e a pouco controle (COHEN 1962).
Harold Leavitt opõe esses dois modelos nos seguintes termos:

“[...] the circle, one extreme, is active, leaderless, unorganized, erratic and
yet is enjoyed by its members. The wheel at the other extreme, is less active,
has a distinct leader, is well and stably organized, is less erratic, and yet is
unsatisfying to most of its members” (LEAVITT 1951, p.46 apud HARE
1962, p.284).

Essas distinções parecem compor importantes variáveis na definição dos efeitos


contextuais. Se as configurações da estrutura organizacional fixam a forma como são
difundidas informações, diferentes modelos podem apresentar capacidades distintas de
determinar a escolha política de seus membros. Como frisado, a oposição entre estruturas
descentralizadas e centralizadas é de fundamental importância nesse processo.
Redes descentralizadas tendem a ser mais interativas e coesas. Quanto mais ligados se
encontram os membros de um grupo, maior a capacidade de influência mútua. Grandes
uniformidades nas atitudes e opiniões estão relacionadas de forma estreita aos modelos de
organização onde há maior cooperação entre os indivíduos, desde que as interações sejam
frequentes (KATZ & LAZARSFELD, 1965). Não obstante, a transmissão de mensagens
nessas estruturas descentralizadas está sujeita a um menor controle, submetendo-se com maior
recorrência a erros, distorções ou reinterpretações de seus sentidos, conforme destacado
acima. É, assim, um modelo menos eficiente para a difusão padronizada de estímulos
políticos21.

21
“Eficiência”, em muitos estudos de grupos, está relacionada ao tempo e alcance da difusão de informações
por parte dos grupos. Quanto menor o tempo e maior o alcance, mais eficaz seria a transmissão de estímulos e
mensagens (FREEMAN, 1979).
43
Por outro lado, modelos centralizados (como as redes no formato “roda”) tendem a
transmitir mensagens para todo o grupo de forma mais eficaz. O controle exercido sobre o
fluxo de informações pelo ponto C, o núcleo da rede, garante a esse modelo maior capacidade
de alcançar todo o grupo com objetividade. Organizações que contam com estruturas
similares tendem a apresentar grande potencial de difundir estímulos sem se submeter a
intermediações ou reinterpretações de outras instâncias que compõem a rede, atingindo-a de
forma direta e padronizada. Por esse motivo, modelos centralizados são mais eficientes na
propagação de informações políticas.
Com essas distinções de modelos, pretende-se demonstrar que a difusão de mensagens
e estímulos pela rede de interações é mais efetiva em grupos que contam com estruturas
organizacionais centralizadas. Isso se torna particularmente importante em se tratando do uso
estratégico do fluxo de comunicação. Afinal, como demonstrado, estruturas centralizadas
incorrem em menos erros e alcançam toda a rede em menor tempo. Alguns estudos podem
ilustrar de forma mais clara essa questão. O experimento conduzido por Peters Mears (1974),
por exemplo, traz alguns esclarecimentos a esse respeito. Nesse estudo, o autor buscou
identificar os efeitos proporcionados pela adoção de diferentes tipos de estruturas
organizacionais em uma empresa de grande porte. Os procedimentos experimentais se deram
em setores específicos da empresa e em dois momentos distintos, considerando suas divisões
e funções estabelecidas.
No primeiro momento, os setores observados por Mears contavam com estruturas de
comunicação em que cada membro do grupo tinha acesso a toda a rede para a resolução de
problemas ou execução de tarefas da empresa. Na figura 02, que segue abaixo, o tempo 1
representa graficamente o tipo de organização existente nesse momento inicial. As linhas
sólidas que conectam os pontos descrevem os estratos hierárquicos e a comunicação formal
existente; as linhas pontilhadas retratam os canais informais, que também eram fomentados e
utilizados pelos membros da rede na condução de suas tarefas na empresa. Esse tipo de
organização se assemelha, em certa medida, ao modelo de redes “círculo livre”, com ampla
acessibilidade de todos aos canais de comunicação possíveis. Dados os resultados
insatisfatórios na performance do grupo, a administração da empresa optou por reorganizá-lo,
sendo adotado um modelo centralizado que mantinha grande controle sobre o fluxo de
informações. Tal como representado no tempo 2, foi implementada uma estrutura
organizacional que limitava as possibilidades de comunicação com o objetivo de otimizar a
produtividade do setor.

44
Figura 02 – Sociograma – Estruturas organizacionais do estudo de Mears

Os resultados encontrados pelo autor demonstram que a satisfação e o nível de


cooperação entre os membros do grupo eram maiores quando se adotava o modelo mais
interativo de organização, ou seja, no tempo 1. No entanto, o modelo em círculo, com o livre
acesso a toda rede, perdia em objetividade, comprometendo o desempenho do grupo na
condução de suas tarefas. Em certas circunstâncias, quando atividades específicas eram
demandadas pelos estratos superiores da empresa, a eficiência do setor era prejudicada pela
abundância de canais de comunicação disponíveis a cada membro, aumentando a incidência
de erros e retardando a tomada de decisões. No modelo “roda”, ao fazer com que o fluxo de
informação se dê via um eixo central, foi maximizada a capacidade de difusão de mensagens
e estímulos padronizados para toda a rede. A comunicação do grupo ganhou em objetividade
e a sua performance tendeu a apresentar melhores resultados na execução de algumas de suas
tarefas22.
Isso confirma a tese de que modelos centralizados tendem a ser mais eficientes na
difusão de informações, o que é de grande relevância para o dimensionamento dos efeitos
contextuais. Caso se pretenda avaliar o quanto estruturas no interior dos grupos são capazes
de difundir informações políticas que reverberem de forma mais imediata sobre as opiniões e
atitudes dos indivíduos, o modelo centralizado tende a obter maior sucesso.

22
Alguns outros pontos foram explorados pelo Mears (1974) nesse mesmo estudo. No entanto, a simples
oposição entre o modelo centralizado “roda” e o modelo descentralizado “círculo” é suficiente para ilustrar a
discussão que se propunha nesse tópico do texto, trazendo maiores esclarecimentos a respeito da importância
das estruturas organizacionais para difusão de informações.
45
ii. Liderança: posição social e funções
De todas essas considerações, emerge outro fator também relacionado ao modelo de
organização, podendo ser determinante na forma como são transmitidas informações no
interior dos grupos. No entanto, diferentemente do que foi colocado até agora, as diferentes
configurações teriam importância não para a difusão de mensagens e estímulos, mas na
definição dos papéis assumidos pelos indivíduos no interior dos grupos. Isso estaria
estreitamente relacionado às possibilidades de comunicação apresentada por cada indivíduo
em uma determinada rede de relações sociais.
De certa forma, os distintos modelos de estrutura organizacional explorados no tópico
anterior são definidos pela existência de pontos estratégicos de comunicação no interior do
grupo. A própria dicotomia descentralizado/centralizado é determinada pela identificação de
hierarquias que fixam posições entre os membros da rede. Como já destacado, formações
mais descentralizadas tendem a não apresentar diferenças de status entre os pontos que as
compõem, com todos contando com as mesmas possibilidades de interação e trocas
informacionais. Em estruturas centralizadas, por sua vez, figuram-se uma ou mais posições
que dispõem de um número maior de canais de comunicação, criando um quadro de
desigualdade no interior do grupo.
Essas variações definem o grau de centralidade dos indivíduos em uma determinada
rede, que é uma das propriedades mais frequentemente discutidas nos estudos sobre grupos
sociais (FREEMAN, 1979). Essa idéia foi inicialmente introduzida por Bavelas (1948) como
forma de se observar os efeitos produzidos pela posição social de cada indivíduo nas redes de
interações. O ponto C em um modelo “roda”, por exemplo, ocupa um papel fundamental na
estrutura do grupo, monopolizando o fluxo de informações. Essa disposição estrutural da rede
fornece amplas possibilidades de comunicação a esse ponto em detrimento de outros, que são
dependentes de C para comunicação. Consequentemente, C se torna o elemento mais
acionado e com maior capacidade de influência interpessoal no interior grupo e, por isso,
passa a ocupar o papel de liderança naquela rede de interações (HARE, 1962; KATZ &
LAZARSFELD, 1965).
Existiria, assim, uma relação direta entre posição na estrutura organizacional do grupo
e o exercício da função de liderança. Isso permite identificar quem em uma rede de relações é
capaz de exercer maiores influências através do fluxo de comunicação. Organizações que
contam com estruturas verticalizadas tendem a apresentar lideranças mais evidentes e com
maior capacidade de transmissão de mensagens e estímulos. Seriam nesses casos onde se

46
encontraria os mais altos níveis de centralidade, com as lideranças desempenhando um papel
fundamental na disseminação de informações (HARE, 1962).
Essa, no entanto, não é a única dimensão referente à forma como são transmitidas
informações. Como tem sido enfatizado ao longo desse capítulo, a atuação das lideranças é de
fundamental importância para o entendimento de como parte dos indivíduos tem acesso a
informações políticas. E como demonstrado acima, o nível de centralidade permite identificar
quando um ou mais pontos de uma rede pode exercer esse papel, dadas as configurações da
estrutura organizacional. Apesar da relevância desse fator para a distinção de funções no
grupo, ele nada diz a respeito do modo como são estabelecidas as relações entre lideranças e
seguidores. E é somente por meio do entendimento da forma como são estabelecidas essas
relações que se pode definir quando as informações transmitidas pelos primeiros obtêm maior
sucesso na persuasão dos últimos. Supõe-se, assim, que não só o simples acesso a informação
leva um indivíduo a compartilhar as atitudes e opiniões do grupo, mas também as
circunstâncias em que as mensagens emitidas pelas lideranças são alvo de maior recepção ou
validação por parte de seus seguidores. Isso estaria diretamente relacionado ao tipo de
liderança existente no grupo.
Sidney Verba (1962) traz alguns esclarecimentos a esse respeito. Para o autor, a
dinâmica de influência no interior dos grupos está relacionada às funções desempenhadas
pelas lideranças, definindo condições mais ou menos propícias à transmissão de informações
específicas. Conforme essas funções, diferentes tipos de líder se estabelecem no grupo. Isso
estaria relacionado aos objetivos e necessidades compartilhadas pelos indivíduos, de modo
que sejam impostos diferentes estilos para se alcançar os fins estabelecidos. Existiriam duas
funções básicas nesse processo, às quais correspondem dois tipos de liderança: um
especializado em aspectos instrumentais, e outro em aspectos socioemotivos ou afetivos.
Líderes instrumentais se limitariam aos objetivos estritos do grupo, num sentido mais
administrativo e gerencial, ligados à coordenação e gestão de suas atividades. Líderes
socioemotivos, por outro lado, estariam voltados para a satisfação afetiva, sendo um recurso
fundamental para impulsionar a coesão interna e mobilizar o grupo para o êxito de seus
objetivos. A predominância de uma ou outra função no estilo das lideranças produz resultados
distintos sobre a capacidade de elas influenciarem seus seguidores, sobretudo quando se trata
da realização de tarefas excepcionais que fogem aos objetivos básicos do grupo ou que
implicam em custos maiores para os seus membros. Ambas as funções são essenciais para a

47
efetividade do exercício da liderança, mas quase sempre variações nos objetivos dos grupos
requerem um dos tipos de liderança (VERBA 1962; HARE 1962).
Em se tratando de influência política, para certos grupos não há maiores diferenças
quanto aos dois tipos básicos. Sindicatos, partidos políticos ou outras associações de interesse,
cujos objetivos são quase sempre de natureza política, têm grande capacidade de obter
sucesso na transmissão de estímulos e mensagens com esse teor através de suas lideranças.
Em igrejas, ambientes de trabalho ou outros grupos geralmente orientados por questões
alheias à política, a influência das lideranças sobre o voto, por exemplo, tende a ser menos
eficaz e, por isso, há a necessidade de certo envolvimento afetivo dos indivíduos com o grupo.
Nesses casos, líderes socioemotivos tendem a ser mais influentes na transmissão de
informações políticas.
Esse fator, assim como o nível de centralidade das redes de interação, definem a
forma como as lideranças estabelecem vínculos com seus seguidores no interior dos grupos.
São, portanto, mecanismos importantes para se compreender como se constituem os efeitos
contextuais. Ambas determinam a capacidade dos grupos definirem a escolha política dos
indivíduos.

1.5. QUANDO O CONTEXTO SOCIAL É DETERMINANTE

A sessão anterior tratou de mostrar que variações quanto a certas características dos
contextos sociais circunscrevem as possibilidades deles definirem as preferências políticas
individuais. No entanto, algumas outras condições podem atuar como variáveis intervenientes
nesse processo, definindo “quando” a influência dos grupos sociais, durante o processo de
escolha eleitoral, desempenha uma função mais importante em relação a outros fatores. Uma
resposta a essa questão é essencial para uma teoria contextual do comportamento político que
abranja os seus múltiplos níveis de análise. Resta saber, portanto, em quais condições os
grupos se sobressaem em relação a outros determinantes. Além das características dos
contextos três outros fatores, independentes entre si, parecem influenciar nesse processo: as
motivações individuais, as condições ambientais, e o nível de sofisticação política do eleitor.
Todos os três remetem a dimensões distintas, não existindo nenhuma relação de
complementaridade ou conexão entre eles.

48
1.5.1. Motivações individuais para a conformação com o grupo
No que se refere ao primeiro desses fatores, o que se coloca em discussão são as
necessidades e prioridades dos indivíduos que se encontram em uma situação de escolha
política. Não se trata mais da capacidade do contexto difundir informação e persuadir seus
membros, tal como abordado no tópico anterior, mas da propensão à recepção individual das
mensagens emitidas pelos diferentes contextos. Duas orientações mais gerais permeiam os
estudos sobre o tema: afinal, os indivíduos fazem suas escolhas de modo estratégico ao
buscar, com baixo custo, informação política nas suas redes de interações socialmente
determinadas? Ou, diferentemente, suas escolhas são construídas com vistas a sanar as
discordâncias e, assim, produzir uma escolha que seja apenas harmoniosa com o grupo?
O que importa com essa discussão é compreender as circunstâncias nas quais
informações políticas relevantes são apreendidas por indivíduos que se encontram inseridos
em grupos sociais, onde a aquisição de informações está sujeita às limitações estruturais do
contexto. Essa questão expressa um contraponto existente nas abordagens predominantes nos
estudos da análise contextual. Por um lado, sob a influência do paradigma da escolha racional,
alguns autores enfatizam a busca estratégica por informações políticas que sejam expert e
confiáveis, de tal modo que, sendo racionais, os indivíduos fazem suas escolhas a partir da
relação custo-benefício que a fonte lhe é capaz de proporcionar, selecionando aquelas que
diminuem os custos e aumentam ganhos.
Essa abordagem parte da constatação de que cidadãos comuns têm baixo nível de
informação política e pouco interesse em se manter informados, dado os custos envolvidos
nesse processo. Diante disso, os eleitores contornam seu déficit informacional confiando
naquelas fontes que julgam ser dotadas de informações relevantes para a sua escolha, desde
que a relação custo-benefício envolvido lhe seja benéfica. Entendidos assim, os grupos e as
redes de interações sociais servem como atalhos para indivíduos dotados de propósitos.
Nessas condições, aquelas fontes que os indivíduos julgam ser mais apropriadas e que
reduzem os custos de os tornarem informados são selecionadas em detrimento de outras mais
custosas e ineficientes (DOWNS, 1957; HUCKFELDT & SPRAGUE, 1995; AHN et.alli.,
2009).
Talvez o maior expoente dessa abordagem se encontre em Citizens, Politics, and
Social Communications, de Huckfeldt e Sprague (1995). Para os autores, os indivíduos, sendo
interdependentes e dotados de intencionalidade, buscam adquirir novas informações por meio
dos caminhos mais objetivos e fáceis. Numa clara referência a Teoria Econômica da

49
Democracia, de Downs (1957), os autores afirmam que os ganhos envolvidos com a
aquisição de informações variam conforme as facilidades e a satisfação que são capazes de
proporcionar. Partindo do suposto de que eles têm liberdade para escolher suas fontes em um
conjunto estruturado de opções, os custos informacionais se tornam menores quando
procuram adquiri-las em contextos em que confiam, onde já mantém interações regulares ou,
ainda, que apresentem vieses similares às suas próprias predisposições (ver também
HUCKFELD & SPRAGUE 1993a, p.296).
Para Huckfeldt e Sprague, informação socialmente obtida é de menor custo porque ela
é resultado eficiente de diversos fatores. Primeiro porque ela é sob medida, pois em jornais
impressos ou na TV, por exemplo, o indivíduo interessado não necessariamente encontra
informações relevantes e suficientes para a formação de sua opinião a respeito de um
determinado assunto (digamos, a respeito da legalização do aborto), mas quando ele procura
acionar outro indivíduo no qual confia, pode selecionar aquele que julga deter informações
mais precisas (talvez o padre ou o pastor da própria igreja, que tem opinião formada sobre o
assunto). Segundo, porque indivíduos exercem maior controle sobre as fontes quando se
baseiam nas suas redes de interações. Isso se dá devido ao fato de ser mais provável que eles
conheçam melhor os vieses das informações transmitidas pelos grupos a que pertence, em
prejuízo de outras fontes, como jornais e redes de TV. Ao selecionar a origem, torna-se
possível optar por contatos que apresentam pontos-de-vista próximos aos do próprio
interessado, diminuindo os custos do processo de tomada de decisão (HUCKFELDT &
SPRAGUE, 1995).
Numa perspectiva alternativa, maior ênfase é conferida à necessidade individual de
conformação social. Nesse caso, os indivíduos buscam evitar o conflito e a discordância no
interior dos grupos. Supõe-se, assim, que eles são capazes de controlar sua exposição a muitos
dos contextos nos quais estão localizados, agindo propositalmente com o objetivo de reduzir
as divergências por meio de várias estratégias, incluindo ajustar a própria atitude à do grupo,
reinterpretar a posição da fonte ou selecionar uma rede de interações que compartilhe de sua
posição (FINIFTER, 1974). Esse argumento parte da idéia de que as pessoas tendem a
demandar conformidade política nas relações sociais devido a própria perda de tolerância a
atitudes discrepantes ou como resultado de seu compromisso com um viés particular. Seriam,
portanto, as atitudes e opiniões já estabelecidas que determinariam o ajustamento dos
indivíduos aos grupos, viabilizando ou impedindo o estabelecimento de trocas informacionais
de relevância política. Três fatores de natureza psicológica motivariam a busca intencional

50
pela conformidade: primeiro, porque desviar das normas prevalecentes do grupo com o qual
se identifica eleva o sentimento individual de isolamento; segundo, porque destoar das
normas dos grupos causa questionamento e avaliação das próprias atitudes e opiniões; por
fim, porque desviar estimula a dissonância cognitiva (FINIFTER, 1974, p.613-4; MUTZ
2006).
De modo complementar a essa perspectiva, pode-se considerar a hipótese de que
existe conformação de atitudes no interior dos grupos quando há benefícios envolvidos. É o
que Katz e Lazarsfeld, em Personal Influence, chamam de “valor instrumental” da
conformidade, que é derivado dos ganhos alcançados pelo indivíduo ao compartilhar atitudes
e opiniões com o grupo com o qual se identifica. Tais benefícios estão relacionados à
extensão com que o indivíduo deseja ser aceito como membro do grupo e, assim, a abdicar de
suas atitudes a favor daquelas predominantes no grupo. Apesar de a motivação ser
instrumental, a conformação de atitudes não se dá necessariamente como resultado de
cálculos racionais por parte do indivíduo, que possivelmente age de modo inconsciente
(KATZ & LAZARSFELD, 1965, p.50-3). Seja como for, consciente ou não, os resultados
proporcionados pelo valor instrumental da conformidade são os mesmos, levando a certo
ajustamento de opiniões e atitudes no interior do grupo.
Embora se diferenciem quanto ao foco, essas perspectivas não são incompatíveis entre
si. Elas partem de um lugar comum e percorrem caminhos similares, distinguindo-se
precisamente nas pressuposições de motivações individuais que levam os indivíduos a se
conformarem com o grupo. Para Huckfeldt e Sprague (1995) e Ahn et.alli. (2009), indivíduos
procuram por informação política expert com vistas a minimizar os custos envolvidos e
maximizar os benefícios, importando mais os contextos sociais onde essas informações úteis
estão disponíveis a um custo reduzido; para Mutz (2006), Finifter (1974) e Katz e Lazarsfeld
(1964), diferentemente, indivíduos priorizam a harmonia e a utilidade de uma informação
política que não gere conflito com o grupo a que pertence, o que torna mais decisivo para a
sua escolha aqueles grupos com os quais os indivíduos mais se identificam.
Embora esse debate tome proporções maiores e também se guie para outras direções23,
o que importa destacar aqui, para os propósitos desse estudo, é que a obtenção de informação
e a adequação atitudinal, em ambos os casos, é feita por um agente dotado de intencionalidade

23
Há, atualmente, um profícuo debate sobre o quão deliberativo são as conversas políticas cotidianas.
Deliberação, nesse caso, estaria condicionada à manifestação de pontos de vista divergentes entre indivíduos
que se encontram em interação. Esse debate opõe Mutz (2006, 2002), que refuta essa idéia, e Huckfeldt com
diversos autores, que demonstram a existência de disputa entre diferentes atitudes na vida cotidiana de
indivíduos em interação.
51
e que, ao fim, todas as duas leituras apontam para um inexorável processo de homogeneização
dos círculos sociais, desde que existam motivações individuais para conformação com o
grupo.

1.5.2. Condições ambientais e fluxo informacional


O tópico anterior explorou as motivações que levam os eleitores a se adequarem às
atitudes políticas do grupo. Nessa sessão, diferentemente, pretende-se defender a idéia de que
outros fatores, externos aos indivíduos e independentes das redes de interações, também
podem intervir na extensão com que os grupos sociais determinam as escolhas políticas do
eleitor. Algumas considerações a esse respeito serão trabalhadas nos próximos parágrafos. Em
especial, será destacado como as regras e os procedimentos formais de uma eleição são
capazes de estabelecer circunstâncias mais ou menos favoráveis aos efeitos contextuais. Essa
é uma dimensão pouco explorada nos estudos sociológicos abordados até agora, não existindo
muitas referências que lidam com esse aspecto. Por esse motivo, grande parte da
argumentação será sustentada tomando por base outras referências teóricas.
Dentre os estudos que abordam o tema, há certo consenso de que os efeitos ambientais
produzidos pelas instituições políticas afetam a disponibilidade de informações e instituem
níveis diferenciados de exigência ao eleitor, condicionando a forma como a sua preferência
eleitoral é definida (POPKIN, 1991; SNIDERMAN, 2000; LUPIA & MCCUBBINS, 1998).
Os autores que compartilham desse diagnóstico partem do reconhecimento de que um simples
voto se insere num processo mais amplo que envolve normas formais que regulamentam a
disputa política. As características do sistema partidário e do sistema eleitoral, sobretudo,
estabelecem procedimentos que incidem diretamente sobre a habilidade do eleitor obter
informações relevantes para a sua tomada de decisão.
Em democracias estáveis de longa data, os programas e as legendas partidárias tendem
a fazer parte do universo político do eleitorado, que guia suas escolhas tomando por base as
orientações dos partidos políticos. De modo geral, essa é a realidade de sistemas bipartidários
com modelo majoritário de representação, cujas regras eleitorais são simples e,
consequentemente, a exigência por conhecimento político é menor. Nesses casos, a identidade
partidária funciona como filtro no processo de aquisição de informação pelo eleitor, levando-o
a rejeitar aquelas fontes que destoam de suas preferências previamente constituídas. Um
sistema partidário consolidado facilita a escolha eleitoral ao fornecer atalhos informacionais e
posicionamentos políticos duradouros ao longo do tempo, fazendo com que os eleitores,

52
durante uma campanha, simplifiquem o processo de tomada de decisão apoiando-se nas
legendas partidárias (POPKIN, 1991; SNIDERMAN, 2000; LUPIA & MCCUBBINS, 1998).
Nessas condições, uma vez formada a identidade partidária, a importância dos grupos
na persuasão política dos indivíduos tende a tomar dimensões menores. É provável que,
nesses casos, durante as campanhas, os grupos atuem mais como fontes de informação que
reforçam as predisposições individuais, reiterando atitudes e opiniões já formadas
(LAZARSFELD eti.ali. 1948). Por outro lado, em democracias recentes e instáveis ou com
regras eleitorais complexas, a identidade partidária tende a ocupar um papel secundário na
definição das escolhas políticas. É o que se observa, por exemplo, nos países latino-
americanos, que apresentam sistemas partidários fragmentados e maior complexidade
eleitoral (AMES, 2005).
O Brasil é um caso típico desse segundo grupo, pois reúne um conjunto de
características institucionais que o leva a ser classificado com um ambiente eleitoral
complexo: baixa identificação partidária, multipartidarismo, distritos eleitorais amplos,
eleições simultâneas para cargos distintos, possibilidade de realização de coligação eleitoral, e
muitos candidatos disputando a mesma cadeira. A engenharia institucional se torna
particularmente mais complexa para as suas eleições legislativas, que adotam o modelo de
representação proporcional com lista aberta, incentivando a competição até mesmo entre
membros de uma mesma legenda (RENNÓ, 2004; NICOLAU, 2006). Nessas circunstâncias,
o sistema político tende a estimular campanhas centradas nos atributos pessoais dos
candidatos e os partidos têm uma presença mais limitada no universo político do eleitorado,
não funcionando como atalhos cognitivos que simplificam a escolha dos eleitores24.

“In weak party systems, mass political behavior is more ‘individualized’.


Because party-group linkages are weak, and because information shortcuts
based on party labels are unreliable, candidates reinvent the wheel with each
election. Many candidates make direct appeals to voters via the media,
relying on imagery and rhetoric over appeals to partisan affinities, policy
concerns, or group interests (AMES, 2006, p.01).

Sistemas políticos com essas características fomentam o voto personalizado e criam


empecilhos à identidade partidária. Consequentemente, eleitores tendem a destinar seus votos

24
Uma pesquisa realizada pelo Iuperj nas eleições de 2002 perguntou aos eleitores o que era mais importante
na escolha de deputado federal. O resultado revela que a grande maioria (92%) define seu voto a partir dos
atributos pessoais do o candidato; apenas 4% consideraram o partido, e outros 4% responderam que tanto os
partidos quanto os atributos pessoais eram importante. Outra Uma outra questão solicitou aos eleitores que
dissessem em qual partido havia votado nas eleições para deputado federal. Somente PT, PSDB, PMDB e PFL
receberam um número de menções superior a 2% (NICOLAU, 2006)
53
a candidatos de diferentes legendas durantes as eleições. Essa realidade é bastante distinta
daquela que foi alvo dos estudos sociológicos trabalhados nesse capítulo, quase que
exclusivamente baseados no modelo norteamericano. Num sistema onde apenas dois partidos
monopolizam o cenário político de longa data, tornam-se mais simples desenvolver
identidades partidárias e se apoiar nas legendas para a definição de do voto. Não é essa a
realidade de grande parte dos países sulamericanos.
Diante dessas condições, na ausência do recurso partidário para a tomada de decisão,
onde, então, os eleitores adquirem informações políticas para a sua escolha eleitoral? Quais
fontes tendem a se tornar mais relevantes como resultado desses ambientes institucionais?
Para alguns autores, democracias com essas características são terrenos férteis para atuação
dos meios de comunicação de massa e para os efeitos das campanhas. Essas seriam as
principais fontes de informação política de um eleitorado sem posições claras e com elevada
volatilidade (SKIDMORE, 1993).
Apesar de bastante consistente, não é essa a posição que se pretende explorar nessa
sessão. Baker, Ames e Rennó (2006) oferecem uma leitura alternativa, focada na importância
dos grupos para a difusão de informações. Para os autores, as pesquisas que têm enfatizado o
papel dos meios de comunicação e das campanhas política têm ignorado os contextos sociais
em que os eleitores estão inseridos, negligenciando em suas abordagens as redes informais de
discussão política. Tal como os demais, esses autores também reconhecem que a ausência de
identidade partidária tende a gerar instabilidades nas atitudes dos eleitores, levando-os a uma
forte volatilidade no voto. Mas diferentemente daqueles que exaltam o papel da mídia e das
campanhas nessas condições, Baker et.alli. sugerem que as discussões informais do dia-a-dia
– no interior das redes sociais da família, amigos, vizinhos e outros círculos sociais mais
imediatos – têm o potencial de expor os indivíduos a estímulos políticos eventuais. Essas
redes de discussão acabam por ser importantes fontes de difusão de informações sobre
candidaturas, definindo a escolha política do eleitor. Conforme destacam, “politically colored
information gathered by citizens through social networks plays a primary role in short-term
attitude change and vote choice” (BAKER et.alli. p.382).
O caso brasileiro, que combina fraca identidade ideológica e ausência de bandeiras
partidárias precisas, foi a referência empírica dos autores. O estudo voltou sua análise para as
eleições presidenciais do ano de 2002, quando quatro candidatos disputaram a preferência dos
eleitores e uma alta volatilidade foi observada. Foram levantados dados sobre a exposição
individual a conversas políticas informais e também sobre a exposição aos meios de

54
comunicação. A partir dessas informações, os resultados foram contrastados com as intenções
de voto para presidente de três momentos distintos durante o processo eleitoral25. Os
resultados indicaram que as conversas políticas casuais do dia-a-dia desempenharam papel
determinante na indução das mudanças de intenção de voto durante as eleições de 2002.

“Social context and, in particular, interpersonal discussion were the


primary movers of voters in Brazil’s 2002 campaign. In a milieu of
limited partisanship wheremost parties do not have consolidated
“brand names,” networks of political discussion are the main conduit
of preference change. Discussion and horizontally exchanged
interpersonal, rather than partisan, cues are the way that many
Brazilians voters wind their way through the complex party system
elites have created” (BAKER et.alli. 2006, p. 394).

O estudo de Baker et.alli. permite dimensionar a extensão dos efeitos contextuais ao


demonstrar que as redes de interações tendem a ser mais ativas na definição das preferências
de eleitores sujeitos a maior volatilidade. Os autores vacilam apenas ao não demonstrar as
possíveis diferenças existentes entre os modelos majoritário e proporcional de representação
política. Como já destacado, as eleições legislativas para a Câmara Federal no Brasil adotam o
sistema proporcional para a distribuição de cadeiras, tendo as unidades federativas (Estados)
como distritos eleitorais. As conseqüências desse arranjo institucional sobre a escolha do
eleitor são imediatas, tornando a definição do voto muito mais exigente (NICOLAU, 2006).
Para se ter uma idéia clara desse processo, durante as mesmas eleições de 2002, no estado de
Minas Gerais, 554 candidatos disputaram as 53 vagas de deputado federal do distrito, por 27
diferentes partidos políticos. Conhecer cada um dessas candidaturas para que se possa
escolher uma delas se torna uma tarefa extremamente difícil para qualquer eleitor. Não
bastasse toda essa complexidade, as eleições legislativas recebem pouca cobertura da mídia e
cada candidato dispõe de apenas alguns segundos semanais no horário eleitoral gratuito da TV
e rádio.
Nessas condições, a escolha política se torna uma tarefa muito mais exigente para o
eleitor do que aquela para a presidência da República, discutida acima. Dessa forma, os
efeitos contextuais proporcionados pelo pertencimento aos grupos são mais robustos diante
dessas circunstâncias institucionais, onde o eleitor não conta com alternativas de fontes de
informações para a construção de sua escolha política. Toda essa argumentação leva a crer

25
A base empírica desse estudo foi uma pesquisa painel realizada em duas cidades brasileiras durante o
processo eleitoral de 20020: Caixas do Sul, no estado do Rio Grande do Sul, e Juiz de Fora, em Minas Gerais.
55
que o ambiente eleitoral é um fator interveniente que define quando a influência dos grupos
tende a ser mais evidentes.

1.5.3. Sofisticação política e grupos sociais


O terceiro e último dos fatores a ser trabalhado nesse tópico remete aos possíveis
impactos causados por certos atributos dos eleitores no processo de influência política dos
grupos. Com isso, coloca-se em discussão se condições objetivas individualmente
estabelecidas intermediam a relação que é mantida entre o indivíduo e o grupo no que tange à
formação de preferências políticas. Isto é, se certas características possuídas pelos eleitores
fazem deles mais ou menos propensos à influência dos contextos durante a escolha eleitoral.
Embora isso independa dos grupos e não seja alvo de maiores preocupações da abordagem
sociológica do voto, é comumente enfatizado por hipóteses concorrentes que o volume de
informação política de um eleitor baliza a forma como são construídas suas preferências. Para
os objetivos dessa dissertação, resta saber se o nível de conhecimento possuído por um
indivíduo também define o modo como ele é influenciado pelos grupos sociais.
A origem desse debate está no reconhecimento de que informação é desigualmente
distribuída e que os indivíduos apresentam graus diferenciados de competência quando lidam
com questões de natureza política. Partindo dessa avaliação, uma vasta literatura sobre a
sofisticação política dos cidadãos se desenvolveu ao longo das últimas cinco décadas de
pesquisas em comportamento eleitoral. O trabalho de Campbell, Converse, Miller e Stokes,
em American Voter (1960), foi o primeiro a discutir o tema da sofisticação política de forma
sistemática (embora ainda não empregassem esse termo), estabelecendo os pilares dos estudos
que se desenvolveram posteriormente sobre a ‘competência’ do eleitor. Nessa obra, buscou-se
analisar, em especial, o quão familiarizado eram os americanos em relação ao uso de termos
ideológicos.

We are interested in the presence or absence of certain abstractions that have


to do with ideology; but we are also interested in the degree to which an
individual’s political world is differentiated, and, most important, in the
nature of the degree of “connectedness” between the elements that are
successfully discriminated. In short, we are interested in the structure of
thought that the individual applies to politics; and this interest forces us to
deal in typologies and qualitative differences (CAMPBELL et alli., 1960,
p. 221-2).

A partir da leitura dos dados do American National Election Study, de 1956, esses autores
abordaram as posições dos eleitores em termos de conceitualização e coerência ideológica. Os
56
resultados constataram que apenas uma minoria do eleitorado americano apresentava
avaliações de candidatos e partidos que eram permeadas por concepções abstratas associadas
a ideologias. Uma ampla maioria não tinha familiaridade com termos ideológicos, sendo
incapazes de mobilizar conhecimentos e conectar informações. Essas evidências vieram a
reafirmar estudos que já apontavam para o baixo nível de conhecimento político do eleitor,
colocando em cheque a tese sustentada pela teoria democrática clássica de que o cidadão, em
média, seria informado e racionalmente orientado.
Ao revisar e expandir essa análise de Campbell et alli., Converse (1964) introduziu o
conceito de “sistema de crenças” com o objetivo de dar melhor enquadramento teórico aos
achados de American Voter. De acordo com autor, sistemas de crenças podem ser definidos
como “[...] a configuration of ideas and attitudes in which the elements are bound together by
some form of constraint or functional interdependence” 26 (CONVERSE, 1964, p. 181). O seu
modelo pressupõe que as referências ideológicas que fundamentam um sistema de crenças são
constituídas por idéias-elementos correlacionadas. Dessa forma, torna-se possível prever a
atitude de um indivíduo em relação a uma dada questão política a partir do posicionamento
dele diante de uma questão associada. Para fins de ilustração, pode-se supor, de acordo com
os pressupostos de Converse, que um indivíduo que seja a favor de uma ampla reforma
agrária supostamente também será simpático à atuação de movimentos sociais de luta pela
terra e, durante as eleições, votará em partidos socialistas cujo programa prevê a consecução
desse projeto.
Munido desse arcabouço teórico, Converse se coloca diante do desafio de verificar
empiricamente o nível de consistência lógica entre as opiniões sustentadas pelos eleitores e as
suas preferências eleitorais. Os resultados demonstraram que para a maioria do eleitorado não
havia uma correspondência direta entre as preferências partidárias e os issues que diferenciam
as candidaturas em uma determinada eleição27. De acordo com autor, essa incoerência seria
muito mais predominante para o grande público, o que o leva a crer que apenas uma parcela
muito pequena do eleitorado (as elites) nas grandes democracias contemporâneas é, de fato,
competente (CONVERSE, 1979, p.147). Toda a outra parcela do eleitorado, particularmente
dos segmentos de status socioeconômico desprivilegiado, apresenta baixo grau de informação

26
Constraint, ou estruturação, são os constrangimentos que agem sobre a configuração de idéia fazendo com
que exista certa interdependência de sentidos entre elas. O termo deve ser entendido, para fins empíricos, em
termos de variação em grau, como uma média entre indivíduos (Converse, 1964).
27
Converse ilustra sua proposição demonstrando, por exemplo, que os mesmos eleitores americanos
favoráveis ao estado de bem-estar social defendem a redução de impostos, o que caracterizaria, a princípio,
duas idéias mutuamente excludentes.
57
sobre assuntos em evidência e não tem opiniões formadas sobre questões políticas relevantes,
configurando um sistema de crenças com elevado grau de incoerência e fluidez interna28. Para
esses casos, mesmo quando se chega a observar uma identificação partidária por parte do
eleitor, percebe-se que ela própria é, com freqüência, resultante de uma ação irrefletida e
desinformada por parte do cidadão29.
As conclusões mais gerais dos estudos de Campbell et.ali. (1960) e Converse (1964),
assim como de outros estudos posteriores, compõem um quadro eminentemente negativo,
pois apontam para a predominância de uma grande maioria de eleitores com baixo nível de
conhecimento político e capacidade de abstração. Diversas análises empíricas mais recentes
têm reafirmado esse diagnóstico, demonstrando a existência de uma maioria de cidadãos
desinteressados, inconsistentes nos seus posicionamentos e pouco informados sobre assuntos
políticos, nas mais diversas realidades observadas (LAWRENCE, 2003; CASTRO, 1994;
RENNÓ, 2004; 2006).
Diante da afirmação desse quadro, como podem ser compreendidas as escolhas dessa
grande massa de eleitores de baixa sofisticação? Quais fontes de informação podem se tornar
relevantes para esse público? Diversas respostas foram dadas a essas questões (cf. DOWNS
1999; ZALLER 1992; POPKIN, 1994). Aqui, no entanto, dado os objetivos dessa dissertação,
interessa apenas retomar alguns pontos trabalhados pela abordagem sociológica do voto que
podem esclarecer a relação entre o nível de sofisticação política do eleitor e a influência dos
grupos sociais.
Na sua origem, antes de American Voter, os teóricos de Columbia já haviam
identificado empiricamente que informação política é desigualmente distribuída entre os
eleitores, sendo essa a razão pela qual trabalhavam com dois grupos principais para fins de
análise: de um lado, os eleitores que mantêm suas preferências políticas estáveis e atitudes
consolidadas ao manifestar sua intenção de voto; do outro, eleitores que apresentam atitudes
instáveis e desinteresse por assuntos políticos, mudando suas preferências no desenrolar do
processo eleitoral. Em The People’s Choice, por exemplo, seus autores dedicaram algumas

28
“É fato bem conhecido que as diferenças do nível de informações, no interior de uma mesma coletividade,
variam enormemente, indo dos vastos tesouros de informação vem organizada, a disposição das elites
interessadas nos assuntos em questão, aos fragmentos dispersos que se encontram em mãos das massas. A
posição dos indivíduos nessa ordenação vertical é, em grande parte, devida a diferenças de educação, embora
seja fortemente modificada pelos diferentes gostos e interesses especializados adquiridos ao longo do tempo
(uns se interessam mais por política, outros por religião, outros por futebol etc.)” (CONVERSE, 1979, p.150).
29
Campbell, em “Public Opinion and voting behavior”, demonstra que em países com estrutura partidária
estável por longos períodos as preferências partidárias são formadas por meio da socialização (principalmente
a partir das tradições familiares), não guardando nenhuma relação forte com as opiniões expressas pelo
eleitorado.
58
sessões para a observação do comportamento do eleitor conforme o seu nível de interesse
pelas eleições. As primeiras evidências mostraram que quanto maior o desinteresse, menor era
o conhecimento do eleitor a respeito de questões de natureza política e menor era a exposição
individual aos veículos de comunicação (LAZARSFELD et.ali. 1948, p. 52-6).
Em Voting, seus autores vão um pouco mais longe. De forma mais sistemática,
demonstram que o típico cidadão médio se encontra bastante distante da imagem sustentada
pela teoria democrática clássica. No lugar do eleitor bem informado, politicamente engajado e
interessado por questões públicas, Berelson, Lazarslfed e McPhee se deparam com um
cidadão confuso, ignorante quanto as propostas dos candidatos e incapaz de determinar
claramente as conseqüências das alternativas escolhidas.

“The democratic citizen is expected to be interested and to participate in


political affairs. His interest and participation can take such various forms as
reading and listening to campaign materials, working for the candidate or the
party, arguing politics, donating money, and voting. In Elmira the majority
of the people vote, but in general they do not give evidence of sustained
interest. Many vote without real involvement in the election, and even the
party workers are not typically motivated by ideological concerns or plain
civic duty” (BERELSON et alli., 1966, p.307).

Essas constatações coincidem com o quadro negativo posteriormente desenhado por


Campbell et.ali. (1960) e Converse (1964). Mas, diferentemente desses autores, os teóricos de
Columbia indicam caminhos um pouco mais otimistas quanto à capacidade do eleitor
construir a sua decisão política. Para ele, o baixo nível de conhecimento e o desinteresse de
grande parte do eleitorado são contornados, em certa medida, pela atuação dos líderes de
opinião na difusão de informações. Mesmo que os eleitores não exibam atitudes consistentes e
ideologicamente fundamentadas, eles são capazes de fazer um mínimo sentido do mundo
político a partir das poucas informações que lhe são transmitidas pelas redes de interações
sociais. Por meio desse processo, o segmento menos sofisticado do eleitorado segue os
caminhos confiados às pessoas do seu entorno, principalmente os líderes de opinião,
chegando a resultados similares aos dos demais eleitores.
A ação das lideranças nesse processo não é fortuita. Em Personal Influence, Katz e
Lazarsfeld demonstram que esses “líderes moleculares” exercem maior influência nos seus
contextos sociais mais imediatos, não necessariamente alcançando proeminência na
comunidade mais ampla. Diante disso, mesmos os eleitores com baixa sofisticação tendem a
formar suas atitudes e opiniões políticas “a way that, in the end, they conformed closely to the
political climate of their social environment” (KATZ & LAZARSFELD, 1965, p.3). A
59
escolha política desse público é, desse modo, definida fortemente pelas sugestões de outros
indivíduos com quem já mantém interação regular no curso de sua vida diária, ou seja, nos
grupos dos quais fazem parte.
Tais proposições levam a crer que os efeitos dos grupos sociais sobre as preferências
eleitorais tendem a ser mais robustos para os indivíduos com os menores níveis de
sofisticação. Esse público constitui o segmento do eleitorado mais desprovido de recursos
informacionais e, por isso, dado certos atributos que possui, torna-se refém das poucas fontes
de informações que lhe é disponível. Nessas condições, as lideranças eventualmente
existentes em cada um dos grupos tendem a desempenhar um papel ainda mais importante ao
transmitir informações políticas que darão os contornos finais à escolha eleitoral de um
indivíduo pouco sofisticado. No cenário político brasileiro, onde o voto é obrigatório, isso se
torna ainda mais saliente, pois até mesmo os cidadãos desinteressados necessitam de um
mínimo de informação para a sua escolha política.
Há razões, assim, para se ter a sofisticação política como uma variável interveniente
no processo de influência dos grupos, definindo quando os contextos sociais podem
desempenhar um papel ainda mais relevante na formação das preferências eleitorais dos
indivíduos. Em particular, supõem-se que eleitores mais cientes do universo político e,
portanto, mais sofisticados, contariam com mais fontes de informação à sua disposição para
construírem sua escolha política. Do mesmo modo, eleitores menos sofisticados seriam mais
limitados na sua capacidade de mobilizar conhecimentos e fontes alternativas de informação
política, contando com menores possibilidades de acionarem recursos para a sua decisão, o
que pode torná-los reféns de certas fontes que lhe estão disponíveis. Para esse público, os
efeitos dos grupos sociais – e, em especial, de suas lideranças – tenderia a ser mais
determinantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse capítulo discutiu o papel dos grupos sociais na definição das preferências
políticas. A abordagem sociológica do voto, que se propõe a tarefa de atribuir sentido à
escolha do eleitor a partir da sua localização social, foi a referência teórica explorada com
essa finalidade. Duas diferentes perspectivas foram apresentadas: os estudos eleitorais da
Escola de Columbia e a análise contextual da política. Ambas partem do reconhecimento de
que o mecanismo elementar de influência e formação de preferência política são as interações
social estabelecidas entre os indivíduos, tendo como referência de análise os grupos e as redes
60
de relações interpessoais. Seria por meio da inserção individual nesses ambientes que os
indivíduos compartilhariam as informações responsáveis por dar sentido à sua preferência
política.
Embora partam de um lugar comum, essas duas abordagens se distinguem quanto à
ênfase. Por um lado, a análise contextual, influenciada por abordagens economicistas, ressalta
aspectos mais individualísticos do comportamento político, em especial a orientação
instrumental do eleitor na aquisição e processamento de informação. Por outro lado, os
trabalhos mais elaborados da Escola de Columbia buscaram identificar quais fatores
associados aos grupos definem a extensão com que os indivíduos compartilham opiniões e
atitudes com outras pessoas de seu ambiente social. Parece existir, assim, certa inversão na
direção da causalidade entre essas duas vertentes: enquanto os estudos clássicos buscavam
entender como a estrutura social definia os padrões de comportamento, a nova abordagem se
interessava pela forma como um eleitor estrategicamente orientado se inseria nas estruturas do
ambiente social.
Ao longo desse capítulo, buscou-se argumentar que essa mudança de foco levou a
abordagem sociológica do voto a se esquivar do debate a respeito dos mecanismos de
influência dos grupos sociais. Essa seria, inclusive, a razão pela qual muitos estudos da
análise contextual não tinham clareza quanto aos efeitos produzidos por contextos específicos.
O resultado seria uma abordagem que nem sempre consegue identificar as especificidades das
formações sociais que são responsáveis pelos efeitos contextuais. Outro problema relacionado
é o uso não padronizado de conceitos-chave, com o enquadramento de termos caros à
sociologia do voto – como grupo e contexto sociais – apresentando variações de sentido e
operacionalização empírica.
Isso demonstra que os desdobramentos mais recentes da abordagem sociológica
acabaram por apreender apenas parte do legado da Escola de Columbia, não sendo
consideradas aquelas contribuições que eram baseadas nos estudos de pequenos grupos.
Perdia-se com isso a capacidade de se identificar as especificidades dos grupos sociais que
determinam a direção e a intensidade do fluxo de comunicações no interior das redes de
interações, definindo quais elementos levam a uma maior efetividade da influência social.
Identificar essas características permite ao analista observar como e quando o contexto
influencia a decisão do eleitor, sendo, portanto, imprescindível para se apontar quais os
mecanismos são responsáveis pelos efeitos observados.

61
Diante desse quadro, posicionou-se a favor de uma abordagem que retome algumas
das contribuições da teoria de grupos. Isso, no entanto, não implicava em abrir mão dos
avanços proporcionados pela análise contextual, sendo preservados os pressupostos
assumidos por essa perspectiva quanto a intencionalidade do eleitor e os múltiplos níveis de
análise. O produto final seria uma perspectiva mais realística da escolha política, uma
abordagem que concebe o eleitor como indivíduo dotado de certos atributos e que age
propositalmente no interior de determinadas estruturas, onde são colocadas possibilidades e
impostas restrições às suas escolhas. Dois conjuntos de elementos relacionados a esses
múltiplos níveis de análise foram destacados na parte final do capítulo, sendo apontados como
e quando os grupos tendem a ser mais determinantes na definição da escolha política
individual.
A partir do capítulo seguinte, essa discussão teórica e o novo quadro analítico
desenhado nesse capítulo serão submetidos a validação empírica. O objetivo é tentar
operacionalizar algumas das considerações teóricas discutidas aqui, ilustrando o potencial
explicativo da abordagem sociológica do voto.

62
CAPÍTULO 2

OS EVANGÉLICOS BRASILEIROS E A POLÍTICA

INTRODUÇÃO

O capítulo 1 apresentou a trajetória de desenvolvimento da abordagem sociológica do


voto desde a sua constituição, passando pela crise do paradigma e pelas mais recentes
investidas no campo. Ao longo desse percurso, foram destacados os fundamentos e as
limitações dos estudos que se filiam a essa perspectiva. Algumas considerações adicionais
foram feitas com o intuito de apontar alternativas aos problemas identificados. Como produto
final desse esforço, propôs-se um modelo de análise que parte dos avanços teóricos e
metodológicos contemporâneos, mas que se posiciona a favor de uma retomada das
contribuições dos estudos de grupos como forma de se superar as lacunas identificadas.
Nesse e no próximo capítulo, objetiva-se dar contornos empíricos ao ensaio teórico
desenhado na primeira parte dessa dissertação. Inicialmente, ao longo do capítulo 2, será
apresentado o grupo que será alvo de análise: os evangélicos brasileiros. Serão destacadas não
só as principais características desse segmento religioso, mas será também explorada a relação
entre as igrejas protestantes, ação política e comportamento eleitoral no Brasil. Em seguida,
no capítulo 3, o tema do voto dos evangélicos é retomado à luz da abordagem sociológica
desenvolvida no capítulo inicial. Portanto, daqui em diante, o foco dessa dissertação se volta
para a construção do objeto a ser investigado (os evangélicos) e para a validação das
proposições teóricas elaboradas.
Foram três os motivos que levaram a escolha dos evangélicos como a referência
empírica dessa dissertação. Primeiro, porque as igrejas protestantes brasileiras, ao
constituírem organizações estáveis e com atividades regulares, dispõem de amplas
oportunidades de comunicação e transmissão de mensagens políticas, dada a exposição
recorrente desse público ao grupo. Soma-se a isso o fato de suas lideranças desempenharem
63
um papel de destaque na condução de suas atividades, dispondo de canais diretos e indiretos
para difundirem mensagens de natureza política. Sermões, mensagens pastorais, cursos e
publicações impressas são alguns dos meios utilizados pelas instituições religiosas e por suas
lideranças para veicularem mensagens políticas aos seus membros. A natureza voluntária
dessas associações e o grande apelo moral envolvido ampliam as possibilidades dos
indivíduos atribuírem credibilidade às informações presentes nesses contextos, o que reforça
sua capacidade de exercer influência sobre o voto de seus adeptos.

As igrejas evangélicas têm alto índice de freqüência e são vistas como


celeiros de eleitores congregados. E, de fato, se olharmos em nossa volta,
veremos que não há outra instituição que reúna tantas vezes as mesmas
pessoas durante a semana. Assim sendo, é preciso reconhecer que os espaços
de agregação de evangélicos fazem, hoje, diferença no jogo eleitoral [...] ‘ser
evangélico’ tornou-se uma nova variável neste jogo de relações entre campo
político e campo religioso” (NOVAES, 2002, p.91)”.

A segunda razão de se ter os evangélicos como a referência empírica para este estudo
remete ao fato de existir, no Brasil, grande diversidade de igrejas protestantes, com um amplo
conjunto de características distintas, o que permite averiguar quais os fatores mais relevantes
no processo de influência política. Conforme destacado no primeiro capítulo, variações
quanto a certas características dos contextos podem ser determinantes na transmissão de
informação e na conformação de atitudes dos membros que compõem o grupo, definindo a
capacidade do grupo direcionar as escolhas políticas de seus membros.
Por fim, optou-se pelos evangélicos porque tem se observado no Brasil, nas últimas
décadas, uma intensa mobilização eleitoral de diversas denominações protestantes. Essa,
talvez, seja a motivação inicial e a mais importante, pois muitos estudos têm se dedicado a
compreender esse fenômeno. Poucos, no entanto, têm explorado devidamente as causas dessa
associação. Nessa dissertação, pretende-se manter um diálogo próximo com essas
investigações, trazendo para o âmago da análise as contribuições teóricas da abordagem
sociológica do voto.
O capítulo está organizado em quatro partes. A primeira delas se dedica à apresentação
do grupo social de referência, perpassando, de modo sucinto, por várias de suas dimensões.
Com isso, pretende-se destacar pontos que sejam relevantes para a uma melhor compreensão
dos aspectos presentes nos contextos religiosos. Na segunda parte, são apresentadas as
principais tipologias do protestantismo brasileiro como forma de identificar traços em comum
de diferentes denominações. Essas classificações serão importantes para o estudo empírico
que será desenvolvido no capítulo 3. Em seguida, na terceira e quarta partes, as atenções se
64
voltarão para a relação entre igrejas e política e para o comportamento eleitoral dos
evangélicos, respectivamente.

2.1. A DIVERSIDADE DO PROTESTANTISMO BRASILEIRO

O protestantismo no Brasil é marcado pela diversidade. Talvez não exista no país outra
religião que apresente tantas denominações e diferenças internas tão acentuadas. Apesar da
origem comum, a Reforma ocorrida no século XVI, são muitos os agrupamentos, as
tendências doutrinárias, os tipos de organização e as práticas religiosas. O perfil dos membros
de cada denominação também é marcadamente diverso, sobretudo no que se refere aos
atributos socioeconômicos dos seus adeptos.
Esse tópico objetiva tratar de algumas das questões alusivas ao universo protestante no
Brasil. Não se pretende, com isso, produzir novos e profundos esclarecimentos sobre o
protestantismo, mas apenas trazer indicativos históricos da constituição desse segmento
religioso no Brasil e apontar alguns dos atributos das diferentes tendências e igrejas, além de
delinear o perfil de seus membros. Trata-se, portanto, de uma incursão analítico-descritiva
sobre o objeto de pesquisa dessa dissertação.

2.1.1. A Constituição do Protestantismo no Brasil


Apesar da indiscutível heterogeneidade do universo protestante brasileiro, todas as
denominações que o constituem são publicamente reconhecidas e auto-identificadas pelo
termo evangélico. Houve um longo processo histórico que tornou possível simplificar toda
essa complexidade em torno de uma única referência. Isso se deve, em grande medida, à
presença marcante de igrejas renovadas e pentecostalizadas no campo religioso brasileiro
desde o início do século XX. Ao adotarem a postura de educadores cristãos, de difusores dos
ensinamentos bíblicos, numa estratégia proselitista de promoção da fé protestante, essas
igrejas consolidaram em torno de si uma imagem de evangelizadores, de onde teria surgido a
identificação como evangélicos. Por outro lado, tal referência também se deve ao fato de
grande parte das missões protestantes vindas ao Brasil terem sido conduzidas pela linhagem
americana conhecida como “evangelicals”, em referência às igrejas que surgiram a partir dos
movimentos reavivados do século XIX e dos movimentos pentecostais, do século XX.
Evidentemente, não só de evangélicos renovados e pentecostalizados se fez o
protestantismo brasileiro. A sua inserção no país se deu através de imigrantes estrangeiros que

65
trouxeram consigo, nas primeiras imigrações do século XIX, as práticas religiosas típicas de
seu país de origem. Fixando-se principalmente nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa
Catarina, um expressivo contingente de imigrantes alemães inseriu o luteranismo, ramo
original da Reforma Protestante. Simultaneamente, chegam imigrações inglesas que
estabeleceram as primeiras comunidades anglicanas no interior do estado de São Paulo
(PIERUCCI, 2005).
Nesse mesmo período, por volta de meados do século XIX, começam a chegar
sistematicamente diversas missões protestantes norte-americanas. Derivam dessas iniciativas
as igrejas Metodista, Batista e Presbiteriana, que junto das igrejas Luterana e Anglicana
(também chamada Episcopal) formam o conjunto de denominações evangélicas brasileiras
que, de modo geral, mantinham grande proximidade com os princípios norteadores da
Reforma Protestante, baseando-se fortemente no apelo à boa conduta moral e na importância
da comunidade religiosa (MAFRA, 2001).
Os batistas, em particular, já apresentavam traços das tendências religiosas norte-
americanas em expansão àquele tempo. No Brasil, foram eles os primeiros a difundir o
pensamento evangélico-fundamentalista com forte apego proselitista (FERNANDES, 1998).
Essa característica foi determinante no processo de disseminação de uma religiosidade mais
popular pelo país, no início do século XX, quando se dá a mais radical e importante mudança
nos rumos do protestantismo brasileiro. Os movimentos de avivamento norte-americanos e as
tendências sectaristas no interior da igreja Batista levaram ao estabelecimento da Assembléia
de Deus e da Congregação Cristã, que instauram um novo modo de se praticar o
protestantismo no país, principalmente no que tange aos ritos e experiências religiosas: no
lugar da rigidez, do formalismo e da contenção das igrejas tradicionais, o pentecostalismo
propunha uma vida religiosa direcionada para os “dons do Espírito Santo” que se
manifestavam na prática da glossolalia30, das curas milagrosas e das profecias, dentre outros31.
A inserção do pentecostalismo no universo protestante brasileiro seria fundamental
para uma expansão acelerada desse segmento pelo país. Os esforços da Assembléia de Deus e
da Congregação Cristã fizeram com que se multiplicasse o número de igrejas evangélicas por
todo o seu território. As causas dessa maior adaptação à realidade brasileira estão relacionadas

30
Glossalia é o termo utilizado para se referir à capacidade de religiosos falarem em “línguas estranhas”, desconhecidas, de
modo involuntário, enquanto oram. Essa prática é narrada pela primeira vez na Bíblia, no livro Atos dos Apóstolos, que
descreve o evento ocorrido no dia de Pentecostes, quando os discípulos de Jesus passaram a falar aos estrangeiros em sua
própria língua.
31
Até mesmo a disciplina, aspecto tão caro aos evangélicos tradicionais, foi flexibilizada. Na Assembléia de Deus e na
Congregação Cristã ela incidia, basicamente, sobre as vestimentas recatadas de seus adeptos e sobre a proibição da dança,
do tabaco, do consumo de alcóol e, às vezes, do futebol (MAFRA, 2001).
66
à forma simples, emotiva e experimental dos cultos pentecostais, onde o improviso e a
irreverência se tornavam atrativos para os estratos mais baixos da sociedade brasileira
(MAFRA, 2001; PIERUCCI, 1996)32. Atualmente, as duas ainda são as maiores igrejas
protestantes do país (PIERUCCI, 2005), mas, dada a própria natureza autônoma e sectarista
dos pentecostais, o protestantismo brasileiro assistiu a uma forte diversificação de seus
quadros em meados do século XX.
Guiados pela intensa urbanização e industrialização da década de 50, um conjunto de
mudanças trouxeram novos elementos para o universo religioso brasileiro e,
consequentemente, para a constituição do protestantismo no país. No lugar dos impedimentos
às vestimentas e do culto definido pela constrição espacial e pela simplicidade, tal como se
dava nessas primeiras igrejas pentecostais, surgem denominações caracterizadas por uma
informalidade ainda maior, pelos cultos alegres e contagiantes, numa nova forma de prática
religiosa. Caracteriza esse novo movimento a utilização intensa de recursos tecnológicos nos
cultos e nas ações proselitistas, cujo objetivo era encontrar formas mais adequadas de se
alcançar um público de massa em expansão (MAFRA 2001, p.35).
Nessa fase, a ênfase recai sobre o dom da cura33, o que veio atribuir às lideranças das
denominações um papel de maior relevância nas experiências religiosas dos fiéis. As igrejas
de maior expressão originadas nesse período foram: O Brasil para Cristo (1951),
Quadrangular (desde 1953 no Brasil) e Deus é Amor (1962). Em comum, todas essas três
igrejas utilizavam meios de comunicação de massa, apelando para o carisma de suas
lideranças (principalmente dos seus fundadores) na condução de todas as atividades da
comunidade religiosa. Embora tal estratégia tenha obtido sucesso, ela apresentou altos custos
para a consolidação desses empreendimentos ao longo das décadas seguintes, pois essas
igrejas demonstraram dificuldades de reproduzir suas estruturas institucionais na ausência do
líder carismático.
Poucos anos depois, na década de 70, uma nova onda de renovação no
pentecostalismo dará os contornos finais ao campo protestante brasileiro. As denominações
que surgiram nesse período deram prosseguimento às estratégias proselitistas já vigentes entre
as pentecostais - tais como o uso dos meios de comunicação de massa -, mas inovaram ao
32
Até mesmo a disciplina, aspecto tão caro aos evangélicos tradicionais, foi flexibilizada. Na Assembléia de
Deus e Congregação Cristão ela incidia, basicamente, sobre as vestimentas recatadas de seus adeptos e sobre a
proibição da dança, do tabaco, do consumo de alcóol e, às vezes, do futebol (MAFRA, 2001).
33
“Dom da cura” remete à crença de que o pastor ou o fiel, por intermediação divina, é capaz de
operacionalizar milagres como a libertação física e espiritual de doenças ou quaisquer outros males
(FERNANDES, 1998).
67
enfatizar aspectos organizacionais das igrejas, principalmente no que se refere à constituição
de um corpo treinado de funcionários ligados a uma instituição central. Para não incorrerem
no mesmo erro das denominações originadas algumas décadas antes, as igrejas que emergiram
nesse cenário, investiram na transferência do carisma pessoal de suas lideranças para a própria
instituição. Nessa onda, encontram-se igrejas como Renascer em Cristo, Comunidade
Evangélica Sara Nossa Terra e o caso de maior sucesso, a igreja Universal do Reino de Deus
(IURD), todas elas comumente denominadas como neopentecostais.
Fundada em 1977 por Edir Macedo, a Universal do Reino de Deus é o mais bem
sucedido empreendimento protestante já registrado no Brasil. Para se ter uma idéia da
dimensão tomada por essa denominação, no início da década de 90, com menos de duas
décadas de existência, a IURD já era a terceira maior igreja evangélica em número de templos
da região metropolitana do Rio de Janeiro, onde foi fundada. Para o Brasil, estima-se que até
o final dessa década já existissem alguns milhares de templos por todo o país (FERNANDES,
1992).
Há, portanto, em todo esse processo de constituição do protestantismo no Brasil, duas
tendências claras: de um lado, aquelas denominações tradicionais que mantiveram fortes laços
com os princípios da Reforma Protestante e com as práticas religiosas convencionais dos seus
países de origem; do outro lado, um amplo conjunto de denominações pentecostalizadas que
se inseriu (ou surgiu) no país a partir das missões evangelizadoras norteamericanas,
segmentando-se em um sem número de novas comunidades religiosas autônomas, dos mais
variados tamanhos, nos quatro cantos do país.
Atualmente, as igrejas pentecostalizadas contam com um contingente de membros que
corresponde a cerca de dois terços de toda população evangélica brasileira, arrebanhando
cerca de 20 milhões de indivíduos em seus templos (PIERUCCI, 2005). Ela é formada por um
grande número de denominações, algumas reunindo milhões de fiéis, como é o caso da
Assembléia de Deus, Congregação Cristã e Universal do Reino de Deus, as três maiores.
Outras, diferentemente, formam um extenso conjunto de micro denominações independentes
entre si que, não muito raro, se resumem a alguns poucos pontos de culto.

2.1.2. A multiplicidade do protestantismo brasileiro: os principais traços


distintivos dos grupos evangélico
Diante de tamanha diversidade, torna-se fundamental identificar as principais
características que demarcam o campo e distinguem as tendências e denominações

68
protestantes brasileiras, num esforço de mapear as diferenças para um adequado entendimento
das dimensões desses grupos. Quatro características, em especial, estabelecem os limites de
cada denominação no interior do universo protestante brasileiro: modelos de organização
eclesial, tipo de liderança religiosa, compromisso religioso e perfil socioeconômico dos
membros. Um entendimento mais aprofundado desses aspectos é fundamental para uma
compreensão das dimensões dos grupos evangélicos.

a) Organização eclesial
Conforme identificado por Fernandes (1994), as igrejas evangélicas brasileiras
apresentam diferentes modelos de organização eclesial. Dois aspectos destacados pelo autor
fixam as distinções: o nível de autonomia das igrejas locais e a porosidade das congregações à
participação direta de seus membros nas suas mais variadas atividades. Conjugadas, essas
dimensões compõem uma estrutura administrativa que se enquadra em modelos mais
horizontalizados ou mais verticalizados de organização eclesial.
O primeiro desses pontos indica o modo como é mantido o controle de cada igreja
local pelas instâncias superiores da própria instituição, sejam elas regionais, nacionais ou
internacionais. Em muitos casos, especialmente nas denominações maiores, prevalecem
jurisdições que ocupam posições mais elevadas no interior da organização, sendo as
responsáveis pela coordenação das atividades religiosas, sociais e políticas da comunidade
local. Outras igrejas, diferentemente, são autônomas em relação a instâncias superiores, não
se submetendo aos processos decisórios dessas jurisdições. Nesses casos, cada comunidade
local logra de certa independência na determinação de prioridades, gestão de recursos e
definição de suas atividades.
O segundo ponto remete à dinâmica de engajamento dos fiéis nas variadas atividades
das igrejas. Em algumas delas, os membros participam ativamente dos processos decisórios
que envolvem a escolha do pastor, a aplicação dos recursos financeiros e o estabelecimento
das prioridades da congregação. É possível, ainda, encontrar igrejas que apresentam
subgrupos de variados tipos (de jovens, de casais, de caridade, sócio-educativos, dentre
outros), onde os membros são os responsáveis pela condução dos trabalhos e objetivos
propostos. Em outras igrejas, por oposição, são as instâncias superiores da denominação ou as
vontades das lideranças o elemento determinante, centralizando as decisões em uma cúpula
que é responsável pela administração de todas as atividades. Nesses casos, não existem ou são

69
escassas as possibilidades dos fiéis adotarem uma postura participativa no âmbito da sua
comunidade religiosa.
Essas duas dimensões citadas acima normalmente se encontram conjugadas, de modo
que as igrejas fortemente verticalizadas são também aquelas pouco porosas à participação dos
fiéis em suas atividades e processos decisórios; da mesma forma, as igrejas locais dotadas de
maior autonomia tenderiam a ser mais abertas à participação de seus membros. Seria um erro,
no entanto, considerar a relação entre essas duas dimensões como unívoca e em única direção.
As igrejas tradicionais (Batista, Presbiteriana, Luterana e Episcopal), de modo geral,
tendem a apresentar modelos mais horizontalizados de organização eclesial. Embora estejam
submetidas a instâncias superiores das suas instituições, as igrejas locais dessas denominações
dispõem de uma considerável autonomia para a gestão de seus recursos e demais atividades.
São nessas igrejas, também, onde se encontra maior envolvimento dos fiéis na organização e
condução dos cultos e de muitas decisões sobre os rumos da congregação. A estrutura
organizacional da igreja Batista, por exemplo, está baseada na participação e na convicção de
que o engajamento na administração da igreja é fundamental para o seu funcionamento. A
absorção dos fiéis no cotidiano da instituição é entendida como direito e dever de toda a
comunidade, sendo promovida para os mais diversos públicos que a compõem.

“Já nos primeiros anos, na faixa dos 7 aos 10 anos, tanto meninos quanto
meninas são incentivados a organizar reuniões, discutir propostas, solucionar
impasses através do voto, participar de encontros municipais, estaduais,
nacionais. Esta mestra estrutura se repete em diferentes faixas etárias”
(MAFRA, 2001, p.64)

Diferentemente, as denominações pentecostalizadas apresentam um modelo piramidal


de organização eclesial que centraliza poder em suas lideranças e dispõem de poucos canais
de participação dos fiéis em suas atividades. Nesse caso, cabe às lideranças religiosas – aos
comitês centrais e aos líderes locais, sobretudo aos pastores – a condução de todas as
atividades das igrejas. A gestão e os rumos da comunidade religiosa não são estabelecidos
pela base, embora seja ela a fonte de sustento financeiro da instituição, a partir do qual são
mantidos os seus quadros de diáconos, pastores e presbíteros. De modo geral, nas
denominações pentecostais a escolha dos pastores, a determinação das atividades religiosas e
a gestão financeira das igrejas locais não são compartilhadas com os fiéis.
No caso das igrejas neopentecostais, a relação de dominação da elite eclesiástica sobre
os membros é maximizada. A igreja Universal é o exemplo maior desse tipo de organização.

70
Altamente hierarquizada, estrutura-se a partir do Conselho Mundial de Bispos, dos Conselhos
Nacionais e, mais abaixo, do Conselho de Pastores. As igrejas locais estão submetidas a esse
modelo e não dispõem de nenhuma autonomia. Até mesmo as atividades de cada templo são
determinadas pela administração central, que adotam certo padrão para todas as suas igrejas34.
A Assembléia de Deus constitui um caso atípico por apresentar um modelo híbrido de
organização eclesial. Embora se encontre constituído, no plano nacional, sob uma estrutura de
gestão unificada, as comunidades locais desfrutam de relativa autonomia diante as instâncias
superiores35. O poder decisório da denominação é concentrado no pastor-presidente e em uma
elite de pastores, seguidos de um nível intermediário onde se encontram os dirigentes das
congregações. A pirâmide desse modelo se completa com uma ampla base de membros
comuns que participam das atividades diárias das igrejas, através de uma extensa rede de
cargos e posições de baixo nível. O grande contingente de fiéis que compõem a base se
integra à instituição por meio do engajamento nas atividades internas da igreja, mesmo que
esteja excluído dos principais processos de tomada de decisões e do exercício do poder
eclesiástico.

b) Líderes religiosos
Em todas as igrejas, necessariamente, os pastores são personagens fundamentais na
condução das atividades das igrejas, ocupando posições e funções privilegiadas no interior
dos grupos36. No entanto, mais uma vez, há uma clara diferença entre as igrejas tradicionais e
as igrejas pentecostalizadas. Enquanto as primeiras enfatizam a racionalidade organizacional e
o baixo personalismo de suas lideranças, as últimas têm no trabalho pastoral de seus líderes
um dos elementos essenciais da instituição.

34
Em todas a igrejas da Universal do Reino de Deus, os cultos diários são padronizados quanto a temática. Destinadas à
resolução de problemas específicos, atualmente os cultos são os seguintes: Reunião dos 318 homens de Deus (segunda-
feira), Sessão de descarrego (terça-feira), Reunião do Espírito Santo (quarta-feira), Corrente do anjo da guarda (quinta-
feira), Corrente de libertação (sexta-feira), Terapia do amor (sábado), e Reunião terapia espiritual (domingo).
35
A Assembléia de Deus conta ainda com um sem número de comunidades pentecostais segmentadas em variadas
“convenções” e “ministérios”, com orientações teológicas e organizacionais completamente diversas, todas elas carregando
o nome e se identificando com a instituição (FERNANDES at alli. 1998)
36
Baptista (2009) cita o conteúdo de um artigo publicado pelo pastor Silas Malafaia que ressalta esse caráter excepcional
dos pastores: “O pastor não é um cidadão comum. Ele é o homem de Deus tratado na Bíblica como o anjo da Igreja [...] tem
autoridade espiritual para aconselhar o povo de Deus em todas as áreas da vida. Sua palavra jamais será a de um cidadão
comum [...] que os pastores possam conduzir suas ovelhas da melhor maneira possível, porque existem muitos lobos
querendo solapar a autoridade pastoral e, com isso, dispensar o rebanho. Que Deus nos guarde” (ver BAPTISTA, 2009,
p.204).

71
A importância das lideranças na vida religiosa das denominações varia fortemente
conforme a presença do carisma na condução de cultos e outras atividades das igrejas. O fator
carisma se torna determinante para essa diferenciação: de um lado, as denominações em que
autoridade das lideranças está baseada na tradição ou no respeito aos regulamentos da igreja;
de outro, as denominações onde essa autoridade emana das capacidades extraordinárias que
são atribuídas aos pastores e demais líderes. Quanto mais emotivo e “mágico” forem os cultos
e outras atividades das igrejas, maior será a demanda pelo dom extraordinário de pastores e
mais central se torna o papel das lideranças para aquele grupo.
É possível identificar um gradiente no protestantismo brasileiro a partir dessas
considerações. Entre as principais denominações tradicionais, as igrejas Presbiteriana,
Episcopal, Batista e Luterana são aquelas em que as lideranças desempenham um papel
secundário, restringindo-se à condução de suas atividades de modo formal e contida. São
nessas denominações, também, onde se encontra maior participação dos membros na
administração dos assuntos da comunidade, compartilhando poder de decisão e gestão com
toda a congregação de fiéis, o que vem a mitigar o grau de importância dos pastores para o
grupo. Em certa medida, apenas os batistas, por adotarem uma postura mais proselitista e
emotiva de culto, destoam desse atributo típico ao destacarem um pouco mais o papel dos
pastores na condução de seus trabalhos (BAPTISTA, 2009).
Nas igrejas pentecostalizadas, diferentemente, a definição das lideranças é orientada
pelos dons extraordinários, particularmente no que se refere à sua aptidão para a mobilização
e motivação dos fiéis em torno de atividades com forte apelo emotivo.

“[...] Em contraste com os ritos mais tradicionalistas e ciosos da memória


que carregam, os pentecostais, avivados e carismáticos, tendem a enfocar a
questão da intencionalidade na linguagem. Fenômenos como os da
glossolalia – isto é, da fala em línguas estranhas -, da profecia, da cura
divina, do exorcismo presentes no interior dos vários pentecostalismos
parecem estar servindo como instrumentos cognitivos para diferentes
processos de burilamento da intenção na linguagem [...], em formações que
certamente envolvem líderes carismáticos e suas multidões”(MAFRA, 2001,
p59).

Em denominações como Assembléia de Deus, Evangelho Quadrangular e Deus é


Amor, para citar apenas algumas, pastores e demais lideranças ocupam uma função central na
vida religiosa de toda a congregação. Três fatores contribuem de modo decisivo para isso.
Primeiramente, dado o seu caráter fortemente emotivo e a ênfase no dom da cura, os cultos
nessas igrejas são conduzidos por pastores a quem são atribuídos capacidades excepcionais,
tornando-os personagens fundamentais na condução de atividades tão estimadas por esses
72
grupos. Soma-se a isso o fato de não existir muitas atividades extra-religiosas nessas igrejas,
fazendo dos cultos um dos únicos momentos de encontro da congregação, o que torna ainda
mais saliente a exposição dessas lideranças. Por fim, tem-se o uso sistemático dos meios de
comunicação (principalmente TV e rádio) e a intensa utilização dos meios tecnológicos nos
cultos e nas ações proselitistas, o que amplia a capacidade de transmissão de mensagens do
pastor ao público.
O fator carisma é potencializado nas igrejas neopentecostais. Na Universal do Reino
de Deus, por exemplo, os pastores são selecionados conforme suas qualidades de persuasão e
capacidade de apelo público. Mas diferentemente das denominações citadas anteriormente, a
função ocupada pelos pastores e demais lideranças da igreja é a de depositário do monopólio
da “palavra”, dado o forte apelo “mágico” presente em seus cultos e o caráter altamente
centralizado da instituição, o que inibe a participação de outros atores (MAFRA, 2001;
CARNEIRO, 1998).

c) Frequência à igreja
As diferentes denominações evangélicas se homogeinizam quanto à exigência de uma
forte dedicação ao grupo. Em todas as igrejas, são diversas as atividades que congregam os
fiéis, reunindo-os por meio da realização de orações coletivas, encontros e reuniões para fins
religiosos. A ênfase evangélica ao local de culto constitui-se em um traço distintivo do
protestantismo brasileiro em relação à outras religiões do país, não existindo outra
religiosidade expressiva que reúna seus membros com tamanha freqüência.
Em especial, os cultos se destacam como a atividade de maior assiduidade e
importância em todas as denominações. Não existem maiores diferenças entre elas quanto a
presença de seus membros nesses encontros. De acordo com Bohn (2004), a grande maioria
dos evangélicos (em média, 82,6%) tem o hábito de freqüentar o rito ao menos uma vez por
semana, independentemente da denominação37. Existem, no entanto, dois tipos de cultos: o
culto dominical e o culto de cura e libertação. A assiduidade aos cultos dominicais é similar
entre todos os evangélicos, constituindo uma prática comum herdada da influência norte-
americana pelas principais denominações brasileiras38. Os cultos de cura e libertação, por sua
vez, são quase de exclusividade das denominações pentecostalizadas, onde a prática de
encontros dessa natureza é recorrente (FERNANDES, 1998).
37
Simone Bohn observa dados da pesquisa pós-eleitoral ESEB, do ano de 2002.
38
De acordo com Fernandes (1998), “o protestantismo brasileiro é herdeiro, em ampla maioria, do norte-americano.
Recebeu dele a ênfase ao culto de domingo, o dia de descanso e de render glórias ao Senhor, herdado, por sua vez, com
transformações romanas, do Judaísmo, e que contrasta com os dias de trabalho mundano” (Fernandes 1998, p.43).
73
Além dessas atividades, outras duas se destacam pela regularidade e importância na
prática evangélica: as “reuniões de oração”, que constituem encontros com o objetivo de
adoração e adoração, sendo realizados de forma quase sempre independente das orientações
formais dos cultos, embora os pastores sejam figuras também presentes nessa atividade; e as
“escolas dominicais”, que são formas de disseminação dos ensinamentos religiosos através da
formação de subgrupos temáticos onde os participantes são educados conforme as orientações
da igreja. Esses últimos, em oposição aos primeiros, são atividades mais intelectualizadas e
independentes da direção da cúpula das igrejas. Talvez por isso elas sejam mais comuns entre
as igrejas tradicionais, diferentemente das reuniões de oração, mais recorrentes nas igrejas
pentecostais (FERNANDES 1998, p.48-9).

d) Perfil socioeconômico
Diversos autores têm apontado a existência de uma forte correlação entre
deteriorização do quadro socioeconômico e o crescimento do segmento evangélico no Brasil.
De acordo com Fernandes et alli. (1998), o avanço do evangelismo no país está relacionado à
escolha dos mais pobres por algumas das denominações protestantes, principalmente por
aquelas de viés pentecostal. Essa leitura, que é compartilhada por outros autores, estabelece
uma forte associação entre condições indicativas de pobreza e a ascensão do pentecostalismo
como a principal tendência protestante no país (PIERUCCI &PRANDI, 1995; MONTERO &
ALMEIDA, 2000; NOVAES, 2001; MARIANO, 2005). Para Montero (1999), tal associação
fez com que muitos equacionassem o crescimento das religiões evangélicas a “uma regressão
da racionalidade e da modernização da vida pública – esse tipo de religião nasceria da pobreza
e se alimentaria da falência da capacidade do Estado de responder às necessidades básicas da
população” (MONTERO, 1999, p.356).
Essas conclusões mais gerais e outras informações a respeito do perfil socioeconômico
dos evangélicos podem ser verificadas nos últimos dados oficiais do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).39 Em termos de renda, os evangélicos pentecostais apresentam
a menor média entre todos os segmentos religiosos considerados e são aqueles com os piores
índices de escolaridade. Diferentemente, os protestantes tradicionais têm renda e escolaridade
acima da média brasileira. Os dados apontam para a existência, entre os pentecostais, de uma
predominância de indivíduos que recebem até dois salários mínimos (70,3%) e que

39
Para a caracterização socioeconômica dos evangélicos brasileiros, será levando em conta o estudo conduzido pela
Fundação Getúlio Vargas (2007), que traz algumas informações interessantes sobre a religiosidade brasileira ao tomar como
referências o Censo 2000 e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2003.
74
apresentam baixa escolaridade (60,8% com ensino fundamental incompleto), diferentemente
dos protestantes não-pentecostais, que têm apenas 33,7% dos seus membros com ensino
fundamental incompleto.
Da mesma forma, a distribuição dos evangélicos nos estados e municípios também não
é fortuita. Nas áreas rurais, os evangélicos correspondem a apenas 11,4% da população,
enquanto nas periferias das grandes cidades chegam a 25,5%. Analisando a filiação religiosa
de acordo com local de residência, os dados do Censo 2000 revelam que os pentecostais
correspondem a 7,17% da população das áreas rurais e 15,8% nas periferias metropolitanas.
Esses mesmos indicadores para os evangélicos tradicionais são 2,97% e 5,64%,
respectivamente. Ou seja, existe uma concentração de evangélicos nas periferias das grandes
cidades, em especial evangélicos de origem pentecostal. Tal evidência é reforçada pela sobre-
representação de pentecostais residindo nos chamados aglomerados subnormais, que
correspondem às áreas de piores condições de moradia - tais como favelas, cortiços,
mocambos, etc. -, onde a presença desse segmento religioso é de 16,93%. Esses dados do
último Censo confirmam que a trajetória de crescimento do protestantismo no Brasil segue
uma tendência de ampliação nas periferias dos centros urbanos, onde há maior concentração
de pobreza e menor presença do Estado (FGV, 2007).

2.2. TIPOLOGIAS DO PROTESTANTISMO BRASILEIRO

Diante de tanta diversidade, muitos estudiosos têm se dedicado a categorizar as


denominações evangélicas conforme características comuns, propondo classificações que
contribuam para um maior entendimento desse universo religioso. Com o intuito de apontar
algumas dessas tipologias, nesse tópico serão abordadas, mesmo que de modo sucinto,
aquelas contribuições que se julga de maior relevância. A compreensão das similaridades e
diferenças entre os protestantes se torna importante para os objetivos dessa dissertação na
medida em que evidencia proximidades e distâncias entre as denominações, o que pode trazer
à tona alguns parâmetros analíticos úteis para a compreensão da importância da religião no
comportamento políticos de seus membros.
Inicialmente, duas referências merecem destaque pelo caráter precursor que
apresentam. A primeira delas, desenvolvida no final da década de 80 pelo sociólogo e pastor
presbiteriano Antônio Gouvêa Mendonça (1989; 1990), estabeleceu os pilares de todas as
classificações posteriores. Sua tipologia se baseia na dicotomia entre protestantes históricos e

75
pentecostais, e adota como critério classificatório aquilo que classifica como origem
genealógica. Seriam três os ramos do protestantismo brasileiro, cada qual remetendo a uma
das rupturas estabelecidas pelas reformas luterana, calvinista e anglicana, o que cobriria a
quase totalidade das igrejas históricas existente no país (respectivamente luteranas,
presbiterianas e congregacionais, episcopais e metodistas). As diferenças que marcam cada
uma dessas origens estariam presentes em aspectos teológicos, políticos e organizacionais de
cada denominação, além dos diferentes perfis de seus adeptos.
As igrejas pentecostais também derivam das mesmas fontes históricas, mas suas
origens se dão a partir de cisões no interior das primeiras igrejas protestantes brasileiras: as
igrejas Assembléia de Deus e a Brasil para Cristo a partir dos batistas; a igreja Congregação
Cristã do Brasil dos presbiterianos; e a igreja Quadrangular dos metodistas. Essas quatro
igrejas pentecostais mencionadas se distinguem das históricas por um amplo conjunto de
características, com destaque para o estilo mais emocional dos cultos e a presença do
40
“segundo batismo” . Por outro lado, elas também se diferenciariam daquilo que Mendonça
classificou como “pentecostalismo de cura divina”, que enquadraria todos os movimentos
religiosos evangélicos surgidos a partir da década de 70 e que, na sua concepção, não seriam
propriamente “igrejas” por não apresentarem doutrinas definidas e corpo de fiéis fixo. Nesse
último tipo de sua classificação, estariam incluídas igrejas como a Universal do Reino de
Deus, a Internacional da Graça de Deus e a Renascer em Cristo.
A segunda referência a ser mencionada aqui reporta à tipologia desenvolvida por Paul
Freston (1993). Assim como Mendonça, sua classificação parte da divisão entre históricas e
pentecostais, mas inova ao adotar o que chama de “critério histórico-institucional” para
agrupar os vários tipos de protestantismo desenvolvidos no Brasil, enquadrando mais
adequadamente todos os movimentos pentecostais em seu modelo. Em sua tipologia, são
quatro categorias de evangélicos: protestantismo de migração, protestantismo de missão,
pentecostalismo e carismáticos. Os dois primeiros tipos reúnem denominações que são
resultantes ou do processo de migração (igrejas Luterana, Metodista e Anglicana) ou das
missões evangelizadoras (igrejas Presbiteriana, Batista e Episcopal). A categoria
“carismáticos” abrange as igrejas com origem nas denominações históricas que surgiram a
partir de cismas revivalistas das primeiras igrejas evangélicas brasileiras, tendo como o mais
expressivo exemplo a igreja Batista Renovada.

40
“Segundo batismo” remete à conversão no espírito santo, isto é, a uma experiência individual por meio da
qual o fiel mantém contato direto com o espírito santo, como um segundo chamado à conversão. Essa é uma
experiência fundamental para a vida religiosa de muitas igrejas.
76
A maior contribuição da tipologia proposta por Paul Freston se deve à classificação do
pentecostalismo brasileiro, já que o autor não apenas propõe uma categoria para abarcar todas
as igrejas pentecostais, como também formula subcategorias para lidar com as diferenças que
demarcam esse segmento. De acordo com o autor, a diversidade entre os pentecostais teria se
constituído a partir das três ondas que caracterizam o processo de desenvolvimento do
pentecostalismo evangélico brasileiro: a primeira onda remete à introdução dessa tendência no
Brasil, no início do século XX, dando origem a igrejas como Assembléia de Deus e
Congregação Cristã; a segunda, no anos 50, com o surgimento da Quadrangular, Brasil para
Cristo e Deus é Amor; e a terceira, e última onda, nos anos 70, de onde surgiram igrejas como
a Universal do Reino de Deus e a Internacional da Graça de Deus, dentre outras. Enquanto a
primeira onda é a responsável pela inserção da glossolalia e dos cultos mais emotivos no
Brasil, as duas últimas ondas, num movimento de maior adaptação ao mundo41, inserem
novos elementos ao universo protestante, tais como o exorcismo e a cura. As denominações
originadas dessas duas últimas ondas são classificadas por Freston como seitas, em oposição
às demais, a quem ele confere o status de igrejas42.
As duas tipologias apresentadas até agora parecem convergir quanto à categorização
das primeiras igrejas protestantes no Brasil. As poucas diferenças que parecem existir entre os
dois modelos se referem ao enquadramento do pentecostalismo, provavelmente porque se
trata do segmento evangélico que mais cresce e se diversifica no país. Mariano (1995), ao
lidar com essa problemática, propõe uma nova classificação para esse segmento do
protestantismo. Na sua tipologia, seriam três as categorias: pentecostalismo clássico,
pentecostalismo neoclássico e neopentecostalismo. As duas primeiras se baseiam nos mesmos
critérios adotados por Freston, dintinguindo uma da outra apenas pelo marco temporal. À
última categoria é atribuída a toda terceira onda pentecostal, somando-se as comunidades
carismáticas. Aparentemente, essa classificação pouco se diferencia das propostas anteriores.
Nota-se, no entanto, que essa tipologia se baseia em critérios diferentes daqueles empregados
pelos outros autores, pois nela é ressaltada a dimensão teológica que caracteriza cada uma das
tendências evangélicas43.

41
Nos estudos da sociologia da religião, “adaptação ao mundo” é um termo comumente usado para definir movimentos
religiosos que buscam dar respostas mais imediatas às dificuldades, expectativas e valores dos seus seguidores. A
rotinização dos milagres e o exorcismo são exemplos de métodos de adaptação ao mundo utilizados por algumas das
igrejas evangélicas brasileiras.
42
A tríade “igreja-denominação-seita” é utilizada nos sentidos estabelecidos nas obras de Weber, Troeltsch e Niebuhr
(Freston, 1993:36).
43
Para Mariano, entre os pentecostais clássicos e neoclássicos existiria uma identidade básica estabelecida sobre os ideais
de sectarismo e ascetismo, ambos baseados nos dons do Espírito Santo. Entre os neopentecostais, o autor recorre à noção
77
A tipologia de Mariano se tornou uma das mais importantes referências para os
estudiosos do tema e para os movimentos religiosos, principalmente por inserir no
vocabulário evangélico a categoria neopentecostal, que desde então é utilizada tanto por
estudos acadêmicos quanto pelas igrejas que assim passam a se identificar (GIUMBELLI,
2002). A maior contribuição de seu trabalho talvez esteja na forma pela qual sua classificação
absorve as transformações recentes que se deram no protestantismo brasileiro, sobretudo
porque o autor aponta de modo eficiente as similaridades e diferenças das práticas religiosas e
fundamentos teológicos das denominações evangélicas, conforme os marcos históricos em
que surgiram. Há, assim, um misto entre aspectos teológicos, práticos e históricos na sua
tipologia.
Embora a classificação de Mariano e dos demais autores trabalhados nesse tópico
tracem uma visão panorâmica bastante satisfatória do universo protestante brasileiro, outros
aspectos ainda podem ser apontados como elementos constitutivos das diferenças e
similitudes das denominações evangélicas. Carneiro (1998), buscando dar conta de outra face
dessa mesma problemática, propõe uma tipologia baseada nos aspectos organizacionais das
igrejas. Tendo como base empírica os dados do Censo Institucional Evangélico realizado na
Região Metropolitana do Rio de Janeiro, de 1992, o autor propõe uma análise das diferenças
existentes entre as igrejas quanto à organização interna e à centralidade ocupada pelo carisma
das lideranças religiosas, chegando a seis categorias de igrejas evangélicas: Históricas
(Metodista, Presbiteriana, Adventista e Congregacional), Históricas Renovadas (Metodista
Wesleyana, Maranata, Batista Renovada, Comunidade Evangélica e Igreja Evangélica),
Batista (Convenção Batista Brasileira e Convenção Batista Nacional), Assembléia de Deus,
Igreja Universal, e Outras Pentecostais (Deus é Amor, Casa da Benção, Congregação Cristã,
Nova Vida, dentre outras).
Além de distinguir a Assembléia de Deus e a Universal do Reino de Deus das demais
pentecostais, a tipologia deu nova classificação aos pouco estudados Batistas e Históricos
Renovados. Esses últimos correspondem aos “carismáticos” da classificação de Freston, um
segmento intermediário entre os históricos e os pentecostais. Já a importância conferida aos
Batistas se justifica pelo fato deles constituirem o único grupo não pentecostal difusor do

de magia e ao princípio da exigência ética: nas denominações neopentecostais, a personificação do mal é atribuída a
entidades demoníacas representadas pelos deuses de religiões afro-brasileiras, as quais deveriam ser combatidas pelo
exorcismo, em um claro apelo a formas mágicas de se solucionar os problemas cotidianos; o ascetismo intramundano deixa
de ser uma prerrogativa ao se permitir certa liberalização nos “usos e costumes” e ao pregar a busca e usufruto da riqueza;
e, de modo complementar, a influência da “teologia da prosperidade” propõe aos fiéis uma vida de realizações materiais e
de superação das dificuldades. Esse conjunto bastante singular de características levaria, de acordo com o autor, a uma
nova forma de religiosidade no interior do protestantismo, marcado pela dessectarização e pela forte adaptação ao mundo.
78
pensamento evangélico-fundamentalista norte-americano no Brasil com forte apego
proselitista (CARNEIRO, 1998).
Todas essas classificações apresentadas tornam evidente que a construção de
tipologias para o protestantismo brasileiro pode partir dos mais diversos enquadramentos,
sendo, assim, guiadas pelas pretensões analíticas a que se propõem seus autores. Mendonça e
Freston enfatizam critérios históricos e institucionais em suas classificações. Mariano salienta,
também, aspectos doutrinários constitutivos das teologias que embasam cada denominação
evangélica. Todos esses quatro autores partem de um referencial marcadamente sociológico
ao classificarem as principais tendências evangélicas, num diálogo que privilegia a
compreensão das comunidades religiosas como macro-agentes sociais. Carneiro,
diferentemente, concedeu maior ênfase ao tipo de organização eclesial e à centralidade das
lideranças nas comunidades religiosas. Essa diversidade de classificações vem confirmar a
grande heterogeneidade que marca o universo protestante no Brasil e as diferentes formas de
concebê-lo. Se, por um lado, as tipologias de Mendonça, Freston e Mariano são
indispensáveis para se ter um diagnóstico mais amplo do desenvolvimento histórico e
institucional do protestantismo no Brasil, por outro lado, a classificação de Carneiro permite
uma avaliação microssociológica dos efeitos do pertencimento religioso sobre o
comportamento dos seus adeptos.

2.3. IGREJAS E AÇÃO POLÍTICA

Diferentemente do que foi abordado até agora, nesse tópico pretende-se explorar a
relação entre o protestantismo brasileiro e a política institucional. Como frisado no início
desse capítulo, as últimas década foram marcadas pela inserção das igrejas evangélicas no
cenário político-eleitoral, com a participação direta das denominações e de suas lideranças no
plano eleitoral. O objetivo dessa sessão é entender melhor as motivações que têm levado essas
agremiações religiosas a se tornarem importantes atores políticos na história recente da
democracia brasileira.
Até meados do século XX, foram poucos os casos de protestantes que atuaram na
cena política do país. Muitas dessas iniciativas foram conduzidas por projetos pontuais e
estiveram orientadas por controvérsias clássicas como a separação entre igreja e Estado e a
defesa da liberdade de culto, questões cruciais para um grupo religioso minoritário naquele

79
período44. Tais orientações se faziam muito mais presentes nas igrejas histórias, herdeiras
diretas da tradição protestante européia e hegemônicas no universo evangélico brasileiro até a
ascensão do pentecostalismo45.
Essa distinção entre assuntos políticos e questões religiosas é apontada por Leonildo
Campos (2005) como uma das razões que justificam o pouco interesse das instituições
evangélicas no cenário político. Até mesmo as tendências pentecostais desse período se
mantinham a certa distância do universo eleitoral, embora a motivação dessa apatia estivesse
mais atrelada a um misticismo voltado para uma “rejeição do mundo” ou negação do
compromisso social do que a um posicionamento mais sofisticado a respeito da separação
entre as esferas política e religiosa.46
No período que se seguiu aos anos 60, com a ascensão da nova onda pentecostal e o
significativo crescimento do contingente populacional protestante, instituições religiosas
evangélicas passam a ocupar espaços públicos de modo mais contundente. No lugar dos
cultos reservados e circunscritos apenas à congregação de fiéis da comunidade religiosa, as
novas igrejas que surgiam começam a utilizar os meios de comunicação e outras formas de
divulgação em massa de suas idéias e doutrinas. É o momento onde se deu as primeiras
inserções políticas das igrejas pentecostais
Nos anos 80, com a intensificação do processo de “pentecostalização” do
protestantismo brasileiro, as igrejas evangélicas abandonam a tendência de negação aos
assuntos político-eleitorais e passam a adotar um comportamento corporativo e estratégico na
cena eleitoral. Contribuí de forma decisiva para essa transformação o vertiginoso crescimento
do potencial eleitoral do público protestante e a emergência do neopentecostalismo como a
mais promissora tendência evangélica brasileira. Desde então, são eleitos sistematicamente
candidatos de diversas denominações, em especial das igrejas Universal do Reino de Deus e
Assembléia de Deus.

44
As primeiras incursões de evangélicos no cenário político nacional se deram nas primeiras décadas do século XX, quando
foram eleitos cerca de uma dezena políticos para alguns cargos expressivos da política nacional. Todos eles eram de igrejas
protestantes históricas. O precursor das investidas de igrejas pentecostais na política foi Manuel de Mello, da igreja Brasil
para Cristo, no final da década de 60, quando utilizou de sua congregação para a eleição de um deputado estadual
(Geraldino dos Santos) e um deputado federal (Levy Tavares) (CAMPOS, 2005; FRESTON, 1993; MARIANO, 1999). Apesar
disso, no período de 1946 a 1987, entre os 50 evangélicos eleitos para o Câmara dos Deputados apenas 5% eram de origem
pentecostal (BAPTISTA, 2009).
45
Destaca-se, por exemplo, o grupo União Cívica Evangélica Paulista, criado no interior da igreja Presbiteriana e com
diversas iniciativas ao longo da década de 30 (ver CAMPOS 2005, p.39-42).
46
Sobre “rejeições religiosas do mundo e suas direções”, ver Weber (1971). A seguinte passagem ilustra o sentido do
termo: “[...] o verdadeiro Cristianismo não deveria se preocupar com coisas da terra e, sim, [...] com a salvação individual da
alma e a espera da Canaã celestial, isto é, do ‘celeste porvir’” (CAMPOS, p.33).
80
Duas questões subjacentes a esse processo se tornaram alvo do interesse de estudiosos
do tema. O primeiro deles, amplamente investigado, refere-se às ações corporativas adotadas
pelas principais igrejas evangélicas no plano eleitoral. No lugar do distanciamento ou negação
da política institucional vigente no período anterior, denominações pentecostalizadas passam
a mobilizar estrategicamente seu corpo social para os fins corporativos das cúpulas da
instituição. A segunda questão subjacente a esse processo remete ao comportamento eleitoral
do propriamente dito do público protestante – isto é, o eleitor evangélico -, o que ainda não foi
alvo de muitos estudos até o momento e é de preocupação central para essa dissertação. Esses
dois pontos referidos acima serão abordados nos sub-tópicos seguintes.

2.3.1. Candidaturas e Ações Corporativas das Igrejas


Nas últimas três décadas, houve uma clara mudança de orientação dos protestantes
brasileiros quanto à inserção no plano político institucional. A partir das eleições para a
composição do Congresso Constituinte, em 1986, diversas denominações evangélicas,
dotadas de um contingente bem mais expressivo de membros, passam a mobilizar suas bases
e suas lideranças eclesiásticas com o intuito de eleger o maior número de parlamentares
possível. Essa nova atitude se opõe às candidaturas fortuitas prevalecentes até então.
Novas condições e desafios eram postos às igrejas com o avanço de uma religiosidade
protestante fundamentalista e a crescente competição entre religiões e denominações. Ocupar
novos espaços se tornava estratégico para as instituições religiosas. É nesse contexto que
alguns grupos evangélicos – especialmente aqueles de estirpe pentecostal - passam a flertar
com a política institucional como forma de assegurar seus interesses corporativos. De acordo
com Baptista (2009), essas denominações evangélicas buscavam:

“defesa dos interesses institucionais, mobilização de recursos para


garantirem condição mais vantajosa no jogo competitivo do mercado
religioso, emulação entre corporações do mesmo sub-grupo pentecostal e a
necessidade de maior inserção no espaço público para exercerem influência
direta em questões que os incomodam, ligadas à preservação da família
tradicional, costumes, sexualidade e liberdade de culto” (Baptista, p. 155).

A influência dos grupos religiosos sobre as preferências políticas de seus membros


poderia se dar de modo difuso e despropositado, sem a adoção de formas concretas e diretas
de promoção de candidatos e projetos políticos. O que se observou, no entanto, foram ações
institucionais estratégicas coordenadas por parte das denominações evangélicas. Muitas
dessas igrejas passaram a adotar medidas a favor candidaturas compromissadas com os seus
81
projetos. Para obter sucesso nessa empreitada, era feito o uso intenso de material de
campanha, além da exposição do candidato no âmbito da congregação e, em alguns casos, o
apelo direto pelo voto dos fiéis. Essa inserção estratégica na cena política estava sendo
conduzida basicamente por denominações pentecostalizadas, principalmente as igrejas
Assembléia de Deus, Universal do Reino de Deus e Evangelho Quadrangular. Outras grandes
denominações pentecostais, como a Congregação Cristã no Brasil, Deus é Amor e Brasil
para Cristo se mantiveram distanciadas da esfera política.
Com a promoção institucional de candidaturas, o salto quantitativo com as novas
investidas eleitorais foi expressivo. Somente nos primeiros cinco anos (1987-92), as
denominações pentecostalizadas tiveram nove vezes mais parlamentares do que nos 54 anos
anteriores (1933-87), destacando-se, em especial, sua marcante presença no Congresso
Nacional: “de 1987 a 1995, a Assembléia de Deus e a igreja Universal elegeram cerca de 40
parlamentares para o Congresso Nacional. A maioria deles tem vínculo com a mídia, alguns
são concessionários e outros apresentadores de programas evangélicos” (BAPTISTA, 2009,
p.61). Em 2002, quando se formou a maior bancada evangélica na Câmara Federal, foram
eleitos 59 deputados, dos quais 38 eram dessas denominações.
Mas nem todas as candidaturas evangélicas seguem essa orientação. Ainda persistem
aquelas que são conduzidas aos modos convencionais, isto é, sem manter uma relação de
dependência exclusiva com a igreja a qual pertence o candidato e sem utilizar das instâncias
administrativas da congregação religiosa para a sua promoção. Há, portanto, duas formas de
inserção evangélica no plano eleitoral: ou o candidato, ligado a algum partido, tem a
comunidade religiosa apenas como mais uma referência eleitoral dentre outras, tal como
nesses casos convencionais que prevaleciam até então; ou o candidato é expressão dos
próprios interesses corporativos da denominação. Essa última forma tem sido a predominante
desde a Constituinte de 1987-8.
Leonildo Campos (2005) busca dar conta dessa reorientação, observada na
participação dos evangélicos na política eleitoral, ao propor dois tipos ideais de candidato:
existiriam, por um lado, os “políticos evangélicos”, que remete às candidaturas que fazem o
uso de sua filiação religiosa para angariar votos, embora suas bases eleitorais possam ser
variadas e seja mantida uma relação de autonomia em relação às direções de suas
denominações; por outro lado, existiriam os “políticos de Cristo”, que são aqueles que
confiam toda sua autonomia à denominação religiosa, a quem devem obediência na

82
consecução dos interesses corporativos da instituição47. O que mais diferencia esses últimos
dos primeiros, os “políticos evangélicos”, é a sua completa dependência em relação à cúpula
da denominação religiosa. Trata-se, portanto, de candidatos oficiais criados e promovidos
pelas denominações: são “escolhidos, eleitos e, eventualmente, afastados da política pela
igreja que comanda a sua ação política” (CAMPOS, 2005, p.36).
As candidaturas atreladas às igrejas Evangelho Quadrangular, Assembléia de Deus e
Universal do Reino de Deus representam de modo contundente esse último tipo. Desde a
campanha para o Congresso Constituinte de 1987-8, essas organizações têm logrado
resultados eleitorais expressivos, sendo as responsáveis pela eleição de grande parte dos
políticos evangélicos nas casas legislativas, sobretudo a federal. Observa-se, assim, que
algumas denominações religiosas lançam mão da capacidade que dispõem para a mobilização
de seu corpo social e difusão de informações políticas para a promoção de seus projetos
corporativos. Resta, no entanto, saber por quais razões os grupos religiosos obtêm sucesso na
formação das preferências eleitorais de seus membros, identificando as causas específicas que
os levam a obter sucesso no processo de definição das escolhas políticas individuais.

2.4. COMPORTAMENTO ELEITORAL DOS EVANGÉLICOS: O QUE


DIZEM OS ESTUDOS BRASILEIROS

No decorrer dos últimos anos, com a formação da Bancada Evangélica na Câmara


Federal e a eleição de representantes protestantes para os mais variados cargos em todo o país,
tem-se atribuído maior relevância ao pertencimento religioso para se explicar o
comportamento político. Não é sem motivo que, já há algum tempo, diversos estudos
brasileiros têm apontado a existência de certa padronização no comportamento eleitoral dos
evangélicos. Alguns deles trazem importantes indicativos de como a filiação religiosa se
traduz em preferência política.
Os determinantes destacados por esses estudos são variados. De modo geral, alguns
atribuem ao pertencimento religioso elevada capacidade de gerar lealdade política em
benefício de candidaturas atreladas às denominações (PIERUCCI & PRANDI, 1994;
FRESTON 1993; MACHADO, 2006; ORO, 2003). Outros destacam a importância da

47
A atribuição do adjetivo “de Cristo” aos políticos ligados às igrejas evangélicas faz referência ao hábito dos
pentecostais classificarem seus seguidores como membros de grupos virtuosos específicos, a quem se deve
rotular como “de Cristo” ou algo similar. É comum, no cenário religioso brasileiro, a remissão a grupos como
“atletas de Cristo”, “exército de Cristo”, “homens de negócios do evangelho pleno”, dentre outros (CAMPOS,
2005, p.49).
83
identidade religiosa para a decisão do eleitor, desde que ponderada pelo cenário político
peculiar a cada eleição (BOHN, 2007). Existem ainda estudos que conferem maior ênfase às
relações entre o ambiente específico de cada denominação evangélica e a conduta política de
seus membros, dando especial importância à socialização política propiciada pelas instituições
religiosas (CARNEIRO, 1998).
Machado (2006), Oro (2003) e Bohn (2004) demonstram que, entre evangélicos, os
membros do segmento pentecostal são os que mais relatam ser acionados por organizações
religiosas e suas lideranças para votar em candidatos específicos. São, também, os que mais
recebem informações sobre candidaturas em suas igrejas (BOHN, 2004). Essa afinidade seria
particularmente robusta no que se refere à igreja Universal do Reino de Deus, onde a
mobilização dos fiéis mostrar-se-ia mais evidente e sistemática. Segundo Oro (2003), seria
essa a instituição que exibe os traços mais importantes do evangelismo político brasileiro, a
saber: o carisma, o corporativismo, a candidatura oficial e o uso dos cultos e da mídia para
promover seus candidatos, além de características peculiares, tais como a existência de um
conselho político, através do qual se delibera sobre quais e quantos serão os candidatos para
cada cargo, levando-se em conta o potencial eleitoral de que dispõem, representado pelo
número de fiéis habilitados a votar48. Oro (2003) chama ainda atenção para o fato da IURD ter
o carisma institucional como o principal instrumento de promoção política, não apostando
apenas nas qualidades individuais de seus candidatos. Essas características fazem da IURD a
igreja mais ativa no processo de cooptação, atuando de modo estratégico no endosso de
candidaturas afinadas aos seus interesses.
Alguns outros estudos demonstram não existir uma associação automática entre
filiação religiosa e voto. Bohn (2007), ao investigar o caso evangélico nas eleições
presidenciais de 2002 e 2006, atribui ao cenário político de cada pleito grande importância
para que a identidade religiosa seja acionada. No caso estudado, o que viria a exercer papel
primordial seria a presença de candidatos publicamente identificados como pertencentes ao
evangelismo, como pôde ser verificado na eleição presidencial de 2002, tendo Anthony
Garotinho como o “candidato dos evangélicos”. Trata-se, portanto, de atribuir ao eleitorado
protestante o status de identidade que eventualmente é despertada pelo cenário político, ao
contrário do que se poderia verificar no comportamento eleitoral de grupos de interesses com
48
Freston (1999) aponta a IURD como a principal representante dessa nova política evangélica no Brasil. Para o
autor, a IURD polarizara o campo evangélico e assusta pelo tamanho que adquiriu rapidamente. Em apenas 30
anos de existência, a Universal aglomera cerca de 15 milhões de fiéis espalhados por mais de 40 países, é dona
de uma das maiores redes de televisão do país (Tv Record) e tem um poder financeiro muito superior àquele
apresentado por outras igrejas.
84
plataformas de ação claramente definidas. Novaes (2001), por outro lado, afirma que é pouco
provável a existência de tal identidade, pois não há garantias de consenso no universo
protestante brasileiro, uma vez que predomina no país uma miríade de denominações em
intensa concorrência, e nada garante que os fiéis votem necessariamente segundo a orientação
do pastor ou da instituição.
Partindo de premissas diferentes do que foi apresentado até agora, Carneiro (1998)
argumenta a favor de uma análise do comportamento político que leve em conta a variável
contexto denominacional. O seu modelo parte da constatação de que as igrejas evangélicas
apresentam tipos distintos de organização eclesial. Carneiro parece admitir a hipótese de que
o maior envolvimento dos fiéis nos assuntos da igreja resulta em um comportamento político
mais engajado na sociedade, desenvolvendo maior interesse por questões políticas e
participando de associações em geral. Isso seria mais comum nas igrejas protestantes cujos
modelos organizacionais são horizontalizados, sem uma estrutura hierárquica rígida que
concentre poder na sua cúpula. Aquelas igrejas protestantes fortemente baseadas na vida
religiosa da comunidade local, onde seus membros atuam de modo ativo na definição dos
rumos da própria igreja, seriam locais privilegiados para o desenvolvimento de tal habilidade.
Por outro lado, quanto mais carismático e centralizado é o grupo denominacional, menos seus
membros participam de atividades educacionais, sociais e administrativas da igreja, e menor é
o interesse e o engajamento político dos fiéis.
Seu modelo se mostrou eficaz para prever a participação dos evangélicos em
associações civis e políticas, mas falha na análise do comportamento eleitoral propriamente
dito. Os resultados encontrados demonstram essa limitação: ao mesmo tempo que é
comprovada sua hipótese ao verificar um comportamento mais “cívico” por parte daqueles
filiados a denominações mais participativas, percebeu-se que o engajamento eleitoral, ao
contrário, foi mais robusto entre fiéis de igrejas onde predominam organizações mais
verticalizadas e lideranças religiosas mais carismáticas. A igreja Universal do Reino de Deus,
que conta com um modelo de organização eclesial altamente centralizado e não-participativo,
foi aquela onde mais se encontrou envolvimento dos fiéis em atividades eleitorais ligadas à
instituição49.

49
Os resultados de Carneiro também demonstram que o maior índice entre os evangélicos que concordam
com a afirmação “o político que traz benefícios para minha igreja merece meu voto” está com os fiéis da IURD
(56%). O mesmo padrão se repete quando se coloca a questão “o político evangélico é mais confiável e
honesto de que os políticos me geral”.
85
Tomando como parâmetro a intenção de voto do eleitor, Carneiro pôde calcular a
probabilidade estimada dos evangélicos votarem em um candidato a deputado federal da
própria denominação religiosa. Os resultados, mais uma vez, demonstram uma dimensão do
comportamento político que o modelo adotado não se dá conta: são os fiéis da Universal do
Reino de Deus e da Assembléia de Deus, duas denominações cujos modelos de organização
eclesial apresentam baixos níveis de participação, que apresentam as mais altas
probabilidades de votarem em candidatos da própria igreja - 0,20 e 0,17, respectivamente.
Esses valores são cinco vezes a probabilidade estimada encontrada para os fiéis das igrejas
mais participativas, tais como as igrejas Batista e demais Históricas. Nesse caso, parece existir
certa cisão entre voto e compromisso cívico ao tornar evidente que “participação eleitoral e
associativa não se confundem” (CARNEIRO, 1998, p.200).
Como, então, explicar essa distinção empiricamente observada? Carneiro parece não
trazer maiores esclarecimentos a esse respeito. Possivelmente, essa limitação está relacionada
ao uso do conceito de contextual effects (efeitos contextuais), que foi adotado de modo um
tanto quanto particular pelo autor, restringindo o seu sentido apenas ao tipo de socialização
imposta pela dinâmica participativa presente nas igrejas, o que não esgota os possíveis efeitos
dos contextos sociais sobre as preferências políticas (HUCKEFELDT & SPRAGUE 1989;
WALD et alli. 1988).
Em comum, todas essas abordagens enfatizam o papel das igrejas e de suas lideranças
em persuadir seus membros em prol de algum objetivo político-eleitoral específico. Alguns
trabalhos trazem apontamentos relevantes, principalmente quando fazem referência às
estratégias das igrejas de utilizar os cultos para a promoção de candidatos e ao fluxo de
informações políticas que se dá no interior das denominações (BOHN 2007, 2004;
MACHADO 2006; ORO 2003; CARNEIRO 1998). Poucos deles, no entanto, exploraram
devidamente as causas e as conseqüências da filiação religiosa para a decisão dos eleitores,
além de desconsiderarem os limites de tal interpretação. Embora tragam importantes
apontamentos a respeito do voto evangélico ao enfatizarem a dinâmica institucional na
conformação do voto, vacilam em três pontos específicos: carecem de maior precisão na
determinação da causalidade entre filiação religiosa e comportamento eleitoral, padecem de
melhor enquadramento analítico que torne possível identificar as diferenças que se observa no
campo evangélico e os seus efeitos na formação das preferências eleitorais. Carneiro (1998)
foi quem melhor delineou um modelo que contemplava não apenas as ações das instituições
evangélicas, mas também o lugar dos indivíduos nesse processo. No entanto, a análise do

86
autor obtém sucesso apenas quando refere ao associativismo dos membros das igrejas
protestantes, pouco ou nada dizendo a respeito do comportamento eleitoral50. No próximo
capítulo, esses estudos serão problematizados à luz das considerações teóricas delineadas no
capítulo inicial e as principais teses sustentadas por esses autores serão submetidas a teste
empíricos.

50
Rigorosamente, mesmo em se tratando de associativismo, pode-se problematizar a análise do autor. Ao pressupor que a
socialização nas igrejas é o que causaria o desenvolvimento ou não de certas habilidades cívicas, variando conforme o tipo
de estrutura organizacional (mais participativa ou menos participativa), Carneiro tem em mente que a relação do fiel com
sua denominação religiosa é estável e que já tenha perdurado a certo período de tempo. Acontece que o fenômeno
protestante no Brasil é recente (ainda mais recente no período de coleta de dados da pesquisa utilizado por Carneiro,
1994), o que aumenta a probabilidade dos fiéis se integrarem às suas igrejas a pouco tempo. Não bastasse, os evangélicos
no Brasil, principalmente os de estirpe pentecostal, se caracterizam por um forte trânsito religioso, tornando pouco estável
a relação do fiel com sua denominação religiosa.
87
CAPÍTULO 3

OS FATORES ASSOCIADOS AO VOTO EVANGÉLICO

INTRODUÇÃO

Os estudos brasileiros sobre o voto evangélico têm produzido diversas evidências a


respeito do papel da religião na conformação das escolhas políticas. É consenso entre eles que
algumas igrejas atuam estrategicamente na cooptação política de seus fiéis por meio de ações
institucionais, tendo os pastores e outras lideranças religiosas como atores centrais nesse
processo (CARNEIRO 1998; BAPTISTA 2009; MACHADO, 2006; ORO, 2003). Outros
estudos enfatizam que o grande envolvimento individual nas atividades das congregações é o
fator determinante da influência política (NOVAES, 2002; BOHN, 2004; BAPTISTA, 2008;
CARNEIRO, 1998). Existem ainda alguns que chamam atenção para o fato de certos
atributos individuais intervirem na capacidade das organizações religiosas definirem as suas
escolhas eleitorais (BOHN, 2004; PIERUCCI, 1996). Percebe-se, assim, que variáveis de
natureza diversa têm sido mobilizadas com o intuito de explicar a associação entre
pertencimento religioso e preferência eleitoral, sendo ressaltados tanto características das
denominações quanto atributos de seus membros.
Um panorama geral sobre esses estudos permite afirmar que certos fatores “causam” o
voto evangélico. Todavia, conforme destacado no capítulo anterior, esses estudos falham ao
não explorar devidamente a relação entre filiação religiosa protestante e escolha eleitoral. O
problema reside precisamente no fato deles vacilarem na identificação dos mecanismos
responsáveis pela associação entre voto e religião, pouco ou nada dizendo a respeito das
condições mais favoráveis para que os grupos religiosos sejam determinantes nesse processo.
A avaliação que se faz é que essa literatura carece de orientações teóricas adequadas
que permitam generalizações, inferências ou construções de modelos analíticos que sejam
capazes de apontar os mecanismos que traduzam o pertencimento religioso em voto. Pouca
atenção é dada a essas questões centrais. Em sua maioria, esses estudos fazem parte de uma

88
tradição majoritária de pesquisas eleitorais no Brasil que pouco investe nos fundamentos
teóricos e na causalidade dos eventos observados, não mantendo diálogo com a literatura
específica do tema, que é uma das mais amplas da Ciência Política contemporânea.
Apesar dessas limitações, os estudos brasileiros contribuem de forma decisiva com
descrições e análises exploratórias que servem como referências para investigações mais
aprofundadas. Apontam, também, as direções dos efeitos de algumas das dimensões dos
grupos religiosos que agem sobre as escolhas políticas do eleitor, de onde se pode retirar um
conjunto de hipóteses plausíveis. Nesse capítulo, pretende-se desenvolver um modelo de
análise do voto evangélico que parta dessas contribuições, mas que busque contornar ao
menos parcialmente as restrições existentes nesse campo. Enfim, fica a pergunta: por que
certos grupos religiosos “causam” voto e outros não?
Os pressupostos teóricos do capítulo inicial constituem a referência básica dessa
proposta. A análise contextual da política e os estudos de grupos em geral fornecem as
principais orientações que embasam a argumentação desenvolvida. Grande parte dos esforços
empregados nesse capítulo se destina a um melhor enquadramento analítico das principais
teses do voto evangélico no Brasil, numa tentativa de aproximar essa literatura da abordagem
sociológica do voto. Essa empreitada ocupará boa parte das próximas sessões, onde serão
exploradas aquelas dimensões que se julga relevantes para o entendimento de como os efeitos
proporcionados pelo pertencimento religioso agem sobre a escolha eleitoral.
Além de investigar o papel dos grupos evangélicos nesse processo, será
problematizado também se esses efeitos variam conforme características dos eleitores. Com
isso, pretende-se observar se atributos dos próprios indivíduos delimitam a capacidade dos
grupos religiosos estruturarem suas preferências eleitorais. De certa forma, estudos
sociológicos em geral tendem a ignorar as variações de comportamento que podem ser
observados entre os diferentes estratos do eleitorado. Com a introdução de atributos
individuais no modelo de análise, espera-se trazer novos elementos para esse debate. Deriva-
se daí uma segunda pergunta: o sucesso político de certas igrejas é resultado dos efeitos
contextuais ou, diferentemente, é devido a certos atributos individuais dos eleitores
evangélicos?
Dadas essas questões, duas diferentes alternativas possíveis se colocam, embora elas
não sejam necessariamente opostas. Por um lado, o sucesso eleitoral das denominações
evangélicas pode estar relacionado a determinados fatores contextuais, variando conforme
características dos grupos religiosos. Por outro lado, pode-se afirmar que tais igrejas obtêm

89
sucesso na definição das preferências eleitorais não pelo que elas são enquanto contexto
social, mas devido fatores individualmente estabelecidos. Para ilustrar todas essas
considerações, um estudo específico sobre o voto evangélico será proposto. Cada uma das
principais hipóteses empírico-descritivas apresentadas pela literatura brasileira e sustentadas
pela abordagem sociológica do voto será testada em modelos estatísticos. Embora esse não
seja o objetivo primordial dessa dissertação, a empiria pode trazer novos elementos para se
explicar o processo de influência política dos grupos sociais.
Esse capítulo está dividido em três partes mais a conclusão. A primeira delas trata de
algumas das questões metodológicas concernentes ao estudo que é proposto, apresentando de
forma sucinta o banco de dados que é utilizado, a variável dependente e as limitações de
análise existentes nesse estudo. Em seguida, na segunda e mais extensa sessão desse capítulo,
serão retomados os principais pontos destacados pela literatura brasileira à luz da abordagem
sociológica do voto. Por fim, na terceira parte, cada uma das hipóteses teoricamente
sustentadas será submetida a testes estatísticos.

3.1. PREÂMBULOS METODOLÓGICOS

3.1.1. A referência empírica


Antes de tudo, cabe mencionar que os dados que servem como base empírica para
análise nesse capítulo são da pesquisa Novo Nascimento, que foi planejada e conduzida pelo
Instituto de Estudos da Religião (ISER). O universo pesquisado são os evangélicos da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), sendo incluídas na amostra as cidades de Nova
Iguaçu, Belford Roxo, Nilópolis, Duque de Caxias, São João de Meriti, Niterói, São Gonçalo
e a capital Rio de Janeiro51. A coleta de dados foi realizada entre os meses de setembro e
novembro de 1994, em um período que abrange as eleições nacionais realizadas no início de
outubro. Portanto, essa pesquisa é tanto pré quanto pós-eleitoral, compreendendo períodos de
ambos os momentos. Quatro diferentes temas foram abordados: 1) aspectos socioeconômicos
e de perfil; 2) crenças e práticas religiosas, com ênfase no envolvimento nas atividades da
igreja; 3) gênero, família e reprodução; e 4) participação política e comportamento eleitoral.
A amostra adotada nessa pesquisa foi definida com um tamanho de 1500 casos, sendo
aplicados 1332 questionários. Seu desenho garante representatividade para toda a população
evangélica das oito cidades da RMRJ consideradas, com uma estimativa de casos para cada
51
Por economia de recursos, foram excluídas da amostra as seguintes cidades: Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí,
Japeri, Magé, Mangaratiba, Maricá, Paracambi e Queimados.
90
um dos municípios. Esses dois fatores (extensão da amostra e a representatividade para os
evangélicos) permitem que os dados sejam utilizados tanto para o nível do indivíduo quanto
para o nível agregado52.
A escolha dessa pesquisa como a base empírica dessa dissertação foi definida tendo
em vista as possibilidades oferecidas pelo conjunto de dados existentes. Importantes questões
sobre a religiosidade e sobre o comportamento político dos evangélicos foram abordadas no
Novo Nascimento. Desde o período de sua realização, há 16 anos, não foram feitas outras
pesquisas com a mesma extensão e objetivos, que contassem com informações sobre a
religiosidade e o comportamento político de grupos religiosos. Mais adiante, quando forem
expostas as hipóteses e os fatores explicativos a serem utilizados, as variáveis mobilizadas
para a construção do modelo que se propõe nessa dissertação serão destacadas, sendo
mostrados os itens que as compõem e a forma como elas foram trabalhadas.
Antes, no entanto, é importante mencionar que algumas limitações existentes no banco
de dados da pesquisa Novo Nascimento não permitiram a construção de medidas mais
adequadas para as dimensões que são investigadas. Para que fossem realizados exames mais
rigorosos a respeito da associação entre grupo religioso e voto, seria necessário que a
referência empírica utilizada dispusesse de algumas informações específicas mais qualificadas
do que aquelas presentes no banco. Em razão dessas restrições, certas variáveis adotadas no
modelo que se propõe nesse estudo serão apresentadas como “aproximações”. Ao longo das
sessões seguintes, os problemas concernentes a essa questão serão apontados.

3.1.2. Igreja como contexto social


Um dos principais problemas dos estudos mais recentes da abordagem sociológica do
voto é o uso não padronizado do conceito de “contexto social”. Em muitos casos, têm sido
consideradas unidades de agregação muito diversificadas quanto à amplitude53. Isso seria
resultado de uma apropriação inadequada do termo, refletindo de forma direta na imprecisão
das medidas que geralmente são adotadas para se mensurar seus efeitos.
Nessa dissertação, posiciona-se a favor de uma definição mais restrita, tal como
formulada por Eulau (1963; 1986). Contexto, assim, deve se limitar à composição social de
um ambiente onde são mantidas interações freqüentes entre indivíduos que compartilham
características e motivações em comum. Portanto, a religião, como contexto, deve estar

52
Para maiores esclarecimentos, conferir as notas metodológicas dessa pesquisa no livro Novo Nascimento: os
evangélicos em casa, na igreja e na política (FERNANDES et alli. 1998)
53
Uma discussão mais aprofundada dessa questão foi feita no Capítulo 1.
91
restrita às interações que se dão no âmbito das igrejas, onde atividades regulares são
realizadas e os limites da influência social se tornam mais evidentes. Nesses termos, para fins
de análise, cada uma das comunidades religiosas locais compõe um contexto social particular,
onde se estabelece uma rede de comunicações e circula um fluxo de informações políticas.
Do ponto de vista da viabilidade metodológica, a adoção de medidas de contextos
sociais é sempre limitada pelo desenho da pesquisa. Para que a medida adotada seja precisa,
os dados devem ser representativos para cada um dos contextos investigados. Por esse
motivo, são raros os estudos eleitorais que contenham informações válidas para esse nível de
agregação54. Diante dessa restrição, muitos autores optam por reunir em uma mesma categoria
casos que compartilhem características comuns (HUCKFELDT & SPRAGUE, 1995;
CARNEIRO, 1998). Essa seria uma forma de se contornar as limitações dos dados,
minimizando os efeitos negativos produzidos pela utilização de unidades de agregação com
amplitude superior àquela sustentada pela teoria. Foi o que fizeram, por exemplo, Huckfeldt,
Plutzer e Sprague (1993) ao trabalharem com o contexto “religião” utilizando apenas os seus
rótulos como referências. Evidentemente, nessas condições são ignoradas as fronteiras
imediatas do grupo, perdendo em precisão ao estender sua amplitude ao nível mais próximo
possível.
O banco de dados Novo Nascimento apresenta limitações similares. Sua amostra não
foi definida tendo como referência cada uma das comunidades evangélicas locais existentes
nas cidades da RMRJ consideradas, mas apenas a população evangélica em geral, com iguais
chances de todos os protestantes maiores de 16 serem selecionados. Diante disso, optou-se,
nessa dissertação, pela associação de casos conforme a classificação proposta por Carneiro
(1998). Duas razões principais justificam a escolha pela tipologia desse autor: primeiro,
porque Carneiro utilizou o mesmo banco de dados que é a referência empírica dessa
dissertação; segundo, porque sua classificação é baseada nos aspectos organizacionais das
igrejas, que é uma das dimensões contextuais que definem os padrões de interações entre os
indivíduos e, consequentemente, a capacidade de influência dos grupos religiosos55.
Na tabela abaixo são apresentados os seis tipos propostos por Carneiro e suas
respectivas freqüências no banco de dados56.

54
O clássico estudo de Wald et alli. (1988) é um bom exemplo de desenho de pesquisa que utilizou as
fronteiras do contexto como unidade de agregação.
55
Outras informações sobre a tipologia de Carneiro estão em Fernandes et alli. (1998). Nessa dissertação, no
capítulo 2, foram apresentados os fundamentos dessa classificação.
56
Foram omitidos 29 casos correspondentes aos membros da Congregação Cristã do Brasil, Deus é Amor e
Adventistas do Sétimo Dia, que são as organizações religiosas que proíbem publicamente qualquer tipo de
92
Tabela 01 – Grupos religiosos no Novo Nascimento

Classificação Freq. %
Assembléia de Deus 424 32,54
Batista 249 19,11
Universal do Reino de Deus 223 17,11
Históricas 112 8,6
Renovadas 95 7,29
Outras Pentecostais 200 15,35
1303 100

3.1.3. A variável dependente


É do interesse desse estudo observar o comportamento do voto evangélico nas arenas
onde as denominações religiosas atuam de forma mais sistemática. Conforme demonstrado no
capítulo 2, que trata de apresentar o objeto desse estudo, a Câmara dos Deputados é o espaço
institucional onde os políticos ligados a essas igrejas têm alcançado maior projeção, tendo até
mesmo formado uma bancada autodenominada evangélica (CAMPOS, 2005; BAPTISTA,
2009). É também na esfera legislativa da representação política onde as regras eleitorais são
mais complexas, exigindo mais do eleitor na tomada de decisão. Como já destacado, as
eleições para a Câmara dos Deputados e Assembléias Legislativas constituem ambientes
eleitorais complexos, dado todo o conjunto de regras e normas que regulamentam a disputa
política e configuram o seu arranjo institucional (RENNÓ, 2004). Possivelmente, os efeitos
contextuais proporcionados pelo pertencimento aos grupos seriam mais robustos nessas
condições57. Por essas duas razões, espera-se que o voto evangélico seja um fenômeno
político mais presente nas eleições para deputado, em especial para deputado federal.
O banco de dados da pesquisa Novo Nascimento tem informações sobre as
preferências do eleitor para todos os cargos em disputa nas eleições nacionais de 1994. Uma
de suas perguntas consultava o entrevistado a respeito do candidato em que votou (ou
pretendia votar) para o cargo de deputado federal. Para que essa se torne a variável
dependente do estudo que se propõe aqui, seria necessário que cada um dos nomes ou
números declarados pelos respondentes fosse classificado de modo a permitir identificar quais
candidatos são apoiados por alguma denominação evangélica. A partir dessas informações, a
variável seria codificada em duas categorias: Denominação do Deputado = Denominação do

vínculo de seus fiéis com a política-eleitoral. Como se trata de uma exceção no interior do pentecostalismo,
julgou-se como adequado retirar esses casos da análise. Por esse motivo, tem-se apenas 1303 casos válidos.
57
No capítulo 1, na sessão 3.3 “Quando o contexto social é determinante”, outras considerações a respeito dos
efeitos ambientes eleitorais complexos podem ser lidas.
93
Eleitor; Denominação do Deputado ≠ Denominação do Eleitor. A primeira opção seria o
“voto evangélico”, que é aquele destinado a certos candidatos por motivações religiosas,
quase sempre sendo definido por estímulos de sua igreja. Esse trabalho de classificação dos
candidatos foi realizado pelo ISER por ocasião da publicação do livro que resume os
principais achados da pesquisa (cf. FERNANDES et alli., 1998).
Há, no entanto, uma séria limitação nos dados coletados. Por alguma razão
desconhecida, somente 27% (356 casos) de todos os respondentes revelaram o nome ou o
número do deputado federal de sua preferência. Isso inviabiliza o uso dessa variável no
modelo, tendo em vista que a quantidade de casos se reduziria ainda mais com a classificação
dos candidatos por denominação de origem. Diante dessa limitação do banco de dados,
decidiu-se por utilizar uma variável alternativa. Dentre as opções disponíveis no Novo
Nascimento, a que mais se aproximava do voto ao cargo de deputado é aquela composta a
partir da seguinte questão58:

“Para deputado federal e estadual o Sr.(a)pretende votar...”


a - Votar em um candidato que seja evangélico
b - Votar em um candidato que tenha boas idéias políticas
c - Votar em um candidato que traga melhorias para minha vida.

Apesar dessa informação não corresponder à decisão eleitoral propriamente dita, ela
permite uma aproximação com o voto evangélico na medida em que identifica se o eleitor se
encontra motivado a votar em um candidato que também seja evangélico. Na ausência de uma
opção melhor, não restou outra alternativa senão a de lançar mão dessa questão referida acima
como o item que compõem a variável dependente “Voto Evangélico”59.
Essa variável foi recodificada, tornando-se binarizada, tal como segue: Votar em um
candidato que seja evangélico (SIM = 1; NÃO = 0). O gráfico a seguir permite verificar o seu
comportamento entre os seis grupos religiosos considerados. Por meio dele, pode-se perceber
que existem variações entre as denominações, com um maior número de evangélicos
(51,12%) da Igreja Universal do Reino definindo a sua escolha eleitoral a partir da sua

58
Não são desconsideradas as limitações da questão utilizada para a composição da nova variável dependente.
O item sofre de um problema na sua elaboração. Suas categorias não são exaustivas e nem mutuamente
excludentes. Um respondente pode escolher um candidato a deputado que seja evangélico, mas define a sua
escolha não pela filiação religiosa e sim porque acredita que ele tenha boas idéias. O respondente pode
também escolher um candidato a deputado por algum outro motivo não contemplado pelas opções dadas.
59
Com o objetivo de checar os limites de se utilizar essa variável alternativa, foi calculada a correlação de
Pearson entre essas duas variáveis dependentes de modo a avaliar se ambas medem a mesma dimensão.
Embora positiva, a associação observada não foi robusta (apenas 0,231). Como desdobramento desse trabalho,
pretende-se realizar a replicação desse estudo utilizando as duas variáveis no modelo para se ter uma melhor
avaliação das limitações envolvidas.
94
filiação religiosa. Por contraste, os fiéis das igrejas Históricas são aqueles que menos
manifestaram o desejo de votar em candidatos em razão de sua orientação religiosa
evangélica. Há, portanto, comportamentos diferenciados entre os seis grupos considerados.
São essas variações que precisam ser melhor explicadas. A próxima sessão se ocupará de
construir as hipóteses e as variáveis explicativas. Em seguida, na sessão 3.3, será apresentado
o modelo de análise do voto evangélico e realizados os testes estatísticos.

Gráfico 01 – Variável dependente: pretende votar em candidato evangélico

100%
90%
80%
48,88%
70% 61,05%
67,47% 69,81% 67,50%
60% 75,00%
50%
40%
30%
51,12%
20% 38,95%
32,53% 30,19% 32,50%
10% 25,00%
0%
Históricas Batistas Assembléia de Outras Renovadas Universal
Deus Pentecostais

SIM NÃO

3.2. GRUPOS EVANGÉLICOS E VOTO: QUAL A AFINIDADE?

Nessa sessão, pretende-se estabelecer uma conexão entre os estudos brasileiros sobre o
tema e as teorias que foram apresentadas ao longo dessa dissertação, principalmente no seu
primeiro capítulo. O objetivo será o de identificar os mecanismos que levam ao
desenvolvimento de padrões de comportamento político entre os membros das igrejas
evangélicas. Quatro diferentes dimensões serão trabalhadas ao longo do texto, onde serão
elaboradas as variáveis explicativas do estudo proposto nessa dissertação. A partir das
considerações teóricas, serão construídas hipóteses com intuito de contribuir para o debate
sobre as “causas” do voto evangélico. E na sessão seguinte, cada uma dessas hipóteses será
testada em modelos estatísticos multivariados, através dos quais será possível avaliar quais os
fatores preponderantes na definição do voto evangélico.

95
3.2.1. Compromisso religioso
Apesar das profundas diferenças entre as denominações evangélicas brasileiras, elas se
homogeinizam quanto à exigência de uma forte dedicação ao grupo. Possivelmente, não
existem no país outras religiões que reúnam com tamanha freqüência os mesmos indivíduos
para a prática de suas atividades. Esse seria um dos traços distintivos e mais importantes do
protestantismo praticado no Brasil (BOHN 2004; NOVAES 2002; FERNANDES et alli.
1998). Seja qual for a denominação, o compromisso do evangélico com a sua comunidade de
fé é uma condição fundamental para que ele se integre ao grupo, principalmente no que se
refere a sua presença nos cultos e reuniões de oração, onde é promovida a socialização dos
fiéis nas crenças e orientações da instituição.
Essa demanda por parte das igrejas tem implicações importantes, pois aumenta
significativamente a exposição dos indivíduos aos grupos religiosos e fortalece os seus
vínculos internos. Por esse motivo, diversos estudos sobre o voto evangélico têm associado a
capacidade da religião orientar a escolha eleitoral de seus membros à intensidade com eles se
integram às suas comunidades religiosas. Mesmo que o sucesso de projetos políticos também
dependa de diversos outros fatores, o simples fato desses grupos manterem redes sociais com
interação freqüente assegura a eles diversas oportunidades de influência (BAPTISTA, 2008;
BOHN, 2004; NOVAES, 2002; CARNEIRO, 1998).
Essas conclusões mais gerais também podem ser sustentadas pela teoria da análise
contextual e teorias de grupo em geral, tal como expostas no primeiro capítulo dessa
dissertação. De certa forma, há certo consenso quanto a esse ponto: para as variadas
abordagens sociológicas do voto, grupos que contam com elevada assiduidade de seus
membros são mais efetivos na transmissão de informações políticas, dispondo de maiores
possibilidades de comunicação e conformação de atitudes (BERELSON et alli., 1966; KATZ
& LAZARSFELD, 1965; FINIFTER, 1974; HUCKFELDT & SPRAGUE 1995).
Diversos fatores são apontados como causa nesse processo. Para Mutz (2006) e
Finifter (1974), a regularidade das interações aumenta as possibilidades de influência,
tornando mais decisivos para a escolha eleitoral aqueles grupos onde os indivíduos estão
imersos de forma mais acentuada, submetendo-os a maior pressão por conformidade. Katz e
Lazarsfeld (1964), por sua vez, destacam que grupos com alta assiduidade de seus membros
são mais efetivos na promoção dos “benefícios da conformidade”. Os autores pressupõem que
indivíduos tendem a compartilhar opiniões e atitudes por conta dos ganhos instrumentais
envolvidos, sendo levados a buscar certa harmonia com o grupo com o qual deseja manter

96
interação com mais regularidade, evitando assim dissonâncias ou coações. Para Huckfeldt e
Sprague (1995) e Ahn et alli. (2009), diferentemente, informações existentes em contextos
onde o indivíduo mantém interação constante tendem a apresentar custos reduzidos, tornando-
se mais atrativas ao olhar de um eleitor que busca maximizar sua utilidade no processo de
tomada de decisão. Seja como for, para todos esses autores, a capacidade de influência do
contexto social estaria positivamente associada ao aumento da acessibilidade do indivíduo ao
grupo. Portanto, para o caso em estudo, quanto maior a imersão nos grupos religiosos, maior
o compromisso do indivíduo com a igreja e maior se torna a probabilidade do fluxo de
informações políticas desse contexto ser relevante na construção de suas preferências
eleitorais.
Em virtude dessas considerações, é possível averiguar a intensidade dos efeitos
contextuais por meio da mensuração do compromisso do eleitor evangélico com o seu grupo
religioso, o que estaria diretamente relacionado com a frequência com quem vai à igreja. Foi o
que fez, de certa forma, Bohn (2004) no seu estudo sobre os determinantes do comportamento
eleitoral de algumas denominações protestantes brasileiras. Apesar de apenas apontar
tendências gerais, não realizando testes que comprovassem suas hipóteses, a autora contribuiu
de forma decisiva ao classificar os diferentes grupos evangélicos conforme a variação da
assiduidade de seus fiéis aos cultos, relacionando o nível de religiosidade observado com a
capacidade das igrejas determinarem suas preferências eleitorais. Os resultados demonstraram
que todas as denominações contam com uma forte presença de seus membros, principalmente
se comparadas com outras religiões60. Entre os diferentes grupos evangélicos, existiriam
algumas diferenças. Mais uma vez, o universo protestante é dividido entre igrejas pentecostais
e não-pentecostais, sendo as primeiras aquelas que apresentam nível médio superior de
compromisso religioso e, consequentemente, contam com maior capacidade de transmissão de
informações políticas e conformação das preferências eleitorais de seus membros.
Essa parece ser uma importante dimensão do voto evangélico, de onde se pode
assumir a seguinte hipótese:

60
“[...] os evangélicos têm um alto grau de exposição às autoridades religiosas. Cerca de 82.6% deles vão ao
culto uma ou mais vezes por semana. Os adeptos das religiões afro-brasileiras e do kardecismo são os que mais
se aproximam do perfil evangélico: 50.0% e 49.2% deles, respectivamente, têm um alto grau de exposição às
autoridades religiosas. Entre os católicos, esse número corresponde a apenas 35.7%. Cerca de 41.6% dos
católicos não vão ou raramente vão a missas. Já entre os evangélicos, essa porcentagem decresce para
somente 9.9%” (Bohn 2004, p.304).

97
Hipótese 1: Quanto maior o compromisso religioso dos eleitores evangélicos, maior a
probabilidade deles votarem conforme as orientações de suas igrejas.

Para os objetivos dessa dissertação, as variações quanto à imersão dos evangélicos em


seus respectivos grupos religiosos podem ser observadas por meio da combinação de um
conjunto de dados do banco Novo Nascimento61. O indicador de Compromisso Religioso
(indicador 1), que segue, foi elaborado com essa finalidade. Por compromisso religioso
entende-se não a intensidade das crenças dos fiéis ou o quanto eles se conformam aos valores
de seu grupo, mas apenas a frequência com que vão às igrejas para fins estritamente
religiosos. Três atividades foram consideradas na elaboração desse indicador: cultos
dominicais, cultos de cura ou libertação, e reuniões de oração, que são as três mais
importantes atividades de natureza religiosa presentes nas denominações evangélicas
brasileiras, conforme destacado no capítulo anterior (cf. também FERNANDES et.ali. 1998).
A pontuação obtida por cada indivíduo na composição do indicador foi estimada
através da razão de chance dessas três atividades consideradas, tomando como referência para
a base do cálculo aquela que se mostrou mais recorrente62. A utilização desse recurso tornou
possível conferir a cada uma das práticas observadas pesos diferentes no construto, criando
uma escala com mais pontos e maior variabilidade no atributo mensurado. Isso tem a
vantagem de produzir scores que captam as chances de determinado evento ocorrer,
permitindo dimensionar seus valores relativos, sobrevalorizando os eventos mais raros. O
mesmo procedimento foi adotado nos outros indicadores elaborados nessa dissertação.
A tabela 2, abaixo, descreve as atividades que compõem o indicador 1 e as suas
respectivas freqüências para toda a população considerada. Na última coluna da tabela é
apresentada a pontuação atribuída a cada item. A tabela 3, na sequência, apresenta a
pontuação média do indicador categorizada por denominação evangélica, tornando possível
observar as diferenças entre os grupos religiosos quanto à assiduidade média de seus membros
nos cultos e reuniões de oração. Individualmente, os valores da pontuação variam no intervalo
que vai de 0 (nenhuma participação) a 4,8 (valor máximo observado), com uma média de 3,02
pontos.

61
Com os mesmos objetivos, os dados do Novo Nascimento foram trabalhados por Carneiro (1998), em seu
estudo sobre o associativismo dos evangélicos na Grande Rio.
62
Como a prática mais comum dentre as três observadas foi a participação em cultos dominicais no mês (com
81% dos casos), essa atividade recebeu pontuação igual a 1,00 (que corresponde à divisão do valor observado
por aquele da prática mais comum: 0,81/0,81=1,00). Essa é, portanto, a atividade de referência para o cálculo
dos demais valores de razão de chance do indicador.
98
Tabela 02 – Descrição das atividades religiosas

Culto dominical Freqüência Pontos


Na última semana 62,00% 1,3
No último mês 81,00% 1
Culto de cura ou libertação
Na última semana 38,00% 2,1
No último mês 53,00% 1,52
Reunião de oração
Na última semana 59,00% 1,4
No último mês 75,00% 1,07

Tabela 03 - Indicador 1 – Compromisso Religioso (pont. média por denominação)

Indicador
Denominação Média DP
Todas 3,02 1,47
Assembléia de Deus 3,04 1,50
Batista 2,38 1,22
Universal do Reino de Deus 3,65 1,35
Históricas 2,46 1,41
Renovadas 3,37 1,34
Outras Pentecostais 3,28 1,48
F 25,46
sig. (0,000)

Os resultados demonstram existir diferenças estatisticamente significativas entre os


grupos observados. O compromisso religioso dos evangélicos se mostra superior entre os fiéis
das igrejas Renovadas (3,37) e Universal do Reino de Deus (3,65), que apresentam valores
médios maiores que aquele obtido para a média de todas as denominações (3,02). Nessas
igrejas, portanto, haveria uma maior exposição de seus membros ao grupo e,
consequentemente, ao fluxo de informações políticas existente, elevando as possibilidades de
influência social. As igrejas Históricas (2,46) e Batistas (2,38), ao contrário, apresentam
médias inferiores. São, assim, os grupos religiosos com a menor demanda por dedicação
religiosa. Resta, agora, mensurar o impacto dessa dimensão sobre as preferências eleitorais
dos evangélicos. Mais adiante, nos testes estatísticos que serão realizados com esse propósito,
o indicador de compromisso religioso será uma das variáveis explicativas do modelo. Nessa
ocasião, diferentemente do que consta acima, essa variável será trabalhada no nível
individual.

99
3.2.2. Modelo de organização eclesial
As denominações evangélicas brasileiras apresentam diferentes modelos de
organização eclesial. A distinção entre igrejas tradicionais e igrejas pentecostais é insuficiente
para lidar com as variações existentes, não existindo uma conexão direta e absoluta entre
essas tendências mais gerais e o modelo de organização adotado pelas igrejas. Conforme
especificado no capítulo anterior, há denominações altamente verticalizadas que concentram
poder em uma administração central e impõem sua agenda sobre as comunidades locais. Por
outro lado, existem denominações descentralizadas que conferem autonomia a cada igreja
local para decidir grande parte dos assuntos de sua congregação.
Conjuga-se a essa dimensão a porosidade de todos esses grupos ao engajamento direto
de seus fiéis em suas múltiplas atividades. Em certas igrejas, os membros participam
ativamente dos processos decisórios, definindo as principais questões acerca dos rumos da
comunidade; em outras, diferentemente, é a administração central da denominação ou as
vontades das lideranças o elemento determinante, centralizando as decisões em uma cúpula
que é responsável por toda a administração do grupo.
Há, assim, duas dimensões alusivas ao modelo de organização eclesial. A primeira
delas remete ao grau de autonomia das comunidades locais diante jurisdições que ocupam
posições mais elevadas na hierarquia da organização, geralmente representadas por instâncias
administrativas regionais, nacionais e, em alguns casos, internacionais. A segunda se refere à
dinâmica de engajamento dos fiéis nas diversas atividades desenvolvidas pelas denominações,
variando conforme a permeabilidade à participação dos fiéis no âmbito de suas comunidades
locais. Ambas as dimensões remetem a atributos do contexto religioso, constituindo fatores
estruturais que definem o tipo de inserção dos indivíduos no grupo e a relação que se
estabelece entre eles.
A primeira, por se tratar de uma característica institucional das denominações, não é
mensurável a partir das práticas dos seus congregantes. Trata-se de uma característica
institucional das denominações que independe dos indivíduos que as compõem, referindo-se
exclusivamente à forma como elas se organizam. Nesse quesito, as diferentes igrejas
poderiam ser classificadas da seguinte forma:

100
Quadro 01: Tipos hierárquicos das Denominações Evangélicas*

Principais Igrejas Tipo Hierárquico

Universal do Reino de Deus (e outras neopentecostais) Centralizado

Assembléia de Deus**, Batistas***, Históricas


(Presbiteriana, Metodista, Congregacional, Adventista) Moderada autonomia local

Renovadas (Metodista Wesleyana, Maranata,


Comunidade Evangélica, Batista Renovada, Igreja
Evangélica), Descentralizado
Pequenas Igrejas Pentecostais (Nova Vida, Casa da
Benção, Cristo Vive, dentre outras)

* Essa tipologia se baseou na classificação proposta por Fernandes (1994) e adaptada por
Carneio (1998).
** Inclui todas as tendências da Assembléia de Deus
*** Inclui a Convenção Batista Brasileira (CBB) e a Convenção Batista Nacional (CBN)

A dimensão especificada acima ilustra os três tipos hierárquicos encontrados entre as


denominações evangélicas brasileiras. Descreve, basicamente, o grau de autonomia das
igrejas locais diante instâncias superiores do corpo administrativo da denominação. As igrejas
Assembléia de Deus, Batista e as outras Históricas, por contarem com jurisdições superiores
no plano nacional, foram classificadas como apresentando moderada autonomia local, apesar
do caráter participativo e independente de suas congregações. Foram classificadas como
descentralizadas somente aquelas denominações menores, com poucos templos e corpo social
reduzido, não tendo expressão no plano nacional. Como centralizada, a classificação destaca a
neopentecostal Universal do Reino de Deus, que apresenta gestão integrada e única, o que
maximiza sua capacidade gerencial e aumenta seu controle sobre as comunidades locais,
garantindo uniformidade e padronização de suas atividades.
A segunda dimensão, diferentemente, pode ser observada a partir das práticas
individuais. Embora ainda se refira a um fator externo que define o modo de inserção dos
indivíduos nos grupos, ela é passível de ser mensurada por meio da participação média dos
evangélicos em algumas atividades específicas de suas congregações. O banco de dados Novo
Nascimento oferece informações relativas ao engajamento individual em atividades sociais,
administrativas e educacionais das igrejas, de onde se pode apurar, por aproximação, a
porosidade dos grupos religiosos à participação direta de seus membros, indicando uma das
características da estrutura eclesial adotada pela denominação. O Indicador 2, que trata dessa
dimensão, foi elaborado com o objetivo de abranger atividades diversas que remetam a esses

101
aspectos, mensurando as diferenças entre os seis grupos denominacionais considerados. A
tabela 04 descreve as atividades que compõem o indicador, suas respectivas freqüências para
toda a população, e a pontuação de cada item que foi definida a partir da razão de chance. Em
seguida, na tabela 05, são apresentados os resultados médios de engajamento institucional
para cada grupo religioso considerado.

Tabela 04 – Descrição das atividades sociais, administrativas e


educacionais das igrejas

Escola dominical Freqüência Pontos


Na última semana 43,8% 1,34
No último mês 58,9% 1,00

Serviços aos necessitados


Na última semana 19,7% 2,99
No último mês 34,8% 1,69

Reunião de sociedade ou associação da Igreja


Na última semana 23,6% 2,50
No último mês 38,5% 1,53

Reunião administrativa da igreja* 44,6% 1,32

Já votou na escolha dos líderes da igreja 41,1% 1,43

Tem função na igreja** 35,8% 1,65

*No último ano.


**Foram consideradas as seguintes funções: Auxiliar de direção,
administrativas, litúrgicas, educativas, direção e representativas.

Tabela 05 – Indicador 2 – Média da Participação Eclesial (pont. média por denominação)

Indicador
Denominação Média DP
Todas 4,10 3,14
Assembléia de Deus 4,43 3,09
Batista 5,38 3,12
Universal 2,14 2,59
Históricas 4,69 3,02
Renovadas 4,97 2,88
Outras Pentecostais 3,50 2,85
F 33,98
sig. (0,000)

102
Os resultados contidos na tabela 05 demonstram existir diferenças estatisticamente
significativas quanto aos níveis de engajamento dos fiéis nas atividades sociais,
administrativas e educacionais de suas igrejas. Basicamente, podem ser observados três
padrões, aos quais correspondem modelos distintos de estrutura eclesial. Em primeiro lugar,
os grupos de denominações Históricas (4,69), Renovadas (4,97) e Batistas (5,38) demonstram
ser mais abertos à participação institucional, constituindo, assim, um modelo mais
horizontalizado de organização eclesial. Nessas instituições, multiplicam-se as funções e se
compartilha com maior freqüência responsabilidades entre os membros do grupo. Por
oposição, os grupos das Outras Pentecostais (3,50) e, principalmente, da Universal do Reino
de Deus (2,14) apresentam modelos pouco porosos ao engajamento de seus adeptos, sendo os
grupos com os menores valores médios na pontuação do indicador. São, portanto, as
instituições religiosas que mais centralizam funções e poder na sua cúpula dirigente. Por fim,
com uma pontuação mais próxima à média geral, a Assembléia de Deus apresenta um nível
intermediário entre os grupos observados (4,43, diante a média para toda população
evangélica de 4,10). Constitui, assim, um modelo mediano quanto à absorção institucional dos
fiéis em suas atividades sociais, administrativas e educacionais no âmbito de suas
comunidades locais.
As duas dimensões exploradas acima, conjugadas, revelam os diferentes modelos de
organização eclesial das denominações evangélicas e podem esclarecer possíveis efeitos dos
grupos religiosos sobre o comportamento político de seus membros. A forma como a
denominação evangélica se organiza e distribui funções é uma das dimensões relevantes que
afeta sua capacidade de influência sobre as práticas políticas do grupo (KATZ &
LAZARSFELD, 1965; VERBA 1962; VERBA, SCHLOZMAN & BRADY 1995). Dentre os
estudos sobre o voto evangélico no Brasil, aquele conduzido por Carneiro (1998) é o que lida
mais explicitamente com essa dimensão, destacando os efeitos dos diferentes modelos de
organização eclesial sobre o engajamento individual em associações políticas e civis. Sua
proposta se baseia na idéia de que a socialização dos indivíduos em instituições que são
abertas à participação direta dos fiéis em suas atividades leva ao desenvolvimento de certas
habilidades que fazem deles mais ou menos ativos na sociedade em geral. Conforme
destacado no capítulo anterior, Carneiro buscou identificar os efeitos contextuais das
diferentes denominações evangélicas que agem sobre a propensão associativa de seus
membros. Tomando como referência empírica os mesmos dados que estão sendo trabalhados

103
nessa dissertação, o autor observou que quanto menos participativa é a igreja, menor é a
propensão de seus adeptos se engajarem em associações políticas e civis.
O “Modelo do Voluntarismo Cívico” de Verba, Schlozman e Brady (1995) esboça de
modo mais contundente e organizado os pressupostos que embasaram as conclusões de
Carneiro. Para esses autores, organizações secundárias não-políticas, como as igrejas, são
espaços privilegiados para que os indivíduos adquiram recursos fundamentais que levam à
participação política (tempo, dinheiro e habilidades cívicas). Em especial, esses agrupamentos
oferecem diversas oportunidades para seus membros desenvolverem aptidões organizacionais
e comunicativas que favorecem o seu engajamento em associações diversas.

“Managing the firm’s move to new quarters, coordinating the volunteers for
the Heart Fund drive, or arranging the details for a tour by the church
children’s choir – all these undertakings represent opportunities in non-
political settings to learn, maintain, or refine civic skills. In short, those who
develop skills in an environment removed from politics are likely to become
politically competent” (VERBA et alli., 1995, p.310).

O desenvolvimento dessas habilidades depende das oportunidades oferecidas pelos


grupos. Daí a importância do tipo de estrutura organizacional possuído pelas diferentes
igrejas. Modelos mais horizontalizados e porosos à participação de seus membros na
condução e gestão de suas atividades tendem a ser espaços propícios a aquisição de tais
recursos. É o que demonstra Carneiro ao averiguar que quanto menos hierarquizada é a
denominação religiosa, maior é o associativismo dos seus membros na sociedade mais ampla
(CARNEIRO, 1998, p.198).
Essa distinção básica entre modelo horizontalizado mais participativo e modelo
verticalizado não-participativo traz consideráveis vantagens analíticas e esclarece diversos
efeitos relacionados ao papel das igrejas na determinação do comportamento político. É, no
entanto, insuficiente para se explicar os efeitos proporcionados pelo modelo organizacional
sobre o voto e o engajamento eleitoral. Os próprios resultados do estudo de Carneiro
exemplificam a questão em torno desse debate, como já demonstrado no capítulo anterior: ao
mesmo tempo em que é comprovada sua hipótese ao verificar um comportamento mais
“cívico” de indivíduos que freqüentam denominações religiosas participativas, percebeu-se
que o engajamento eleitoral, ao contrário, foi mais robusto entre fiéis de igrejas onde
predominam organizações mais verticalizadas. Da mesma forma, o voto em candidatos
evangélicos é mais comum nessas denominações cujos modelos de organização é centralizado
e não-participativo (CARNEIRO, 1998, p.197)

104
Carneiro não trouxe maiores esclarecimentos a respeito desses resultados. Ao focar
sua análise apenas nos efeitos proporcionados pela socialização dos indivíduos nos diferentes
tipos de estrutura organizacional das igrejas, o autor desconsiderou ao menos duas questões
fundamentais: a especificidade do voto e as outras funções desempenhadas pelos grupos,
particularmente a de recrutamento.
De acordo com Verba, Schlozman & Brady (1995), voto é uma ação política sui
generis que não se confunde com outras atividades políticas. Embora seja a mais comum
dentre todas as formas de participação, o voto se distingue quanto às suas propriedades e, em
geral, quanto ao baixo nível de exigência. Em alguns casos, como o brasileiro, o voto ainda se
diferencia das outras atividades políticas por conta de sua obrigatoriedade. Não é de se
esperar, portanto, que os fundamentos teóricos desses autores se apliquem perfeitamente ao
estudo do comportamento eleitoral. A ação de votar durante uma eleição não exige, a
princípio, nenhuma habilidade adicional e, por isso, associativismo e engajamento eleitoral
podem ser dimensões distintas (cf. VERBA et alli. 1995, p.23-4).

“[...] the vote is unique among political acts. Generalizations that hold for
voters and non-voters may not obtain of those who engage, or fail to engage,
in other forms of participation. For one thing, the vote is the one
participatory act for which there is mandated equality: each citizen gets on
and only one. Other forms of activity, as we have seen, necessitate no such
equality of inputs. […] Moreover, for some forms of participation, when the
volume of activity is multiplied, the possibility that it will be accompanied
by pressure to respond is enhanced […] Finally, the vote also differs from
many kinds of activity in being a rather blunt instrument for the
communication of information about eh needs and preferences of citizens. In
constrast to the vote, many acts are that we have labeled ‘information-rich’
[…]” (VERBA et alli., 1995, p.169).

Por outro lado, as instituições religiosas não são apenas fontes para o desenvolvimento
de habilidades cívicas. Verba, Schlozman e Brady demonstram que grupos religiosos também
atuam como instrumentos de recrutamento para a ação política. Nesse caso, as instituições
desempenham outro papel ao fomentar o engajamento através de estímulos à participação,
particularmente por meio de apelos e mensagens com conteúdo político. Em seu estudo, esses
autores reportam que os indivíduos são mais prováveis a receber estímulos políticos nas
igrejas do que no ambiente de trabalho ou em outras organizações não políticas63.

63
O próprio estudo de Verba et al. (1995) revela que 34% de sua amostra reporta ser instigado, pela igreja, a
votar ou a outra ação política, índice superior ao ambiente de trabalho (19%) e outras associações não políticas
(9%). Outros 25% reportam receber, com freqüência, informações políticas (sobre issues, principalmente) das
lideranças religiosas (cf. VERBA, SCHLOZMAN & BRADY 1995, p. 18-19, 282-283, 331-332, 380, 519-521).
105
Existiriam, assim, duas diferentes formas das igrejas promoverem o engajamento
político: por um lado, através do fornecimento de oportunidades para o desenvolvimento de
habilidades específicas, particularmente nas instâncias participativas das congregações onde o
indivíduo é socializado e orientado na direção de um compromisso cívico; por outro, através
de incentivos diretos ao engajamento, por meio da emissão de mensagens e dicas com
conteúdo político nos cultos e demais atividades da igreja. Esses dois caminhos são
independentes entre si, podendo existir, inclusive, certo contraste entre eles64.
No primeiro caso, é evidente a relação entre o tipo de organização eclesial da igreja e a
promoção do engajamento político, tal como demonstrado pelos autores acima. Igrejas
porosas à participação dos membros na condução e gestão de suas atividades são contextos
sociais favoráveis ao desenvolvimento das habilidades cívicas. No segundo caso,
diferentemente, Verba, Schlozman e Brady não estabeleceram conexão entre o modelo
organizacional da denominação religiosa e a existência de estímulos políticos. Essa parece ser
uma importante questão para o esclarecimento dos resultados encontrados por Carneiro que
apontam para a dissociação entre voto evangélico e associativismo em geral.
Ao voltar a análise para os estímulos, torna-se mais proveitoso o entendimento dos
efeitos da estrutura eclesial das igrejas sobre o padrão de comunicação que se estabelece no
interior dos grupos, através do qual se constituem fluxos de informações e interlocuções entre
os membros. Assim, no lugar da socialização e do desenvolvimento de certas habilidades,
uma abordagem que pretenda dar conta do engajamento eleitoral e do voto propriamente dito
deve direcionar seu foco para os fluxos de mensagens políticas. O tipo de estrutura
organizacional do grupo parece influir nesse processo ao estabelecer canais de comunicação
entre os seus membros. Isto é, o modelo organizacional adotado pelas igrejas estabelece
funções e normas que fixam possibilidades de transmissão e troca de informações nas suas
diversas atividades, estabelecendo fluxos de alcance e efeitos variados (HARE, 1962;
VERBA, 1962; MEARS, 1974). Parece, assim, que o próprio aspecto organizacional das
igrejas protestantes exerce influência na capacidade que elas apresentam de difundir
informações e promover o engajamento político.
Os estudos brasileiros sobre voto evangélico sugerem a existência dessa afinidade
entre estímulo político e estrutura organizacional. Apesar de não tratarem da questão nesses

64
Ao avaliarem as principais tendências religiosas americanas, Verba et alli. identificam diferenças entre
protestantes e católicos quanto às oportunidades para o desenvolvimento de habilidades cívicas e a exposição
a estímulos políticos. Os católicos dispõem de menos oportunidades, mas contam com maior volume de
estímulo (VERBA et.alli. p. 379-81).
106
termos, deixam a entender que a capacidade de transmissão de informação política (estímulo)
é mais efetiva naquelas igrejas que contam com um modelo de organização centralizado, onde
o corpo eclesial mantém certo monopólio na condução de suas atividades e na comunicação
com o grupo. Seria nessas igrejas que a informação política transmitida obteria maior sucesso
no recrutamento dos membros em benefício de algum objetivo específico. Denominações
religiosas menos hierarquizadas e mais autônomas em relação às instâncias superiores da
igreja não reproduziriam com o mesmo impacto e padrão a difusão de mensagens e dicas
políticas que afetam o comportamento político de seus membros. Da mesma forma,
comunidades evangélicas cujo modelo se mostra mais horizontalizado, dotados de uma
variedade maior de atividades e com certa distribuição de funções e responsabilidades, reduz
o poder e as possibilidades de sua estrutura eclesial emitir estímulos no interior dos grupos.
Portanto, a efetividade na transmissão de informação política está, hipoteticamente,
relacionada ao modelo organizacional do grupo.
É o que sugerem os estudos de Machado (2006), Oro (2003) e Bohn (2004) ao
demonstrarem que os grupos pentecostais emitem maior volume de informações sobre
candidaturas no âmbito das igrejas e acionam mais recorrentemente seus membros para
votarem em candidatos específicos. Essas denominações apresentam, de modo geral, modelo
verticalizado de organização eclesial. Nesses casos, todas as atividades tendem a ser
conduzidas pela cúpula das igrejas, não absorvendo seus membros nas suas instâncias
administrativas e não dispondo de canais de participação em suas atividades sociais,
administrativas e educacionais. Essa propriedade permite que esses grupos produzam
estímulos de forma padronizada e com maior alcance. A relação entre modelo organizacional
e estímulo político reside, portanto, na capacidade de massificar a informação política no
âmbito das igrejas.

Hipótese 2: Quanto mais verticalizado o grupo religioso, maior a sua capacidade de difundir
informações políticas e orientar a escolha eleitoral de seus membros.

Pode-se concluir, assim, que é esperado que igrejas cuja estrutura seja verticalizada,
com instâncias superiores de controle e pouco porosas à participação de seus membros,
disponham de maior potencial de difusão de informação política e, consequentemente, de
maior influência social sobre as preferências políticas de seus membros. O foco da análise dos

107
efeitos da estrutura eclesial se torna mais proveitoso se direcionado para a capacidade com
que os estímulos dos grupos atingem de forma direta e massiva seus integrantes.

3.2.3. Lideranças religiosas


Muitos dos estudos sobre o voto evangélico no Brasil também ressaltam o papel das
lideranças religiosas no processo de transmissão de mensagens políticas e persuasão dos
membros de suas denominações. Através de materiais impressos, de programas de TV e rádio,
dos cultos e de outros encontros, seriam promovidas aquelas candidaturas que se ajustam aos
interesses da igreja. Nesse processo, pastores, que mantêm contato mais freqüente e direto
com os fiéis, desempenhariam função determinante. Essas conclusões se respaldam em
amplas evidências e é consenso na literatura sobre o tema (BAPTISTA, 2009; BOHN, 2004).
Não obstante, persistem algumas questões: o que define o papel de liderança nas instituições
religiosas a ponto de torná-lo elemento importante no processo de transmissão de informação
política e formação de preferências eleitorais? E em quais circunstâncias as mensagens
políticas emitidas pelo líder do grupo religioso são mais persuasivas?
Um primeiro aspecto a ser ressaltado se refere à posição das lideranças na estrutura
dos grupos. Via de regra, pastores, bispos e presbíteros são os principais responsáveis pela
condução de um extenso conjunto de atividades religiosas. No âmbito de suas comunidades,
eles ocupam um espaço organizacional estratégico e dispõem de elevado status em sua
estrutura, assegurando um conjunto de privilégios na comunicação com os membros de seu
grupo durante as reuniões que demandam sua intervenção, sobretudo nos cultos e encontros
de oração. Isso é particularmente acentuado para o caso dos pastores, que são aqueles que
mantêm interações face-a-face com os fiéis de forma mais recorrente e direta. Haveria, assim,
certa correspondência entre a localização social estratégica na estrutura do grupo e o exercício
do papel de liderança (HARE 1962; VERBA 1962; KATZ & LAZARSFELD, 1965).
Apesar de isso ser uma constante em todas as denominações, pastores podem
apresentar níveis diferenciados de centralidade nos seus respectivos grupos. Essa dimensão
está estreitamente relacionada com o modelo de organização eclesial das igrejas. Em
estruturas verticalizadas, onde o corpo eclesial mantém certo monopólio na comunicação com
o grupo, as lideranças ocupariam uma posição estratégica para a difusão de informação.
Nessas igrejas, cultos e reuniões de oração tenderiam a se projetar como as atividades centrais
da congregação, tornando mais recorrente e intensa a exposição dos pastores, o que
aumentaria as suas chances de emitir estímulos ao grupo. Diferentemente, em instituições

108
religiosas menos hierarquizadas, que contam com maior distribuição de funções e dispensam
o clero para a realização de diversas atividades, a capacidade das lideranças exercerem esse
papel tende a se reduzir. Nesses casos, as estruturas intermediárias da hierarquia podem atuar
como fontes alternativas de transmissão e validação de informações no interior do grupo
(HARE, 1962; GILBERT 1993).
Existem, assim, condições mais favoráveis para que as lideranças religiosas se tornem
influentes fontes de informação, variando conforme certas características organizacionais das
igrejas que indicam o quão central são os pastores para o grupo. Na formulação de Bavelas
(1953), o grau de centralidade do líder de um grupo pode ser observado pelo número de
canais mobilizados para que ele se comunique com o maior número possível de indivíduos.
Quanto menos canais forem mobilizados para se atingir o grupo como um todo, mais central é
a sua posição (BAVELAS, 1953 apud HARE, 1962, p.280).
Nesses termos, é possível afirmar que denominações evangélicas que contam com uma
estrutura eclesial verticalizada e que, ao mesmo tempo, têm os cultos como sua principal e
mais recorrente atividade, são aquelas cujas lideranças se tornam mais determinantes para o
grupo. Nessas igrejas, o alcance dos estímulos se torna massivo porque pastores e outros
líderes mantêm certo monopólio da comunicação institucional e ocupam espaço privilegiado
na hierarquia da organização.

Hipótese 3: Quanto maior a centralidade organizacional das lideranças, maiores as


possibilidades das instituições religiosas emitirem estímulos políticos que orientem as
escolhas eleitorais de seus membros.

A posição estratégica na estrutura das igrejas é uma dimensão importante para a


avaliação da capacidade das lideranças difundirem informações e influenciarem as opiniões e
atitudes dos fiéis, remetendo a um aspecto formal e externo às redes de interações sociais dos
grupos religiosos. Apesar dessa independência em relação às escolhas individuais, é possível
projetar, por aproximação, o grau de centralidade dos líderes religiosos por meio da
mensuração da exposição média dos pastores em suas congregações. O indicador 3 (indicador
de Exposição Média da Liderança) busca dar conta dessa dimensão. Essa variável foi
elaborada a partir da média de cultos dominicais e de cura e libertação para cada grupo
religioso. Essas duas atividades são conduzidas exclusivamente pelo corpo eclesial e, por isso,
são boas medidas para se ter uma idéia do grau de exposição de suas lideranças e da

109
indispensabilidade de sua função no rol de atividades da igreja. Para que essa variável não se
confunda com o indicador de compromisso religioso (indicador 1), ela deve ser entendida
apenas no nível agregado de análise.

Tabela 06 – Descrição das atividades de exposição das lideranças

Culto dominical Freqüência Pontos


Na última semana 62,00% 1,3
No último mês 81,00% 1
Culto de cura ou libertação
Na última semana 38,00% 2,1
No último mês 53,00% 1,52

Tabela 07 – Indicador 3 – Exposição Média da Liderança


Indicador
Denominação Média DP
Todas 2,07 1,88
Assembléia de Deus 2,03 1,17
Batista 1,49 0,91
Universal 2,58 1,03
Históricas 1,55 1,06
Renovadas 2,28 1,04
Outras Pentecostais 2,28 1,15
F 31,775
sig. ,000

A distribuição dos diferentes grupos evangélicos nesse indicador demonstra que a


igreja Universal do Reino de Deus (2,58), as igrejas Renovadas e Outras Pentecostais (ambas
com 2,28) são aquelas que projetam de forma mais acentuada suas lideranças no interior das
congregações. Essas variações coincidem com as descrições comumente feitas pela literatura
sobre o tema (ORO, 2003; CARNEIRO, 1998). Dada a hipótese assumida quanta a essa
dimensão, espera-se que grupos mencionados sejam aqueles onde os efeitos do indicador são
mais determinantes para a escolha políticas de seus membros.
No entanto, o indicador de centralidade não contém informações sobre a existência de
canais intermediários de comunicação no interior do grupo. Seria necessário considerar
também o nível médio de participação institucional agregado dos fiéis nas atividades sociais,
administrativas e educacionais (indicador 2), que sugere a existência de meios intermitentes
de comunicação entre o corpo eclesial e os membros do grupo. O cruzamento dessas duas
dimensões (Indicador 2 x Indicador 3), apresentado no Gráfico 2, que segue, permite uma

110
visualização mais rigorosa das diferenças quanto ao nível de centralidade das lideranças entre
os seis grupos denominacionais considerados.

Gráfico 2 – Centralidade das lideranças

A distribuição das denominações pelo gráfico apresenta resultados bastante


semelhantes àqueles do indicador 3. A reta que corta o plano revela o curso progressivo da
centralidade das lideranças entre os diferentes grupos: quanto maior o nível médio de
exposição das lideranças e menos participativa a estrutura eclesial da igreja, mais central se
torna o líder religioso para o grupo. A combinação entre alta exposição e organização eclesial
verticalizada expressa as condições mais favoráveis para a afirmação dos pastores e outros
líderes do corpo eclesial nas redes de comunicação estabelecidas no âmbito das igrejas.
A igreja Universal do Reino de Deus é aquela cuja liderança ocupa posição mais
central dentre as observadas. Nessas circunstâncias, há grande exposição dos pastores e
inexistem canais intermediários de comunicação, fazendo com que seus líderes tenham
amplas oportunidades para difundir informações diretamente aos fiéis. Esse modelo de
organização se assemelharia ao tipo “roda”, tal como descrito no capítulo inicial dessa
dissertação: todas as comunicações são dependentes do núcleo do grupo, que dispõe de

111
amplas oportunidades de transmissão direta de informações para toda a rede, obtendo maior
eficiência na difusão de estímulos e mensagens políticas.
No outro extremo, as igrejas Batista e outras Tradicionais, dotadas de uma estrutura
eclesial mais participativa e uma presença menor de seus membros nos cultos, são as
denominações onde as lideranças apresentam menor nível de centralidade. As igrejas
Renovadas, por sua vez, são as únicas que se afastam do curso da reta por apresentarem,
simultaneamente, estrutura eclesial horizontalizada e elevada exposição das lideranças.
Possivelmente, isso se dá pelo fato dessas igrejas serem cismas avivados ou pentecostalizados
de igrejas protestantes tradicionais, herdando delas o modelo de organização eclesial e
intensificando a importância dos cultos no rol de atividades que desenvolve.
Todas essas variações sugerem que a posição estrutural das lideranças pode ser um
importante preditor da capacidade dos grupos religiosos definirem a escolha política de seus
membros, pois estabelece a direção e a intensidade do fluxo de comunicações que se constitui
entre o corpo eclesial e a assembléia de membros. Essas considerações, no entanto, não
esgotam todos os efeitos proporcionados pela performance das lideranças. Um segundo
aspecto comumente trabalhado pela literatura brasileira sobre o voto evangélico merece ser
destacado. Trata-se da função exercida pelos pastores no processo de persuasão política dos
fiéis. Freston (1994), por exemplo, demonstra que muitos deles atuam de modo intencional e
estratégico ao induzirem os fiéis a legitimarem o projeto eleitoral de suas igrejas, o que
geralmente é feito através da vinculação entre fé religiosa e alguma ação política específica.
Apelos e slogans de campanha – tal como a clássica “irmão vota em irmão” – são a marca
registrada dessa iniciativa (FRESTON 1994, p.40, 43 e 57).
Tal conexão entre atividades religiosas e objetivos políticos seria fortemente
condicionada pelo prestígio das lideranças religiosas na condução de cultos e outras
atividades das igrejas. Em especial, de acordo com essa literatura, apenas os pastores,
presbíteros e diáconos de denominações pentecostalizadas obteriam sucesso nesse processo
(FERNANDES et alli., 1998; FONSECA, 2002). O fator carisma seria a variável
determinante: quanto mais se demanda por ações extraordinárias das lideranças religiosas,
maior é a veneração em torno de sua figura e mais central se torna o corpo eclesial para
aquele grupo. Por esse motivo, nas igrejas pentecostais, onde são recorrentes atividades com
forte carga emotiva – isto é, marcadas pela presença de curas, sessões de exorcismo, prática
da glossolalia, dentre outros (FERNANDES, 1998) – observar-se-ia grande dependência do
grupo em relação aos seus líderes. Nessas condições, pastores e outros integrantes do corpo

112
eclesial obteriam grande prestígio na relação que é mantida com os membros da igreja. Seria
esse vínculo que se estabelece entre o líder religioso e os fiéis, marcado pelo carisma do
primeiro, a razão primordial para o êxito da influência da igreja sobre as escolhas políticas
individuais (NOVAES, 2002; FRESTON, 1993; FONSECA, 2002).
Os estudos referidos acima, apesar de não abordarem a relação líder-seguidores nos
mesmos termos das teorias de grupo, chamam atenção para a relevância de se compreender as
circunstâncias em que as mensagens emitidas pelas lideranças são alvo de maior recepção ou
validação por parte dos indivíduos, o que estaria diretamente relacionado ao tipo de liderança
predominante nas denominações evangélicas. Esse aspecto é um fator que independe dos
canais institucionais de comunicação estabelecidos pelo modelo organizacional. As restrições
estruturais à comunicação, evidentemente, fixam condições que limitam as possibilidades de
interação e de acesso à informação no interior das igrejas, como já demonstrado. No entanto,
na relação que é mantida com os membros do grupo, o estilo adotado pela liderança pode
determinar sua capacidade de persuasão, independentemente das constrições do modelo
organizacional. Se, por um lado, a centralidade da liderança é determinada por fatores
estruturais, externos à dinâmica das interações sociais, por outro, o estilo de liderança se
constitui no vínculo entre líderes e seguidores.
A abordagem de Verba (1962) traz alguns esclarecimentos reveladores que permitem
averiguar as especificidades dos líderes religiosos na transmissão de informação política. Ao
focar sua análise nas funções desempenhadas pelos diferentes tipos de lideranças, o autor
estabelece a distinção entre líderes instrumentais e líderes socioemotivos – ou oficiais e
afetivos, na formulação de Hare (1962). Lideranças instrumentais se limitariam à realização
dos objetivos estritos do grupo, num sentido mais administrativo e gerencial de suas
atividades; lideranças socioemotivas, por outro lado, estão mais voltadas para a coesão interna
e a satisfação afetiva, possuindo maior prestígio e capacidade de mobilização do grupo
(VERBA 1962; HARE 1962).
Todas essas considerações levam a crer que a capacidade dos líderes religiosos
exercerem influência sobre seus seguidores, para certos fins, variam de acordo com essas
funções. As diferenças observadas pela literatura brasileira quanto ao potencial dos pastores
persuadirem seus membros parece ser mais bem compreendida a partir desse enquadramento.
É possível identificar uma clara diferença: nas denominações onde são requeridos certos dons
extraordinários dos pastores, prevalecem lideranças socioemotivas; naquelas onde não
existem atividades com carga afetiva, prevalece o tipo instrumental. Somente o tipo

113
socioemotivo obteria sucesso ao expressar demandas normativas – como a orientação do voto
– que dificilmente seriam aceitas sem o prestígio e as qualidades excepcionais que lhe são
atribuídas, conforme destacam alguns estudos sobre o voto evangélico no Brasil (BAPTISTA,
2008; MACHADO, 1996).

Hipótese 4: Quanto mais os evangélicos estão sujeitos a experiências religiosas carismáticas,


maiores as possibilidades de seguirem as orientações políticas das lideranças de suas
igrejas.

Essa segunda dimensão parece ser de grande importância para a compreensão da


associação que é comumente estabelecida entre pastores evangélicos carismáticos e o
comportamento político dos fiéis. A partir dos dados do banco Novo Nascimento, é possível
observar o quanto o tipo socioemotivo de liderança está presente nas instituições protestantes
trabalhadas nesse estudo. Dentre as várias atividades conduzidas pelos pastores durante os
cultos, três experiências individuais específicas demandam a presença desse tipo de líder
como condutor ou motivador da ação: exorcismo ou libertação; curas espirituais e físicas; e
glossolalia65. O indicador de Liderança Socioemotiva (indicador 4), que calcula a média com
que eles se submetem a experiências nessas três atividades, permite mensurar o quanto se
expõe cada indivíduo a lideranças socioemotivas.

TABELA 08 – Descrição das experiências carismáticas

Dons carismáticos Freqüência Pontos


Glossolalia 31,24% 1
Cura 8,31% 3,76
Exorcismo ou Libertação 4,72% 6,62

TABELA 09 – Indicador 4 - Pontuação média no Indicador de Liderança Socioemotiva


Denominações Média Desvio Padrão
Todas 0,31 1,04
Assembléia de Deus 0,34 1,06
Batistas 0,13 0,72

65
A glossolalia, ou dom de se falar em línguas estranhas, é uma ação individual altamente emotiva que
independe da presença de pastores. No entanto, a manifestação desse dom quase sempre se dá a partir da
motivação das lideranças, que criam circunstâncias mais favoráveis para a sua revelação. Por esse motivo,
optou-se por mantê-la na identificação dos tipos de lideranças prevalecentes nas diferentes denominações
evangélicas.
114
Universal 0,45 1,34
Históricas 0,13 0,55
Renovadas 0,56 1,45
Outras Pentecostais 0,30 0,95
Teste F = 4,145 Sig = ,001

A tabela 09 apresenta a pontuação média no indicador de Liderança Socioemotiva de


cada um dos seis grupos, mais a média geral. Como era de se esperar, existe uma gradação
entre as denominações, com as pentecostais obtendo os maiores escores. As igrejas
Renovadas (0,56) e a Universal do Reino de Deus (0,45) apresentam os valores mais altos,
constituindo os grupos onde os fiéis estão mais sujeitos aos três dons carismáticos
considerados na elaboração do indicador. Seriam nesses dois grupos que pastores e outras
lideranças desempenhariam a função socioemotiva de forma mais evidente, reunindo as
condições mais favoráveis para transmitir mensagens e estímulos que sejam determinantes
para as escolhas políticas de seus seguidores. Por outro lado, as igrejas Históricas (0,13) e
Batistas (0,13) contam com escores bem abaixo da média para todas as denominações (0,31).
Assembléia de Deus (0,34) e Outras Pentecostais (0,30) tiveram pontuações próximas da
média geral, localizando-se numa condição intermediária no indicador.
Esses resultados agregados apenas ilustram tendências mais gerais, não permitindo
fazer inferências a respeito da associação entre o tipo de liderança e a escolha eleitoral do
evangélico. Conforme destacado anteriormente, o indicador de carisma foi construído a partir
de dados de nível individual, remetendo precisamente à relação que é estabelecida entre o
líder e os seus seguidores. A exposição dos resultados agregados buscava apenas observar o
comportamento dessa variável entre as diferentes denominações. Mais adiante, quando cada
uma das hipóteses for submetida a testes estatísticos, o indicador de carisma será devidamente
trabalhado como uma variável de nível individual.

3.2.4. Sofisticação política


Os três tópicos anteriores problematizaram a forma como os grupos evangélicos
podem influenciar o comportamento eleitoral de seus membros. Especial atenção foi dada à
capacidade das igrejas difundirem informação e persuadirem os fiéis em benefício de algum
objetivo político qualquer. Foram destacados diversos fatores – contextuais e individuais -
capazes de estabelecer condições favoráveis para que esses grupos sejam determinantes na
formação das preferências políticas de seus membros, sendo apontados os mecanismos
responsáveis por fazer da religião um fator relevante. Todas essas questões alusivas ao
115
contexto social são importantes referências para se compreender o processo de influência
política dos grupos religiosos. Elas, no entanto, não esgotam todas as dimensões destacadas
pela literatura brasileira sobre o voto evangélico. Alguns autores ainda ressaltam certos
atributos dos eleitores como fatores que definem a amplitude dos efeitos contextuais (BOHN,
2004; PIERUCCI, 1996).
O estudo conduzido por Bohn (2004) sobre o perfil socioeconômico, as afinidades
ideológicas e os determinantes do comportamento eleitoral dos evangélicos foi aquele que
trouxe maiores contribuições para essa discussão. A autora refuta a tese sustentada por
Pierucci (1995) de que a vulnerabilidade social de grande parte do segmento evangélico seria
a razão pela qual lideranças religiosas obteriam sucesso na persuasão política dos fiéis. No
lugar dessa hipótese, a autora sugere uma alternativa: o sucesso das igrejas na promoção de
candidaturas específicas é consequência do baixo nível de informação e elevado desinteresse
dos evangélicos por questões de natureza política. Esses fatores, quando conjugados com a
grande assiduidade dos fiéis aos cultos e outras atividades religiosas, fazem das igrejas fontes
potenciais para a disseminação de informação e persuasão. Seria, assim, o nível de
sofisticação política dos eleitores evangélicos que definiria a capacidade de influência dos
grupos religiosos (BOHN, 2004).
Para testar a sua proposição, a autora estabeleceu uma relação entre exposição aos
meios de comunicação de massa e o nível de conhecimento do eleitor a respeito “dos
principais eventos, temáticas, símbolos e clivagens da esfera política” (BOHN, 2004, p.305).
Nessa formulação – que, aliás, se mostra bastante simplificada –, o grau de exposição a
informações da imprensa levaria a diferentes níveis de sofisticação, pressupondo que essas
duas variáveis estejam positivamente associadas. Trata-se, portanto, de um atributo individual
do eleitor que evidencia a sua familiaridade com assuntos políticos factuais66. Quanto maior o
volume de acertos, maior o seu nível de sofisticação política. Os resultados mostraram que os
evangélicos, dentre todos os grupos observados, seriam aqueles com o menor nível de
sofisticação, com a menor exposição aos meios de comunicação e, ao mesmo tempo, com a
mais alta assiduidade às suas igrejas. Essas evidências levaram a autora a concluir que esse
público reunia certas condições que o tornava mais susceptível às investidas dos grupos
religiosos, fazendo deles “reféns” dos estímulos políticos existentes em suas igrejas (BOHN,
2004).

66
A autora utilizou o banco de dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB), cujos dados remetem às eleições
nacionais do ano de 2002. Para a construção do indicador, Bohn utilizou itens que abordavam temáticas
relacionadas à política partidária.
116
Apesar da autora não se propor a maiores investidas teóricas a esse respeito, seu
estudo destacou questões importantes para se compreender quando os grupos religiosos são
acionados pelos indivíduos em detrimento de outras fontes relevantes de informação política.
Subtendem-se, dessas considerações, que certos indivíduos se encontram mais propensos a
responder aos estímulos políticos das igrejas e que os efeitos das informações transmitidas
pelo grupo religioso são diferenciados, variando conforme a exposição individual a fontes
alternativas e de acordo com o seu estoque de conhecimento.
Essas conclusões mais gerais vão ao encontro do diagnóstico estabelecido pelos
teóricos de Columbia. Em Voting, os autores Berelson, Lazarsfeld e McPhee demonstram que
os grupos religiosos são geralmente mais efetivos na orientação da escolha eleitoral daqueles
que se mostram politicamente desinteressados e pouco expostos a outras fontes de
informações (BERELSON et.alli.1966, p.69). A ação das lideranças religiosas nesse processo
seria fundamental, pois seriam elas que transmitiriam as informações responsáveis por dar
contornos finais à escolha eleitoral de um público pouco sofisticado e muito assíduo à igreja.
Há razões, assim, para se ter a sofisticação política como uma variável interveniente
no processo de influência dos grupos religiosos. Espera-se que os diferentes públicos
existentes no universo evangélico se comportem de modo distinto nas relações que mantêm
com suas igrejas quando o assunto é política. O nível de sofisticação atuaria como um
condicionante que pode potencializar a associação entre filiação religiosa e escolha eleitoral,
trazendo novos elementos para se compreender os efeitos contextuais. Quanto menos
conhecimento político tiver o eleitor evangélico, maior a probabilidade de ele utilizar os
estímulos políticos da igreja como fonte de informação relevante para a sua tomada de
decisão. Trata-se, portanto, de uma dimensão indireta da formação das preferências eleitorais
individuais, não constituindo, ela mesma, um fator determinante do voto evangélico.
Partindo dessas considerações, assume-se a seguinte hipótese:

Hipótese 5: Quanto menor o nível de sofisticação política do eleitor evangélico, maior a


probabilidade de ele acionar os grupos religiosos como fonte de informação política na
definição de suas escolhas eleitorais.

Não obstante, a sofisticação política também pode se configurar como uma variável
concorrente à filiação religiosa na definição da escolha eleitoral. Nesse caso, o nível de
sofisticação anularia os efeitos contextuais proporcionados pelo pertencimento aos grupos

117
religiosos, tornando-se o fator preponderante no processo de formação das preferências
políticas. Os fatores contextuais destacados até aqui (modelo organizacional, tipo e
centralidade de liderança, e compromisso religioso individual) deixariam de produzir efeitos
sobre a decisão do eleitor, que estaria sujeita apenas aos condicionantes individuais do nível
de sofisticação. Nessas condições, eventuais padrões observados no comportamento dos
evangélicos se devem aos atributos possuídos por cada eleitor, não existindo uma associação
de causa e efeito entre grupo e voto.
Essa leitura alternativa contraria a abordagem sociológica. Ela se basearia no
pressuposto de que o grau de conhecimento político dos eleitores condicionaria o uso ou não
das igrejas como fonte de informação relevante. Está implícita nessa idéia a discussão a
respeito do que os cidadãos precisam saber para a tomada de decisão. A “abordaqem das
heurísticas” se propõe a lidar com esse dilema. Alguns autores dessa vertente, ao reconhecer
que a aquisição de informações apresenta custos, defendem a tese de que quantidades
mínimas de informações podem ser suficientes para que os menos sofisticados façam escolhas
políticas de modo razoável67 (LUPIA & McCUBBINS, 1998). Essa abordagem direciona o
foco sobre as dicas e os atalhos que são oferecidos ao eleitor, instruindo-os a respeito das
posições dos candidatos.
Isso se torna relevante para os objetivos da discussão desenvolvida nesse tópico porque
abre a possibilidade de se considerar organizações secundárias, como as igrejas, como uma
dessas fontes que simplifica o processo de tomada de decisão. Nesse caso, pouco importaria
os efeitos contextuais dos grupos religiosos, pois o fator predominante seria a motivação por
maximizar a utilidade de sua escolha. Emerge dessas considerações uma hipótese alternativa à
abordagem sociológica do voto, concorrendo com todas as outras hipóteses delineadas nesse
estudo.

Hipótese 6: Independentemente das diferenças que caracterizam os grupos religiosos,os


evangélicos com os menores níveis de sofisticação política são mais propensos a acionar os
grupos religiosos como fonte de informação política na definição de suas escolhas eleitorais.

67
Optou-se por preterir o uso do termo “competente”, dando lugar à noção de “escolha razoável”. A questão
da competência é cara à Ciência Política, e não é objetivo desse texto aprofundar nessa discussão. Escolha
razoável é entendida aqui como aquela que expressa as vontades e interesses do eleitor de modo
minimamente satisfatório (LUPIA & MCCUBBINS, 1998).
118
Tomando como referência o banco de dados Novo Nascimento, foi construído um
indicador de Sofisticação Política (indicador 5) para se mensurar o nível de conhecimento dos
evangélicos sobre temas e assuntos políticos. O indicador foi elaborado apenas com dados
sobre o domínio de informações factuais pelo indivíduo, sendo desconsideradas outras
dimensões presentes nas formulações mais complexas que buscam captar, também, a
capacidade de abstração e conceituação do eleitor68. Dessa forma, o construto utilizado nessa
dissertação se apóia na formulação de Luskin (1987), que demonstrou que as medidas de
sofisticação baseadas apenas na posse de informações factuais são satisfatórias para se ter
uma representação das formulações mais complexas.

Tabela 10 – Descrição dos itens de conhecimento político

Itens Freqüência Pontos


Sabe o nome do Presidente 69,10% 1,00
Sabe o nome do Governador 26,70% 2,59
Sabe o nome do Prefeito 42,80% 1,61

Tabela 11 – Indicador 5 - Sofisticação política (média por denominação)

Média DP
Todas 2,07 1,88
Assembléia de Deus 1,91 1,84
Batistas 2,44 1,90
Universal 1,60 1,76
Históricas 2,81 1,98
Renovadas 2,31 1,85
Outras Pentecostais 1,98 1,89
* Não foram inseridos nessa tabela os dados das igrejas Deus é Amor e
Cong. Cristã do Brasil
Teste F = 9,206
Sig = ,000

Os resultados contidos na tabela 11 indicam o nível médio da sofisticação política para


cada um dos grupos religiosos. A avaliação que se pode fazer dos escores apresentado por
cada um dos grupos depende das expectativas quanto ao desempenho que se julga como
muito ou pouco sofisticado. A simplicidade do construto (que incluiu apenas 3 itens de
conhecimento factual) e o próprio conteúdo das questões que compõem os itens permitem

68
Para a elaboração do indicador, foram considerados apenas três itens do banco Novo Nascimento, todos
remetendo ao domínio de conhecimento factual: sabe o nome do Presidente da República; sabe o nome do
Governador do Estado do Rio de Janeiro; sabe o nome do Prefeito da cidade. As respostas a cada um dos itens
foram trabalhadas como acerto ou erro, não existindo condição intermediária.
119
concluir que o indicador de sofisticação exige muito pouco do eleitor. Apesar disso, o
desempenho médio geral dos grupos religiosos foram baixos e apontam para a existência de
dois conjuntos: as igrejas Batistas (2,44), Históricas (2,81) e Renovadas (2,31) apresentam os
melhores resultados, com um nível de sofisticação política superior à media geral (2,07).
Diferentemente, as igrejas Universal do Reino de Deus (1,60), Assembléia de Deus (1,91) e
Outras Pentecostais (1,98) formam o grupo das instituições religiosas cujos fiéis têm o menor
nível médio de conhecimento político. Espera-se que os efeitos da sofisticação se mostrem
mais evidentes nessas últimas, seja como fator interveniente ou como fator concorrente às
dimensões contextuais trabalhadas ao longo dessa dissertação.

3.3. OS DETERMINANTES DO VOTO EVANGÉLICO: MODELOS E


RESULTADOS

Os dados analisados nessa dissertação permitem avaliar os aspectos discutidos acima.


Para testar as hipóteses apresentadas ao longo da sessão anterior, utilizou-se o modelo de
regressão logística binária, onde as variações da variável dependente Voto Evangélico (voto
evangélico =1; voto em outro candidato =0) são analisadas a partir de um conjunto de fatores
explicativos. O grupo dos Históricas foi definido como categoria de referência e, por isso, não
foi incluído diretamente no modelo69. A equação que segue representa o modelo completo:

Onde:
“Voto evangélico” = variável binária que indica “1” se o respondente pretende votar em
um candidato que seja evangélico, e “0” se o respondente pretende votar em
outro candidato;
“Assembléia de Deus” = variável binária que indica “1” se o respondente pertence a
esse grupo religioso e “0” se não;

69
Em grande parte dos indicadores trabalhos ao longo desse estudo, o grupo das igrejas históricas foi aquele
que se mostrou com a menor tendência ao voto evangélico. Por esse motivo, foi definido com a categoria de
referência do modelo de regressão. Dessa forma, os coeficientes obtidos para os outros grupos religiosos
indicam como eles se diferenciam desse grupo de referencia.
120
“Outras Pentecostais” = variável binária que indica “1” se o respondente pertence a
esse grupo religioso e “0” se não;
“Batistas” = variável binária que indica “1” se o respondente pertence a esse grupo
religioso e “0” se não;
“Universal” = variável binária que indica “1” se o respondente pertence a esse grupo
religioso e “0” se não;
“Indicador de Compromisso Religioso” = variável discreta que varia de “0” a “4,8
pontos”, e indica se a frequência com que evangélico se submete ao contexto
da igreja;
“Indicador da Média da Participação” = variável discreta que varia de “0” a “11,23
pontos”, e indica o nível de porosidade das instituições religiosas à
participação direta de seus membros em atividades sociais, administrativas e
educacionais;
“Indicador de Exposição Média da Liderança” = variável discreta que varia entre “0” e
“3,4 pontos”, e indica a exposição média das lideranças nas atividades
religiosas de suas igrejas;
“Indicador de Liderança Socioemotiva” = variável discreta que varia entre “0” e “11,38
pontos”, e indica a exposição individual a lideranças do tipo socioemotivo;
“Indicador de Sofisticação Política” = variável discreta que varia entre “0” e “5,2
pontos” e indica o nível individual de conhecimento de temas e assuntos
políticos.

O uso da regressão logística como técnica estatística empregada nesse estudo se deve
às vantagens oferecidas por esse modelo, que não requer que as variáveis estejam distribuídas
normalmente e não assume os pressupostos da homocedasticidade e da multicolineariedade
(GARSON, 2009). Isso é relevante para este trabalho porque os resultados dos testes
apontaram para a possível existência de algum tipo de correlação entre as variáveis
independentes Indicador de Compromisso Religioso e Indicador de Exposição Média da
Liderança (0,299), Indicador de Compromisso Religioso e Indicador da Média da
Participação (-0,232), e Indicador de Exposição Média da Liderança com Indicador da
Média da Participação (-0,802).
A tabela 12, que segue abaixo, contém os resultados para os seis diferentes modelos de
regressão logística binária utilizados na análise do voto evangélico, estimando a probabilidade
do eleitor definir o a sua escolha eleitoral a partir de motivações religiosas. As variáveis
explicativas foram inseridas em blocos, com cada um dos seis primeiros modelos
representando separadamente as hipóteses trabalhadas nesse estudo. O último modelo
(modelo 6) contém todas as variáveis e permite observar os efeitos específicos de cada fator

121
explicativo, controlando-se por todas as demais variáveis. O emprego desse método de
organização dos diferentes modelos foi proposto para se compreender melhor a relação entre
as variáveis independentes e a variável dependente. Com isso, pretende-se identificar os
mecanismos que afetam o voto evangélico entre os grupos religiosos considerados. A
mobilização de diferentes fatores em modelos multivariados é importante para os objetivos
dessa dissertação, pois permite observar os efeitos que se mostram mais robustos sob a
interveniência de controles teoricamente relevantes.
Para se observar o ajuste do modelo, foi utilizado o teste do qui-quadrado de Hosmer
and Lemeshow. E para identificar o percentual de variância explicada da variável dependente
pelo modelo elaborado, foi utilizado o resultado do teste de Nagelkerke's R2. Esses dois testes
simulam o comportamento do R2, embora sejam menos eficientes que o R2 calculado para
modelos lineares utilizando mínimos quadrados ordinários (MQO). Conforme esclarece a
leitura da tabela 12, os seis diferentes modelos parecem razoáveis, já que explicam entre 37%
e 62% da variância da variável dependente.

Tabela 12 – Modelo de Regressão Logística Binária (1)

Variável Dependente: Voto Evangélico

Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Modelo 5 Modelo 6

0,201 0,079 0,226 - 0,226 -0,282 -0,268


Assembléia de Deus
(0,226) (0,229) (0,228) (0,357) (0,367) (0,368)

0,278 0,133 0,589 -0,322 -0,095 -0,095


Outras Pentecostais
(0,244) (0,248) (0,349)** (0,467) (0,546) (0,546)

0,31 0,32 0,027 0,416 0,127 0,141


Batistas
(0,243) (0,244) (0,324) (0,254)*** (0,342) (0,343)

0,553 0,377 0,405 -0,088 -0,353 -0,344


Renovadas
(0,289)*** (0,294) (0,31) (0,505) (0,535) (0,536)

1,093 0,881 1,856 0,148 0,805 0,797


Universal do Reino de Deus
(0,238)* (0,244)* (0,649)* (0,665) (0,934) (0,934)

Indicador de Compromisso 0,181 0,175 0,176


- - -
Religioso (0,043)* (0,43)* (0,043)*

0,324
Indicador da Média de Participação - - 0,331 0,321
-
Eclesial (0,253) (0,271) (0,271)

Indicador de Exposição Média da 0,941 0,864 0,868


- - -
Liderança (0,639)**** (0,662) (0,662)

122
Indicador de Liderança 0,106 0,088 0,087
- - -
Socioemotiva (0,054)** (0,055)**** (0,055)***

0,02
Indicador de Sofisticação Política - - - - -
(0,032)

Qui-quadrado 35,96* 54,03* 33,7* 42,21* 60,31* 60,7*


70
Nagelkerke R2 0,37 0,55 0,39 0,43 0,61 0,62
n 1332 1332 1332 1332 1332 1332

(1) A tabela mostra os Betas estimados e os erros padrões entre parênteses. Para identificar a magnitude do efeito de cada variável
independente é preciso calcular o exponencial dos Betas estimados, diminuir de 1 e multiplicar por 100. Assim, é possível tratar da
probabilidade de que o evento ocorra pelo controle das variáveis do modelo.
(2) #Teste de Hosmer and Lemeshow Test para ajuste do modelo ##Teste de Nagelkerke's R quadrado
(3) Não foi observada significância estatística em muitos dos coeficientes. No entanto, se prender à análise da significância
estatística desvaloriza a interpretação dos coeficientes estimados. Afinal, mesmo sabendo que um coeficiente não significativo se refere
a não rejeição da hipótese nula de que o coeficiente é igual a zero, isso implica também na não rejeição de tantas outras hipóteses que
mostram um efeito robusto positivo.

Tabela 13 – Modelo de Regressão Logística Binária (2)

Variável Dependente: Voto Evangélico

Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Modelo 5 Modelo 6


Assembléia de Deus 22,3% 8,3% 25,3% -20,2% -24,5% -23,5%

Outras Pentecostais 32,0% 14,2% 80,2% -27,6% -9,0% -9,1%

Batistas 36,4% 37,7% 2,7% 51,5% 13,5% 15,1%

Renovadas 73,8% 45,8% 50,0% -8,4% -29,7% -29,1%


Universal do Reino de
198,3% 141,4% 539,8% 15,9% 123,8% 121,9%
Deus
Indicador de
- 19,8% - - 19,1% 19,2%
Compromisso Religioso
Indicador da Média de
- - 38,2% - 39,3% 37,8%
Participação Eclesial
Indicador de Exposição
- - - 156,3% 137,3% 138,3%
Média da Liderança
Indicador de Liderança
- - - 11,2% 9,2% 9,1%
Socioemotiva
Indicador de Sofisticação
- - - - - 2,0%
Política

70
Segundo Garson (2009), “Nagelkerke's R2 is a modification of the Cox and Snell coefficient to assure that it
can vary from 0 to 1. That is, Nagelkerke's R2 divides Cox and Snell's R2 by its maximum in order to achieve a
measure that ranges from 0 to 1. Therefore Nagelkerke's R2 will normally be higher than the Cox and Snell
2 2
measure but will tend to run lower than the corresponding OLS R . Nagelkerke's R is part of SPSS output in the
2
"Model Summary" table and is the most-reported of the pseudo R estimates”. Outras informações podem ser
vistas em Nagelkerke (1991).

123
O primeiro modelo tem como variáveis explicativas apenas os grupos religiosos,
omitindo todos os mecanismos dos níveis agregado e individual de análise. Esse modelo
reproduz, de certa forma, os estudos mais simplificados do voto evangélico que se limitam a
apontar a associação entre filiação religiosa e escolha eleitoral. O que os resultados do
Modelo 1 demonstram é que os cinco grupos religiosos listados (Assembléia de Deus, Outras
Pentecostais, Batistas, Renovadas e Universal) estão positivamente associados ao voto
evangélico tendo em vista o categoria de referência (Históricas). Em especial, chama atenção
o forte efeito produzido pelo pertencimento à igreja Universal do Reino de Deus. Os membros
desse grupo têm probabilidade 198% maior de votar em um candidato que seja evangélico.
Além de robusto, o efeito observado é altamente significativo. Para todos os demais grupos, a
associação foi positiva, mas apenas para as Renovadas se mostrou estatisticamente
significativa. Todos esses resultados são fundamentais para a continuidade dos demais testes.
Afinal, essa é a evidência necessária para que as hipóteses adicionais que tratam dos
mecanismos sejam realizadas.
O Modelo 2 mantém as mesmas variáveis do modelo anterior e inclui o primeiro fator
explicativo, estimando se o compromisso religioso dos eleitores evangélicos afeta a
probabilidade deles votarem conforme as orientações de suas igrejas. Através desse teste, é
possível observar se as variações quanto à imersão individual no contexto religioso é
determinante para que o eleitor tenha o seu grupo como referência no momento da escolha
eleitoral. Conforme esperado, a hipótese 1 é corroborada pelos resultados e o papel
interveniente dessa variável explicativa é assegurado. Além de significativo, o efeito que o
nível de compromisso religioso tem sobre a probabilidade de se votar em candidato
evangélico é robusto. Isto é, independentemente da filiação religiosa, o aumento de 1 ponto na
escala de compromisso religioso (que varia de 0 a 4,8 pontos) eleva, em média, em 19,8% a
probabilidade de que um eleitor vote em um candidato que seja evangélico. O valor é
expressivo e indica o esperado teoricamente. O mais interessante, no entanto, é observar que
os coeficientes das variáveis binárias que indicam a filiação religiosa dos eleitores perdem
força com a inserção desse indicador no modelo, mostrando claramente que o compromisso
religioso é um importante mecanismo na definição do voto evangélico. Apesar disso, os
efeitos proporcionados pelo pertencimento à igreja Universal ainda se destacam diante dos
demais grupos, mantendo-se elevado (probabilidade 141,4% maior) e estatisticamente
significativo.

124
No Modelo 3, Compromisso Religioso é substituído pelo indicador da Média de
Participação Eclesial como o fator explicativo. Pretende-se com isso testar a hipótese 2, que
se refere ao efeito da estrutura organizacional das igrejas na difusão de informações. A
expectativa é a de que quanto mais verticalizado o grupo religioso, maior a sua capacidade
de difundir informações políticas e orientar a escolha eleitoral de seus membros. O indicador
utilizado para se mensurar esses efeitos é composto pela média da participação individual em
atividades sociais, educativas e administrativas das igrejas. Trata-se, portanto, de uma variável
que é trabalhada no nível agregado de análise. Níveis médios elevados de participação eclesial
indicam a existência de modelos descentralizados de organização, sugerindo a existência de
estruturas intermediárias no fluxo de comunicação do grupo religioso. Por outro lado,
estruturas verticalizadas inibem o engajamento em suas atividades e estabelecem redes de
comunicação centradas em um núcleo que dispõe de grande capacidade de difundir estímulos
de forma direta e padronizada para todo o grupo. Esses modelos centralizados seriam os mais
eficientes na propagação de informações políticos. Assim, para a confirmação da hipótese,
espera-se que instituições compatíveis com os menores níveis médios de participação sejam
aquelas onde o voto evangélico se mostra mais presente.
No entanto, os resultados do Modelo 3 são desfavoráveis à aceitação da hipótese 2. A
associação entre as variáveis se deu em sentido inverso ao que era esperado, demonstrando
que quanto maior a média da participação eclesial, maior a propensão ao voto evangélico.
Mesmo que essa relação não tenha sido estatisticamente significativa, chama atenção o fato de
que o aumento de 1 ponto na escala da Média de Participação Eclesial (que varia de 0 a 11,23
pontos) eleva em 38,2% a chance de um eleitor votar em um candidato a deputado que seja
evangélico. Supostamente, nessas condições, igrejas mais porosas ao engajamento de seus
membros - e, portanto, mais horizontalizadas - seriam aquelas que obteriam maior sucesso na
difusão de informações políticas.
Esse resultado contraria a hipótese 2 que fora sustentada a partir da literatura de
estudos de grupos. Possivelmente, esse se dê como consequência da forma como foi
construído o indicador de estrutura organizacional. Ao utilizar a média da participação
individual em determinadas atividades das igrejas como referência para a composição desse
fator, elaborou-se uma medida que apenas se aproximava da dimensão que se pretendia
contemplar. Diante da inexistência de melhores informações sobre a estrutura eclesial das
igrejas, optou-se por esse construto. Em decorrência disso, pode-se estar medindo dimensões
não planejadas. Uma, em especial, parece ter sido demonstrada pelos testes de correlação

125
mencionados anteriormente, demonstrando existir uma relação de colinearidade entre o
indicador da Média da Participação Eclesial e o indicador de Compromisso Religioso. Seja
como for, o fato é que esse construto não é uma boa medida para se mensurar a dimensão
sustentada pela hipótese.
Com a análise dos resultados referentes a essas duas variáveis explicativas destacadas
até agora, parece ficar mais claro como os mecanismos utilizados auxiliam no entendimento
dos efeitos produzidos pelos grupos religiosos sobre a escolha eleitoral de seus membros. O
mais interessante, contudo, é observar que o impacto da variável Universal do Reino de Deus
não se modificou tanto nos modelos trabalhados, mesmo na presença dos dois controles
citados acima. Somente no Modelo 4 são observadas maiores mudanças no comportamento
desse grupo religioso, revelando o mecanismo determinante do voto evangélico para membros
da Universal.
No Modelo 4, foram incluídas duas novas variáveis explicativas: indicador de
Exposição Média da Liderança, que identifica o nível de centralidade dos pastores e outros
líderes religiosos para o grupo, e o indicador de Liderança Socioemotiva, que remete ao tipo
de relação que é estabelecida entre fiéis e pastores no âmbito do contexto religioso. Com a
introdução desses dois mecanismos, o valor do efeito produzido pela Universal é fortemente
reduzido, ao mesmo tempo em a Exposição Média da Liderança mantém uma associação
robusta e estatisticamente significativa, sendo determinante para o esclarecimento da relação
que fora observada entre os diferentes grupos religiosos e o voto evangélico no Modelo 1. Em
especial, os efeitos da inserção desses dois mecanismos foram definidores do comportamento
dos grupos “pentecostalizados” (Assembléia de Deus, Universal do Reino de Deus,
Renovadas e Outras Pentecostais), que tiveram uma variação observada maior
comparativamente com os outros modelos. O indicador de Exposição Média da Liderança
parece ser de fundamental importância nesse processo. Pode-se dizer que o aumento em 1
ponto na escala de exposição à liderança (que varia de 0 a 3,4 pontos) eleva, em média, em
156% a chance de que um eleitor escolha um candidato evangélico.
Essa dimensão é responsável pela definição dos votos não só das denominações
religiosas em geral, mas, sobretudo, dos membros da igreja Universal. Diante desses
resultados, tanto a hipótese 3 (que postula que quanto maior a exposição das lideranças,
maiores as possibilidades delas transmitirem estímulos políticos) quanto a hipótese 4
(sustentando que lideranças socioemotivas são mais persuasivas na transmissão de

126
informações políticas) foram corroboradas pelos resultados, especialmente a primeira, que se
mostrou o mecanismo explicativo mais consistente até agora.
A exceção à regra se dá por conta dos Batistas, que foi o único grupo religioso a
apresentar uma diferença não explicada pelas duas variáveis introduzidas no Modelo 4.
Apesar da inserção desses mecanismos, o grupo dos Batistas passaram a contar com uma
probabilidade maior de votar em candidatos em relação aos modelos anteriores. Parece, assim,
que liderança não é um fator determinante para o voto evangélico nessas igrejas.
O Modelo 5 ratifica todos esses resultados apontados acima, com os escores das
variáveis explicativas apresentando valores similares àqueles já verificados71. Com esse
modelo, pretende-se observar o comportamento de cada um dos mecanismos explicativos
mobilizados nesse estudo tendo em vista o controle de todos os demais. De acordo com os
resultados, mesmo nessas condições, quando todas as variáveis intervenientes são
consideradas ao mesmo tempo, o indicador de Exposição Média de Liderança é aquele que
carrega o maior efeito substantivo. As chances de um eleitor votar em um candidato
evangélico aumentam sobremaneira quando as lideranças das igrejas se tornam atores centrais
no processo de comunicação com o grupo. Mesmo que de forma menos intensa, o indicador
de Compromisso Religioso continua mantendo uma associação robusta e estatisticamente
significativa com a variável dependente. Esses resultados confirmam que a dinâmica de
inserção nos indivíduos nos grupos é o fator mais determinante do voto evangélico. Ao se
expor às lideranças e ao contexto social da igreja como um todo, os evangélicos se submetem
de forma mais recorrente ao fluxo de informações políticas existente e se expõe com maior
frequência a processos de adequação atitudinal causada pela coerção do grupo.
Finalmente, o Modelo 6 é responsável pelo teste da hipótese que relaciona sofisticação
política ao voto evangélico, controlando-se por todas as outras variáveis. Pelo resultado
apresentado na tabela 12, contrariamente ao que se esperava, sofisticação não se sustenta
como variável explicativa da escolha feita pelo eleitor. O coeficiente é pequeno e não é
estatisticamente significativo. Nenhuma das outras variáveis explicativas esteve submetida a
maiores variações por conta da introdução desse novo fator. Nessas condições, as hipóteses 5
e 6 – que assumiam que o nível de conhecimento político dos eleitores seriam fatores
intervenientes (hipótese 5) ou determinantes (hipótese 6) do voto evangélico – não foram

71
Foi mantido o Indicador da Média da Participação Eclesial nos Modelos 5 e 6 apenas por motivo de controle,
embora seja reconhecido que esse construto não é um bom indicador para se mensurar a dimensão sustentada
na hipótese 2.

127
corroboradas pelos resultados, refutando a tese de que os atributos individuais mediam a
relação que é mantida entre o eleitor evangélico e as igrejas enquanto fontes de informações
políticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados dos testes realizados nesse estudo permitem algumas conclusões gerais a
respeito das “causas” do voto evangélico. Conforme já demonstrado, os estudos brasileiros
têm produzido diversas evidências sobre o papel da religião na conformação das escolhas
políticas de seus membros. Ao longo desse capítulo, ao ser estabelecida a conexão entre esses
trabalhos e a teoria sociológica do voto, insistiu-se na idéia de que muitos desses estudos têm
vacilado na identificação dos mecanismos responsáveis pela associação entre preferência
eleitoral e religião. Como forma de se contornar ao menos parte dessas limitações, foi
proposto um novo modelo de análise do voto evangélico, cujo objetivo foi trazer evidências
que ponderem o poder explicativo dos diferentes fatores mobilizados por essa literatura.
De modo geral, o que os resultados demonstram é que dois mecanismos específicos se
sobrepõem aos demais como fatores explicativos. O efeito observado mais robusto é atribuído
ao indicador de Exposição Média da Liderança, seguido do indicador de Compromisso
Religioso. Ambos remetem à dinâmica do fluxo de comunicações dos grupos religiosos, mas
se referem a dimensões de diferentes níveis de análise. Enquanto o primeiro, de nível
agregado, refere-se à posição estratégica das lideranças na rede de comunicação do grupo, o
último, de nível individual, remete precisamente à frequência com que os evangélicos se
sujeitam às interações sociais no contexto religioso.
Sendo esses os dois fatores mais relevantes dentre todos os trabalhados, o que os
resultados desse estudo sugerem é que pouco importa a forma como os estímulos políticos são
difundidos, mas apenas quem emite as mensagens e o quanto elas são acessadas pelos
eleitores evangélicos. O fato de uma igreja contar com uma estrutura verticalizada onde o
corpo eclesial mantém certo monopólio na comunicação com o grupo, somado à elevada
assiduidade de seus membros aos cultos e outras atividades religiosas, parecem definir a
capacidade das diferentes denominações determinarem a extensão do voto evangélico.
Outros fatores explicativos tiveram efeitos mais modestos, sendo de menor relevância
na definição do fenômeno observado. Dimensões comumente ressaltadas pela literatura
parecem ocupar apenas um papel secundário nesse processo. É o caso do carisma das

128
lideranças religiosas, ao qual é atribuída grande importância na persuasão dos eleitores, sendo
supostamente o fator explicativo do voto evangélico dos eleitores das igrejas
pentecostalizadas (BAPTISTA, 2009; MACHADO, 2006). Nos testes realizados, o
comportamento do indicador de Liderança Socioemotiva foi tímido em relação às outras
variáveis independentes que compuseram o modelo.
Da mesma forma, atributos individuais parecem não exercer maiores influências nesse
processo. De acordo com os resultados observados, parece não existir qualquer razão para se
supor que o fato de um eleitor ser mais ou menos sofisticado represente, em si mesmo, uma
“causa” para que se tenha a igreja como fonte de informação relevante na definição do voto.
Portanto, os resultados não permitem que seja aceita a tese de que os eleitores são “reféns”
dos estímulos políticos emitidos por suas igrejas como consequência de seu baixo nível de
sofisticação política, tal como sustentavam alguns estudos (BOHN, 2004). Na verdade, pelos
resultados, a sofisticação política dos evangélicos sequer intervém na associação que é
estabelecida entre as variáveis contextuais e a escolha política. Por esse motivo, não foram
aceitas as hipóteses que assumiam a idéia de que os grupos religiosos seriam mais acionados
como fontes de informações pelos segmentos menos sofisticados.
Embora essas evidências apontem na direção esperada e tragam importantes questões
para o debate a respeito do voto evangélico, é preciso reconhecer que existem algumas
limitações empíricas no trabalho que foi realizado. Conforme já destacado, muitas das
variáveis empregadas foram construídas por “aproximações”, tendo em vista a não existência
de dados mais qualificados na pesquisa Novo Nascimento. Além disso, também é preciso
reconhecer que seria desejável que houvesse um grupo de controle que identificasse a
extensão dos efeitos atribuídos às igrejas evangélicas. Seja como for, não se pretende com o
estudo empírico que foi realizado aqui produzir resultados definitivos. Trata-se apenas de um
esforço analítico para se operacionalizar um modelo que se julga mais adequado para a
avaliação do papel dos grupos na definição do comportamento eleitoral, constituindo um
estudo preliminar que merece maiores aprofundamentos.

129
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho analisou algumas das contribuições da abordagem sociológica para o


entendimento do papel desempenhado pelos grupos sociais na formação das preferências
políticas. O seu objetivo geral foi contribuir para o debate brasileiro acerca da relevância dos
condicionantes sociais para a escolha dos eleitores. De certa forma, poucos estudos têm sido
realizados no país com esse intuito, sendo geralmente investigada a relação do voto com
outros determinantes já clássicos no universo das pesquisas eleitorais72. Portanto, a
abordagem empregada nessa dissertação, ao enfatizar a interdependência dos indivíduos e a
centralidade das interações para a definição do voto, é algo relativamente novo no campo dos
estudos brasileiros do comportamento político73.
O desafio de se construir uma proposta com contornos bem definidos se tornou ainda
maior diante da inexistência de outros trabalhos nos quais poderia se espelhar, exigindo muito
mais esforços para que fossem identificadas as principais referências e orientações teóricas
dessa abordagem. Em certa medida, a tentativa de sistematização da literatura, empreendida
na primeira parte da dissertação, constituiu um trabalho “arqueológico”, onde não se sabia
claramente o que poderia ser encontrado pela frente.
Por esse motivo, o primeiro passo dado foi reconstruir o processo de formação dos
estudos sociológicos do voto, onde se pôde perceber que as iniciativas pioneiras nesse campo
se confundem com a própria constituição da Ciência Política como disciplina. As
contribuições da Escola de Columbia foram fundamentais para isso, particularmente porque
seus principais autores passaram a adotar orientações rigorosas em termos empíricos e
conceituais para o estudo de fenômenos políticos. O emprego de métodos e técnicas de outras
áreas de conhecimento foi determinante nesse processo, com destaque para o behaviorismo e
a microssociologia americana, que constituíram a base do movimento que sujeitou a Ciência
Política ao que veio a ser conhecida como a revolução comportamentalista (PERES, 2008).
Compreendida a sua origem, buscou-se apontar as obras mais importantes desse
período. Os trabalhos conduzidos por Lazarsfeld e seus colegas da Escola de Columbia

72
Para citar apenas alguns dos temas mais investigados, pode-se destacar: identidade partidária (CARREIRÃO &
KINZO, 2004), voto ideológica (SINGER, 1999; CARREIRÃO, 2002b), conhecimento político (CASTRO, 1994;
1998), dentre outros.
73
Algumas das poucas referências adotadas nessa dissertação que adotam essa abordagem, mesmo que de
forma secundária, foram Rennó (2004) e Carneiro (1998).
130
(LAZARSFELD, BERELSON, & GAUDET, 1948; BERELSON, LAZARSFELD & MCPHEE,
1966; KATZ & LAZARSFELD, 1965) estabeleceram os pilares conceituais da abordagem. A
lógica social da política deu a tônica ao empreendimento, constituindo o pressuposto
fundamental dessa vertente de análise. De certa forma, desde então, todos os estudos que se
filiam à abordagem sociológica do voto assumem que as preferências políticas estão
condicionadas ao pertencimento aos grupos sociais e às relações interpessoais que
caracterizam a vida cotidiana.
Essa discussão permitiu contrapor alguns dos fundamentos da Escola de Columbia aos
novos desdobramentos da vertente sociológica, sobretudo porque os estudos mais recentes
levados a cabo pela análise contextual tendem a enfatizar sobremaneira aspectos mais
individualísticos do comportamento político. Em especial, insistiu-se na idéia de que esse
novo enquadramento levou a uma certa inversão da direção da causalidade na relação que é
estabelecida entre grupo e escolha política. Se, por um lado, os clássicos estudos da Escola de
Columbia buscavam entender como a estrutura social definia os padrões de comportamento
dos indivíduos, por outro, o enquadramento dos estudos mais recentes se interessavam pela
forma como um indivíduo estrategicamente orientado se inseria nas estruturas do ambiente
social.
Essa mudança de foco não é de menor relevância. Buscou-se argumentar que essa
reorientação teórica tem levado a abordagem sociológica do voto a se esquivar do debate a
respeito dos mecanismos de influência dos grupos sociais. Contrariamente ao que se
observava nos estudos pioneiros, o que se tem produzido contemporaneamente não tem
identificado os elementos dos grupos ou contextos que levam a uma maior efetividade da
influência social, sendo ignoradas as especificidades das formações sociais. Contemplar esses
elementos no modelo de análise permite observar como e quando o contexto influencia a
decisão do eleitor, sendo, portanto, imprescindível para se apontar quais mecanismos são
responsáveis pelos efeitos contextuais observados.
Por esse motivo, nessa dissertação, posicionou-se a favor de uma abordagem que
retoma algumas das contribuições da Escola de Columbia, principalmente aquelas que
remetem ao seu legado dos estudos de grupo, referindo-se à dinâmica de comunicação das
redes de interações. Isso, no entanto, não impediu que certos avanços proporcionados pelos
estudos mais recentes também fossem considerados, sendo preservados o pressuposto da
intencionalidade e os múltiplos níveis de análise. O produto final seria uma abordagem que

131
concebe o eleitor como indivíduo dotado de certos atributos e que age propositalmente no
interior de estruturas sociais que direcionam suas escolhas.
A partir dessas considerações, foram apresentadas algumas das dimensões mais
importantes para se compreender os efeitos contextuais em duas sessões desenvolvidas no
capítulo 1. A primeira delas buscou demonstrar como o pertencimento aos grupos pode
direcionar as escolhas políticas dos indivíduos. Três dimensões foram destacadas: (1) o nível
de integração do indivíduo ao grupo, que determinaria o quanto exposto ele se encontra às
redes de interações, onde se submeteria ao fluxo de informações políticas e às pressões por
conformidade; (2) o modelo de organização dos grupos, que definiria os padrões das
interações e as possibilidades de comunicação entre os indivíduos; (3) e, por fim, o papel das
lideranças, que identificaria a trajetória do fluxo de comunicações nos grupos. Todas essas
dimensões remetem ao processo de influência dos contextos sociais e se baseiam tanto nos
estudos contemporâneos quanto nas contribuições clássicas da Escola de Columbia.
Na segunda sessão, foram destacadas algumas outras condições que podem atuar como
fatores intervenientes nesse processo, definindo quando a influência dos grupos é mais
determinante na escolha eleitoral do indivíduo. Outras três dimensões foram destacadas: (1) as
motivações individuais, que permitem compreender quais as circunstâncias em que
informações políticas relevantes são apreendidas pelos indivíduos; (2) as condições
ambientais, que remete a certos fatores externos às redes de interações, como as regras e os
procedimentos de uma eleição, estabelecendo condições mais ou menos favoráveis aos efeitos
contextuais; (3) e o nível de sofisticação política, que se refere a certos atributos individuais
que intermediam a relação que é mantida entre o eleitor e o grupo de pertencimento no que se
refere ao uso desses últimos como fontes de informação política relevante.
Na segunda parte da dissertação, como forma de se testar algumas dessas dimensões
destacadas acima, foi proposto um estudo de caso. Como objeto, tinha-se o voto evangélico.
Pretendia-se com isso avaliar o papel dos diferentes grupos protestantes brasileiros na
definição da escolha eleitoral de seus membros. Inicialmente, no capítulo 2, foi apresentado,
em caráter descritivo, o universo protestante brasileiro, seguido da problematização da relação
entre igrejas evangélicas e o comportamento eleitoral de seus membros. O diagnóstico que se
fez é o de que os estudos sobre o voto evangélico no Brasil carecem de melhor
enquadramento teórico, de modo a tornar possível a identificação dos mecanismos
responsáveis pela tradução do pertencimento religioso em voto. A conexão realizada entre
esses estudos e toda a argumentação desenvolvida no primeiro capítulo permitiu trazer a

132
abordagem sociológica do voto para o debate sobre a relação entre grupos e comportamento
político no Brasil.
Apesar das restrições do banco de dados, os resultados dos testes estatísticos
realizados por ocasião desse estudo confirmaram algumas das teses sustentadas pela literatura
do voto evangélico, que foram submetidas ao enquadramento teórico da abordagem
sociológica. De modo geral, os resultados mostraram que a dinâmica do fluxo de
comunicações é o fator mais importante na definição do voto evangélico, com as lideranças
religiosas e o nível de integração do eleitor ao grupo desempenhando um papel fundamental
nesse processo. Essas evidências permitem afirmar que a compreensão da dinâmica de
comunicação de um grupo é uma dimensão de grande importância para que se possa
compreender o processo de formação das preferências eleitorais
Por fim, é importante destacar que não foi possível operacionalizar em construtos
adequados algumas das dimensões teoricamente relevantes. As limitações do banco de dados
restringiram as possibilidades de mensuração de aspectos importantes dos grupos religiosos.
De qualquer forma, com essa dissertação, o que se pretendia, antes de tudo, era explorar as
questões de natureza teórica esboçadas no capítulo inicial e retomadas no capítulo 3. O estudo
empírico se configura apenas como uma tentativa de operacionalizar os fundamentos
analíticos destacados. Novas investidas nesse campo de estudos de fazem necessárias, até
mesmo para que as dimensões teóricas trabalhadas nessa dissertação sejam submetidas a
investigações empíricas que contem com informações mais qualificadas.

133
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