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Depressão: doença que precisa de tratamento

Depressão não é tristeza. É uma doença que precisa de tratamento. Cerca de 18% das
pessoas vão apresentar depressão em algum período da vida. Quando o quadro se instala,
se não for tratado convenientemente, costuma levar vários meses para desaparecer. É
também uma doença recorrente. Quem já teve um episódio na vida, apresenta cerca de 50%
de possibilidades de manifestar outro; quem teve dois, 70% e, no caso de três quadros bem
caracterizados, esse número pode chegar a 90%.
A depressão é uma patologia que atinge os mediadores bioquímicos que agem na condução
dos estímulos através dos neurônios que possuem prolongamentos que não se tocam. Entre
um e outro, há um espaço livre chamado sinapse absolutamente fundamental para a troca
de substâncias químicas, íons e correntes elétricas. Essas substâncias trocadas na
transmissão do impulso entre os neurônios, os neurotransmissores, vão modular a passagem
do estímulo representado por sinais elétricos.
Na depressão, há um comprometimento dos neurotransmissores responsáveis pelo
funcionamento normal do cérebro.

Diferença entre tristeza e depressão


Drauzio – Vamos começar pela pergunta clássica: qual a diferença entre tristeza e
depressão?
R. Moreno - Tristeza é um fenômeno normal que faz parte da vida psicológica de todos nós.
Depressão é um estado patológico. Existem diferenças bem demarcadas entre uma e outra.
A tristeza tem duração limitada, enquanto a depressão costuma afetar a pessoa por mais de
15 dias. Podemos estar tristes porque alguma coisa negativa aconteceu em nossas vidas,
mas isso não nos impede de reagir com alegria se algum estímulo agradável surgir. Além
disso, a depressão provoca sintomas como desânimo e falta de interesse por qualquer
atividade. É um transtorno que pode vir acompanhado ou não do sentimento de tristeza e
prejudica o funcionamento psicológico, social e de trabalho.

Sintomatologia da depressão
Drauzio – Muitas pessoas que têm depressão não reconhecem os sintomas da doença. Que
dicas dar aos familiares para ajudá-los a identificar o comportamento de um deprimido?
R. Moreno – Em geral, o indivíduo com depressão reconhece que está sendo afetado por
algo novo, diferente das outras experiências de tristeza que teve na vida. A família pode
identificar o comportamento do deprimido pela mudança de atitudes, porque ele deixa de ser
o que era, deixa de sentir alegria, apresenta queda de desempenho e passa a agir de forma
diferente da habitual.
Drauzio – Exatamente por estarem deprimidos, a maioria leva bastante tempo para
procurar ajuda, não é?
R. Moreno – Infelizmente, isso acontece. Muitas vezes, os indivíduos custam a identificar
como anormal o que estão sentindo. É comum atribuírem a depressão a um mau momento
da vida ou a relacionam com um obstáculo que poderá ser transposto sem se dar conta de
que foram acometidos por uma doença que tem tratamento capaz de melhorar sua qualidade
de vida.
Drauzio - Quais são os sintomas mais característicos de um quadro depressivo?
R. Moreno – São muitos os sintomas da depressão. Talvez o mais evidente seja o humor
depressivo, que se caracteriza por tristeza e melancolia, acompanhado por falta de ânimo e
de disposição, incapacidade de sentir prazer em atividades habitualmente agradáveis,
alterações do sono e do apetite, pensamentos negativos, desesperança, desamparo.
Drauzio – Um de meus pacientes dizia que apesar de estar tudo bem na vida, não
conseguia olhar para nenhum lado sem ver os aspectos negativos e que esses assumiam
importância muito maior do que os positivos.
R. Moreno – De fato, essa doença provoca uma distorção na visão de mundo e de si
mesmo. Lembro-me bem de um paciente que dizia existir uma nuvem cinzenta a seu redor
que o impedia de olhar o espectro das cores. Achei uma definição interessante que bem
traduz o sentimento depressivo.

Comportamento familiar paradoxal


Drauzio – Existe uma contradição que se estabelece nesses quadros. A família vê a pessoa
nesse estado e quer que reaja, mas ela não consegue e os familiares se voltam contra o
deprimido. Isso é regra?
R. Moreno - Essa é uma armadilha em que caem as famílias e o deprimido porque,
esgotadas todas as tentativas para estimulá-lo, surge a raiva: “Ele não reage; eu tento, mas
ele não quer melhorar”. Tal comportamento reforça a desesperança e a baixa auto-estima
próprias do indivíduo com depressão. Por isso, é importante esclarecer familiares e paciente
que essa incapacidade de reação é uma das características da doença e ajuda a diferenciar o
estado patológico do normal. Quando estamos tristes, somos capazes de reagir aos
estímulos de prazer. O deprimido dificilmente o consegue. A depressão tira-lhe as forças. Ele
não tem como lutar contra ela.

Doença prevalente nas mulheres


Drauzio – Por que as mulheres têm mais depressão do que os homens?
R. Moreno –O sexo feminino passa por vários processos hormonais durante a vida: o início
dos ciclos menstruais, a gravidez, o parto e, por último, a menopausa. Tudo isso implica
alterações na produção dos hormônios sexuais femininos e torna a mulher mais vulnerável.
Tanto é assim que no período da gravidez, do parto e da perimenopausa, a depressão ocorre
com maior freqüência. Após a menopausa, a relação da incidência entre homem e mulher
tende a igualar-se, pois nessa fase cessam essas flutuações hormonais.

Depressão pós-parto
Drauzio – Fale um pouco da depressão ligada ao parto, especialmente desses quadros
graves que se estabelecem no pós-parto quando mulheres chegam a matar seus próprios
filhos?
R. Moreno – Existem duas posições no pós-parto. A primeira é um estado leve de
melancolia que dura de 5 a 7 dias e não traz grandes conseqüências nem para as mães nem
para as crianças. A outra é a depressão pós-parto propriamente dita, um manifestação mais
grave porque compromete a mulher e sua visão de mundo e favorece o risco de um
infanticídio.
É um caso tão sério que o código penal não o reconhece como crime, pois considera que a
mulher perdeu a crítica e o ajuizamento da realidade.

Depressão na menopausa
Drauzio – Na passagem da menopausa, muitas mulheres se queixam de que de repente
caem numa tristeza incontrolável e apresentam forte labilidade emocional. Por que isso
acontece?
R. Moreno – A menopausa também é um período de risco de depressão para as mulheres. É
um fenômeno relacionado com a perda da capacidade reprodutiva e com as mudanças
hormonais do sexo feminino.

Depressão nos homens


Drauzio - Em que faixa etária os homens estão mais predispostos a sentir depressão?
R. Moreno – Nos homens, a depressão é mais freqüente nos adultos jovens, isto é, no final
da adolescência e início da vida adulta. Pode-se dizer que o pico da incidência da doença
ocorre dos 18 aos 30, 40 anos , justamente na fase mais produtiva do indivíduo.

Depressão na velhice
Drauzio – E na velhice, também ocorrem casos de depressão?
R. Moreno – A depressão pode ocorrer em qualquer ciclo da vida: na infância, adolescência,
na vida adulta e na velhice. A infância é a fase de diagnóstico mais difícil. Muitos casos
passam despercebidos, pois os sintomas são atribuídos a características de personalidade da
criança. Na velhice, acontece algo semelhante. Muitas vezes, atribui-se a queda de energia e
disposição ao peso da idade. “Ele está velho, já fez o que tinha de fazer” é a explicação que
se dá ignorando os sintomas da depressão e a possibilidade de mudar sensivelmente a
condição de vida do velho porque existe tratamento para essa doença.

Mudanças no paradigma de tratamento


Drauzio – No passado, depressão era tratada com aconselhamento e psicoterapia. Hoje,
depressão é tratada mais agressivamente. O que mudou no conhecimento da fisiologia da
depressão que permitiu essa transformação no tratamento?
R. Moreno – No cérebro existem células nervosas, os neurônios, e substâncias químicas que
estabelecem a comunicação entre elas, os neurotransmissores. Em condições normais, a
quantidade dessas substâncias é suficiente, mas ela cai consideravelmente durante a crise
de depressão. Os medicamentos antidepressivos aumentam a oferta de neurotransmissores
e promovem a volta ao estado normal do paciente.
O tratamento da depressão mudou muito com a descoberta desses medicamentos que
provocam algumas modificações químicas no cérebro pela oferta de substâncias mediadoras
que estabelecem a comunicação entre uma célula nervosa e outra durante o processo de
transmissão dos sinais. No deprimido, os níveis dos neurotransmissores são baixos. Os
antidepressivos bloqueiam o mecanismo de recaptura (impedem que os neurotransmissores
retornem à célula de origem) o que aumenta a quantidade dessas substâncias nesse espaço
virtual entre os neurônios.

Drauzio – Na verdade, a depressão reflete uma alteração bioquímica do cérebro?


R. Moreno – Os estados depressivos são provocados por uma disfunção na bioquímica do
cérebro o que acarreta manifestações psicológicas e comportamentais.
Drauzio – O tratamento visa a uma modulação mais harmônica dessa bioquímica cerebral?
R. Moreno – O tratamento visa a regular essa disfunção e existem medicamentos bastante
eficazes nesse aspecto. Costumo dizer que, nos últimos 40 anos, eles apresentaram uma
evolução importante porque, apesar das desvantagens dos efeitos colaterais, promovem
uma melhora significativa nos pacientes. Na relação custo-benefício, a decisão tende sempre
para o tratamento uma vez que restabelece a qualidade de vida e diminui o risco de morte
por suicídio ou outras doenças.

Efeitos colaterais
Drauzio – Quais são os principais efeitos colaterais da medicação?
R. Moreno – Existem vários grupos de antidepressivos. Alguns provocam boca seca,
intestino preso; outros, tremor. Os mais recentes, os chamados antidepressivos de nova
geração, podem ocasionar ansiedade, tremores, inquietação, náuseas e, às vezes, vômitos.
No entanto, isso acontece com pequena parcela das pessoas que tomam essa medicação,
talvez 20% ou 30% delas.
Drauzio – No tratamento da depressão existe um complicador importante. Em geral, leva
algum tempo para que o doente sinta os benefícios da medicação, mas os efeitos colaterais
desagradáveis são piores no começo.
R. Moreno – De fato, o medicamento leva de 10 a 15 dias para começar a ter uma boa ação
antidepressiva. Em compensação, os efeitos colaterais são imediatos. Isso dificulta bastante
a adesão ao tratamento e faz com que o paciente tenda a abandoná-lo precocemente.

Gatilhos desencadeantes da depressão


Drauzio – Existem fatores que disparam o processo depressivo?
R. Moreno – Sabemos hoje que existe predisposição genética para a depressão. Os
indivíduos nascem com vulnerabilidade para a doença que, no entanto, não se manifesta em
todas as pessoas predispostas. Isso depende de vários fatores, chamados estressores, que
funcionam como gatilho. Por exemplo, o estresse psicológico provocado por qualquer
adversidade da vida, o estresse físico, certas doenças, o consumo de drogas lícitas ou ilícitas
e alguns medicamentos de uso contínuo podem precipitar os quadros. Entre as drogas lícitas
destaca-se o álcool e entre as ilícitas, os estimulantes como a cocaína e a as anfetaminas.
Drauzio – Isso me faz lembrar de que, no passado, havia medicamentos associados, com
certa freqüência, à ocorrência de suicídios. Em alguns casos, por não receberem
esclarecimentos sobre a ação das drogas, os médicos prescreviam um remédio para
controlar a pressão arterial e desencadeavam um episódio depressivo.

Depressão sazonal
Drauzio - O que se sabe sobre a influência do clima, especialmente nos países frios, sobre a
depressão?
R. Moreno – Há um quadro de surtos depressivos, chamado depressão sazonal, que está
relacionado diretamente com os fotoperíodos, isto é, com a luminosidade. No outono e no
inverno, especialmente nos países frios, a luz diminui muito e algumas pessoas se tornam
mais vulneráveis às flutuações normais do humor e desenvolvem quadros depressivos.
Reflexo nas relações afetivas
Drauzio – Quando aparece um quadro depressivo na família, como ficam as relações
afetivas?
R. Moreno – Geralmente a família se desestrutura bastante. A tendência inicial é querer
ajudar o indivíduo a reagir. Como ninguém consegue, aflora um sentimento de frustração
difícil de contornar. Por outro lado, uma série de crenças populares, que rotulam a depressão
como falta de vontade, defeito de caráter e doença de rico, interferem negativamente. A
mistura dessas crenças com as tentativas infrutíferas de auxílio distorcem as relações
familiares. Além disso, deve-se considerar o impacto social e econômico que a doença pode
representar para toda a família.

Orientação aos familiares


Drauzio – Como você orienta os familiares nesses casos?
R. Moreno – O primeiro passo é a informação. Todos, inclusive os pacientes, precisam saber
o que está sendo feito, que riscos correm os doentes, os benefícios do tratamento e o
prognóstico a longo prazo. Acima de tudo, é preciso vencer o medo. De modo geral, os
doentes e suas famílias têm medo da doença mental, da loucura. Abordados esses temas,
consegue-se melhorar o resultado do tratamento e as relações interpessoais.
Drauzio – O que a família pode fazer para ajudar a pessoa deprimida a sair da crise mais
depressa?
R. Moreno – A família pode fornecer parâmetros da realidade. Não deve deixar a pessoa
trancada no quarto o dia todo com as cortinas fechadas, nem deixá-la desrespeitar a
necessidade de alimentação e higiene.
Esse paciente precisa ser estimulado o que não significa levá-lo ao shopping ou pô-lo para
correr. Significa estimulá-lo de acordo com suas possibilidades de desempenho. Ninguém
incentiva um paciente de UTI a andar pelos corredores do hospital. É importante respeitar as
limitações que a doença impõe naquele momento.
Drauzio – A atividade física ajuda?
R. Moreno – A atividade física ajuda bastante. Há evidências de que associada a
tratamentos medicamentosos e psicológicos pode ser um componente importante para
alcançar resultados satisfatórios no tratamento.

Possibilidades de prevenção
Drauzio – O que se pode fazer neste mundo moderno para não cair em depressão?
R. Moreno – A primeira coisa é apelar para o bom-senso. Não há uma receita básica , mas
todos podemos contar com o bom-senso para conseguir uma qualidade de vida satisfatória.
Depois, é preciso desenvolver a capacidade de enfrentar e resolver problemas, dificuldades e
conflitos. Tanto isso é possível que apenas 18% da população apresenta quadros depressivos
ao longo da vida. Problemas todos temos. É necessário, dentro das possibilidades, aprender
a lidar com eles e a não deixar que nos abalem demais.

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