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A Arte de palavrear

Artifício bastante usado nos discursos políticos, a retórica é um dos instrumentos


centrais na estratégia de argumentação. Dentro do pensamento filosófico, Aristóteles
estabeleceu os conceitos fundamentais para convencer, persuadir e emocionar.

por Isabella Meneses*

Preparando um discurso

A preparação de um discurso requer inúmeros cuidados, principalmente porque suas


variações dependerão dos resultados que o orador pretende obter e do público ao qual ele
irá se dirigir, como adverte Joly. "A emoção, a necessidade de tocar fundo os atos
humanos, é uma característica marcante", enumera Cortez.

Mesmo com essas subjetividades, de acordo com Bôsco, é possível elaborar uma lista das
principais características de um discurso retórico, que deve:

* Remeter a uma crença das pessoas do auditório;


* Fabular imagens de realização de quem o escuta;
* Conter dizeres que enganam porque persuadem por sua verossimilhança com um real
possível;
* Produzir efeitos de espelhamento do outro naquele que escuta;
* Legitimar memórias, desejos imaginários, valores de verdade;
* Fomentar a capacidade de um ser de sentir-se realizado;
* Conter dizeres que deixam escapar vestígios da imaginação de quem ouve, que revelam
seus saberes;
* Provocar no ouvinte sensações de poder

A propósito, muito se fala em torno das habilidades oratórias do presidente dos EUA, mas
esquece-se de que o Brasil tem um presidente - considerado por alguns um demagogo -
que também tem o dom da palavra. Nesse caso, ficam claras, portanto, as diferentes
maneiras de se apoderar da retórica. Em seus discursos, o presidente Lula se preocupa
em utilizar um recurso que, na opinião de Bôsco, é voltado para conquistar os que fazem
questão de rejeitá-lo, mas só consegue aumentar o apreço dos que o amam e "fomenta,
ainda mais, o recalque de uma sociedade de uma social democracia falida, calcada na
força disciplinarizante de instituições reguladoras", brada o professor. À sua maneira,
Cortez prefere indicar o uso de expressões populares, "como uma forma de estar mais
próximo do grande público".
Usar ou não usar? Eis a questão
Duas coisas podem acontecer àqueles que decidem realmente usar a arte de bem
argumentar em seus dizeres. Podem receber grandes elogios sobre as performances
utilizadas ou pelas belas e sábias palavras - mas, nesse caso, o elogio seria mais bem
aplicado se dirigido aos ghost writers por trás dos discursos -, ou críticas ferrenhas
atacando-os, acusando-os de fazer logomaquias por meio de happenings bizarros ae
exagerados que transformam a política, por exemplo, em uma técnica para única e
exclusivamente conquistar o poder. "A retórica desprovida de qualquer estudo científico é
comumente vista como discurso 'floreado'. Daí podemos falar em algo pejorativo", arrisca
Cortez. Como foi dito anteriormente por Joly - que também é o organizador da obra
"História e Retórica: ensaios sobre historiografia antiga" (Ed. Alameda) -, Bôsco concorda
que a retórica sempre fez parte da política e afirma que "a política sempre foi constituinte,
constitutiva e constituída pela retórica".

"O ser humano sempre teve necessidade de fazer valer suas opiniões", completa Cortez,
que coloca, além disso, que o uso da retórica tem bases culturais e se diferencia conforme
mudam as habilidades de orador para orador e os entornos sociais . O que difere seu
uso atual com o de tempos anteriores é que hoje ela funciona como um ponto de tensão
"da competição entre marqueteiros", indica Bôsco. "Outrora a retórica era sempre apagada
dos dizeres políticos porque soava como dizeres de uma égide proselitista, demagógica",
ele compara. Atualmente, é como se os oradores fizessem parte de um "campeonato de
força ilocucionária". A professora Suzana discorda dessa mudança. Para ela, são os
"sujeitos que fazem parte da política" que podem mudar as formas de discursar, e não o
contrário.

Do fim ao princípio

De volta ao político imaginado no início deste texto, é preciso saber que ele está sujeito
aos desvios que a sensação do poder pode proporcionar. Todavia, se ele é lembrado por
suas habilidades oratórias, isso pode ser considerado algo bom. Retornando às palavras
do cronista português, "a reanimação de um verbo político inanimado é o início de um
início. Porque a dignidade da política começa na dignidade da palavra que a diz".

Para Joly, mesmo que o senso comum ligue retórica à enganação, se as pessoas
souberem avaliar os discursos políticos tendo em vista sua construção retórica, elas terão
meios suficientes para analisar melhor um determinado político. Dessa forma, torna-se
óbvio dizer que a retórica por si só não é boa ou má. Bons ou maus são aqueles que se
utilizam dessa arte com, ou sem, suas próprias noções de integridade.

*Isabella Meneses é jornalista e colaboradora de Conhecimento Prático FILOSOFIA

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