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Ary dos Santos Pinto responde:

Na edição anterior lhe questionamos sobre os recursos mecânicos


utilizados para a correção da sobremordida profunda onde a
intrusão dos incisivos é indicada.
Considerando-se que a sobremordida profunda pode também
ser corrigida pela extrusão dos dentes posteriores, qual(is) a(s)
mecânica(s) que o Sr. utiliza?
Rosely Suguino

Extrusão de Dentes Posteriores exibem na maioria das vezes uma projeção ou


A extrusão de dentes posteriores constitui uma eversão dos lábios superiores e inferiores que seria
das formas de correção da sobremordida profunda beneficiada pela extrusão de dentes posteriores e
e pode ser o tratamento de eleição em pacientes rotação mandibular com aumento da altura facial
com potencial de crescimento que compensaria ou inferior que promoveriam acomodação labial, me-
anularia o efeito de rotação mandibular para baixo e lhoria da projeção labial e harmonização do perfil
para trás. Está indicada para pacientes braquifaciais facial4,6 (Fig. 1).
onde o aumento da altura facial inferior, abertura
do plano mandibular e aumento da convexidade Placa de Mordida
facial seriam desejados como forma de tratamento A correção da sobremordida por extrusão de
da má oclusão e alteração facial presente. Pacientes dentes posteriores tem sido utilizada pelos ortodon-
que apresentam o terço facial inferior diminuído tistas a longa data. Este tipo de procedimento, muito

a b
Figura 1 - Correção da sobremordida A) Intrusão relativa dos dentes anteriores por controle diferencial da erupção de dentes
anteriores e posteriores em pacientes com potencial de crescimento. B) Extrusão de dentes posteriores para correção da mordida
profunda em pacientes sem potencial de crescimento. Note a rotação mandibular para baixo e para trás.
Fonte: Kuhlberg, 20046

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comum no uso de aparelhos extrabucais ou da placa uso de elásticos verticais posteriores3,8.


de mordida, está associado a efeitos deletérios para a
face em virtude da rotação mandibular para baixo e Manipulação da curva de Spee com fios
para trás que provoca, implicando em aumento da contínuos
convexidade facial e da altura facial inferior. A manipulação da curva de Spee, pela utilização
Na atualidade, a extrusão dos dentes posteriores de arcos contínuos construídos com fios redondos
conseguida pelo uso de placas de mordida com apoio ou retangulares, tem sido amplamente empregada
anterior ou plano de mordida anterior (Fig. 2) está em Ortodontia para a correção da sobremordida
indicada para aqueles pacientes que tenham um pela combinação de intrusão de dentes anteriores
bom padrão de crescimento, boa projeção do pogônio, e extrusão de dentes posteriores. Nestes arcos, na
altura facial inferior diminuída, perfil reto ou côncavo e maioria das vezes, é incorporada uma curva grada-
pouca exposição de incisivos superiores ao sorrir. Indi- tiva de posterior para anterior contrária à curva de
víduos braquifaciais portadores Classe II, divisão 2, Spee no arco inferior (curva de Spee reversa) e no
na maioria das vezes apresentam estas características. mesmo sentido da curva de Spee no arco superior, só
Estas placas podem ser utilizadas concomitante- que em maior magnitude (curva de Spee acentuada).
mente com o aparelho fixo e agem por diferencial Estes arcos promovem uma inclinação e intrusão
de erupção dos dentes anteriores e posteriores (Fig. relativa dos incisivos, inclinação para distal dos
3, 4). Os dentes posteriores ficam livres do contato molares e extrusão dos pré-molares (Fig. 5).
oclusal, tem sua erupção facilitada e ainda podem Os resultados da utilização de curva de Spee
ser forçados ao movimento extrusivo por meio do acentuada no arco superior e reversa no arco inferior

Figura 2 - Esquema de placa de mor- Figura 3 - Ilustração clínica de placa de mordida com apoio anterior (batente an-
dida com apoio anterior. terior).

a b c
Figura 4 - Resultado da utilização da placa de mordida durante tratamento ortodôntico favorecendo a montagem do aparelho
fixo inferior A) Sobremordida profunda ao início do tratamento. B) Placa de mordida com apoio anterior sendo utilizada. C) So-
bremordida corrigida após aproximadamente 1 ano de tratamento.

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Figura 5 - Curvatura incorporada ao arco redondo ou retangular objetivando a acentuação da curva de Spee superior e reversão
da curva da Spee inferior.

variam de acordo com a secção do arco utilizado2. pelo binário criado pelo fio inserido no tubo de
Em fios redondos, a inclinação de incisivos resulta molares. Em fios retangulares, a inserção deste nos
do momento criado pela força vertical promovida dentes anteriores produz um binário (torque) que
pela curvatura do arco atuando nos braquetes que se soma ao momento produzido pela força verti-
estão em posição vestibular em relação ao centro de cal, acentuando a tendência à vestibularização dos
resistência destes dentes e a inclinação de molares dentes anteriores. Nos dentes posteriores, também

a b
Figura 6 - Efeitos da manipulação da curva de Spee: A) Inclinação distal de molares e vestibular de incisivos, extrusão de pré-
molares e intrusão de molares e incisivos. Em azul estão os momentos gerados pelos binários resultantes da inserção do fio dentro
do tubo de molares ou da canaleta dos braquetes. Em preto as forças verticais de intrusão e extrusão. B) Inclinação vestibular dos
dentes posteriores.

Figura 7 - Efeito de curva de Spee acentuada incorporada ao arco inferior.

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é criada uma força vertical, que aplicada ao tubo dentes posterior pode ser realizado pelo uso do arco
de molares, localizados por vestibular ao centro de lingual inferior e barra palatina no arco superior.
resistência dos molares, promove uma inclinação Gregoret et al.5 preconizam o uso de fios retangulares
dos dentes posteriores para vestibular. A curvatura com a adição de 15 graus de torque lingual extra em
introduzida no arco pode ainda produzir um efeito todo o arco antes da incorporação da curva de Spee
de curvatura dos dentes anteriores com depressão para o controle dos efeitos colaterais. Este torque, na
e inclinação radicular para distal gradativamente região anterior atuaria como um torque resistente e
maior de incisivos laterais para os incisivos centrais manteria a inclinação dos incisivos inalterada. No
(Fig. 6, 7). segmento posterior, o torque lingual atuaria também
O controle do efeito de vestibularização dos como um torque resistente, contrapondo-se ao mo-

Figura 8 - Incorporação de 15 graus de torque no arco prévio à curvatura do fio.


Fonte: Gregoret, Tuber, Escobar, 20035.

Figura 9 - Efeito da manipulação da curva de Spee superior para o tratamento da mordida profunda.

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Figura 11 - Bionator de Balters com apoio anterior e poste-


rior. A correção da curva de Spee e da sobremordida é obtida
por desgaste seletivo programado do acrílico permitindo um
diferencial de erupção de dentes anteriores e posteriores.

Figura 10 - Superposição total do caso mostrado na figura


9 ilustrando o efeito da manipulação da curva de Spee: incli-
nação vestibular dos incisivos e inclinação distal dos molares.
A extrusão na região de pré-molares foi compensada pelo
expressivo crescimento vertical de côndilos, responsável pelo
avanço do pogônio para anterior.

Figura 12 - Esquema das possibilidades de desgaste do Figura 13 - Esquema das possibilidades de desgaste do
acrílico do Bionator e seu efeito sobre os dentes posteriores. acrílico do Bionator e seu efeito sobre os dentes anteriores.

mento criado pela força vertical e assim manteria a emprego naqueles pacientes que tenham um padrão
inclinação de molares inalterada (Fig. 8). braquifacial ou mesofacial com pouca projeção do
Al Qabandi et al.2 observaram, em trabalho pogônio, altura facial inferior diminuída, perfil con-
experimental sobre a manipulação da curva de Spee vexo e exposição adequada de incisivos superiores ao
inferior com arco contínuos, a ocorrência de intru- sorrir. Indivíduos portadores de Classe II, divisão 1,
são e inclinação vestibular de incisivos e extrusão e na maioria das vezes apresentam estas características.
inclinação distal de molares, com maior movimento Nestes casos, a necessidade de aumento da altura facial
mesial do ápice destes dentes que movimento distal anterior e melhora da convexidade facial concomitan-
da sua cúspide mésio-bucal. tes contra-indicam o uso dos recursos anteriores onde
a extrusão de dentes posteriores e rotação mandibular
Tratamento ortopédico para baixo e para trás ocorreriam e trariam como
A utilização de aparelhos ortopédicos funcionais no resultado efeitos deletérios para o perfil facial. Uma
tratamento da mordida profunda tem sua indicação e opção de tratamento nesta situação seria a utilização de

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aparelhos ortopédicos funcionais tais como o Bionator e aumento da altura facial melhorando a convexi-
de Balters (Fig. 11). dade e harmonia facial.
O aparelho Bionator de Balters possibilita o O Bionator de Balters pode ser utilizado em
controle da erupção dos dentes anteriores enquan- indivíduos Classe I com mordida profunda bra-
to ocorre a manipulação da erupção dos dentes quifaciais com retrusão mandibular tão bem como
posteriores pelo desgaste seletivo do acrílico que em pacientes Classe II braquifaciais ou mesofaciais
recobre a oclusal destes dentes, favorecendo a cor- nos quais a maxila se encontra bem posicionada ou
reção da curva de Spee (Fig. 11-13). A propulsão e retruída e a mandíbula retruída (Fig. 15, 16).
abertura mandibular incluída na aplicação do apa- Segundo Melo et al.7, o Bionator de Balters
relho promovem ação ortopédica e dento-alveolar promove uma redução da sobremordida e sobres-
maxilo-mandibular que reduz a convexidade facial, saliência, aumento do comprimento mandibular
aumenta a altura facial anterior e auxilia na correção com redirecionamento do crescimento condilar
da displasia esquelética de Classe II em crianças para posterior, aumento da remodelação no bordo
braquifaciais ou mesofaciais com retrognatismo inferior da mandíbula e abertura do ângulo goníaco,
mandibular e mordida profunda1,7 (Fig. 14). restrição do crescimento maxilar, restrição do movi-
O tratamento promoveu um avanço mandibular mento de mesialização dos molares superiores e leve

Inicial Final
Figura 14 - Utilização do Bionator de Balters para correção da Classe II, divisão 1, com mordida profunda, perfil convexo com
projeção maxilar normal e mandíbular diminuída.

Figura 15 - Classe I com mordida profunda tratada com Bionator de Balters.

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Figura 16 - Classe II com mordida profunda tratada com Bionator de Balters.

extrusão dos mesmos, verticalização dos incisivos tendem a recidivar com mais facilidade enquanto que
superiores e acentua a tendência de vestibularização incisivos inclinados para vestibular ou com ângulo
dos incisivos inferiores. inter-incisal diminuído, tendem a manter sua relação
vertical (Fig. 17).
Estabilidade Segundo Burzin e Nanda4, quanto mais a sobre-
A estabilidade do tratamento da mordida profunda mordida é corrigida, maior a tendência à recidiva,
depende da inclinação dos incisivos ao final do trata- sendo indicada sua sobrecorreção. Como meta de
mento ortodôntico. Um correto ângulo inter-incisal tratamento, a sobremordida deve ser reduzida de
é essencial para uma adequada distribuição da forças forma que os incisivos superiores cubram apenas
oclusais e pressão exercida pela musculatura peribucal 20% da face vestibular dos incisivos inferiores,
(lábios) e pela intrabucal (língua). Incisivos muito muito embora numa sobremordida normal este
verticalicalizados, com ângulo inter-incisal aumentado, valor seja de 30% a 40%. Ainda segundo este

Figura 17 - Fatores que contribuem para o equi-


líbrio dos dentes anteriores: Ação da musculatura
lingual, de lábios, forças oclusais e inclinação de
incisivos (ângulo inter-incisal).

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autores, existe maior estabilidade quando o trata-


mento é realizado às custas de extrusão de dentes
posteriores, desde que esta extrusão não exceda ao
espaço inter-oclusal.

Referências
1. ALMEIDA, R. R.; JANSON, G. R. P.; CARREIRO, L. S.;
RAMOS, A. L. Mordida construtiva para confecção do ativador
para Classe II, divisão1, com sobremordida profunda. R Dental
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3. BURSTONE, C. J.; STEENBERGEN, E.; HANLEY, K. J. A
moderna mecânica Edgewise e a técnica do arco segmenta-
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rection. In: NANDA, R.; BURSTONE, C. J. Retention and
stability in Orthodontics. Philadelphia: W. B. Saunders, 1993.
chap. 4, p. 61-79. Ary dos Santos Pinto
5. GREGORET, J.; TUBER, E.; ESCOBAR, L. P. El Tratamien- - Professor Adjunto do Departamento de Clínica Infantil
to ortodóncico com arco recto. Rosário: NM Ediciones, 2003. – Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Araraquara
6. KUHLBERG, A. J. Etapas do tratamento ortodôntico. In: – UNESP
BISHARA, S. E. Ortodontia. São Paulo: Ed. Santos, 2004. cap.
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- Mestre e Doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
7. MELO, A. C. M.; SANTOS-PINTO, A.; MARTINS, J. C. R.; - UFRJ
MARTINS, L. P. SAKIMA, M. T. Orthopedic and orthodontic - Pós-Doutorado na Baylor College of Dentistry – Dallas, Tx
components of Class II, division 1 malocclusion correction with - USA
Balters Bionator: a cephalometric study with metallic implants. - Professor dos cursos de Especialização em Ortodontia
World J Orthod, Carol Stream, v. 4, no.3, p. 237-242, 2003.
8. SANDLER, J.; DIBIASE, D. The inclined biteplane – a useful
e Ortopedia Facial da FAEPO/UNESP e APCD/UNESP
tool. Am J Orthod Dentofacial Orthop, St. Louis, v. 110, – Araraquara.
no. 4, p. 339-350, 1996.

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