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Faculdade de Arquitectura

Universidade Técnica de Lisboa

Arquitectura e Natureza

A sedução da salvação

Filipe Humberto Torres Mesquita Borges de Macedo

Artigo científico para a disciplina:

Arquitecturas em trânsito,

Arquitecturas efémeras e experimentais,

do 1º ano do curso de Doutoramento em Arquitectura

Docente: Professor Doutor Rui Barreiros Duarte

Lisboa, FAUTL, Fevereiro, 2011


1
Faculdade de Arquitectura
Universidade Técnica de Lisboa

Título do artigo: Arquitectura e Natureza, a sedução da salvação.


Nome do Aluno: Filipe Humberto Torres Mesquita Borges de Macedo
Professor Doutor Rui Duarte Barreiros
Curso de Doutoramento em Arquitectura
Data: Fevereiro de 2010

Resumo
A relação entre homem e natureza sofreu profundas alterações ao longo da história.
Nos primórdios da humanidade, os caçadores recolectores construíam
complementando o meio, sem o marcar. Com a passagem para a época civilizacional
e até meados do Séc. XX o homem concebeu o seu habitat por oposição á natureza.
Perante a actual crise ambiental, esse paradigma começa a alterar-se. “Os mortais
habitam à medida que salvam a terra, tomando-se a palavra salvar em seu antigo
sentido, …. Salvar não diz apenas erradicar um perigo. Significa, na verdade: deixar
alguma coisa livre em seu próprio vigor. “(Heidegger, 1951).
O homem começa a conceptualizar e a construir um novo paradigma com a natureza,
onde a construção de habitats humanos regenere e complemente a natureza numa
relação simbiótica.
Encontramos concretizações exemplares do novo paradigma nas obras da “Natural
Architecture” onde a poesia sensória da Land Art constrói esse desejo.
Encontramos, igualmente nas arquitecturas experimentais e efémeras passos na
consolidação deste novo paradigma, que já tem repercussão em aspectos legislativos
e marca a produção arquitectónica contemporânea.

Palavras-chave:

Sustentabilidade, Arquitectura e natureza, Land Art, Biomimetismo, Habitar, Salvar.

I
II
Faculdade de Arquitectura
Universidade Técnica de Lisboa

Título do artigo: Architecture and Nature, The seduction of salvation.


Author: Filipe Humberto Torres Mesquita Borges de Macedo
Date: February de 2010

Abstract:
The relationship between mankind and nature has undergone profound changes throughout
history. In the early days of mankind, the hunter-gatherers built dwellings supplementing the
natural habitats. With the transition to the era of civilization and until the mid-twentieth century
man has designed their own habitat and dwellings, conceptualizing their essence as a
counterpart of nature.
Given the current environmental crisis, this paradigm begins to change the way we
conceptualize our won dwellings.
"Mortals dwell as saving the earth, taking the word to save his old sense .... Saving does not
only eliminate a danger. It means, in effect, leave something free on their own force."
(Heidegger,1951).
The man begins to conceptualize and construct a new paradigm with nature, where the
construction of human habitats regenerate and complement nature in a symbiotic relationship.
Exemplary embodiments found in the works of the new paradigm of "Natural Architecture"
where Land Art artists builds this desire out of a sensorial poetry.
We can find also in experimental and ephemeral architectures steps in consolidating this
new paradigm, where human dwellings will regenerate and complement nature. This paradigm
is starting to impose himself in our mainstream architectures, either thru genuine will of
architects and promoters to resolve the environmental crisis, or due to laws and regulations in
which we can find this conceptual will.

Key-words:

Architecture and nature, Bio mimicry, Land Art, Living, Saving, Sustainability.

III
IV
Índice

Índice de ilustrações ............................................................................................. VII

Arquitectura e Natureza, a sedução da salvação. ................................................. 1

1-Civilização e natureza, os paradigmas condição do homem no mundo. . 3

1.1-A condição primordial, o homem subjugado. ......................................... 3

1.2-A implementação do habitat humano, conquistando a natureza. .......... 3

1.3-A salvação da natureza como salvação do habitat humano. ................. 7

2-A natureza como Musa. ....................................................................................... 9

2.1-A sedução da salvação. ............................................................................ 9

2.2- O caminho da salvação. ......................................................................... 15

2.3- A institucionalização da salvação. ........................................................ 21

3-Conclusão........................................................................................................... 23

Bibliografia. ........................................................................................................... 23

V
VI
Índice de ilustrações

Ilustração 1– A relação primordial entre o homem, ainda enquanto caçador recolector, a natureza e o
modo como essa relação se reflectia nas suas construções. ....................................................................... 2

Ilustração 2– A relação entre o homem, ser sedentário e criador de civilização e habitats, a natureza e o
modo como essa relação se reflecte nas suas construções. ........................................................................ 4

Ilustração 3– Conceptualização da futura relação entre o homem, ser salvador de si próprio e de habitats,
a natureza e o modo como essa relação se reflectirá nas suas construções. .............................................. 6

Ilustração 4– Guiliano Mauri, “La Cattedrale Vegetale”, Bergamo, Itália, 2000-2009, ................................. 8

Ilustração 5– Sanfte Strukturen, “Weidendom”, Rostock, Alemanha, 2001 .................................................. 8

Ilustração 6– Nils Udo, da esquerda para a direita; “Root sculpture”, México, 1995; “Water nest”, 1995 ;”
Nest in red clay”, Clemson College,USA, 2005........................................................................................... 10

Ilustração 7– Gilles Bruni e Marc Babarit; “The grenhouse and the shelter”, Val di Sella, Itália, 2005; “A
tunnel with nature”, Langland, Dinamarca 1996.......................................................................................... 10

Ilustração 8– Patrick Dougherty, “Around the corner”, University of South Indiana, USA, 2003 ................. 12

Ilustração 9– Chris Dury,“ Nos topos, “Tree mountain shelter”, Val di Sella, Itália, 1994 ; ao centro “Carbon
Sink”, Joey-en-Josas, França, 2010 ........................................................................................................... 12

Ilustração 10–Estrutura molecular do ADN,; corte tipo; maqueta; planta de geral. Helix City, Kisho
Kurokawa, 1961 .......................................................................................................................................... 14

Ilustração 11– As formas da natureza como inspiração formal e estrutural, Milwaukee Art Museum,
Santiago Calatrava, 2001 ........................................................................................................................... 14

Ilustração 12–Bed Zed, Londres, Reino Unido, Bill Dunster, 2001 ............................................................. 16

Ilustração 13–Eden Project, Cornualha, Reino Unido, Michael Pawlin, 2001 ............................................. 16

Ilustração 14–Sahara Rainforest Project, Magreb, norte de Africa, Michael Pawlin, 2010 ......................... 18

Ilustração 15–A Wall to Build, Magreb, Norte de Africa, Magnus Larsson, 2009 ........................................ 18

Ilustração 16–Proposta de recuperação da estacaria de Veneza com protocelulas, Rachel Armstrong,


2010 ............................................................................................................................................................ 20

Ilustração 17–Fab tree House; 50% Living House, EUA, Joachim Mitchel, 2006 ....................................... 20

Ilustração 18- Ciclo da agua, ciclo do carbono e o ciclo da floresta, (Division, 1999) ................................. 22

Ilustração 19- Diagrama do processo de avaliação ambiental LEED (Starrs, 2010)................................... 22

Ilustração 20- Gwanggyo, Coreia do Sul, MVRDV, 2008. ........................................................................... 24

Ilustração 21- Zira city Baku, Arzebaijão, BIG, Bjarke Ingels Group, 2008 ................................................. 24

VII
VIII
Faculdade de Arquitectura
Universidade Técnica de Lisboa

Arquitectura e Natureza
A sedução da salvação

Filipe Humberto Torres Mesquita Borges de Macedo

Artigo científico para a disciplina

Arquitecturas em trânsito,

Arquitecturas efémeras e experimentais,

do 1º ano do curso de Doutoramento em Arquitectura

Docente: Professor Doutor Rui Barreiros Duarte

Lisboa, FAUTL, Fevereiro, 2011

1
Ilustração 1 – A relação primordial entre o homem, ainda enquanto caçador recolector, a natureza e o modo
como essa relação se reflectia nas suas construções.

2
1-Civilização e natureza, os paradigmas condição do homem no mundo.

1.1-A condição primordial, o homem subjugado.

No início da humanidade, a população humana era constituída por grupos de caçadores


recolectores. Estes grupos tinham com o meio natural que os rodeava uma relação
umbilical. A natureza determinava os seus modos de vida e a sua prosperidade. A
relação entre homem e natureza era marcada por uma profunda reverência, a natureza
assumia o papel de entidade sagrada suprema. Por sua vez os abrigos que os humanos
habitavam também reflectiam esta simbiose com o meio.

Estes abrigos ou resultavam do aproveitamento de acidentes geológicos, como nas


grutas ou nas reentrâncias em escarpas, ou então eram construções de carácter
precário, como no caso das tendas ou das cabanas primárias. Raramente o habitar
humano deixava vestígios significativos, quer pelo carácter nómada das populações, quer
pelas tecnologias usadas. Quando uma construção deixava de ser útil, os seus
elementos voltavam à mãe natureza. Esta efemeridade reflectia a condição humana
perante a magnitude da natureza, o homem estava a mercê dos elementos e dos
caprichos da natureza. Os temores que daí resultaram iriam marcar o subconsciente
biológico da espécie e, como resultado, tivemos durante milénios uma dialéctica
civilizacional, que construiu o habitat humano com oposição ao habitat natural.

1.2- A implementação do habitat humano, conquistando a natureza.

Com a passagem do estado semi-selvagem, onde os primeiros humanos caçadores


recolectores retiravam a sua subsistência da natureza, para o inicio do estádio
civilizacional, cumpriu-se a necessidade de criar habitats artificiais onde a humanidade
pudesse prosperar num meio menos agressivo. O avanço civilizacional cresceu à medida
da capacidade humana de artificializar o meio natural, criando habitats onde as condições
ambientais fossem as adequadas ao seu desenvolvimento.

O primeiro passo consistiu na descoberta da agricultura, o que permitiu a sedentarização


da espécie. A nossa vida deixava de estar a mercê dos elementos e das condicionantes

3
Ilustração 2 – A relação entre o homem, ser sedentário e criador de civilização e habitats, a natureza e o
modo como essa relação se reflecte nas suas construções.

4
da natureza e a constante saga de percorrer os espaços naturais seguindo os recursos
necessários à nossa subsistência terminava.

A sedentarização conduziu-nos à urbanização, e este fenómeno tornou-se no fio condutor


da história da humanidade. As cidades, que criaram os seus modos de vida, economias,
sistemas de valores, mitos, religiões, sistemas políticos, etc., enfim, foram o alicerce dos
diversos estádios civilizacionais que atravessaram a história da humanidade e que
permitiram o seu sucesso.

Desde desta altura, o desenvolvimento humano afirmou-se como um contraponto à


aparente desordem da natureza. Numerosos mitos assim o confirmam, desde a expulsão
de Adão e Eva dos jardins do Paraíso, supremo castigo divino, passando por incontáveis
histórias infantis onde na floresta se desenrolam acontecimentos trágicos e inesperados,
como Hansel e Gretel, o Capuchinho Vermelho, entre outras. Provavelmente um dos
mais significativos livros que retratam esta angústia humana perante a natureza é “O
Coração das Trevas” de Joseph Conrad de onde retiramos este pequeno trecho que
demonstra este temor intrínseco que o homem civilizado sentia perante natureza: ”Subir
aquele rio era como regressar aos primórdios do mundo, quando a vegetação tomava
conta da terra e o reinado era das árvores. Uma corrente deserta, um grande silêncio,
uma floresta impenetrável. (…) Era o silêncio de uma força implacável que acalentava
propósitos inescrutáveis. Olhava-nos com um ar vingativo.” (Conrad, 1902).

Estas mitologias reflectiam o receio humano perante a imensidão da coisa selvagem.


Consequentemente a antítese da civilização era a coisa selvagem, a vida humana
florescia no conforto da civilização e perecia na imensidão da floresta selvagem.
Heidegger no “Tempo e o Ser” corrobora esta situação ao descrever o homem como uma
clareira na floresta, como uma abertura de luz no seio da escuridão do matagal, que
permite o iluminar e o penetrar da luz. O homem é então, abertura no seio do ser, capaz
de iluminá-lo, e ao mesmo tempo instaurador de uma compreensão do ser, constituindo-
se em si mesmo e simultaneamente definindo-se com o tempo.

Foi através da construção e da sua disciplina maior, a arquitectura, que esse objectivo, a
construção de habitats humanos, que a civilização e a humanidade se afirmaram e
consubstanciaram. Na construção desses habitats o homem afirmou de modo
permanente a sua artificialidade, e fê-lo de molde a marcar os territórios que conquistava,
alterando de forma permanente os habitats e ciclos da natureza. Fê-lo implementando a
sua vontade de modo afirmativo. Quando, pelos mais diversos motivos,

5
Ilustração 3 – Conceptualização da futura relação entre o homem, ser salvador de si próprio e de habitats, a
natureza e o modo como essa relação se reflectirá nas suas construções.

6
as civilizações desapareceriam, encontramos ainda numerosas ruínas, que como uma
marca indelével no território, deixavam memória de habitats perdidos.

A história e a humanidade cresceram nesses habitats artificiais, laboriosamente


construídos pelos humanos, onde a ordem Humana foi sempre entendida como
contraponto à desordem natural. O mito que o habitat humano poderia ser coisa
independente da ordem natural impôs-se no nosso imaginário civilizacional.

1.3-A salvação da natureza como salvação do habitat humano.

Com o progressivo desenvolvimento da população humana, a civilização foi alargando o


seu espaço, vencendo definitivamente a batalha contra a natureza. De tal modo o homem
teve sucesso nesta sua filosofia, que a coisa natural quase desapareceu. A exiguidade da
natureza, causada pela expansão dos habitats humanos modificou as premissas iniciais.
A relação primordial entre Homem e natureza altera-se, a natureza desaparece enquanto
floresta mitológica e é reduzida a uma existência quase residual.

Este encurtamento dos espaços da natureza, com a consequente alteração dos seus
ciclos e a exaustão de recursos finitos do planeta, começaram a ser sentidos na nossa
consciência colectiva de modo notório nas últimas décadas. Esta conjuntura, das
alterações ao ciclo do carbono e consequentes alterações climáticas, ao esgotamento
das reservas de água potável, à diminuição de bio massa e de habitats naturais, o fim
das reservas de combustíveis fosseis, entre outras, alcançaram o potencial de
constituírem uma situação irreversível, onde para além dos danos à própria natureza,
seriam a espécie humana e o seu estádio civilizacional umas das suas principais vítimas.

Simbolicamente as posições relativas entre o que eram habitats humanos e natureza


alteraram-se. O espaço civilizacional, entendido neste caso como o espaço físico onde a
humanidade prosperava, inverte a sua posição face ao espaço natural. De habitat raro e
ameaçado perante a imponência da natureza, encontramos agora o paradigma inverso: é
o espaço natural que tem de ser protegido e acarinhado pois a nossa receita civilizacional
quase extinguiu os espaços naturais.

Em certa medida este novo paradigma retoma as reflexões de Heidegger na sua palestra
“ Construir, Habitar, Pensar”: “Os mortais habitam à medida que salvam a terra, tomando-
se a palavra salvar em seu antigo sentido, …. Salvar não diz apenas erradicar um perigo.
Significa, na verdade: deixar alguma coisa livre em seu próprio vigor. “(Heidegger, 1951),
é imperativo não só salvar a natureza para ela ser livre, mas salvá-la para nos libertarmos
e prosperarmos.

7
Ilustração 4 – Guiliano Mauri, “La Cattedrale Vegetale”, Bergamo, Itália, 2000-2009,

Ilustração 5 – Sanfte Strukturen, “Weidendom”, Rostock, Alemanha, 2001

8
2-A natureza como Musa.

2.1-A sedução da salvação.

A alteração da consciência humana perante a natureza criou as bases para uma releitura
da essência dessa relação. Em parte essa releitura foi criada por vanguardas artísticas,
que na sua conceptualização do mundo, criaram um novo entendimento que a natureza
adquiriu na sua relação com a humanidade. Esta sacralidade, sustentada pelo
conhecimento dos metabolismos complexos que encontramos na nossa biosfera e pela
insatisfação generalizada da sociedade pós industrial, encontra-se materializada nas
suas obras.

Conceptualmente geradas por procuras intensas alicerçaram-se, por um lado numa forte
investigação na área da ciências naturais, conducente a um melhor conhecimento dos
mecanismos com que o planeta se rege e originando uma maior compreensão dos ciclos
naturais do planeta; por outro lado, auxiliadas pelo conhecimento dos efeitos e
consequências que a humanidade exerce sobre o planeta e consubstanciadas na procura
de soluções que ajudem a resolver a angústia existencial que tem marcado a sociedade
pós industrial, tal como afirmou em 2009 Gilles Lipovetsky na conferência “O Ambiente na
Encruzilhada”,“O «trágico» da nossa época radica na dinâmica da individualização e em
novas aspirações de vida feliz; quanto mais se afirma a exigência de felicidade privada,
mais crescem, inevitavelmente, as insatisfações e desilusões de todo o tipo.”(Lipovetsky,
2009).

A visão contemporânea de recuperar para a humanidade uma harmonia perdida,


reinterpretando uma visão edílica do passado como experiencia humana, actual e
sensória, procura, acima de tudo, relembrar-nos da importância de recuperar uma
harmonia perdida com o meio e com os seus ciclos. A sacralização da raridade da
natureza atinge assim premência fulcral, logo contém as premissas geradoras da reflexão
artística. Estas obras, que na sua essência enaltecem a importância perdida da natureza
na humanidade, geram três visões distintas deste desenraizamento.

Por um lado temos autores como Guiliano Mauri, que constrói em Bergamo La Cattedrale
Vegetale, recreando um espaço sacro, que na sua essência construtiva é o oposto do
arquétipo da catedral gótica de três naves, basilar para a sua formalização, mas que
construtivamente, abraça a essência desta nova relação entre o homem e a natureza.
Respondendo ao mesmo programa, mas adoptando o arquétipo da basílica, encontramos
a Weidendom em Rostock na Alemanha do colectivo Sanfte Strukturen, cuja obra tem
sido caracterizado por uma utilização intensiva da bio construção e de cúpulas
geodésicas como na Arena Salix de Spreewald e no Auerworld Palace em Weimar, que
constrói um espaço sacro onde tal como na Cattedrale Vegetale de Mauri, a
9
Ilustração 6 – Nils Udo, da esquerda para a direita; “Root sculpture”, México, 1995; “Water nest”, 1995 ;” Nest
in red clay”, Clemson College,USA, 2005

Ilustração 7 – Gilles Bruni e Marc Babarit; da esquerda para a direita; “The grenhouse and the shelter”, Val di
Sella, Itália, 2005; “A tunnel with nature”, Langland, Dinamarca 1996

10
materialidade vegetal desenha um importante papel simbólico na enunciação do novo
paradigma.

Nestes casos a eternidade da construção artificial é substituída pela perenidade da


árvore, ao espaço imutável de matéria morta é contraposta a mutabilidade de um espaço
sensível aos ciclos da natureza, e o solo onde é edificado, não é esventrado com
caboucos e muros, o solo é alimentado. Por fim é neste espaço sagrado que essa
alteração de paradigma da relação entre homem e natureza é sacralizada num apelo a
uma redenção que salve o homem e a natureza.

Em segundo lugar temos autores, como Nils Udo e as obras conjuntas de Gilles Bruni e
Marc Babarit que nos levam a viver metáforas que desafiam a nossa artificialidade e
revelam a nossa ligação umbilical com a natureza. O ninho à escala humana de Nils Udo
apresenta-nos de modo sensório a metáfora do ninho como elemento natural potenciador
de vida, que apesar de criar um habitat protegido para a vida florescer, não compromete
o habitat que o rodeia. No caso da obra “Tunel with Nature” de Gilles Bruni e Marc Babarit
somos levado por um caminho coberto, misto de túnel e de pérgola, onde somos
confrontados com uma poesia sensória que nos revela uma natureza protectora. Ambas
as obras propõem, através das suas metáforas, uma comunhão com a coisa natural que
a nossa sociedade pós industrial tinha eliminado da nossa vida quotidiana, apresentando
essa comunhão com a natureza como um caminho concreto para a felicidade.

Por último, temos autores como Patrick Dougherty e Chris Drury, que nas suas obras,
nos desafiam a reflectir sobre o nosso paradigma arquitectónico clássico, deixando de
construir com coisa inerte, no seu sentido literal e conceptual, adoptando o novo conceito
da coisa construída, conceptualizando-a como ser vivo inserid0 numa realidade biológica
complexa e interdependente.

Como afirma Alessandro Rocca, no seu livro Natural Architecture: “The challenge is to
represent, in contemporary terms, the ancient naturalistic idyll, pursued by filtering the
beauty and authenticity of natural elements and landscapes through the culture and
sensibility of our time and by agreeing to confront the simplest of sentiments belonging,
alliance, complicity with the natural world, with the unshakeable complexity of the world as
it appears to us today.” (Rocca, 2007). 1

1
"O desafio é representar, em termos contemporâneos, o antigo idílio naturalista, procurando a filtragem da
beleza, da autenticidade dos elementos naturais e das paisagens através da cultura e da sensibilidade do
nosso tempo, concordando em enfrentar o mais simples dos sentimentos de pertença, de comunhão e
cumplicidade com o mundo natural, através da inabalável complexidade do mundo como hoje se nos
apresenta "- Tradução livre do autor

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Ilustração 8 – Patrick Dougherty, “Around the corner”, University of South Indiana, USA, 2003

Ilustração 9 – Chris Dury,“ Nos topos, “Tree mountain shelter”, Val di Sella, Itália, 1994 ; ao centro “Carbon
Sink”, Joey-en-Josas, França, 2010

12
Uma das principais características destas obras é sua capacidade provocatória. Esta
provocação explora a relação intrínseca entre os sentidos do espectador quando
confrontados com uma experiência sensorial. Nestas obras demonstra-se
inequivocamente que a crise ambiental não se resume a um conjunto de circunstâncias
climatéricas, energéticas, de recursos ou de biodiversidade. Elas demonstram que a crise
ambiental e económica a ela adjacente, conforme referido pelo Dr. Dennis Meadows na
palestra de atribuição do Japan Prize Awards de 2009 (Meadows, 2009), é acompanhada
por uma crise existencial na condição humana contemporânea. Na condição de
espectadores somos confrontados por construções que revelam aos nossos sentidos
toda a carga poética e criadora do fenómeno natural, criando novas experiencias
sensoriais que nos ajudam a compreender parte das origens da nossa insatisfação.

Vivemos numa sociedade que promove valores de vida assentes numa artificialidade
imposta, e a provocação suprema com que estas obras nos confrontam, reside na
capacidade de nos demonstrarem fisicamente toda a brutalidade poética da natureza,
relembrando-nos assim da verdadeira importância do seu legado nas nossas vidas. No
fundo estas obras constroem uma resposta significante, que encontra nas perdas
provocadas pela progressiva artificialização das nossas vidas, uma das causas objectivas
do estado de ansiedade que nos acompanha nestes dias de crise. Mais uma vez
socorremo-nos das palavras de Alessandro Rocca: “Natural architecture calls for the
observer, the user of the work, to take on the status of its inhabitant, however temporary,
taking possession of the dwelling to perceive the work from inside, as a microcosm, a
domestic enclosure ready to be occupied and experienced”2 (Rocca, 2007).

2
“"A Arquitectura Natural apela ao seu observador, o utilizador da obra, para assumir temporariamente o
estatuto de seu habitante, tomando posse da habitação para a compreender de dentro, como num
microcosmo, um recinto doméstico pronto para ser ocupado e experimentado"- Tradução livre do autor

13
Ilustração 10 – Da esquerda para a direita: Estrutura molecular do ADN,; corte tipo; maqueta; planta de geral.
Helix City, Kisho Kurokawa, 1961

Ilustração 11 – As formas da natureza como inspiração formal e estrutural, Milwaukee Art Museum, Santiago
Calatrava, 2001

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2.2- O caminho da salvação.

Parte da essência do fenómeno artístico reside na sua insistente tentativa de superar o


óbvio, revelando novas verdades, utilizando a sedução e a provocação como estratégias
de percepção do real para criar nova leituras que nos levam a redescobrir a realidade de
um outro modo. O fenómeno artístico é per si uma reflexão profunda da condição
humana, e dada a proximidade entre os fenómenos artístico e a arquitectura,
naturalmente que a alteração do modo como a humanidade se relaciona com a natureza
produziu reflexões na arquitectura que traduzem preocupações semelhantes. Tanto mais
que boa parte dos efeitos causadores da crise climática advêm do modo como edificamos
o artificializado habitat humano.

Assim sendo, o fenómeno artístico assume uma importância redobrada para a criação de
novos paradigmas arquitectónicos, pois é notória a inspiração que as vanguardas
arquitectónicas dele retiraram, não apenas a nível formal, mas também ao nível dos
processos, métodos e critérios das novas visões e reflexões que dele emanam. Autores
com Montaner têm demonstrado o modo como o campo artístico tem influenciado a
produção arquitectónica. Segundo Montaner: “cada proposta do campo das artes ou do
pensamento impulsionaria a arquitectura a investigar as suas próprias tradições
arquitectónicas com o objectivo de fazer emergir novas formas enriquecedoras”
(Montaner, 1997).

A emergência destas novas formas enriquecedoras, que Montaner refere, tem sido
primordialmente testada em modelos arquitectónicos experimentais. É nesta arquitectura
experimental que assistimos à procura do novo paradigma que irá construir a relação
entre homem e natureza. A consubstanciação desta pesquisa, ao contrário das pesquisas
que marcaram o modernismo, tem sido marcada por sucessivas abordagens.

Podemos estabelecer que a vontade de alcançar este novo paradigma na relação entre o
homem e a natureza tem sido objecto de uma abordagem progressiva por parte da
arquitectura. Ao longo da época recente, esta demanda foi conquistando sucessivas
etapas, sendo que em cada destas sucessivas respostas, assistimos a um progressivo
empenhamento na consolidação deste novo paradigma que é a construção de habitats
humanos que salvem homem e natureza.

15
Ilustração 12 –Da esquerda para a direita; Esquema das características de sustentabilidade; alçado sul,
painéis fotovoltaicos e chaminés solares; vista de conjunto, Bed Zed, Londres, Reino Unido, Bill Dunster,
2001

Ilustração 13 – Da esquerda para a direita; Conceitos: bolhas de sabão, moléculas de carbono, e grãos de
pólen; Junção dos conceitos e adaptação ao terreno; vista geral; Eden Project, Cornualha, Reino Unido,
Michael Pawlin, 2001

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Numa primeira aproximação à resposta a este novo paradigma temos, por um lado, as
respostas biomiméticas, ou seja, propostas que procuram uma inspiração formal nos
elementos da natureza de modo a maximizarem a eficiência do edificado e da cidade.
Neste caso o mimetismo assume várias estratégias, que podemos agrupar em duas
fases distintas: numa primeira fase encontramos as respostas biomiméticas
estruturais, que replicam estruturas da natureza na formalização da resposta
arquitectónica e deste modo estabelecem analogias formais com a coisa natural,
transformando a formalização tradicional da coisa arquitectónica, demonstrando assim
através de uma linguagem facilmente perceptível, a vontade de construir um novo
paradigma de complementaridade entre o edificado e a natureza. Podemos destacar a
obra de Kisho Kurokawa, com o seu metabolismo, que propõe vastas estruturas celulares
capazes de se expandir e transformar, que realizam a síntese entre uma arquitectura
futurista e a imagem de estruturas biológicas. Outra atitude dentro das respostas
biomiméticas estruturais, podemos salientar o expressionismo de Santiago Calatrava,
onde a inspiração estrutural está profundamente ligada a morfologias naturais, tais como
os esqueletos de animais ou no voo das aves.

Numa segunda fase começamos a deparar-nos com respostas biomiméticas


funcionais, onde já não é a mera forma natural que inspira a formalização da coisa
arquitectónica, mas é antes a replicação dos metabolismos naturais em que se centra a
procura da solução arquitectónica. A replicação dos metabolismos complexos da
natureza, como os reaproveitamentos de águas, a capacidade de produzir energia, as
preocupações com a reciclagem e poupança de recursos traduz-se numa abordagem
programática e tecnológica de um novo paradigma. Não é a forma de aparência natural
que motiva estes autores, é a replicação da hiper-eficiência da natureza que traduz a
vontade de participação neste novo paradigma. Encontramos principalmente na
arquitectura High-Tec, em autores como Renzo Piano, Norman Foster (Foster, 2007) e
em Michael Pawlin, onde a procura de optimização ambiental e eficiência replica os
princípios metabólicos da natureza. Princípios esses que são inseridos no edificado, sem
que contudo, na sua formalização construída tal transpareça de modo obvio.

Outra aproximação a este novo paradigma produziu uma nova atitude estratégica na
concepção arquitectónica. Esta estratégia, que designaremos de Perma-arquitectura,
caracteriza-se por encontrar no acto da construção um meio de regenerar e optimizar
habitats. Tal como a permacultura procura optimizar as circunstâncias físicas e biológicas
de um habitat, a Perma-arquitectura é caracterizada por encarar a construção como um

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Ilustração 14 – Da esquerda para a direita; Esquema de estufa de dessalinização; conjunto de estufas e
centrais solares, Sahara Rainforest Project, Magreb, norte de Africa, Michael Pawlin, 2010

Ilustração 15 – Da esquerda para a direita; Injecção de solução bacteriana, Bacillus pasteurii, para
consolidação das dunas, transformando a areia em arenito; remoção da areia excedente para criação de
espaço habitáveis e áreas agrícolas, A Wall to Build, Magreb, norte de Africa, Magnus Larsson, 2009

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meio de optimizar e regenerar os habitats, onde a construção replique os metabolismos
naturais do sítio, optimizando-os para a vivência humana de um modo onde ambos
encontrem uma relação simbiótica. E é através dessa relação simbiótica, onde todos os
parceiros prosperam, que a Perma-arquitectura procura materializar o novo paradigma
humano, salvar-se a si e a natureza como um todo. Para o efeito às estratégias
anteriores os arquitectos juntaram lições valiosas da ecologia e da biologia. O
conhecimento das interacções que constroem os habitats, permitiu a arquitectos como
Michael Pawlin (Pawlyn, 2010), William McDonough (McDonough, 2005) e Magnus
Larsson (Larsson, 2009), propor obras que propõem a regeneração completa de faixas
imensas de território. Destacamos as propostas de contenção do deserto do Sahara,
onde Michael Pawlin propõe, numa estratégia high-tech, uma rede de estufas que
recolhem a água do ar, aliadas a redes de painéis foto voltaicos que fornecerão energia
para a irrigação, que permitirão conter a expansão do deserto através do aparecimento
de uma barreira verde, consequência do aumento de humidade periférica associada ao
funcionamento das estufas. Por sua vez Magnus Larsson, com uma estratégia low-tech,
utiliza injecções de solução bacteriana, Bacillus pasteurii, para consolidação das dunas,
transformando a areia em arenito e removendo a areia excedente, o que permite a
existência de espaços habitáveis e zonas de permacultura, alimentando as populações,
recuperando os habitats e contendo a expansão do deserto.

Encontramos ainda uma terceira tendência arquitectónica que preconiza uma resposta
diferente, a bio construção. Os arquitectos que propõem estas propostas visionárias,
apresentam um novo paradigma construtivo, empregando primordialmente elementos
biológicos na edificação dos seus projectos, ou seja, alterando radicalmente o paradigma
do que é a construção no seu sentido tradicional, abandonando as matérias inertes e
utilizando a vida como bloco construtor primordial.

A edificação, símbolo por excelência do habitat artificializado e tradicionalmente


compreendida como a antítese da coisa natural, adquire um novo significado: ela passa a
ser compreendida como coisa natural que constrói o habitat humano, construindo
simbolicamente a redenção do ser humano perante a natureza.

Esta tendência pode ser observada através de duas atitudes diferentes, por um lado
temos arquitectos que fazem uma abordagem a nível matérico, utilizando micro
organismos para construírem, controlando a sua distribuição de acordo com as
necessidades do projecto, de modo a edificarem a construção. Depois de terminarem a
sua tarefa construtiva, os elementos biológicos morrem, deixando matéria inerte
construída. Durante o processo estes micro organismos retiram nutrientes e energia do
meio envolvente, sais minerais, dióxido de carbono, luz solar, etc, que processam
construindo por norma elementos que reproduzem ou arenitos ou calcários. No final a
construção retira Co2 da atmosfera, não consome recursos e integra-se sem aparentes

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Ilustração 16 – Da esquerda para a direita; Protocelulas, organismos artificiais que processam Co2 e o
transformam em calcário; proposta de recuperação da estacaria de Veneza; instalação na Bienal de Veneza
de com recipientes de protocelulas, Rachel Armstrong, 2010

Ilustração 17 – Da esquerda para a direita; Conceito Fab tree House; esquema de crescimento das arvores e
corte; projecto final 50% Living House, EUA, Joachim Mitchel, 2006

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distúrbios, nos ciclos naturais da natureza. Contudo a edificação não deixa de ser coisa
inerte. Particularmente activa nestas matérias tem estado a arquitecta Ginger Krieg
Dosier (Dosier, 2010), que desenvolveu uma solução que agrega areia utilizando ureia e
uma solução bacteriana para construir tijolos, retirando Co2 da atmosfera e não
consumindo energia. Numa linha similar o arquitecto Madnus Larsson (Larsson, 2009)
pretende consolidar partes de duna com outra solução bacteriana, mas ainda mais radical
é a proposta da investigadora Rachel Armstrong (Armstrong, 2009), que desenvolveu
proto-células artificialmente, uma espécie de quase vida artificial, que transforma Co2 em
calcário e desse modo pretende consolidar a estacaria da cidade de Veneza.

Proposta mais radical têm outros arquitectos que propõem que a coisa construída seja
organismo vivo, organismo que cresça, que seja habitado e quando deixar de ser útil,
então que morra naturalmente, integrando o ciclo da vida na natureza. Estas propostas
assumem por vezes um carácter particularmente provocatório: quando propõem que uma
edificação seja como um ser vivo do reino dos animais, com músculos, camada adiposa,
pele, onde as aberturas se comportem como um esfíncter, elas estão a quebrar tabus e
lançar provocações germinadoras de reflexões. Este reformular provocatório do que é
construção e arquitectura, não só reproduz a nova relação com a natureza, afirma de um
modo veemente a nova relação com a natureza e o seu papel na nossa vida, como por
outro lado, se aproximam da reflexão artística, sendo nesse sentido obras tese.
Provavelmente as respostas e as questões mais complexas são apresentadas pelo
Arquitecto Joachim Mitchel, onde a construção é coisa viva levada ao limite do conceito:
cultivar florestas ao longo de anos, formatando as árvores para depois as adaptar a
construções humanas; conceber casa de proteínas, feitas de músculos, pele e gordura.
São propostas utópicas, mas no fundo, reflectem essa vontade de transformar o inerte
construído em coisa viva.

2.3- A institucionalização da salvação.

A mudança de paradigma na relação entre o homem e a natureza tem reflexos


institucionais. Governos e organismos internacionais têm procurado implementar modelos
que repliquem o funcionamento dos ciclos da natureza, pois os ciclos da natureza, do
ciclo da água ao ciclo do carbono, assentam em sistemas fechados onde, em última
analise, o desperdício não existe.

Esta estratégia de incorporação dos processos, ciclos e metabolismos da natureza tem


proporcionado várias respostas. Estes conhecimentos têm conduzido a sistemas de
Análise de Ciclo de Vida (ACV), método Viiki na Noruega, Breeam no Reino

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Ilustração 18- Ciclo da agua, ciclo do carbono e o ciclo da floresta, a maior parte dos naturais assentam em sistema
fechados, onde a energia, os nutrientes, a agua e os demais intervenientes participam num equilíbrio frágil. (Division, 1999)

Ilustração 19- Diagrama do processo de avaliação ambiental, Leed e Cradle to Cradle, processos de certificação ambiental
para edifícios, bairros e cidades. De notar a semelhança entre os diagramas e os ciclos naturais (Starrs, 2010).

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Unido, o LiderA desenvolvido pelo Instituto Superior Técnico, o sistema Cradle to Cradle
desenvolvido pelo Hamburger Umweltinstitut (Instituto do Ambiente de Hamburgo), LEED
(U.S. Green Building Council), a norma ISO 14000 entre outros.

Estes procedimentos procuram analisar todas as consequências dos nossos processos


construtivos, da extracção das matérias-primas à energia consumida na sua
transformação, emissões de CO2, grau de resíduos, gastos de manutenção, capacidade
de regeneração de habitats, quer física, quer socialmente, terminando na sua capacidade
de voltarem a incorporar ciclos produtivos quando terminar a sua vida útil. A sua
finalidade é uma cada vez maior eficiência das nossas necessidades construtivas de
modo a atingir num futuro próximo a virtudes dos ciclos naturais, onde, conforme já
vimos, imperam os processos circulares, onde os ciclos não terminam, onde o eterno
retorno tem uma consubstanciação filosófica, económica, social e política que procura
mimetizar a grandiloquência da natureza.

Por outro lado, na própria produção arquitectónica actual, a implementação desses


modelos, quer seja por vida regulamentar, quer seja por via conceptual, começa
serenamente a modificar o paradigma da arquitectura contemporânea. Autores como
Bjarke Ingels ou MRVD entre muitos outros começam a produzir projectos em que a
compreensão do objecto arquitectónico é realizada complementando e regenerando o
meio natural.

3-Conclusão.

O actual cenário económico, ambiental e psicológico da humanidade é reflexo de uma


grave crise que atravessa a humanidade transversalmente. Não se trata apenas de uma
crise de ambiental, mas é todo um modo vida civilizacional que se encontra perante uma
encruzilhada. Desde o final dos anos sessenta que assistimos uma procura intensa de
um novo equilíbrio civilizacional. A nossa relação com o planeta finito em que habitamos,
e a plena compreensão desse facto tem-nos progressivamente aproximado de um novo
paradigma nessa relação.

A arte com a sua capacidade de reflectir o presente e projectá-lo para o futuro,


desempenha um papel crucial, pois é nas suas obras que podemos encontrar conceitos
sensórios que nos apontam caminhos. A Natural Architecture provoca no espectador um
intensa relação entre o construído e a natureza, pois a harmonia assenta na possibilidade
simbiótica de salvar, no sentido heideggeriano, o homem e a natureza.

Na arquitectura a alteração do paradigma secular, que opunha homem a natureza,


começou timidamente: ao início era apenas a replicação formal da natureza, numa

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Ilustração 20- Da esquerda para a direita; A inspiração biomiméticas, o ninho de térmitas exterior e com os sistemas
interno de comunicação e ventilação; centro urbano auto-suficiente para 77 000 habitantes Gwanggyo, Coreia do Sul,
MVRDV, 2008.

Ilustração 21- Da esquerda para a direita; Diagrama de sustentabilidade; Vistas do projecto urbano da cidade de Zira,
inspirado na forma das montanhas do Azerbaijão, quer em termos formais, quer na recreação de ecossistemas e micro
climas. Baku, Arzebaijão, BIG, Bjarke Ingels Group, 2008

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segunda fase passou a ser a replicação funcional da natureza, criando sistemas artificiais
que mimetizassem os metabolismos naturais na artificialidade do edificado.

Contudo, de pequenas experimentações foram nascendo concepções que nos permitem


descobrir conceitos arquitectónicos, que para além da cópia da natureza, se empenham
em criar arquitecturas e urbanismos regeneradores de habitats. Conceitos esses, que já
evoluíram de tal modo que em arquitecturas efémeras e experimentais, a coisa
construída se torna ela própria organismos vivo.

No fundo, encontramo-nos perante uma redefinição do que é a vanguarda arquitectónica.


Hoje ela procura ultrapassar e complementar os aspectos formais e políticos do
modernismo com uma visão ecológica do homem e da natureza, entendidos como um
todo a que a arquitectura deve responder, um pouco como Montaner escreve, “A ecologia
também nos fala da busca de uma nova modernidade onde os paradigmas se
transformem, uma modernidade superada onde a arquitectura e o urbanismo tenham
uma das maiores responsabilidades para superar os elementos mais destrutores e de
domínio do racionalismo e da própria modernidade” (Montaner, 1997).

Podemos ainda lembrar Heidegger, “Ouvindo, porém, o que a linguagem diz na palavra
Bauen (construir), podemos perceber três coisas: 1. Bauen, construir é propriamente
habitar; 2. Wohnen, habitar é o modo como os mortais são e estão sobre a terra; 3. No
sentido de habitar, construir desdobra-se em duas acepções: construir, entendido como
cultivo e o crescimento e construir no sentido de edificar construções.”(Heidegger, 1951),
e é um pouco esse entendimento do que é habitar, que estas arquitecturas efémeras e
experimentais apontaram e apontam o caminho do novo paradigma, o paradigma onde
humanidade e natureza floresçam em conjunto.

Mais, toda esta reflexão começa paulatinamente a entrar na conceptualização da


produção arquitectónica mais corrente, quer seja por via da disseminação destes
conceitos, onde humanidade e natureza são coisa una, quer seja por via regulamentar e
política, pois os próprios poderes instituídos, a encaram como elemento fundamental na
sua própria sobrevivência.

Tal proliferação e institucionalização desta visão, deve-se em boa parte ao carácter


reflectivo e provocatório da arte e das arquitecturas experimentais, pois está na sua
essência ser inicio germinal das coisas que hão-de vir.

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