You are on page 1of 11

MIMESE: ARISTÓTELES E AUERBACH

Mara Regina Pacheco*


Prof. Dra. Adna Candido de Paula**

RESUMO: O conceito de poeta como imitador do real, da mimese como imitação,


designando a ação ou a faculdade de imitar como cópia, reprodução, ou ainda, como
representação da natureza em a “Poética” de Aristóteles é amplamente debatida até
hoje. A obra basilar trata da mimese, um dos termos mais estudados na concepção das
relações entre a literatura e representação da realidade. Vários teóricos contemporâneos
tentaram recuperar esta questão que se relaciona com o conceito de verossimilhança.
Auerbach delineia, na sua obra “Mimesis” (1946), a história da representação poética da
realidade na literatura ocidental analisando a relação do texto literário com o mundo,
porém recusando definir o que seja a imitação. Ao tratar da evolução da mimese de
Aristóteles a Auerbach, perceberemos que o princípio estrutural dessa nova ordem é o
verossímil (interno) numa construção de possibilidades referenciais onde a mimese é um
processo sem fim, interminável nas suas possibilidades de inovação.

ABSTRACT: The concept of poet as imitator of reality, mimesis as imitation, referring to


the action or the power to mimic as copying, reproduction, or as a representation of
nature in Aristotle's “Poetics” is widely debated today. The basilar work deals with the
mimesis, one of the most studied terms in conception of relations between literature and
representation of reality. Many contemporary theorists tried to recover this issue as it
relates to the concept of verisimilitude. Auerbach outlines in his work “Mimesis” (1946),
the history of poetic representation of reality in occidental literature analyzing the
relationship between literary text and the world, but refusing to define what is imitation.
In dealing with the development of Aristotle's mimesis Auerbach, we will realize that the
structural principle of this new order is verossimil (internal) in a building possibilities
frames where mimesis is a process without end, endless in its possibilities for innovation.

PALAVRAS-CHAVE: Mimese; Teoria e Crítica Literárias; Aristóteles; Auerbach

KEY-WORDS: Mimesis; Literary Theory and Criticism; Aristotle; Auerbach

INTRODUÇÃO:

O termo mimese surgiu pela primeira vez com Platão, no início da


civilização grega. Nessa época, a palavra não possuía uma significação
única, e foi Platão que lhe concedeu relevância fundamental. Para Platão,
a mimese é somente cópia, apenas imitação das formas e idéias
primitivas, diferindo assim da verdade real, ou seja, a mimese é
verossímil, “parece verdadeira”, mas é falsa e ilusória o que dificulta
assim, o discurso filosófico. Para Platão, mimese deve ser adequação do
sensível ao inteligível (o mundo das idéias), isto é, Platão impõe uma
tarefa ao artista (poeta), que antes de tudo é política, o que implica em
adequar a ação da mimese a uma concepção de
estado/individuo/sociedade. Ao considerar a mimese como imitação da
imitação, Platão deprecia o conceito de mimese, que é recuperado
posteriormente por seu discípulo Aristóteles, que recusa o conceito dado
pelo mestre, e passa a exaltar o valor da arte exatamente pela autonomia
do próprio processo mimético frente à verdade preestabelecida.

[...] De ontológica a arte passa a ter, com ele, uma concepção estética, não significando
mais “imitação” do mundo exterior, mas fornecendo “possíveis interpretações do real
através de ações, pensamentos e palavras, de experiências existenciais imaginárias.
(COSTA, 1992, p. 6)

Através dessa afirmativa percebemos que a mimese toma para si a


característica de fábula, distanciando-se da perfeição, da verdade
primitiva passando a representar o que “poderia ser”, ou seja, uma
verossimilhança, que com Aristóteles assegura a autonomia da arte
mimética. Desse modo, a Poética passa a ser o primeiro tratado sobre o
discurso literário elaborado sistematicamente, identificando-se com a
noção de mimese poética.

O estudo da Poética oferece dificuldades. A primeira dificuldade é o fato


do texto de Aristóteles ser um conjunto de anotações resumidas que era
usado de forma didática pelo estudioso, ao exercer suas atividades como
mestre no Liceu. A segunda dificuldade é devida à incompletude do texto,
uma vez que Aristóteles não chega sequer a definir nitidamente a mimese
em suas anotações. O que fica claro portanto, é que o termo mimese de
Aristóteles é empregado de forma diferente da de Platão. Este condena as
artes reguladas pela mimese que pressupõe imitação, ou seja, uma
poesia, para Platão, é mimese uma vez que o poeta deve representar o
mundo sensível que é cópia da realidade.

Evidenciamos em Platão um caráter negativo de mimese como imitação,


simulacro, já em Aristóteles percebe-se um sentido positivo e uma
relevância maior ao termo. Como podemos verificar em Duclós (1999) a
mimese aristotélica alcança uma dimensão ontológica, por determinar o
modo de ser do poeta trágico. Ou ainda, como afirma Knoll (1995), “a
ação imitativa é o transporte particular para o universal”. Segundo
Aristóteles, a poesia é a imitação: de homens melhores figurado na
tragédia; de homens piores figurados na comédia. Ainda de acordo com
Knoll, a mimese do poeta trágico não o torna um simples imitador, ou
mero plagiador como figurado em Platão, e sim, o “imitar aristotélico das
ações é uma criação”, uma vez que recupera o mundo nos mesmos
moldes pelos quais ele se produz, e isto se dá pelo intermédio do próprio
mundo, conferindo assim à imitação um caráter ativo e criativo em
Aristóteles.

Contemporaneamente, o estudo da mimese é apresentado por Erich


Auerbach na sua obra Mimesis com o propósito de refletir sobre a
representação da realidade na literatura ocidental, promovendo a
problematização do conceito de realidade. Porém, assim como Aristóteles,
Auerbach acaba também não definindo o termo com precisão. Já no
epílogo, Auerbach fala sobre o método que adotou na obra: apresentar
uma certa quantidade de textos para cada época e, partindo dos mesmos,
colocar em prática os seus pensamentos de forma tal que os leitores
entendam do que se trata sem postular uma ‘teoria’ crua. Segundo
Auerbach, esse método de interpretação através dos textos permite ao
leitor ‘agir’, ou seja, inferir como quiser, desde que o texto permita essa
inflexão, é claro. O teórico relata que suas interpretações são direcionadas
para uma determinada intenção, porém é categórico ao afirmar que essas
intenções ganham forma sucessivamente durante o corpo-a-corpo com o
texto. Afirma também que, em grande parte, os textos foram escolhidos
ao acaso.

Em pesquisas desta espécie não se mexe com leis, mas com tendências e correntes que
se entrecruzam e complementam da forma mais variada possível. Não estava, de modo
algum, interessado em oferecer somente aquilo que servisse, no sentido mais restrito, à
minha intenção; pelo contrário, empenhei-me em acomodar os múltiplos dados e dar às
minhas formulações a correspondente elasticidade (AUERBACH, 1946, p. 501-502).

O trabalho do estudioso contemporâneo traz em cada capítulo, reflexões


sobre trechos de clássicos da literatura em um método interpretativo de
modo a renovar as discussões sobre a historiografia literária. A obra
começa com Auerbach fazendo a exploração da palavra figura, que, a
priori, aparece no sentido plástico passando a imagem de novidade e de
variação, ou seja, algo dinâmico e vivo. Porém a palavra não se restringe
ao sentido plástico, passando a alcançar um significado abstrato também.

O termo figura indica então não somente forma sensível, como também forma
gramatical, retórica, matemática, entre outras. O propósito de Auerbach é mostrar, como
ele próprio afirma no ultimo parágrafo de Figura, “como, a partir da base do seu
desenvolvimento semântico, uma palavra pode evoluir dentro de uma situação histórica e
dar nascimento a estruturas que serão efetivas durante muitos séculos” (ABI-SÂMARA,
2005, p. 76)

Percebe-se que as estruturas acima mencionadas por Auebach


relacionam-se com a interpretação figural que é uma segunda parte do
trabalho desse estudioso. A obra Mimesis não é só uma história de um
tipo específico de representação literária – o figuralismo – assim afirma
Hayden White (apud ABI-SÂMARA), mas é uma história gerada numa
sequência de relações que denomina de ‘figurapreenchimento’. Ou seja,
esse modelo ‘figura-preenchimento’ é utilizado por Auerbach para
distribuir a tessitura diacrônica da história da literatura ocidental.

Conforme explicita Abi-Sâmara, o termo díade ‘figurapreenchimento’ serve


de parâmetro para compreender as relações sintagmáticas de Mimesis, ou
seja, uma ferramenta utilizada para traçar períodos na evolução do
realismo literário. White (apud ABI-SÂMARA) indaga pelas relações
paradigmáticas no texto de Auerbach que tornaria viável a análise das
relações inerentes, particulares de um determinado período. White afirma:

Se o que Auerbach chamou de estrutura figural (Figuralstruktur) serve como modelo


para transformar uma série de períodos em uma sequência de figuras e seus
preenchimentos, disponho com isso o paradigma para um mapeamento do eixo
sintagmático de acontecimento histórico, então serve também como um modelo para
caracterizar a relação entre um texto específico e um estilo de período, por um lado, e o
estilo de um texto e seu contexto, por outro (apud ABI-SÂMARA, p. 94).

Notamos que ao enfatizar o conceito estético na história literária de


Auerbach, White não pressupõe o não reconhecimento da herança
historicista deste estudioso. É uma convenção a historiografia de
Auerbach, em Mimesis ser a personificação do enfoque historicista, da
qual é ao mesmo tempo teórico e historiador. Essas normas, essas regras
do historicismo são a abertura para o entendimento da história do
realismo literário. Ainda de acordo com Abi-Sâmara, a evolução do
realismo na literatura ocidental é colocado por Auerbach na sua obra
como coextensivo e até mesmo sinônimo do crescimento do ponto de
vista historicista cristalizado na Alemanha no início do século XIX.

O que verdadeiramente percebemos é que na Mimesis, a ocupação de


Auerbach não é a de elaborar uma grande narrativa que notabilize a
precisão dos sequenciamentos históricos, e sim encontramos em sua
interpretação, de certa forma, extensos movimentos internos devido às
suas reflexões se desencadearem especialmente partindo de fragmentos
de obras clássicas.

Apesar de Auerbach ter sido sempre reservado e econômico relativamente


às formulações mais genéricas, no seu texto de 1937 há uma fala
reveladora e enfática onde se lê:

Deve-se supor que uma transformação na execução artística imitativa e nos seus
objetos, está conectada a uma transformação da visão de si humana e, além disso, a
uma transformação correspondente do próprio ser humano e de sua estrutura social.
(AUERBACH, 1937, p. 276).
O que percebemos com essa fala, é que as variações do realismo estão
ligadas às transformações na imagem do homem, bem como nas
transformações da sociedade. Podemos afirmar com essa premissa que
através da forma literária, o filólogo tem através dos estudos dos textos
uma via de acesso para a totalidade. Auerbach, nesse sentido, deixa uma
contribuição e um desafio para estudos posteriores com um chamado que
é vivo, forte e desafiador.

I. MIMESE E MUNDOS POSSÍVEIS

Segundo Julio Jeha, desde Platão e Aristóteles, a idéia de mimese tem


dominado a estética ocidental, ou seja, as ficções derivam da realidade,
sendo imitações ou representações de objetos que independem da
cognição para existir. De acordo com Jeha, a metáfora da arte como
espelho da natureza corporifica a mimese.

Para Pierce (1958), as proposições na literatura referem-se


especificamente ao mundo ficcional, sendo assim, sua validade se dá
somente na ontologia do texto. Conforme explica Pierce, a literatura não
se alude ao mundo como seu objeto, por não haver entre eles uma
correspondência que faça negar ou afirmar a verdade de um texto.
Verificamos assim, que as proposições ou sentenças do texto literário
constituem um espaço interno de referência, ou melhor dizendo, formam
uma teia de referentes interligados: personagens, acontecimentos, idéias
e diálogo. Nota-se que a própria linguagem do texto colabora na geração
desse espaço interno concomitantemente na sua referência a ele, ou seja,
a realidade, ou o significado do texto é influenciada por princípios
reguladores como por exemplo: tom de voz, ponto de vista, situação,
gênero e atitude perante o público, conforme afirma Jeha. Harshaw
(1984, p. 234) sentencia que o significado vem de três pontos: dos
princípios reguladores, do sentido, e do quadro de referência. A partir daí
o leitor se vê frente a inúmeras alternativas que desembocam em
múltiplas interpretações.

A obra literária lança ao menos um campo de referência interna ao qual os


sentidos se relacionam, assim afirma Harshaw. Este, argumenta ainda,
que alguns dos referentes concernem somente ao texto e não exigem
existência externa. Aqui, percebemos que mesmo o texto literário
dependendo do mundo, imitando ou fazendo uso dos seus referentes
externos, o autor escolhe esses elementos e os coloca numa ordem de
criação que se torna autônoma dentro do texto, ou seja, o autor articula
com os objetos do seu mundo experimental concebendo assim forma à
narrativa que cria.

Verificamos com Jeha que o campo de referência interna é moldado


partindo do externo conforme podemos destacar no seguinte trecho:

O nosso conhecimento do mundo nos permite encontrar significados em uma obra de


ficção, construir os quadros de referência a partir de material disseminado, preencher
vazios e criar hierarquias. Por sua vez, o campo de referência interno representa campos
externos: certos comportamentos, cenas, construtos de significado complexo são
entendidos como ‘típicos’ (ou atípicos) quando comparados com a história, a natureza
humana, a sociedade urbana ou qualquer outro campo de referência generalizado (JEHA,
1993, p. 04).

Podemos afirmar desse modo, que o campo de referência interno se firma


no quadro de referência externo, mesmo que essas proposições sejam
falsas, não nos é permitido julgar o valor estético de acordo com a
“verdade” dessas afirmativas. Jeha diz que se a “verdade” do texto se
desviar da posição normal do quadro de referência externo dado, mas, for
coerente com o campo de referência interno, então a visão de mundo que
o texto apresenta é legitima. Isso se deve ao fato de o texto, ao ser lido,
contagiar o leitor em diversos aspectos, provocando sua interpretação da
realidade e atribuindo um sentido para o mundo. Desse modo, o leitor,
submetido a certas condições pela composição do mundo interno/mundo
externo, responde ao texto adaptando-se ao mundo interno. Assim, como
argumenta Jeha, se o texto é bem sucedido, passa a influenciar o mundo
interno do leitor de forma a modificar seu comportamento em relação ao
mundo objetivo.

II. COMO O EXTERNO SE TORNA INTERNO

A partir da leitura e estudo da obra auerbachiana, chega-se ao


entendimento de que o estudioso fala de uma realidade (interior)
existente dentro da obra, ou seja, a representação, ou a exposição da
realidade interna à obra, da realidade tal qual a obra literária apresenta e
expõe. Nesse ponto, colabora a fala de Kate Hamburguer (1995) em se
tratando de compreender a especificidade da obra de Auerbach logo após
sua publicação:

A novidade do método de Auerbach consiste no fato de que o desenvolvimento estilístico


da literatura européia é indicado em uma categoria especificamente sociológica, a
realidade da vida social humana. O subtítulo do livro não fala em “representação da
realidade”, mas sim em “realidade exposta na literatura ocidental”, com o que o
problema da realidade já é designado como um elemento estético-estilístico das obras
literárias, e não meramente como sua “matéria” (HAMBURGER, 1995, p. 143-144)
Esse trecho colabora com a idéia de que a realidade não é encontrada fora
da obra, mas sim dentro dela mesma, ou seja, a realidade não é externa,
e sim interna e esteticamente constituída. Devido à complexidade
semântica do texto, pode surgir um estigma de que os mundos ficcionais
são modelos em miniatura do mundo real. Porém, o que esta sendo
manifestado ai é a auto-suficiência estrutural dos mundos ficcionais, uma
vez que os elementos naturais se misturam criando o mundo ficcional que
confere à obra a unicidade que lhe é própria. O que verificamos é, que
usando um mundo dado, o autor cria outro mundo, que por um lado
repete, e por outro difere da matéria prima, o que ajuda a demonstrar em
parte a fantasia e, em parte a mimese na criação literária. Aqui cabe a
assertiva de Benjamin Harshaw quando profere: “o campo de referência
interno é construído como um plano paralelo ao mundo real”. Segundo
ele, a ficção realista é projetada o mais paralelamente e similarmente
possível ao campo de referência externo, já em narrativas não realistas, o
interno se contrapõe de inúmeras maneiras do campo externo.

Julio Jeha assim argumenta sobre a questão do mundo real e mundo


ficcional:

O mundo real participa na formação de mundos ficcionais fornecendo modelos de sua


estrutura (inclusive a experiência do autor), ancorando a história ficcional em um
acontecimento histórico [...] transmitindo “fatos brutos” ou “realemas” culturais. [...] O
material que o mundo real fornece tem que sofrer uma transformação para ser admitido
no mundo ficcional: ele deve ser convertido em possíveis não-reais, com todas as
conseqüências lógicas, ontológicas e semânticas (JEHA, idem, p. 05).

Em síntese, podemos concluir que ao interpretar os mundos ficcionais


como mundos possíveis, deixamos a literatura livre da função de imitar
fielmente o mundo real. Percebemos desse modo que nos mundos
possíveis estão presentes mundos “similares” ou “análogos” ao mundo
real como também nos mundos mais fantasticamente afastados da
realidade, ou seja, “os mundos da literatura realista são tão ficcionais
quanto os mundos dos contos de fadas e da ficção científica”, conforme
profere Julio Jeha, contribuindo assim para a argumentação de
fechamento deste tópico.

III. MIMESE NA CONTEMPORANEIDADE:

Assim como Auerbach, outros estudiosos se propuseram a tratar da


mimese na contemporaneidade. Dentre eles podemos citar: José
Guilherme Melquior, Luis Costa Lima e Paul Ricoeur.
Em Melquior encontramos a recuperação da teoria da mimese trágica e
épica em função da mimese lírica, embasando-se em dois pontos cernes:
primeiramente ressaltando a relevância da carne das palavras
significantes na poesia; em segundo lugar, declarando o lírico como
gênero mimético, o que corresponde a um tipo determinado de imitação
do agir humano. Conforme pontua Costa, a proposta teórica de Melquior
de mimese lírica, conjuga a mimese aristotélica com a estruturação
linguística de Roman Jakobson:

[...] o poema é definido como uma espécie de mensagem verbal, que mimetiza estados
de ânimo (stasis), e é regido estruturalmente pelo princípio da função poética da
linguagem, ou seja, pela projeção do princípio de equivalência do eixo de seleção das
palavras, sobre o eixo da contigüidade ou sequência na frase (COSTA, 1992, p. 56).

Ou seja, de acordo com Costa, a finalidade da mensagem é a transmissão


indireta através de estímulos que não são apenas intelectuais, de modo
que o poema faz referência tanto à realidade factual quanto às relações de
imitação literária. Desse modo, conferimos que os elementos que dão
independência ao produto artístico não se restringem pela lógica interna
que orienta sua construção, em outras palavras, pelo verossímel, e
também, como afirma Costa “pelas regras de espírito responsáveis pelo
caráter universal e não verdadeiro da obra de arte” (idem, p. 57). Costa
objeta ainda, que o aspecto inovador das assertivas de Melquior é a
combinação da teoria da mimese aristotélica, com uma mimese interna da
lírica perfazendo assim uma análise literária moderna, de cunho atual.

Também em Luis Costa Lima, verifica-se a questão da mimese na teoria


literária atual, remetendo-se aos conceitos de Aristóteles em Poética. Em
Mímesis e modernidade, Costa Lima refuta a idéia de imitatio garantindo à
mimese aristotélica uma “produção análoga à natureza”. Em relação às
motivações da produção e recepção da mimese, Costa Lima define o
discurso mimético da seguinte forma:

O discurso mimético é o discurso do significante à busca de um significado, que lhe é


emprestado tanto pelo autor quanto, e principalmente, pelo receptor. Em poucas
palavras: na realidade efetiva do produto mimético, isto é em sua circulação, realiza-se a
combinação de uma “semelhança” [...] e de uma “diferença”... (COSTA LIMA, 1980, p.
50-51)

Já na segunda parte de Mimesis e modernidade, o escritor fala de


“sociedade e sistemas de representação”, onde pontua que os sistemas de
representação funcionam como um meio de comunicação. Nessa parte, o
estudioso apresenta também uma gama de considerações sobre a
mimese, onde chama atenção para a afirmação de que a obra literária
equivale a uma “virtualidade” que deve ser acrescida, ou ainda,
suplementada para ocorrer uma coerência interna de suas linhas
constitutivas. Podemos, desse modo, verificar em Costa Lima, como
coloca Costa, “uma retomada da teoria aristotélica, que prescreve a
prioridade da composição estrutural (verossimilhança “interna”) para a
eficácia desejada do objeto mimético” (p. 64). O escritor conclui seu
pensamento pontuando que “a falta de organização interna do texto,
paralela à dissocialização das representações, é a crítica mais contundente
que faz às produções da modernidade”. (idem)

Em Paul Ricoeur encontramos a investigação das relações entre mito e


mimese, onde o teórico critica a tradução da palavra mimese por
imitação, uma vez que isso implica numa oposição entre arte figurativa e
não-figurativa. Segundo Ricoeur, a mimese para Aristóteles constrói cada
uma das partes da tragédia (da intriga ao espetáculo), e para Ricoeur,
apenas existe mimese onde há um fazer, ou seja, onde aparece a
produção de algo singular, portanto, para ele, a construção do mito
identifica-se com a mimese.

Relevante para este estudo também, é a decomposição que Paul Ricoeur


faz da mimese em três etapas: Mimese I (pré-figuração); Mimese II
(configuração); e Mimese III (reconfiguração). Para melhor compreender
a tríplice mimese nos apoiaremos em Costa (1992) ao explicar:

A tríplice mimese tem na mimese II sua função-pivô: a criação propriamente dita da


obra, o dinamismo da composição da intriga. Mas o imitar ou representar é, antes de
tudo, pré-compreender em que consiste o agir humano, suas estruturas inteligíveis, suas
fontes simbólicas e seu caráter temporal. É sobre esta pré-compreensão do mundo de
ação ou competência prévia (mímese I), comum ao poeta e ao seu leitor, que se ergue a
ação de compor a intriga (mímese II). A atividade mimética estabelece assim, um
estatuto de transposição “metafórica”, ao partir do campo prático para o campo do mito.
Por outro lado, a atividade mimética não encontra a finalidade à que visa, pelo seu
dinamismo, somente no texto poético, mas também através do espectador ou leitor, que
avaliza a composição poética (mímese III) (COSTA, 1992, p. 68-69).

Conforme valida Costa, Paul Ricoeur, com sua argumentação frente à


tríplice mimese, e seu critério de verossimilhança, oferecem à teoria da
literatura uma reformulação do pensamento ocidental para a
contemporaneidade, de Poética de Aristóteles, obra basilar e referencial
que trata do objeto “mimese” e suas implicações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:
De acordo com tudo o que foi exposto até este ponto, percebemos que a
mimese varia. Isto se deve porque não existe regra para uma obra,
porém, fica claro que o método e o realismo de cada obra deve ser
percebido através de suas peculiaridades, isso explica o fato de Auerbach
tratar da mimese através de exemplos.

Não podemos deixar de pontuar também que a mimese depende do ponto


de vista da teoria, depende de quem vê, de que lado se vê. Para os
marxistas não existe criação, ou autonomia da arte, uma vez que ela é
fruto das condições históricas e materiais. Para outras vertentes, como a
desconstrução, por exemplo, a autonomia existe. Neste caso, por mais
imitativa que a arte seja, ela sempre traz um plus, um quantum, um
suplemento (termo usado por Derrida) que toda representação faz
acontecer. Alguns artistas apostam bastante nesta modificação, fazendo
do suplemento ainda maior; outros já são mais imitativos fazendo com
que a obra seja mais colada ao real.

O que precisamos não deixar de ter em mente é que o real muda. Se


transforma, inclusive, segundo nossas perspectivas. Podemos nos
indagar: Em tempos de crise de paradigmas e de teoria do caos, o que é o
real e o que é a verdade? E a resposta seria: Aquilo em que acreditamos,
aquilo que a sociedade acredita, aquilo que cada um acredita. E sendo
dessa forma, como pensar numa obra e na adequação do real de forma
completa? É de conhecimento notório que na idade média a mimese é
entendida como imitatio, que é também adequação da arte ao real,
concebido pela igreja através do conceito de decoro. Já na
contemporaneidade, a arte foi como que “liberada” para criar, num
conceito que podemos denominar de anti-representação. Desse modo,
percebemos que o percurso aqui gerado, indo do antigo, Aristóteles, ao
moderno, Auerbach, nos faz chegar à conclusão de que a literatura fala do
mundo, e que a literatura fala da literatura.

REFERÊNCIAS:

ABI-SÂMARA, Raquel. A interpretação figural e a questão da teleologia.


Palimpsesto – Revista de Pós-Graduação em Letras da UERJ. Volume
04 ANO 4 (2005) – ISSN 1809-3507.

AUERBACH, Erich. Mimesis. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1946.

COSTA, Lígia Militz da. A Poética de Aristóteles. Mimese e


verossimilhança. São Paulo: Ed. Ática, 1992.
DUCLÓS, Miguel. Nota sobre o conceito de mimesis e katharsis na
Poética de Aristóteles. São Paulo: Consciência, 1999.

HAMBURGUER, Kate. La Logica De La Literatura. Espanha: Ed. VISOR,


1995. ISBN: 9788477747185

HARSHAW, Benjamin. Fictionality and fields of reference: remarks on a


theorical framework. Poetics Today, V.5, n.2, p. 227-251, 1984.

JEHA, Julio. Mimese e Mundos Possíveis. Disponível em:


http://www.revista.ufg.br/index.php/sig/article/.../7354/5219 Acesso em
02 nov. 2009.

KNOLL, V. Discurso. São Paulo: USP, 1995.

LIMA, Luis Costa. Mímesis e modernidade. Rio de Janeiro: Graal, 1980.

PIERCE, Charles Sanders. Collected papers. Ed. By Charles Harshorne,


Paul Weiss, Arthur W. Burks. Cambridge, MA: The Belknap Press of
Harvard Univ. Press, 1958.

RICOEUR, Paul. Teoria da Interpretação. Lisboa: Edições 70, 1987.

*
Mestranda em Letras/2010 pela UFGD em Literatura e Práticas Culturais, e Prof. de
Língua e Literatura de Língua Inglesa pela UEMS/Dourados.
**
Doutora em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, e Prof.
do Mestrado em Letras/UFGD.

You might also like