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A LEITURA COMO UM PROCESSO PSICOLINGÜÍSTICO

De: Verônica Pakrauskas Totis


Fonte: Língua Inglesa: Leitura (p.34-35). São Paulo. Cortez, 1991.

A leitura é um processo de comunicação complexo no qual a mente


do leitor interage com o texto numa dada situação ou contexto.
Durante o processo de leitura, o leitor constrói uma representação
significativa do texto através da interação de seu conhecimento
conceptual e lingüístico com pistas existentes no texto. De acordo
com Goodman (1976:260) a leitura é um jogo lingüístico de
adivinhação, é um processo seletivo que envolve o uso mínimo de
informações disponíveis, selecionadas do insumo (input) perceptivo
de acordo com as expectativas do leitor. Ao processar essa
informação, o leitor efetua as predições mais confiáveis por meio de
processos cíclicos de estratégias de colheita de amostragem,
predição, testagem e confirmação.

O leitor usa pistas mínimas de linguagem dentro dos próprios


componentes da linguagem. Essas pistas (grafofônicas, sintáticas ou
semânticas) ajudam o leitor a colher amostras, confirmar, corrigir e
rejeitar as predições feitas em relação à mensagem. Ou, em outras
palavras, o leitor realiza a tarefa de ler através da colheita de
amostras, apoiando-se na redundância da língua e no conhecimento
das restrições lingüísticas. Ele prediz estruturas, testa-as de acordo
com o conteúdo semântico construído a partir da situação e do
discurso em progresso e, por fim, confirma-as ou não ao continuar a
leitura. Nesse processo, um leitor proficiente na língua apóia-se em
estratégias que o levam às mais confiáveis predições com o uso
mínimo de informações disponíveis. Ou seja, para atingir seu
objetivo, ele emprega os três sistemas já citados: as pistas
grafofônicas, sintáticas e semânticas. Esses sistemas são usados
simultânea e interdependentemente de tal forma que aquilo que
constitui uma informação gráfica, útil depende da quantidade de
informações sintáticas e semânticas disponíveis. No entanto, há um
limite restrito de quantidade de informações que o leitor é capaz de
receber, processar e memorizar.

O uso preciso de todas as pistas disponíveis não somente seria lento


e ineficaz como afastaria o leitor do objetivo principal, ou seja, a
compreensão. Portanto, o leitor proficiente não usa toda informação
contida na página, mas seleciona aquelas pistas mais produtivas para
se determinar a mensagem do autor; em outras palavras, ele
aprende a organizar sua percepção de acordo com o que é ou não
lingüisticamente significativo. Isto quer dizer que, de forma natural,
ele faz uso tanto do conteúdo formal como do redundante
encontrados na língua.
Outros pesquisadores também vêem a leitura como um processo
lingüístico. Smith (1973:7) afirma que a leitura envolve uma
comparação, um balanço entre a informação visual e não-visual. Diz
ele que, quanto mais conhecimento prévio se possui do assunto,
menos informação visual é necessária para se identificar uma letra,
uma palavra ou um significado do texto. Em outras palavras, se o
leitor concentrar-se mais na estrutura visual das palavras impressas,
menor significado será processado. A leitura, portanto, envolve mais
especificamente formular perguntas apropriadas e encontrar
respostas relevantes. É a interação das pistas visuais com o
conhecimento armazenado na memória do leitor que lhe possibilitará
predizer o que irá encontrar no texto.

Taylor et al (1983:233) apresentam a leitura em termos de um


modelo cooperativo bilateral. Para eles, a leitura consiste em marcas
ou fios de pensamento (tracks) de processos de interação. Das
marcas da esquerda constam os relacionamentos funcionais, o
material ordenado numa seqüência, a codificação fonética, sintaxe e
outras funções lingüísticas. As marcas da direita comportam as
funções globais, tais como padrões, buscando semelhanças entre
padrões de insumo (input) e os padrões já vistos anteriormente,
buscando associações e relacionando o significado de palavras e
frases com condições do mundo real. Os dois tipos de marcas
cooperam na construção do significado do texto. As marcas da direita
fazem previsões, as da esquerda corrigem-nas, unindo os resultados
e formando frases, orações, períodos e texto mais amplo.

De acordo com a pesquisa relatada em Spiro, Bruce e Brewer (1980),


existem pelo menos três elementos essenciais de um modelo
adequado de leitura. O primeiro elemento é que a leitura
plurinivelada, ou seja, o leitor nativo usa vários níveis de linguagem,
simultaneamente, para chegar ao significado (cf. Shuy, 1977). Isto
quer dizer que o leitor faz uso de seu conhecimento do mundo, de
seu conhecimento pragmático, discursivo, sintático, morfológico e
fonológico na construção e na reconstrução do significado. O segundo
elemento é que a leitura é interativa. Nela, a compreensão do leitor é
orientada pelas estruturas do conhecimento, ou esquemas
(schemata) do leitor, e o conteúdo específico e estruturas lingüísticas
existentes no texto (cf.Rumelhart, 1980).

Todos os níveis de conhecimento básico (social, lingüístico,


conceitual, etc.) interagem simultaneamente enquanto o leitor
constrói um significado para o texto. Em terceiro lugar, a leitura
implica a geração de hipóteses à medida que o leitor faz predições a
respeito do significado de um texto. Essas predições serão
confirmadas ou rejeitadas à medida que prosseguir a leitura
(Rosenblatt, 1978; Harste et al, 1984) em que tanto o texto como o
leitor sofrem uma mudança no processo, ou seja, o leitor adquire
novos conhecimentos ao construir o texto. A Leitura implica também
um relacionamento entre autor e leitor, um pragmatismo que facilita
a comunicação (Tierney et al, 1980).

Todos os pontos de vista mencionados desafiam a visão tradicional


que ainda influencia muitos professores em sala de aula. Entre muitas
das concepções errôneas que ainda existem sobre o ensino da leitura,
podemos destacar as seguintes (Fonte: BARNITZ, J. G., 1985.
Reading Development of Nonnative Speakers of English, CAL-ERIC.
Florida, Harcourt Brace Jovanovich, Inc.):

• A leitura implica a aprendizagem da compreensão literal antes


da aprendizagem da compreensão por inferência.
• A leitura é um conjunto de sub-habilidades que devem ser
aprendidas uma a uma numa ordem especial.
• O significado está no texto apenas, portanto é dele que se deve
extrair o significado.
• O indivíduo deve ser proficiente na língua-alvo antes de
aprender a ler.

Na verdade, a pesquisa psicolingüística em leitura sugere que


aprendizagem da leitura deve fornecer aos alunos oportunidades para
o processo de total interligação da linguagem e habilidades
conceptuais, dando ênfase não só ao significado de um texto (cf.
Goodman et al, 1980). Os alunos precisam se tornar menos dirigidos
pelo texto e mais orientados para estratégias, ao aprenderem a
proceder à colheita de amostragem, predição, confirmação e rejeição
de hipóteses que formulam ao ler.

O que se nota ao observar um aluno que aprende leitura em uma


língua estrangeira é o seu apego maior a determinados aspectos
estruturais do texto (correspondência de som-letra, sílabas,
morfemas e palavras) do que com unidades maiores. Enquanto
estabelece essa “luta” com a língua tem sua atenção desviada e
dessa forma, deixa de ter acesso a maior número de informações,
afastando-se assim de uma aproximação mais direcionada para o
significado. Portanto os professores de uma língua estrangeira
precisam facilitar a aquisição pelos alunos de todas as pistas de
linguagem relacionadas à leitura em uma língua estrangeira. Isto
significa que o aprendiz de uma língua estrangeira precisa aprender a
aproveitar todas as pistas e redundâncias disponíveis na língua
escrita, seguindo os procedimentos usados automaticamente por um
nativo da língua (Allen, 1973:9). Precisa aprender a usar as
habilidades adequadas e as estratégias de leitura exigidas por uma
determinada tarefa de leitura. Deve aprender a “adivinhar” ao ler e
basear suas adivinhações no menor número de pistas possível.

Um outro aspecto importante é que, numa aula de leitura, a


finalidade da leitura deve retratar as mesmas finalidades encontradas
na vida real. A leitura pressupõe uma variedade de atividades
substancialmente diferentes umas das outras. Ler em voz alta não é
o mesmo que ler em silêncio.

A leitura de poesias requer uma percepção do som das palavras, das


rimas, das imagens evocadas. A leitura de um texto técnico ou
científico exige a atenção voltada para os fatos e as informações
específicas. Assim, o processo de leitura varia, não dependendo, não
dependendo apenas da dificuldade do material textual, mas também
das intenções do leitor ao aproximar-se do texto. Partindo dessa
perspectiva, verificamos que, para se aprender a ler em uma língua
estrangeira, é necessário desenvolver habilidades de linguagem
(vocabulário, estrutura, discurso), bem como o desenvolvimento das
habilidades lingüísticas (skimming, scanning, predicting, etc.).

BIBLIOGRAFIA:

ALLEN, V. F., 1973. Trends in the Teaching of reading. English


Teaching Forum, v. XI, n◦. 3, June-August, p.8-12.
GOODMAN, K.S., 1976. Reading: A Psycholinguistic Guessing Game.
In: SINGER, H. & RUDELL, R. (orgs.) Theoretical Models and
Processes of Reading. 2. ed. Newark, DE. International Reading
Association, ERIC Document Reproduction Service, n◦. ED
124.919.
GOODMAN, Y et al., 1980. Reading Strategies: Focus on
Comprehension. New York, Holt, Rinehart and Wiston.
HARSTE, J. C., et al, 1984. Language stories & Literacy lessons.
Portsmouth, Heinemann Educational Books.
ROSENBLATT, L., 1978. The Reader, the Text, the Poem. Cardondale,
IL., Southern Illinois University Press.
RUMELHART, D. E., 1980. Schemata: The building blocks of
Cognition. In SPIRO, R. J., BRUCE, B. & BREWER, W. (orgs.)
Theoretical Issues in Reading Comprehension. Hillsdale, New
Jersey, Erlbraun.
SHUY, R. W. (org.), 1977. Linguistic Theory: What Can It Say About
Reading? Newark, DE., International Reading Association, ERIC
Document Reproduction Service, n◦. ED 138.925.
SMITH, F. (org.) 1973. Psycholinguistics and Reading. New York,
Holt, Rinehart and Winston.
TAYLOR, I. et al., 1983. The Psychology of Reading. New York,
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TIERNY, R. J. et al., 1980. The Rights and Responsibilities of Readers
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n◦. 15, Center for the Study of Reading, Urbana-Champaign,
ERIC Document Reproduction Service n◦. ED 181.447.

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