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ENTREVISTA
LÉVI-STRAUSS NOS 90
A ANTROPOLOGIA DE CABEÇA PARA BAIXO
Eduardo Viveiros de Castro
nos dizem que essas sociedades não são antropologia, mas em uma mutação?
diferentes da nossa, que elas têm a mes-
ma história que a nossa etc., esta não é Lévi-Strauss
absolutamente a questão. O que pedía- De fato, não acredito, e por vários moti-
mos a essas sociedades que estudáva- vos. O primeiro é que há ainda algumas
mos é que elas não nos devessem nada: possibilidades, como você mesmo de-
que elas representassem experiências monstrou com os Araweté, Descola com
humanas completamente independen- os Jívaro… Nem tudo está acabado; vai
tes da nossa. À parte isso, elas podem acabar logo, mas enfim… não está com-
ter todas as histórias que se queira, mas pletamente acabado. Em segundo lu-
essa não é a questão. Devem-nos elas o gar, há ainda, em toda parte, uma
que são, ou não? Se elas nos devem, elas quantidade de coisas a rebuscar, coisas
nos interessam moderadamente; se elas que foram, digamos assim, negligencia-
não nos devem, elas nos interessam das, e que se pode recolher, que é pre-
apaixonadamente. ciso recolher. O terceiro motivo, é que
esses povos mesmos vão em breve dar
Viveiros de Castro origem a eruditos, a historiadores de
Nesse caso, à medida que começam a suas próprias culturas, e assim aquilo
nos dever muito, elas nos interessariam que foi nossa antropologia vai ser apro-
cada vez menos? priado por eles, e ela será algo interes-
sante, e importante. Então, nem tudo
Lévi-Strauss está acabado; isto posto, a velha con-
Elas se tornam objeto de outras pesqui- cepção de antropologia está morta.
sas, de outras disciplinas. Se você me
permite uma comparação musical, eu Viveiros de Castro
diria que a antropologia tal como a con- Então, de um lado, há essas mudanças
cebo, como a conheci, como nossos mes- objetivas, essas sociedades que se apro-
tres a praticaram, era tonal, e agora ela ximam da nossa; de outro, e no plano
se tornou serial. Isto quer dizer que as teórico, há outra espécie de abertura –
sociedades humanas não significam penso ainda nos cognitivistas –, a pro-
mais nada fora de suas relações recípro- messa de que finalmente poderemos fa-
cas. Porque a nossa se enfraqueceu, lar da Cultura como um objeto natural:
porque ela mostrou seus vícios, porque as capacidades cognitivas da espécie
as outras começaram a trilhar o mesmo etc.
caminho que a nossa – isso é como as
notas em um sistema dodecafônico, elas Lévi-Strauss
não têm mais um fundamento absoluto, Sem dúvida, mas sob a condição de que
elas existem apenas umas em relação às não se pretenda chegar a mais nada
outras. Enfim, é assim que as coisas são, que a resultados de ordem formal. Os
teremos uma outra antropologia, como a conteúdos, isso continua a ser história,
música serial é uma outra música. Uma a experiência dos homens no curso do
antropologia que será tão diferente da tempo. Mas que todos tenhamos o mes-
antropologia clássica como a música se- mo cérebro, e que esse cérebro é fabri-
rial é diferente da música tonal. cado do mesmo modo, sim, sim…
agora, vemos uma das escolas mais bri- os índios no Chile é enormemente inte-
lhantes da atualidade. ressante.
Lévi-Strauss Lévi-Strauss
Há incontestavelmente um sistema de Você tem toda a razão. Creio que o que
pensamento. O que coloca muitos pro- acontece nesse domínio, e em muitos
blemas: isso supõe que esses povos to- outros, é que as pessoas não têm mais
dos circularam muito mais do que nós cultura, e que elas se acham na mesma
imaginamos, e em todos os sentidos. situação intelectual de um século e
meio atrás, mais ou menos.
Viveiros de Castro
Como o senhor vê o estado atual dos es- Viveiros de Castro
tudos sobre o parentesco? Estaríamos O senhor permanece acreditando que a
vivendo uma fase de recuo de interesse noção de troca que o senhor propôs nas
no tema? Estruturas Elementares é adequada?
Lévi-Strauss Lévi-Strauss
Penso que sim; há coisas mais interes- Sim, se lhe conferimos um sentido
santes a fazer, agora… transcendental – ela é a condição que
A ANTROPOLOGIA DE CABEÇA PARA BAIXO 125
Lévi-Strauss
Quando reabro este livro, digo-me: Notas
aprendi a escrever melhor desde en-
tão… Mas ele tem, ainda assim, um * Lévi-Strauss está-se referindo às pes-
frescor que perdi. É um livro cheio de quisas dirigidas por Tom Dillehay em Monte
Verde, Chile, que estabeleceram uma data
defeitos – é uma obra de juventude, há
de ocupação humana em torno de 25.000
uma quantidade de coisas inúteis den- a.C.
tro dele… e outras coisas que são pro- **P. Descola e G. Pálsson (orgs.), Nature
vavelmente falsas… and Society: Anthropological Perspectives,
London, Routledge, 1996.