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Resenhas

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a égide de um único critério teórico- professores que escrevi este livro”, diz
SAVIANI, Dermeval. História das metodológico. Com efeito, algumas ele. Afirma, ainda, sua esperança de
idéias pedagógicas no Brasil. coletâneas têm procurado suprir a au- que os “resultados da investigação” se-
Campinas: Autores Associados, sência de obras dessa natureza, mas, jam incorporados “nos programas es-
2007. 473p. por melhores que sejam, a heterogenei- colares a serem trabalhados pelos pro-
dade das matrizes analíticas dos cola- fessores nas salas de aula” (idem).
boradores sempre produz no leitor im- Contudo, não deseja que o seu livro se
A Editora Autores Associados pressões de incompletude, parcialidade transforme num manual didático, mas
acaba de lançar a primeira edição de e desequilíbrio, seja pelas prioridades que seja um “roteiro para o estudo” da
História da idéias pedagógicas no observadas na seleção das temáticas educação no Brasil: “num curso geral
Brasil, o mais recente livro de seja pelas discutíveis formas de abor- sobre a história da educação brasileira,
Dermeval Saviani, professor emérito dagem que revestem algumas delas. o professor pode tomar esse livro como
da Universidade Estadual de Campinas Já no Prefácio, o autor demarca a texto-base, organizando seminários
(UNICAMP). O acabamento gráfico é natureza de sua obra. Mesmo reconhe- com grupos de alunos. Nesse caso po-
primoroso, merecendo destaque a cui- cendo a importância dos estudos analí- derá recomendar, a cada grupo de alu-
dadosa seleção de imagens pertinentes ticos que verticalizam o exame de ob- nos, leituras adicionais corresponden-
às épocas abordadas. Aguardado com jetos específicos, conferiu caráter tes ao período ou fase escolhida,
ansiedade, representa o resultado de sintético ao seu livro respondendo, as- lançando mão das referências biblio-
sete anos de labor científico, período sim, à carência de escritos “que permi- gráficas respectivas” (p. xvii). Daí ter
em que foram levantadas e tam articular, numa compreensão de preservado, também, todas as 351 refe-
compulsadas centenas de fontes docu- mais amplo alcance, os resultados das rências bibliográficas que contribuíram
mentais, clássicas e historiográficas investigações particulares” (p. xvi). para dar suporte à investigação, esten-
acerca do objeto em referência. Ao ser Essa solução também se justifica pelo dendo-se o seu longo arrolamento entre
entregue à utilização pública, o relató- estado de carência de visão de conjunto as páginas 451 e 472.
rio final, agora na forma de livro, cons- em que se encontram os destinatários Reconheça-se que, para além des-
titui-se a primeira história das idéias preferenciais visados pelo autor, os sa preocupação do autor com os pro-
pedagógicas, entre nós, construída sob professores. “Foi [...] pensando nos fessores, o livro está fadado a tornar-

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se, igualmente, um recurso indispensá- da investigação, realizada por Saviani, colares. Essas preocupações já se afir-
vel aos pesquisadores da área de histó- revela, ao mesmo tempo, um padrão de maram em outros escritos, em especial
ria da educação, seja pelo rigor de- excelência no exercício da investigação naqueles em que procurou estabelecer
monstrado no levantamento e na crítica científica que merece ser tomado como as bases da pedagogia histórico-crítica,
de inúmeras fontes de investigação, referência por todos os jovens educa- uma proposta que procura encarnar as
seja pela formulação, ao longo do tex- dores entronizados na atividade de pes- necessidades educacionais de nosso
to, de diversas hipóteses explicativas quisa. tempo, postulando o emprego de con-
para questões ainda não suficientemen- Para evitar reduções em face dos teúdos didáticos e de recursos científi-
te esclarecidas que, por isso, deman- embates mantidos entre as tendências cos e tecnológicos que sintetizem o re-
dam pesquisas complementares. Tanto teóricas presentes no cenário da histó- pertório de conquistas culturais da
as fontes arroladas quanto as hipóteses ria da educação, o autor esclarece, de humanidade (Saviani, 1991).
apresentadas são indicações valiosas e imediato, sua acepção de idéias peda- Quanto à periodização da educa-
tendem a fecundar novas investiga- gógicas: “Por idéias pedagógicas en- ção no Brasil, Saviani demonstra que
ções. tendo as idéias educacionais, não em si são falsos certos dilemas amiúde
Mas se História das idéias peda- mesmas, mas na forma como se apontados por historiadores da educa-
gógicas no Brasil é uma síntese das encarnam no movimento real da educa- ção. A discussão que empreende de-
principais idéias pedagógicas e das ção, orientando e, mais do que isso, monstra serem improcedentes a con-
práticas educacionais difundidas ao constituindo a própria substância da denação dos critérios de periodização
longo de nossa história, desde a chega- prática educativa” (p. 6). Esse esclare- político-administrativa ou de
da dos primeiros jesuítas ao Brasil até cimento é fundamental, pois, conside- periodização interna à educação, bem
o início do século XXI, é, também, rada à luz do referencial teórico- como a apologia do critério que, fun-
uma síntese da obra científica de metodológico de Saviani, a prática dado nas transformações da base ma-
Dermeval Saviani. Idéias de seus inú- educativa se traduz como expressão de terial da sociedade, impõe cortes me-
meros e fecundos escritos, produzidos uma forma concreta de trabalho. Para cânicos aos quais a educação deve ser
ao longo de três décadas e meia, ora na tanto, o autor sustenta-se, sobretudo, amoldada a qualquer preço. Susten-
forma de pequenos extratos, ora na for- em aportes de Marx e de Gramsci. O tando-se em Gramsci (p. 4), afirma
ma de extensas paráfrases ou, ainda, resultado manifesta-se na enorme dis- que o pesquisador, munido do referen-
revestidas de uma nova forma de ex- tância entre a sua obra e o grosso das cial teórico apropriado, deve realizar a
pressão para precisar e esclarecer os investigações dos historiadores da edu- análise de seu objeto associando-o
seus significados, atravessam e pon- cação no Brasil, que, de forma domi- ao(s) movimento(s) conjuntural(ais)
tuam o livro. São as análises de con- nante, ainda se confina ao âmbito das correspondente(s), mas de forma que
junturas políticas e de objetos educa- idéias educacionais, tangenciando o capte, sobretudo, o movimento orgâni-
cionais específicos abordados em trabalho educativo que se desenvolve co da sociedade. Eis o único caminho
artigos, são as retomadas das tendên- dentro das salas de aula. Mesmo quem conseqüente a ser trilhado pelo pes-
cias pedagógicas que permearam a coloca como objeto de investigação as quisador ao perseguir a concretização
educação no Brasil, além das idéias pedagógicas, muitas vezes acaba de seu objeto de investigação. Eis o
recolocações sobre a pedagogia históri- enfatizando esse seu componente par- caminho palmilhado pelo autor na in-
co-crítica. cial, as idéias educacionais, consagran- vestigação e na exposição dos seus re-
Na Introdução o autor esboça as do a persistência da direção dominante. sultados, plasmados estes na forma
linhas gerais do projeto de pesquisa No livro de Saviani, reafirme-se, isso conferida à presente obra.
que redundou no livro e discorre sobre não ocorre. Por força de seu domínio Quanto à estrutura, o livro divide
questões teóricas norteadoras da análi- teórico, que progressivamente se refi- a educação no Brasil em quatro perío-
se, começando por objetivar o conceito nou ao sabor do tempo e do adensa- dos. O capítulo inicial de cada período
conferido a idéias pedagógicas. Justifi- mento de seus estudos, o livro ora lan- faz, sempre, uma contextualização his-
ca os ajustes do projeto, decorrentes de çado capta, de uma forma não tórica geral no interior da qual ganham
avaliações realizadas ao longo de sua reducionista, as idéias pedagógicas, sentido as mudanças e permanências
execução, e discute a “questão da pe- tanto por força da própria necessidade detectadas nas idéias pedagógicas, ex-
riodização na história das idéias”. Essa de apreender seus determinantes mate- postas em seguida. Na seqüência são
parte do livro é uma preciosa lição de riais quanto pela preocupação de di- descritos, resumidamente, os conteú-
rigor científico. A descrição dos passos mensionar seus efeitos nas práticas es- dos tratados em cada período.

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Primeiro período: as idéias impactos das reformas pombalinas no do como o articulador das “bases filo-
pedagógicas no Brasil entre 1549 Brasil, em especial como se expressa- sóficas e políticas da renovação esco-
e 1759: monopólio da vertente ram no ideário de Azeredo Coutinho e lar” (p. 198-228). São expostos os em-
religiosa da pedagogia tradicional na sua obra, o Seminário de Olinda. bates desenvolvidos pela Associação
Para a caracterização do segundo mo- Brasileira de Educação (ABE), que
Reportando-se ao período domi- mento, instaurado após a independên- culminaram com o Manifesto dos Pio-
nado pela pedagogia jesuítica, em três cia, as idéias, num sentido mais amplo, neiros da Educação Nova (p. 228-254).
capítulos Saviani discute a estreita as- e as idéias pedagógicas, num sentido A reação católica ao movimento esco-
sociação entre os processos de coloni- mais restrito, são discutidas a partir de lanovista merece análise centrada na fi-
zação, educação e catequese. Analisa o suas aproximações com pensadores da gura de seu líder maior, Alceu Amoro-
século XVI enfatizando a educação in- época (Silvestre Pinheiro Ferreira), so Lima (p. 254-258). As iniciativas
dígena, o plano de estudos elaborado com correntes de pensamento e movi- governamentais são descritas com base
por Nóbrega, seu enfoque profissional, mentos sociais (ecletismo, positivismo, na atuação de personalidades como
decorrente da singularidade das condi- catolicismo, abolicionismo, anarquis- Francisco Campos e Gustavo
ções históricas do Brasil. Daí falar de mo, comunismo), com a atuação de Capanema, que estiveram à frente do
uma “pedagogia brasílica”, tendência pedagogos (Barão de Macahubas), com Ministério da Educação (p. 265-270).
sufocada nos albores do século XVII as reformas ou propostas de reformas A constatação é a de que houve equilí-
com a institucionalização do Ratio da instrução pública (Assembléia Na- brio de forças entre renovadores e cató-
Studiorum, que consagrou nos colégios cional Constituinte, Reforma Couto licos, nesse período. Mas não só eles
jesuíticos um plano de estudos univer- Ferraz, Reforma Leôncio de Carvalho, estiveram em cena, daí o destaque
sal, elitista e de caráter humanístico. pareceres de Rui Barbosa, reformas re- dado às correntes pedagógicas não he-
publicanas da instrução pública), com gemônicas e, sobretudo, ao papel que o
Segundo período: as idéias os métodos de instrução (método mú- anarquismo e o comunismo conferiram
pedagógicas no Brasil entre 1759 tuo e método intuitivo) e com as insti- à educação (p. 270-275). O segundo
e 1932: coexistência entre as vertentes tuições escolares (grupos escolares). corte, referente aos anos mediados por
religiosa e leiga da pedagogia 1947 e 1961, está centrado no domínio
tradicional Terceiro período: as idéias da pedagogia nova. A ênfase recai so-
pedagógicas no Brasil entre 1932 e bre o encaminhamento do projeto da
Também desenvolvido em três 1969: predomínio da pedagogia nova primeira Lei de Diretrizes e Bases da
capítulos, esse período discute, de iní- Educação Nacional (LDB) ao Congres-
cio, a época dominada pelas reformas A argumentação desenrola-se ao so Nacional, por iniciativa de Clemente
pombalinas da instrução pública, longo de quatro capítulos. Depois de Mariani, e o conflito desencadeado, ao
demarcada pelos anos de 1759 e 1827. discutir a “modernização da agricultura longo de sua tramitação, entre os de-
A época subseqüente, já no interior do cafeeira” e a “questão da industrializa- fensores da escola pública e os defen-
Brasil independente, inaugura-se com a ção”, subdivide o período em três cor- sores da escola particular. Destaca, ain-
criação de escolas de primeiras letras, tes mais específicos. No primeiro, cor- da, a atuação da Campanha de Defesa
determinada pela aprovação da Lei Im- respondente ao interregno da Escola Pública, no interior da qual
perial de 15 de outubro de 1827, e es- compreendido entre 1932 e 1947, pontificou a ação mobilizadora de
tende-se até 1932. Quanto ao primeiro tematiza o equilíbrio entre a pedagogia Florestan Fernandes, o seu manifesto,
momento, após caracterizar o Iluminis- tradicional e a pedagogia nova. Ganha denominado Mais uma vez reunidos, e
mo luso-brasileiro e a atuação de Pom- o primeiro plano a atuação de persona- o processo de renovação da pedagogia
bal, descreve as reformas dos estudos gens comprometidos com o processo católica. O terceiro corte envolve a
menores, dos estudos maiores e das es- de renovação da educação, que pontifi- fase compreendida entre os anos de
colas de primeiras letras, ocorridas nes- caram no movimento escolanovista. 1961 e 1969, inaugurando-se com a
sa fase. Ressalta as idéias dominantes Lourenço Filho é tratado como o gran- aprovação da LDB. Os destaques ficam
no pombalismo, decorrentes, em gran- de formulador das “bases psicológicas” por conta da discussão do Plano Nacio-
de parte, dos escritos de desse movimento. Fernando de Azeve- nal de Educação (PNE), articulado por
estrangeirados como Verney e Ribeiro do teria sido mentor de suas “bases so- Anísio Teixeira, da Campanha de Aper-
Sanches. Discute, em seguida, a ciológicas” nas reformas do ensino. feiçoamento e Difusão do Ensino Se-
Viradeira no reinado de d. Maria I e os Anísio Teixeira, por sua vez, é celebra- cundário (CADES), na qual Lauro de

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Oliveira Lima exerceu atuação relevan- golpe militar, que consagrou essa nova bem como pela circulação das idéias
te, do papel do Instituto Superior de ideologia, instaurando a sua correspon- pedagógicas. No interior do processo
Estudos Brasileiros (ISEB), enquanto dência com o comportamento econô- de luta dos educadores germinaram en-
centro mentor da ideologia nacional- mico. tidades como a Associação Nacional de
desenvolvimentista, e da mobilização Esse quarto período subdivide-se, Educação (ANDE), Associação Nacio-
empreendida pelos movimentos de cul- também, em três momentos. O primei- nal de Pós-Graduação e Pesquisa em
tura popular e de educação popular. No ro corresponde aos anos compreendi- Educação (ANPEd), Centro de Estudos
interior do movimento de educação po- dos entre 1969 e 1980. Nele é discutida Educação e Sociedade (CEDES), forta-
pular revelou-se como liderança maior extensamente a pedagogia tecnicista. leceu-se a Confederação de Professores
a figura do educador Paulo Freire. A Começa tangenciando a questão ao dis- do Brasil (CPB), em 1989 transforma-
análise conclui-se apontando a crise da cuti-la “a partir do movimento edito- da na Confederação Nacional dos Tra-
pedagogia nova e a emergência da pe- rial”. Em seguida, aprofunda a análise balhadores da Educação (CNTE). As
dagogia tecnicista, transição na qual ao examinar o papel desempenhado por associações de docentes das universi-
teve papel destacado o Instituto de Pes- Valnir Chagas nas reformas educacio- dades estabeleceram laços sindicais,
quisas e Estudos Sociais (IPES). nais empreendidas pela ditadura militar daí o surgimento da Associação Nacio-
e ao caracterizar a concepção pedagó- nal dos Docentes das Instituições do
Quarto período: as idéias gica tecnicista. Para Saviani, baseada Ensino Superior (ANDES), em 1981.
pedagógicas no Brasil entre 1969 “no pressuposto da neutralidade cientí- Três anos antes o mesmo já ocorrera
e 2001: configuração da concepção fica e inspirada nos princípios de racio- com o segmento dos técnicos adminis-
pedagógica produtivista nalidade, eficiência e produtividade, a trativos, culminando com a criação da
pedagogia tecnicista advoga a Federação de Sindicatos de Trabalha-
Ao traçar o quadro histórico que reordenação do processo educativo de dores de Universidades Brasileiras
contextualiza o período, Saviani ressal- maneira que o torne objetivo e opera- (FASUBRA). Daí, também, a filiação
ta a contradição que acompanhou o cional. De modo semelhante ao que dessas novas entidades à Central Única
processo de expansão da economia, no ocorreu no trabalho fabril, pretende-se dos Trabalhadores (CUT). Com essas
Brasil, após 1930. Se, por um lado, for- a objetivação do trabalho pedagógico” entidades, fortaleceu-se, igualmente, a
ças nacionalistas postulavam a plena (p. 379). Em seguida, é exposta a rela- produção científica comprometida com
autonomia política da nação em face da ção entre as concepções tecnicista e “a construção de uma escola pública de
escolha de seus caminhos de desenvol- analítica. A discussão conclui-se com o qualidade” e a sua difusão (p. 402).
vimento, o que num certo estágio foi exame da visão crítico-reprodutivista, Saviani refere-se à criação de revistas
proclamado pelo próprio Governo que pretendeu “fazer a crítica da edu- científicas por muitas dessas organiza-
Vargas, o que se viu, em seguida, foi a cação dominante, pondo em evidência ções emergentes e aos eventos científi-
progressiva mudança da base material as funções reais da política educacional cos promovidos por algumas delas. São
escudada em empréstimos externos e que, entretanto, eram acobertadas pelo os casos, por exemplo, das revistas da
na implantação de indústrias discurso político-pedagógico oficial” ANDE, do CEDES e da ANPEd. São
monopólicas sediadas nas nações capi- (p. 390). São expostas as idéias básicas os casos, também, das Conferências
talistas mais avançadas, em especial de seus inspiradores, Bourdieu e Brasileiras de Educação (CBE), pro-
nos Estados Unidos da América. A Passeron, Baudelot e Establet, além de movidas entre 1980 e 1991 por essas
ideologia política do próprio governo, Althusser, e indicadas as obras de Luiz três entidades, e das reuniões anuais da
o nacionalismo, com sua ênfase posta Antonio Cunha e Bárbara Freitag que, ANPEd. Depois de reconhecer o reflu-
na necessidade de superação da depen- no Brasil, expressaram essa tendência. xo que se seguiu às intensas mobiliza-
dência da nação em relação ao imperia- O segundo corte, envolvendo o ções dos educadores na década de
lismo, passava a ser solapada pelo período que se desenrola entre 1980 e 1980, aponta ser necessário reconhecer
rumo internacionalista que se imprimia 1991, devota-se ao estudo das expe- a importância das medidas de política
ao desenvolvimento da economia. Nes- riências pedagógicas encetadas pelas educacional tomadas por governos de
se contexto, a Escola Superior de Guer- pedagogias críticas, daí o subtítulo “en- oposição, desde 1982, em estados
ra (ESG) foi o bastião em que se for- saios contra-hegemônicos”. No conjun- como Minas Gerais, São Paulo, Paraná,
mulou a ideologia adequada ao novo to, descreve as formas assumidas pelas Rio de Janeiro e Santa Catarina. Mes-
estágio da economia, configurada na mobilizações de educadores, pela orga- mo que tenham sido marcadas pela
doutrina da interdependência. Daí o nização política no campo educacional, descontinuidade, essas medidas “de-

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vem ser contabilizadas como ganhos bases psicológicas, com a psicologia são”. Enquanto orientação pedagógica,
da ‘década perdida’” (p. 405). A abor- histórico-cultural desenvolvida pela o neoescolanovismo recupera a bandei-
dagem culmina com a descrição das Escola de Vigotski. A educação é ra do “aprender a aprender” e o
pedagogias contra-hegemônicas. São entendida como o ato de produzir, neoconstrutivismo “reordena [...] a
ressaltadas as pedagogias da educação direta e indiretamente, em cada indi- concepção psicológica do aprender
popular, que em suas análises substi- víduo singular, a humanidade que é como atividade construtiva do aluno”.
tuíam a categoria “classe” pela catego- produzida histórica e coletivamente O Estado imprime uma forma de orga-
ria “povo” e concebiam “a autonomia pelo conjunto dos homens. Em ou- nização às escolas buscando obter o
popular de uma forma um tanto metafí- tros termos, isso significa que a edu- máximo de resultados com os recursos
sica”, descolada de “condições históri- cação é entendida como mediação no destinados à educação. Para tanto, são
co-políticas determinadas” (p. 413- seio da prática social global. A práti- mobilizados instrumentos como a “pe-
414). Nas administrações do Partido ca social põe-se, portanto, como o dagogia da qualidade total” e a “peda-
dos Trabalhadores (PT), elas ganharam ponto de partida e o ponto de chega- gogia corporativa”. Saviani apropria-se
lugar proeminente. São referidas, tam- da da prática educativa. Daí ocorre de duas expressões analíticas, antes
bém, as “pedagogias da prática”, inspi- um método pedagógico que parte da empregadas por Acácia Kuenzer, para
radas em princípios anarquistas, cujos prática social em que o professor e ilustrar o resultado dessas iniciativas:
principais interlocutores são Oder José aluno se encontram igualmente inse- “exclusão includente” e “inclusão ex-
dos Santos, Miguel Gonzáles Arroyo e ridos, ocupando, porém, posições dis- cludente”. Os mecanismos de inclusão
Maurício Tragtenberg. Recebe menção, tintas, condição para que travem uma de mais estudantes no sistema escolar,
igualmente, a “pedagogia crítico-social relação fecunda na compreensão e no tais como “a divisão do ensino em ci-
dos conteúdos”, formulada por José encaminhamento da solução dos pro- clos, a progressão continuada, as clas-
Carlos Libâneo. Para Saviani, mesmo blemas postos pela prática social. Aos ses de aceleração”, que mantêm as
reconhecendo outras influências como momentos intermediários do méto- crianças e os jovens na escola sem a
as de Manacorda, Suchodolski, do cabe identificar as questões sus- contrapartida da “aprendizagem efeti-
Leontiev, Luria, Vygotski, Libâneo citadas pela prática social (problema- va”, permitem a melhoria das estatísti-
“inspira-se diretamente em Snyders tização), dispor os instrumentos cas educacionais, mas a clientela conti-
que sustenta a ‘primazia dos conteú- teóricos e práticos para a sua com- nua excluída “do mercado de trabalho
dos’ como critério para distinguir as preensão e solução (instrumentação) e da participação ativa na vida da so-
pedagogias entre si”, logo “para distin- e viabilizar sua incorporação como ciedade. Consuma-se, desse modo, a
guir uma pedagogia progressista ou de elementos integrantes da própria vida ‘inclusão excludente’” (p. 439-440).
esquerda de uma pedagogia conserva- dos alunos (catarse). (p. 420) Na Conclusão, depois de retomar
dora, reacionária ou fascista” (p. 416). resumidamente todo o conjunto de
Finaliza com a análise da pedagogia Acentua, por fim, que sua propos- idéias extensamente desenvolvido ao
histórico-crítica, que resume sua pró- ta, além de manter-se na condição de longo do livro, Saviani relembra a pas-
pria concepção e sua proposta de edu- “forma de resistência à onda sagem da década de 1970 para a de
cação para o nosso tempo. Historia as neoconservadora”, vem recebendo con- 1980 para evidenciar a coexistência de
origens dessa concepção, situando-as tribuições de outros estudiosos, entre os diferentes tendências pedagógicas no
em escritos do início da década de quais cita João Luiz Gasparin, Antonio tempo. Retrata, por força dessa coexis-
1980, e seu desenvolvimento até con- Carlos Hidalgo Geraldo, Suze Gomes tência, o “drama do professor” à época,
solidar-se na forma de “primeiras apro- Scalcon, César Sátiro dos Santos e Ana pois, se “tinha uma cabeça escolanovis-
ximações” em 1991 (p. 418-419). O Carolina Galvão Marsiglia (p. 402). ta”, operava numa materialidade escolar
autor resume sua forma de entender a O último corte temporal incide pertinente à educação tradicional, situa-
“pedagogia histórico-crítica” da se- sobre a fase que se desenrolou entre ção agravada pelas exigências de plane-
guinte forma: 1991 e 2001. O autor conclui que, nes- jamento e racionalização desencadeadas
sa fase, como decorrência da transição pela pedagogia oficial, que incluíam o
[...] a pedagogia histórico-crí- do fordismo para o toyotismo, as idéias preenchimento de formulários, a opera-
tica é tributária da concepção dialé- pedagógicas no Brasil “expressam-se cionalização de objetivos educacionais
tica, especificamente na versão do no neoprodutivismo, nova versão da etc. Caso ignorasse as exigências desse
materialismo histórico, tendo fortes teoria do capital humano”, o que acaba tecnicismo, era acusado de não atender
afinidades, no que se refere às suas desaguando na “pedagogia da exclu- a critérios de eficiência e produtividade.

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Em paralelo, a tendência crítico- fundamento da análise da situação,


reprodutivista começava a revelar que a arregimentar forças para uma gran- HORN, Geraldo Balduíno; GERMINARI,
sua participação no processo de “forma- de mobilização nacional capaz de Geyso Dongley. O ensino de
ção da força de trabalho” e na “inculca- traduzir em propostas concretas a história e seu currículo; teoria e
ção da ideologia dominante” terminava defesa de uma educação pública de método. Petrópolis: Vozes, 2006.
por “garantir a exploração dos trabalha- qualidade acessível a toda a popu- 158 p.
dores e reforçar e perpetuar a domina- lação brasileira. (p. 449)
ção capitalista”. As pedagogias contra-
hegemônicas da década de 1980 Ao concluir pela importância de Um “novo” ensino de história, logo,
pareciam apontar uma saída para o pro- que se reveste o referido livro, recomen- um “novo” currículo?
fessor e para a realização de uma “edu- da-se a sua leitura aos educadores de
cação efetivamente crítica e transforma- uma forma geral, em especial aos que Com a aprovação da lei n. 10.639/
dora”, mas sucumbiram. E a década de exercem a docência em todos os níveis 03, mais um passo importante foi dado
1990 chegou proclamando o “império de ensino, aos pesquisadores da educa- em direção ao oferecimento de um ensi-
do mercado” e realizando “reformas de ção, não somente os que se incluem no no de história renovado, no qual fosse aí
ensino neoconservadoras”. Reconhece campo dos fundamentos da educação, incluído o ensino da cultura e da história
que “grande parte” dos educadores ce- aos historiadores e aos cidadãos interes- africana e afro-brasileira. Tal medida dá
deram “ao canto de sereia das novas pe- sados na questão da educação no Brasil continuidade aos projetos do governo
dagogias nomeadas com o prefixo e na sociedade capitalista. Pela relevân- federal de valorização dos diversos gru-
‘neo’”. As “novas idéias” estão associa- cia de seu conteúdo, pela coerência e pos étnicos e culturais do país, incenti-
das à “descrença no saber científico” e à pelo rigor da argumentação e pelos es- vando um melhor conhecimento de nos-
“procura de ‘soluções mágicas’ do tipo clarecimentos que impactam as cons- sa cultura e de nossa história, iniciada
reflexão sobre a prática, relações ciências dos leitores, com História das com a aprovação dos Parâmetros Curri-
prazerosas, pedagogias do afeto, trans- idéias pedagógicas no Brasil Saviani culares Nacionais Indígenas, em 2002,
versalidade dos conhecimentos e fórmu- contribui para o avanço das condições que contribuíram diretamente no ofere-
las semelhantes”. Nesse quadro, cresce subjetivas necessárias ao cumprimento cimento de um ensino fundamental es-
o desprestígio dos professores, enquanto da grande tarefa por ele mesmo anun- pecífico àquelas etnias.
se consuma o domínio do “utilitarismo” ciada como prioritária: a defesa e a pro- No entanto, se por um lado foram
e do “imediatismo da cotidianidade” so- dução de uma educação pública de qua- dados passos importantes no sentido de
bre “o trabalho paciente e demorado de lidade para todos os brasileiros. se adequar o ensino oferecido nas esco-
apropriação do patrimônio cultural da las públicas de ensino fundamental e
humanidade” (p. 444-446). Gilberto Luiz Alves médio à nossa realidade de país mestiço
Apesar do quadro exposto, suas Professor titular da Universidade (tal como foi já apontado por muitos au-
palavras finais expressam otimismo e Federal de Mato Grosso do Sul tores, como Darcy Ribeiro, no seu livro
afirmam uma esperança: E-mail: gilbertoalves@terra.com.br O povo brasileiro), diverso na cultura e
variado etnicamente; de outro, o gover-
Não obstante, mantiveram-se Referências bibliográficas no federal não tem alcançado a mesma
análises críticas e focos de resistên- eficiência na melhoria das condições do
cia à orientação dominante na polí- SAVIANI, Dermeval Pedagogia ensino nas escolas, valorizando e capa-
tica educacional, que tendem a se histórico-crítica: primeiras aproxima- citando adequadamente os professores
fortalecer, neste novo século, à me- ções. São Paulo: Cortez/Autores para estarem aptos a executar tais mu-
dida que os problemas se agravam e Associados, 1991. danças. São ainda escassos estudos e
as contradições se aprofundam, evi- SAVIANI, Dermeval. Escola e democra- pesquisas que viabilizem aos professo-
denciando a necessidade de mudan- cia. 35. ed. rev. Campinas: Autores res das redes públicas de ensino a capa-
ças sociais mais profundas. Nesse Associados, 2002. citação e o conhecimento necessários
contexto, seria bem-vinda a reorga- SAVIANI, Dermeval. História das idéias para ministrar suas disciplinas, ade-
nização do movimento dos educa- pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores quando-se as medidas legais e oferendo-
dores que permitisse, a par do apro- Associados, 2007. as com as inovações necessárias.

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