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Análise Psicológica (2010), 4 (XXVIII): 631-642

O isolamento existencial e a psico-


patologia

GABRIEL HENRIQUES (*)

“O isolamento existencial é um vale de localidades ou locais isolados por razões de


solidão a que se chega de vária formas. A interioridade, dificuldade de acessos ou doença
confrontação com a morte e com a liberdade (frequente nas pessoas idosas), ou causas
leva inevitavelmente o indivíduo para esse subjectivas, como estilos de personalidade em
vale” (Yalom, 1980, p. 356). que se procura o isolamento (esquizóide,
narcisista) ou em que se é afastado pelos outros
O isolamento é referido com frequência na (personalidades com tendências explorativas ou
psicoterapia pois os pacientes queixam-se da julgadora dos outros). A evolução da sociedade
sua dificuldade de relacionamento com outras tem resultado no definhamento de instituições
pessoas e de isolamento face ao seu meio promotoras de intimidade, como os bairros
envolvente. residenciais, o trabalho próximo da residência, as
Neste artigo discute-se a abordagem de Irvim lojas e sociedades de bairro, a igreja e assistência
D. Yalom ao isolamento e a sua descrição de saúde locais, etc., em favor do deslocamento
compreensiva das psicopatologias associadas para as grandes cidades de massas populacionais
assim como as vantagens terapêuticas desta e onde se praticam estilos de vida isolacionistas
abordagem. Como veremos, a descrição compre-
em resultado de habitação afastada dos locais de
ensiva não é uma outra forma de classificação
trabalho e longas horas de comutação diária,
psicopatológica nem a tipificação de
definhamento de instituições de bairro, grandes
comportamentos considerados patológicos, mas
superfícies comerciais, departamentos oficiais
sim a compreensão de modos de estar na vida
centralizados. De facto, é nas grandes cidades e
que se concretizam em cada indivíduo de forma
seus grandes subúrbios onde a concentração de
específica e que requerem uma abordagem
específica. Yalom (1980, p. 353) considera três pessoas se eleva a níveis nunca antes atingido,
tipos de isolamento: que as pessoas praticam estilos de vida mais
isolacionistas, com escassos hábitos sociais,
O isolamento interpessoal, ou solidão, que padrões sociais transmitidos pela televisão e
resulta da sentida falta de comunicação com pela sociedade de consumo. Acresce o número
outros. Pode resultar de causas objectivas, como crescente de lares monoparentais e de pessoas
residência ou permanência prolongada em vivendo sozinhas desde uma fase ainda longe da
terceira idade.
(*) Executive Coach, Mestre em Relação de Ajuda
(ISPA-IU), Doutorando em Sociologia (ISCTE-IUL); O isolamento intrapessoal, que resulta de
Email: gabrielhenriques2010@gmail.com perturbação do indivíduo num processo em que

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evita os seus próprios sentimentos e desejos, O MÉTODO FENOMENOLÓGICO
aceitando deveres e obrigações exteriores como E A INTERSUBJECTIVIDADE
suas, desprezando o seu próprio julgamento e
barrando a sua liberdade e potencial. Aqui a “o analista deve aproximar-se ao paciente de
perturbação resulta de experiências vividas como forma fenomenológica; isto é, deve entrar no
repressoras e condicionadoras, desde o início da mundo experiencial do cliente e escutar o
sua vida. fenómeno desse mundo sem pressuposições
que distorcem a compreensão” (Yalom,
A estes dois tipos de isolamento, reconhecidos
1980, p. 17).
por todos os modelos teóricos psicoterapêuticos,
Yalom acrescenta um outro que, embora Husserl (1927) usou a noção de intenciona-
estreitamente relacionado com os anteriores, lidade da consciência para fundar um método de
tem um carácter completamente diferente. O investigação que se distingue do método das
isolamento existencial resulta do facto de ciências naturais em que predomina o estudo dos
estarmos no mundo e dele fazermos parte, numa efeitos e suas causas. A consciência, segundo
inter-relação intersubjectiva constante com os Husserl, é intencional, refere-se a algo externo à
outros, mas sendo indivíduos completamente consciência, acessível ao indivíduo através de
separados. Apesar de nos construirmos na funções mentais como a memória ou a
relação com os outros e permanecermos imaginação, ou pelas funções do seu corpo ao
indissociáveis no mundo que partilhamos, mundo externo dos objectos e dos outros
nascemos completamente isolados, vivemos sem indivíduos, com os quais comunica e valida as
nunca conhecer completamente o mundo e os suas experiências, atribuindo-lhes significado
outros e morremos num acto único, individual, intersubjectivo. Uma psicologia pura, que não
solitário. Somos o resultado das nossas escolhas desdenha das conclusões das ciências naturais,
e a partir desta facticidade que nos caracteriza, mas que existe como ciência independente, seria
seremos o que escolhermos, no quadro das possível. Como? Através da reflexão sobre
possibilidades disponíveis. A escolha é, também, aquilo a que se referem os fenómenos da consci-
um acto pessoal, isolado. ência, ou seja, a sua intenção. Esta reflexão não
Yalom coloca o isolamento existencial ao é automática porque quando estamos consciente-
nível ontológico, na medida em que é inerente ao mente envolvidos numa actividade focamos na
facto de existir e se manifesta de forma coisa específica, em pensamentos, valores,
específica (ôntica) em cada indivíduo. Há uma objectivos ou meios envolvidos mas não na
estranheza dos indivíduos entre si, que nunca se experiência psíquica como tal e a que eles se
chegam a conhecer completamente, por maior referem. Só a reflexão os revela. Através da
intimidade que se estabeleça. reflexão, em vez de simplesmente perceber a
Kierkegaard (1838, p. 200), nas suas reflexões existência desses pensamentos, valores,
sobre o existir, refere o lamento de uma sua objectivos ou meios envolvidos somos capazes
personagem: de tomar consciência deles como aparecem à
consciência, como fenómeno. Além disso, a
“como cheguei aqui a este mundo? Porque reflexão deve ser feita em atitude de suspensão
não fui perguntado acerca disso, porque não de crenças anteriores, do próprio mundo
fui informado das regras e regulamentos, objectivo, para que apenas a descrição dos
mas apenas atirado como se eu tivesse sido conteúdos (o quê na experiência) e dos
comprado por um mercador de escravos? significados (os como se viveu a experiência)
Como fui envolvido nesta grande missão seja tida em conta e objecto de reflexão
chamada actualidade? Porque tenho de ser imaginativa procurando encontrar o que
envolvido? Não posso escolher? E, se sou caracteriza (a essência) a experiência subjectiva
obrigado a envolver-me, onde está quem do indivíduo específico que experiencia, a sua
manda – eu tenho algo a dizer sobre isto. visão subjectiva do mundo, não o mundo
Não há quem mande? A quem me queixo?” objectivo.

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A vida psíquica fica assim acessível através tante, criam-se as condições para olharmos para
da própria experiência e da experiência de acontecimentos passados com outra abordagem
outros, estabelecendo a diferença entre nós e os (interpretação) diferente. Quando falamos de
outros e caracterizando a vida na comunidade. passado referimo-nos ao passado tal como
Para Yalom cada indivíduo é o resultado da lembrado, interpretado e não historicamente fixo.
sua história. O seu estudo requer, não instru- Visto assim, o passado torna-se “plástico”,
mentos estandardizados, como se todos os flexível e aberto a reavaliação ou recriação
indivíduos habitassem o mesmo mundo objec- dependente da actual disposição do indivíduo.
tivo, mas sim a consideração da sua situação Assim, o passado não só nunca é completa-
biográfica e das expectativas individuais, nas mente apreendido, como não é correctamente
suas especificidades, no seu mundo próprio e interpretado, como não é fixo. O passado existe
único. E estranha as abordagens que, procurando no presente, o que se recorda reflecte e valida a
precisar e classificar os indivíduos, em pouco actual visão do mundo. Trata-se de um passado
ajudam a sua condição. Prefere, em vez de uma tal como actualmente vivido. A visão do mundo
abordagem classificativa, relevar a centralidade actual é validada pelo passado (tal como actual-
da relação entre o terapeuta e o paciente. mente vivido) e valida as perspectivas de futuro.
Também Spinelli (2007, p. 59) afirma que As implicações desta análise são de extrema
essa é uma relação em que o cliente se revela e importância para a psicopatologia e psicoterapia.
“traz” material para análise, sendo o encontro A análise fenomenológica procura, por interpre-
terapêutico um “microcosmo” em que se tações a níveis cada vez mais aprofundados das
expressa em segurança e confidencialidade a experiências actuais, clarificar a visão do mundo
visão do mundo do paciente, as suas possibi- actual do paciente. A escavação do passado, a
lidades e limitações, permitindo a clarificação procura do que realmente aconteceu, dos instintos
dessa visão do mundo que existe também no reprimidos ou da socialização e aculturação
“macrocosmo” das relações da sua vida. acontecidas, não tem sentido para a fenomeno-
logia. O que tem sentido é a interpretação que a
visão do mundo actual faz sobre o passado.
O TEMPO E O AQUI-E-AGORA “O aqui e agora são a maior fonte de poder na
terapia [...], refere-se aos acontecimentos
O modo como nos relacionamos com o tempo imediatos na hora terapêutica, ao que acon-
revela a nossa visão do mundo numa perspectiva tece aqui (neste escritório, nesta ‘relação’, no
temporal (Spinelli, 2007, p. 41). Apreendemos a entre nós). [...] É basicamente uma
nossa existência no tempo e, por isso, o tempo aproximação não histórica de desenfatizar
está no nosso ser. O tempo é o processo em curso (não nega a importância) o passado histórico
da experiência vivida, pelo que não existe fora da do cliente ou a sua vida exterior. [...] Os
noção do ser. Na experiência individual, o tempo problemas interpessoais do paciente irão
não pode ser visto como uma linha contínua manifestar-se no aqui-e-agora da relação
independente do ser, uma série de “agoras” entre terapêutica” (Yalom, 2001, pp. 46-48).
o nascimento e a morte, mas sim um contínuo
balançar entre o passado, presente e futuro. A
experiência do mundo, das coisas e seres, é O SER E A ANSIEDADE EXISTENCIAL
sempre parcelar e mediada pela estrutura
interpretativa sedimentada que constitui a visão Yalom refere frequentemente Martin
do mundo individual. Como nos construímos na Heidegger e a sua obra Being and Time, em que
inter-relação com o mundo, estamos permanente- descreve como o seu Da-sein, o ser representativo
mente em construção e a nossa visão do mundo e exemplar do ser humano, que lhe é instrumental
evolui, por um lado pela sucessão de experi- na investigação filosófica do que é existir (ou
ências, por outro, conforme a estrutura ser), encontra dois modos de existência: o modo
mediadora da nossa visão do mundo que por sua do dia-a-dia em que Da-sein vive em função do
vez também evolui. Nesta interpretação cons- mundo e dos outros, em que se envolve em

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múltiplas actividades e não reflecte sobre a sua sentido de “força”. Segundo Yalom, a maior
existência e sobre as suas potencialidades (modo contribuição de Freud para a compreensão do ser
de vida inautêntico) e o modo em que Da-sein humano é o seu modelo em que assume haver
reflecte e observa-se a si próprio, percebe que a forças em conflito no indivíduo e em que os
sua existência é precária, que morrerá um dia e pensamentos, emoções e comportamento, tanto o
que agora tem opções que toma com total adaptado como o psicopatológico, são resultado
liberdade e responsabilidade (no quadro daquilo dessas forças em conflito, que existem em vários
que é, da sua facticidade). Neste modo, a níveis de atenção e sendo alguns totalmente
ansiedade é evidente e decorre dessa confron- inconscientes.
tação. É uma ansiedade que decorre do existir e da No entanto, a psicoterapia existencial baseia-
falta de um sentido oferecido pela mera existência, -se numa visão radicalmente diferente das forças
é inevitável. Mas pode ser diminuída, se específicas, dos motivos e medos que interagem
compreendidas e aceites as condições existenciais, no indivíduo, assim como o inconsciente
se a consciência da inevitabilidade da morte é desempenha um papel completamente diferente.
equilibrada com uma vida escolhida dentro do Se, para Freud, os instintos e o ambiente
leque das opções acessíveis assumindo a reprimem e enquadram o indivíduo, para os
responsabilidade pela sua própria existência e neo-freudeanos, os instintos são minimizados a
dando-lhe assim sentido, apesar do fim inevitável. favor da socialização e da aculturação das
Este modo de reflexão pode aproximar o qualidades inatas individuais. Para estes, a
indivíduo da exploração máxima das suas necessidade de segurança, de aceitação e apro-
potencialidades, fazê-lo mais autêntico, com um vação, a interacção com adultos significantes,
sentido de vida por si produzido. Caindo determinam o carácter e a estrutura da persona-
novamente no seu dia-a-dia, afastando de si a lidade; a criança curiosa quer exclusiva posse
reflexão sobre a sua existência e absorvendo-se na dos adultos amados e percorre fases de conflito
vivência do dia-a-dia, se houve uma maior entre crescimento e segurança.
aceitação da ansiedade existencial, isso permite ao A posição existencialista revela um tipo de
indivíduo uma vida mais equilibrada. conflito diferente: não um conflito com instintos
Da-sein vacila entre a autenticidade e a que são reprimidos, nem um conflito com adultos
inautenticidade. Para Heidegger, procurar ser significantes, mas sim um conflito que decorre da
autêntico assume uma importância de prioridade, confrontação do indivíduo com os dados ou
apesar da inevitabilidade de se viver a maior condições da existência. As vivências passadas ou
parte do tempo em inautenticidade. Yalom presentes valem pela experiência no aqui e agora
concorda com esta posição e afirma que “a e no quadro do confronto com esses dados ou
ansiedade é o combustível da psicoterapia”. É condições de existir que caracterizam o ser.
ela que leva ao confronto com os dados da Yalom descreve na sua obra Existential
existência, que abre caminho à autenticidade, Psychotherapy (1980) quatro importantes e
que possibilita que “caindo” no dia-a-dia a extremos assuntos: a morte própria, a liberdade, o
adequação prevaleça sobre a perturbação. isolamento existencial e a falta de sentido. Estes
O paciente pode usar os seus momentos de assuntos são, como vimos atrás, as condições
reflexão para ser mais autêntico. Yalom defende, existenciais ou os existenciais com que Da-sein
em absoluto respeito pelo cliente e de uma forma se confronta no seu modo existencial, quando, por
não directiva que o terapeuta deve promover reflectir profundamente, se afasta do seu dia-a-dia
essa evolução. de absorção em tarefas e com os outros, e se
interroga sobre a sua existência.
O confronto com os existenciais é feito pelo
OS EXISTENCIAIS, O CONFRONTO Da-sein, de forma solitária. Por isso, Yalom
E A PSICOPATOLOGIA atribui ao isolamento em que a confrontação é
feita, um carácter também ontológico, de
Para Yalom, a psicoterapia existencial é dinâ- característica do ser, não deixando de reconhecer
mica no mesmo sentido atribuído por Freud, no o carácter inter-relacional e intersubjectivo da

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construção do indivíduo. Mas, no momento da estruturam e também a sua abertura a novas
confrontação ele está só, os outros são interpretações (Spinelli, 2005, pp. 67-74).
irrelevantes. A terapia passa-se ao nível pessoal, ôntico,
“Quando o indivíduo se afasta da absorção
sempre condicionada e, porventura, iluminada
no mundo e os objectos se despem de pelo nível das características do ser, o ontológico.
sentido, o indivíduo experimenta a ansiedade É a investigação fenomenológica da experiência
no confronto com a solidão, a falta de actual do paciente, do que aparece à consciência,
misericórdia, o nada” (Yalom, 1980, p. 360). na relação terapêutica, que esclarece o paciente
sobre si, sobre as sedimentações estruturais da
“Os seres do mundo circundante deixam de sua visão do mundo e lhe proporciona pô-las em
ser relevantes. O mundo no qual existo causa e talvez mudá-las. O que não significa que
esvaziou-se de significado e o mundo assim o paciente não reflicta, em ocasiões especiais,
revelado só pode libertar seres sem sobre os “dados” da sua existência.
significado” (Heidegger, 1926, p. 315). Vejamos então a descrição psicopatológica
de Yalom à luz desta análise dos existenciais,
De facto, para Yalom, é do resultado do com destaque para o isolamento existencial e o
confronto com os existenciais que resulta a seu relacionamento com os restantes.
qualidade do inter-relacionamento com os
outros, a qualidade da construção do indivíduo,
quando este está envolvido no dia-a-dia. E a tese
A MORTE PRÓPRIA
de Yalom é que esse resultado é obtido de uma
forma solitária.
É nos momentos em que o indivíduo se afasta “A morte é um facto da vida” (Yalom, 1980,
do mundo do dia-a-dia, pela profunda reflexão, p. 38).
que essas condições da existência lhe vêm à
consciência. Em momentos de solidão, silêncio, A consciência do inevitável fim traz ao
disponibilidade, em que o indivíduo se liberta indivíduo ansiedade. É a consciência de que se
das tarefas e distracções do dia-a-dia, pode-se tornará nada (um nada sobre o qual nada se pode
confrontar com a precariedade da existência, e fazer). Citando Kierkegaard, Yalom explica que
essas condições podem tornar-se claras. a ansiedade procura tornar-se medo, trocando o
As experiências de transição no ciclo de vida, nada por alguma coisa, para que o indivíduo
principalmente quando se torna evidente a possa montar defesas contra essa coisa. E é na
impossibilidade da vida ser uma espiral confrontação com esse facto da vida, nos
continuamente crescente, e a existência de fases momentos de reflexão profunda que o indivíduo
de decadência e morte, propiciam esses o pode ou não aceitar. Apesar de nunca eliminar
momentos. Do resultado desse confronto surge a ansiedade, esse confronto pode diminuí-la,
equilíbrio ou perturbação. permitindo ao indivíduo reorientar a sua vida,
Os existenciais raramente vêm à discussão no dando-lhe sentido. O carácter físico da morte
encontro psicoterapêutico. Se bem que um destrói o indivíduo, mas é a ideia da morte que o
psicoterapeuta bem sintonizado com o paciente salva. É então a focalização concreta da
possa entender como este se relaciona com ansiedade resultante de confrontação menos
aqueles, forçar a sua discussão não contribui autêntica do facto da vida que é a morte, a
para o crescimento do paciente. Após alguma transformação em medo de algo, que explica as
troca de impressões porventura interessante, o manifestações clínicas e a patologia da morte.
paciente encaminhar-se-ia para uma conclusão A negação do facto futuro da própria morte
de “bem... é assim a vida...”. De facto, essa (da minha morte) pode aparecer no paciente
discussão não versava sobre a situação concreta como crença na especialidade e inviolabilidade
do paciente, sobre a sua própria experiência; não de si próprio. O conhecimento de doença fatal e
servia para o paciente perceber o modo como sua negação durante um período. O heroísmo
interpreta o seu estar no mundo, a sua visão do compulsivo como prova própria de invencibi-
mundo, e as sedimentações interpretativas que a lidade. O suicídio como forma de perdurar na

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consciência dos outros, após descrédito nessa sabilidade no sentido de Sartre enquanto autoria:
invencibilidade. O narcisismo, como forma de se estar consciente da responsabilidade é estar
sentir especial, utilizando os outros como se consciente de criar o seu próprio eu, destino, as
fossem seus devedores. O vício do trabalho, o dificuldades da vida, sentimentos e, se for esse o
consumo de tempo em tarefas para não se caso, o próprio sofrimento. O indivíduo responde
confrontar com momentos de reflexão, de à ansiedade decorrente da responsabilidade
relacionamentos ou de procura de sentido, o básica que temos por existir, conforme faz com a
planeamento do futuro, não como desenvolvi- da morte: procura alívio, evita situações em que
mento pessoal, mas como sucessão de seja confrontado com a sua responsabilidade.
atingimentos para coleccionar no passado. Nas A evitação da escolha através de compor-
ocorrências do ciclo de vida em que o indivíduo tamentos compulsivos e com conhecimento das
se apercebe da inversão da espiral crescente consequências; a atribuição da responsabilidade
(meia-idade, perda de emprego, reforma, a outros; a vitimização; o comportamento
doenças na fase de amadurecimento, etc.), descontrolado, em vez de usar a sua liberdade
podem-se iniciar perturbações relacionadas com para influenciar o curso dos acontecimentos; a
estados depressivos ou hipocondríacos. falta de autonomia e a procura de um salvador
Actividades em que tenta reforçar a sua imagem no sentido atrás exposto.
de poder e ou vitalidade, como a actividade
sexual acrescida e predatória, contribuem para o
alívio da ansiedade ante a perspectiva da morte. A FALTA DE SENTIDO
Outra forma de lidar com a ansiedade da
morte, ou quando a crença na especialidade “Qual o sentido da vida? Qual o sentido da
falha, é o salvador último, uma entidade sobre- minha vida? Porque vivemos? Porque
natural que nos salvará após a morte ou alguém estamos neste mundo? Para que vivemos?
com poder para evitar a morte ou um acto ou Porque viveremos? Se vamos morrer, se
uma causa que nos manterá para sempre na nada continua, que sentido tem o que quer
consciência dos outros. O médico em caso de que seja?” (Yalom, 1980, p. 419).
doença grave. Um outro indivíduo de quem se
“Procuramos sentido mas o mundo é
dependa como fornecedor de sentido de vida,
contingente. Como pode um ser que precisa
medo de perder o outro amado, passividade,
de sentido, encontrar sentido num universo
dependência, auto-imolação (masoquismo),
que não o tem?” (Yalom, 1980, p. 423).
recusa de aceitar a idade adulta, depressão e
colapso do sistema de valores. Há um sentido cósmico em que um desígnio
Para Yalom, a ansiedade decorrente do exterior e superior ao indivíduo dá uma
confronto com a inevitabilidade da morte própria explicação ao sentido terrestre, pessoal. Algo
é a principal origem de perturbações. É na pers- referente a um Deus. Quem o aceita com mais
pectiva da morte que a liberdade, o isolamento e facilidade pode encontrar um sentido terrestre,
o sentido (ou a sua falta) se compreendem. um caminho a seguir, se bem que não individual.
Mas quem não o aceita precisa então de algo que
o substitua.
A LIBERDADE E A RESPONSABILIDADE E todos os sistemas teológicos ou ateístas
ocidentais concordam em que é bom estar imerso
“a liberdade do indivíduo para criar a sua na corrente da vida.
própria vida [...] para desejar, escolher, agir Assim, a auto-transcendência através do
e, mais que tudo importante para a psico- altruísmo ou da dedicação a uma causa, o
terapia, de mudar” (Yalom, 1980, p. 216). hedonismo através da criatividade, da apreciação
intensa da vida e do seu prazer, da realização
Yalom (1980, pp. 216-218) diz que se refere à plena do seu potencial, são formas de encontrar
“liberdade do indivíduo para criar a sua própria sentido. E a aceitação do ciclo da vida pode levar
vida [...] para desejar, escolher, agir” e à respon- à escolha de um conjunto dessas actividades, de

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acordo com as características de cada idade. próprio na sua autenticidade por causa do
Caso contrário, perturbações como o vazio, o modo de ser público interpretado pelos
aborrecimento, a apatia, sem causas aparentes, outros, pode ser revelado no seu sentido
podem resultar em procura de sentido através de primordial na sua ligação fundamental”
alcoolismo, droga, depressão, obsessão, (Heidegger, 1926, p. 178).
delinquência, crescimento do apetite sexual,
aventureirismo (procura de causas dramáticas e Assim, o papel da ansiedade é individualizar o
importantes) ou o niilismo (descrédito na Da-sein, separá-lo dos outros e permitir-lhe a
procura de sentido por outros). reflexão. A ansiedade torna evidente a inautenti-
cidade da vida e cria condições para a reflexão
sobre a autenticidade. Ambas são possibilidades
O ISOLAMENTO EXISTENCIAL do indivíduo com uma dinâmica resultante da
E A SUA PSICOPATOLOGIA ansiedade.
O caminho de compreensão psicopatológica e
psicoterapêutica do isolamento existencial de
Yalom (1980, p. 373) refere que usamos
Yalom fica assim definido: as vivências pertur-
“caminhos enviesados” para lidar no dia-a-dia badas do paciente resultam de um confronto
com a ansiedade e encontrar segurança; quando inautêntico com os dados da existência. O
falhamos no desenvolvimento de força interior, isolamento existencial, enquanto individuali-
no sentido de valia pessoal e firme identidade e zação solitária intransponível existe, assim como
não resolvemos com reflexão e aceitação da os restantes dados da existência. O confronto
condição existencial e dos dados dessa inautêntico com cada um reforça o isolamento.
existência. As possibilidades do indivíduo foram limitadas e
Também Heidegger refere que quando Da- ele não aceitou suficientemente a sua condição
sein regressa ao modo do dia-a-dia e se envolve existencial. Então, no mundo do dia-a-dia, ele irá
nas tarefas rotineiras e com os outros, a forma viver de uma forma mais perturbada, mais
pura de ansiedade existencial é rara, mas inautêntico porque as suas possibilidades foram
manifesta-se fisiologicamente: por ele mesmo limitadas. Irá utilizar estratégias
“com a dominância do ter caído [no mundo para fugir e esconder de si próprio a ansiedade
do dia a dia] e do estar em público, a existencial e a qualidade da sua relação com os
‘verdadeira’ ansiedade é rara. Muitas vezes a outros será marcada por esta necessidade.
ansiedade é condicionada de forma Pelo contrário, o indivíduo que se confrontou
‘fisiológica’. Este facto é um problema com os dados da existência e na medida em que
ontológico na sua facticidade, não só a conseguiu aceitar a fragilidade da existência e a
respeito das suas causas ônticas e modo de sua morte inevitável, que percebeu as suas
desenvolvimento. O dano fisiológico da opções (no quadro da sua facticidade, em termos
ansiedade é possível só porque Da-sein está de possibilidades), que encontrou sentido para
ansioso no mais íntimo do seu ser” dar a essa existência, apesar de frágil, é um
(Heidegger, 1926, p. 177).
indivíduo mais adaptado ao mundo em que vive,
sendo a sua relação com os outros marcada por
A ansiedade existencial está no Da-sein, se ser liberta de necessidade. Ele está mais
bem que escondida pelo modo público (não preparado para dar sem esperar receber, porque a
privado, não de reflexão profunda): sua recompensa é retirada do enriquecimento
pessoal da vivência.
“A raridade fáctica do fenómeno da No entanto, por mais adaptação existencial
ansiedade, contudo, não lhe retira a sua que o indivíduo consiga nunca está completa-
propensão para assumir uma função mento liberto do isolamento e da ansiedade, que
metodológica, em princípio, para a análise são dados existenciais. Vive com eles porque são
existencial. Pelo contrário, a raridade do características ontológicas do ser.
fenómeno é uma indicação do facto de que A confusão entre o isolamento existencial e o
Da-sein, o qual continua escondido de si intrapessoal leva, por vezes, a que se tente

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resolver ou curar o primeiro. Tal não é possível. Ser capaz de reconhecer as características da
O que é possível é reconhecer e aceitar tal sua existência e de nos virarmos para o amor aos
circunstância como parte da existência. outros é, segundo Yalom (1980, p. 363), a forma
Da-sein tem de usar o mundo (e os outros que de evitar ficar submerso pelo medo “ante o
nele estão) para sobreviver como ser humano. abismo da solidão”, ou seja, de evitar de nos
Um confronto deficiente potencia patologica- atirarmos aos outros para não nos “afogarmos no
mente essa necessidade de uso. mar da existência”, mas sim indo ao encontro
Os “caminhos enviesados” são, em primeiro deles. Nessa “submersão” usamos os outros como
lugar, utensílios, com instrumentos de fuga à solidão. O
outro, usado como coisa, com uma função, não
“na maioria relacionais, onde o indivíduo
como um outro eu. Sob a consciência de um
não cuida do outro, antes procura usá-lo secreto terror, negamos o isolamento, construímos
para uma função. O terror, a consciência relações que nos “fornecem um produto” (poder,
directa do isolamento existencial e a defesa fusão, protecção, grandiosidade ou adoração).
psíquica que se elabora para aliviar a A relação deve ser recíproca. Esta relação
ansiedade são inconscientes. O indivíduo só (Eu-Outro) envolve uma completa experiência
sabe que não pode estar só, que precisa de do outro. Difere da empatia porque é mais que
algo de outros, que ele próprio não é capaz um Eu tentando relacionar-se com Outro. Não há
de obter, e que, o que quer que se faça, Eu enquanto tal, mas apenas o Eu-Outro. E este
correm sempre mal os seus relacionamentos” Eu é diferente do Eu na relação Eu-Coisa. É um
(Yalom, 1980, p. 374). Eu inter-relacional, um Eu que aparece e é
moldado no contexto da relação, um Eu
E em segundo lugar, profundamente influenciado pelo Outro.
“Através do sacrifício da individualidade, “Se alguém se relaciona de uma forma
imergindo num outro indivíduo, numa causa verdadeira com outro, deve verdadeiramente
ou numa perseguição. É um duplo desespero ouvir o outro; afastar estereótipos e
porque começando num desespero existen- antecipações do outro e deixar-se moldar
cial, continua noutro desespero de que não se pela resposta do outro [...] Para relacionar-se
tem consciência porque se sacrificou a cons- com o outro de uma forma livre de
ciência de si próprio” (Yalom, 1980, p. 374). necessidade, o indivíduo deve transcender-se
a si próprio” (Yalom, 1980, p. 365).

EU-OUTRO E EU-COISA Yalom refere Abraham Maslow (1968, p. 21) e


a sua dicotomia dos indivíduos orientados para o
Para explicar como o isolamento existencial crescimento ou para o défice. Os orientados para
não confrontado se pode manifestar no indivíduo o crescimento são mais auto-suficientes, menos
e na sua inter-relação com os seus semelhantes, dependentes do meio para reforço ou gratifi-
Yalom recorre a Martin Buber (1970, p. 69) e às cação, menos ansiosos por honras, prestígios e
suas noções de Eu-Outro (I-Thou), de Eu-Coisa recompensas e podem, por vezes, sentir-se
(I-It), e de amor com ou sem necessidade. invadidos por outros preferindo períodos de
Se noutros modelos psicoterapêuticos, as privacidade com a qual lidam bem. Não se
noções de necessidade de segurança, ligação, relacionam com outros como fornecedores, mas
validação pessoal, satisfação ou desejo, ou poder como seres humanos.
são importantes, Yalom propõe que se olhem as
relações do ponto de vista de como elas aliviam
o isolamento existencial. AMOR LIVRE DE NECESSIDADE
Refere-se, assim, a uma psicopatologia das
inter-relações humanas, cujo ponto de partida Investigando a natureza do amor livre de
deve ser o que uma relação pode aspirar a ser: necessidade, Yalom (1980, p. 370) afirma que o
uma relação livre de necessidade. amor não nos afasta da separação uma vez que

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esta é um dado da existência que pode ser EXISTIR AOS OLHOS DOS OUTROS
confrontado, mas nunca eliminado. Em vez
disso, o amor é a melhor forma de lidar com a No indivíduo perturbado pelo isolamento, a
dor da separação. presença dos outros é necessária para tornar a
Existe um amor maduro que é uma união na realidade real: “Só existo se pensam em mim”.
condição de preservar a integridade do outro. O suicídio pode ser uma forma de permanecer
Paradoxalmente dois seres tornam-se um e ainda lembrado por outros, um acto mágico, em que
assim continuam dois. O indivíduo é amado não há a ideia de morte pois se continua a viver
porque ama e precisa do outro porque o ama. No na consciência de outros.
amor imaturo o indivíduo ama porque é amado, “Na pesquisa do amor, o indivíduo neurótico
ama porque precisa do outro. foge do forte e reconhecido sentimento de
Yalom aponta assim um conjunto de isolamento, do vazio no centro do seu ser.
características do amor livre de necessidade: Ao ser escolhido e valorizado [por outros] o
– Cuidar do outro de forma consciente sem indivíduo afirma-se no seu ser. O puro
necessidade de uso ou troca ou avaliação sentimento de ser, de ‘Eu sou’, de ser a
externa. origem de coisas, é demasiado assustador no
seu isolamento; por isso, ele nega a
– Experimentar o outro de forma completa e
individualidade e recusa acreditar que existe
não apenas a parte de que retira utilidade.
na medida em que é objecto da consciência
Prolongar-se através do outro reconhecendo
de outro. Esta solução está destinada ao
que ele constitui também um mundo. fracasso de várias formas. A relação falha
– Cuidar activamente do seu crescimento. geralmente porque o outro se cansa de
Amor maduro é amar, não é ser amado. afirmar a existência do indivíduo. Além
– Cuidar é uma forma de estar no mundo; não disso, o outro nunca se sente completamente
é dirigido a uma pessoa em particular. reconhecido e envolvido porque o indivíduo
se relaciona só com uma parte – a parte que
– O amor maduro entrega a nossa riqueza, não
lhe serve para afirmar a sua própria
as nossas necessidades. O amor recebido
existência. A solução falha porque o outro
no passado é a origem da força; o amor dado
sente que é apenas provisório até o indivíduo
agora é o resultado da força.
arranjar melhor: se uma pessoa não se
– Cuidar é recíproco na medida em que ao consegue afirmar, então, continuamente,
cuidar do outro ficamos nós próprios mais precisa de afirmação através de outros. O
vivos. indivíduo distrai-se permanentemente de
– O amor maduro tem recompensas. O enfrentar o isolamento fundamental [...] O
indivíduo altera-se, enriquece-se, enche-se, a indivíduo que precisa da afirmação dos
solidão existencial é atenuada. As outros para viver tem de evitar estar
recompensas vêm, mas não podem ser sozinho” (Yalom, 1980, p. 376).
pedidas.
Ele precisa de “matar o tempo” escolhendo
Van Deurzen (2002, p. 57) explica de outra actividades que o ocupem, ou escapando do
forma: presente para o passado de lembranças, ou
fugindo com a imaginação para um futuro de
“um certo modo de ser e de se relacionar projectos maravilhosos.
com os outros cria um mundo dentro de si e Frequentemente os indivíduos se agregam,
à sua volta, que, em retorno, recria mais do procurando usar os outros como “equipamento”
mesmo em resposta. Não é que imaginemos de forma a fugir ao isolamento. Yalom refere que
que os outros têm qualidades que nós temos. muitos divórcios tiveram essa origem: “o
Pela forma de relacionar e de sermos quem problema de não ser amado é na maior parte dos
somos, levamos essas qualidades para os casos um problema de não amar” (Yalom, 1980,
outros”. p. 377).

639
A fusão com os outros é um conceito mais depressa melhor, para ter sexo – em vez
psicopatológico relacionado com o isolamento da situação oposta em que o sexo é uma
existencial. Somos indivíduos. Reconhecer isso manifestação e facilitação de uma relação
leva-nos ao isolamento e para lidar com o mais profunda” (Yalom, 1980, p. 383).
isolamento procuramos formas de negação. “Não
estou sozinho, sou parte de outros” leva o Um fetichista (só se conhecem casos de
indivíduo à dependência de outros, a abandonar homens) relaciona-se não com uma mulher, mas
as suas necessidades e procurar o que agrada aos com um objecto que lhe pertence. Mesmo que
outros para fazê-los querê-lo. Acima de tudo faça sexo com uma mulher, não se relacionando
evitam conflitos com outros. Preferem a fusão e com o seu espírito, também será fetichista
a segurança à individualização. A fusão com um mesmo que usando o seu corpo. Não há nesse
poderoso pode ter uma valia acrescentada. caso, de facto, relacionamento autêntico consigo
A fusão elimina o isolamento eliminando a e com os outros.
consciência de si próprio. Como Kierkegaard A utilização do outro como elevador social,
(1849, p. 34) afirmou: “Cada incremento de como forma de aprender e crescer na vida social,
consciência e na proporção desse aumento, a procurando a proximidade que atinge esses fins e
intensidade do desespero aumenta: quanto mais evitando uma relação profunda que compromete,
consciência, mais intenso o desespero”. é outra forma de resposta à ansiedade do
Existe um paralelo entre a ansiedade pelo isolamento.
isolamento existencial e a morte: no primeiro
procura-se uma fusão noutro próximo, no
segundo uma fusão no “salvador último”. CONCLUSÃO
Yalom refere o transvestido como sendo uma
forma de, na competição por uma mulher com O aprofundamento do isolamento interpessoal
outro homem, o indivíduo foge vestindo-se e intrapessoal na sociedade moderna, com a
como mulher, até ao ponto em que a sua diminuição de referências sociais facilitadoras de
ansiedade castradora, aumentada pela auto- desenvolvimento pessoal como ser social e como
-infligida castração, possibilita alívio sexual. indivíduo com projecto próprio, é uma preocu-
Ele aproxima-se do sexo feminino, que teme, pação frequentemente expressa na obra de Yalom.
vestindo as suas roupas e assumindo os seus A insuficiência de ambientes estáveis ao
comportamentos típicos. A sua ansiedade crescimento do indivíduo, a padronização do ser
aumenta quando se apercebe que “não está lá para os outros e o relevar do indivíduo individua-
nem cá”. lista e narcisista, tornam especialmente difícil a
E Yalom vê o sadismo e o masoquismo como sociedade moderna, com múltiplos e mais
formas de fusão, complementares. A diferença intensos focos de ansiedade na vida do dia-a-dia e
entre um e outro é entre fundido e fundidor. São menores oportunidades de reflexão e saudável
diferentes soluções para o mesmo problema. confrontação com os dados da existência.
O sexo pode ser uma potente forma de Esta abordagem psicoterapêutica insere-se bem
negação de ansiedade relativa tanto à morte na sociedade moderna que Heidegger (1959)
própria, como às possibilidades da vida ou à refere calcular em vez de pensar, em que o
falta de sentido. primado da técnica distancia o indivíduo da sua
Igualmente o sexo compulsivo é uma resposta necessária reflexão. Esta distância aumenta sem
comum à consciência de isolamento. dúvida o isolamento individual no dia-a-dia.
“É uma força em si próprio que parece maior Neste processo calculista que prescreve ao
que a própria vida. [...] O sexo compulsivo indivíduo a sua realização através de uma indivi-
quebra todas as regras de verdadeiro carinho. dualização pelo consumo e um projecto de
O indivíduo usa o outro como equipamento. adaptação dos comportamentos individuais às
Usa, relaciona-se, apenas com uma parte do exigências de uma sociedade de produção e
outro. Relacionar-se desta forma significa consumo (Boltanski, 2005), a racionalidade é
que o indivíduo forma a relação, e quanto imposta em todos os aspectos da vida aumen-

640
tando a dificuldade em encontrar sentido pessoal cial (necessidade do trabalho, da família, dos
e a intimidade promovida é a de utilização do inter-relacionamentos) procurando os ajusta-
outro. Acresce que o “ponto de colocação dos mentos possíveis entre o trabalho e a vida
indivíduos na estrutura social não é indiferente. pessoal, ganhando significado de vida e
Nos níveis mais baixos, quer culturais, quer autenticidade e desta forma reduzindo a sua
económicos, as possibilidades de escolha estão ansiedade e ficando mais disponível para se
forte e objectivamente limitadas” (Teixeira, dedicar mais ao que mais lhe significa.
2006). Neste processo, o paciente pode aprender a
A intervenção psicoterapêutica existencial reflectir sobre si e sobre o contexto, procurando
procurará ajudar o paciente a clarificar, para si melhores adaptações, o que é fonte de mudança
próprio, a sua visão do mundo e a forma como com significado.
confronta, na especificidade da sua individuali-
dade, da sua situação biográfica e das suas
perspectivas, as características da existência. REFERÊNCIAS
A exploração da situação existencial é feita
através da exploração concreta da experiência
Boltanski, L. (2005). The new spirit of capitalism.
consciente do paciente e não da discussão London: Verso (2nd ed. 2007).
filosófica das condições da existência do ser
humano. É a forma concreta de como a Buber, M. (1970). I and thou. New York: Charles
Scribner.
existência nele se manifesta que constitui a
clarificação, a compreensão fenomenológica de Heidegger, M. (1926). Being and time. New York:
si próprio e do seu mundo inter-relacional. State University of NY Press (ed. 1996).
A visão do mundo do paciente é válida Heidegger, M. (1959). Serenidade. Lisboa: Instituto
enquanto sua e o processo psicoterapêutico visa Piaget.
clarificá-la, verificar como o mundo é para o Husserl, E. (1927). Phenomenology, Article for the
paciente. Além disso, um paciente que progressi- Encyclopaedia Britannica (2007/12/02), www.hfu.
vamente aceita que a sua visão do mundo é edu.tw/~huangkm/phenom/husserl-britanica.htm
apenas a sua, abre-se a aceitar que outros
Kierkegaard, S. (1838). Repetition. In Kierkegaard’s
tenham as suas visões do mundo, com múltiplos
Writings, vol. 6, Princeton University Press (1983).
aspectos diferentes, em resultado de experiências
biográficas e projectos de vida diferentes. Kierkegaard, S. (1849). Sickness unto death. Wilder
A possibilidade de coexistirem várias visões Publications Limited.
do mesmo mundo pode progredir no sentido de o Maslow, A. (1968). Towards a psychology of being.
paciente aceitar outras possibilidades de, ele New York: D. Van Nostrand.
próprio, ver o mundo, abrindo-se um horizonte Spinelli, E. (2005). The interpreted world, An
de possibilidades e graus de liberdade antes não introduction to phenomenological psychology.
considerado. Este horizonte contém possibili- London: Sage.
dades de escolhas, muitas vezes mutuamente Spinelli, E. (2007). Practising existential
exclusivas, cuja escolha na situação existencial psychotherapy. Sage: London.
presente o paciente fará com uma responsabili-
Teixeira, J. A. C. (2006). Problemas psicológicos
dade correspondente ao grau de clarificação
contemporâneos. Uma perspectiva existencial.
atingido. Análise Psicológica, 24(3), 405-413.
A abordagem existencial procura que o
indivíduo clarifique os seus significados em vez Van Deurzen, E. (2002). Existential counselling &
de aceitar os que lhe são oferecidos. Tal não leva psychotherapy in practice. Sage: London (ed.
2007).
necessariamente ao afastamento ou à desilusão
com a sociedade, mas a uma participação mais Yalom, I. (1980). Existential psychotherapy. New York:
activa na medida em que cada indivíduo se Basic Books.
enriquece nas inter-relações, em que assume Yalom, I. (2001). The gift of yherapy. New York:
responsabilidades sobre a sua situação existen- Harper Collins (ed. 2006).

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RESUMO ABSTRACT

São apresentados, de forma sucinta, alguns dos Some of the key themes of phenomenological and
temas principais da filosofia fenomenológica e existentialist philosophy referred by Irvin D. Yalom as
existencialista que Irvin D. Yalom refere como base da the basics for his interpretation of the characteristics of
sua interpretação das características da existência. existence are presented. Focusing on existential
Com foco no isolamento existencial, são depois isolation, the confrontations with all those
descritos os confrontos com essas características e a characteristics are thereafter described as well as the
psicopatologia que de uma forma compreensiva psychopathology that, in a comprehensive way, results
decorre do enviesamento desses confrontos, assim from the obliquity of those confrontations, as well as
como os principais eixos de uma psicoterapia de base the central axes of a phenomenological and
fenomenológica e existencialista. existentialist psychotherapy.
Palavras chave: Existencialismo, Fenomenologia, Key words: Existentialism, Isolation, Phenomeno-
Isolamento, Psicopatologia, Psicoterapia. logy, Psychopathology, Psychotherapy.

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