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Universidade da Amazónia - Unama

Curso de Mestrado e m Comunicação, C u l t u r a e L i n g u a g e m


Disciplina: O c a m p o c o m u n i c a c i o n a l : aspectos teóricos e epistemológicos
Professora: Cenira A l m e i d a S a m p a i o
Data: 2 4 / 0 2 / 2 0 1 1

Aula 0 2 -A trajetória e o s paradigmas da Teoria da Comunicação

Carlos Alberto Ávila Araújo 1

1. A s d i v e r s a s c o r r e n t e s q u e compõem a Teoria d a Comunicação

O q u e é n o r m a l m e n t e conhecido c o m o Teoria da Comunicação diz r e s p e i t o a


u m a tradição de e s t u d o s e pesquisas q u e se inicia no começo d e s t e século. O q u e não
significa q u e , até este m o m e n t o específico, não se e s t u d a v a a comunicação. Por
e x e m p l o , os e s t u d o s d e Aristóteles s o b r e a retórica p o d e m s e r i d e n t i f i c a d o s c o m o
e s t u d o s sobre a comunicação.
A S o c i o l o g i a , e n q u a n t o ciência, t e m u m s u r g i m e n t o d a t a d o : o século X V I I I ,
2

época e m q u e a vida social t o r n a - s e u m p r o b l e m a , u m o b j e t o de e s t u d o . O u seja, são


características da realidade social vivida no m o m e n t o - o r i t m o v i o l e n t o das mudanças
no f i m do f e u d a l i s m o e início do c a p i t a l i s m o ; a industrialização; a vida f a b r i l ; a
urbanização; a mudança de c o s t u m e s - q u e d e t e r m i n a m a configuração de u m a
a t i v i d a d e reflexiva e u m c o n j u n t o de e s t u d o s sistemáticos v o l t a d o s para u m p r o b l e m a
específico: a sociedade. O q u e se d e u c o m a Sociologia, r e p e t i u - s e c o m a Comunicação.
C o m o esclarece França , 3 "se a reflexão sobre a c o m u n i c a b i l i d a d e , a
a t i v i d a d e c o m u n i c a t i v a do h o m e m , p r e o c u p o u os p e n s a d o r e s desde a A n t i g u i d a d e
Clássica, a nossa Teoria da Comunicação é b e m r e c e n t e .
Na v e r d a d e , o d e s e n v o l v i m e n t o de e s t u d o s mais sistemáticos s o b r e a
comunicação é consequência a n t e s de t u d o do a d v e n t o de u m a nova prática de
comunicação: a comunicação de massa, realizada através de meios eletrônicos,
possibilitando o alcance de audiências de massa, a supressão do t e m p o e da distância".
É a p a r t i r , p o r t a n t o , do s u r g i m e n t o dos meios de comunicação d e massa e
das indagações q u e eles c o l o c a r a m - o j o r n a l i s m o de massa, no f i m d o século X I X , e, no
início do século XX, o rádio e o c i n e m a , a t i n g i n d o as g r a n d e s audiências - q u e p o d e m o s
falar n u m a Teoria da Comunicação, q u e seria o c o n j u n t o de e s t u d o s e pesquisas s o b r e
as práticas c o m u n i c a t i v a s . Este c o n j u n t o , c o n t u d o , não c o n s t i t u i u m c o r p o homogéneo
o u contínuo m a s , a n t e s , r e p r e s e n t a u m a m u l t i p l i c i d a d e de c o n h e c i m e n t o s , métodos e
p o n t o s de vista b a s t a n t e heterogéneos e d i s c o r d a n t e s .
Diversos a u t o r e s se debruçaram sobre a Teoria da Comunicação n u m a
t e n t a t i v a de sistematizá-la ou classificá-la. Não é o b j e t i v o deste t r a b a l h o a p r e s e n t a r o u
discutir essas classificações. Recorrer-se-á, apenas, e m a l g u n s m o m e n t o s , a a l g u m a

doutorando em Ciência da Informação pela UFMG e professor licenciado das Faculdades Integradas de Caratinga.
' Jornalista,
Conforme MARTINS, C.B. O que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1992.
2

ln: FRANÇA, V.R.V. "Teoria(s) da comunicação: busca de identidade e de caminhos". Belo Horizonte: Depto. de
3

Comunicação da UFMG, 1994.


delas. Nosso o b j e t i v o aqui é o de a p r e s e n t a r a trajetória da Teoria da Comunicação,
i d e n t i f i c a n d o escolas e m o m e n t o s mais r e p r e s e n t a t i v o s .

1.1. A origem dos e s t u d o s : a pesquisa n o r t e - a m e r i c a n a


Os p r i m e i r o s e s t u d o s sobre a comunicação de massa a c o n t e c e m nos Estados
Unidos, na década de 3 0 , a p a r t i r de u m a d e m a n d a pragmática, mais política do q u e
científica - d e t e r m i n a n d o u m a problemática de e s t u d o s q u e não foi colocada pelo
interesse científico. C o n t r a t a d o s p o r diversas instituições para r e s o l v e r p r o b l e m a s
i m e d i a t o s r e l a t i v o s às questões c o m u n i c a t i v a s - daí o caráter i n s t r u m e n t a l desse t i p o de
pesquisa -, pesquisadores c o m o Lasswell, Lazarsfeld, Lewin e H o v l a n d d e r a m início ao
q u e W o l f c h a m o u de communication
4 research, o u a longa tradição de análise e m
comunicação. S c h r a m m coloca q u e " q u a t r o h o m e n s são n o r m a l m e n t e c o n s i d e r a d o s
5

os pais f u n d a d o r e s ' da pesquisa sobre comunicação nos Estados Unidos: dois


4

psicólogos, u m sociólogo e u m cientista político". O a u t o r , r e f e r i n d o - s e a Paul Lazarsfeld,


K u r t Lewin, Harold Lasswell e Carl H o v l a n d , identifica q u e " e s t a s q u a t r o c o r r e n t e s de
influência" são "perceptíveis na pesquisa de comunicação nos Estados Unidos", ou s e j a ,
a p a r t i r das o b r a s destes q u a t r o a u t o r e s , e dos vários c e n t r o s de pesquisa criados para
e s t u d a r a comunicação, se d e s e n v o l v e t o d a a pesquisa n o r t e - a m e r i c a n a .
Lazarsfeld, sociólogo f o r m a d o e m Viena, c h e g o u aos Estados Unidos e m
1932 e e x e c u t o u diversos e s t u d o s sobre a audiência e os efeitos dos meios de
comunicação de massa, c e n t r a d o nas questões e l e i t o r a i s , de c a m p a n h a s e da influência
pessoal e m relação à dos meios coletivos. Katz e Klapper, a l u n o s de Lazarsfeld, também
d e s e n v o l v e r a m reconhecidos t r a b a l h o s sobre os efeitos da comunicação de massa.
Lewin, psicólogo também f o r m a d o e m Viena e também c h e g a d o aos Estados Unidos no
início da década de 3 0 , p r e o c u p o u - s e , b a s i c a m e n t e , c o m a comunicação de g r u p o s e
c o m os efeitos das pressões, n o r m a s e atribuições d o g r u p o no c o m p o r t a m e n t o e
a t i t u d e s de seus m e m b r o s . U m d e seus discípulos, Festinger, d e s e n v o l v e u a t e o r i a da
dissonância c o g n i t i v a .
O t e r c e i r o dos "pais f u n d a d o r e s " , Lasswell, era cientista político c u j o método
era o analítico. Foi p i o n e i r o no e s t u d o da p r o p a g a n d a e das funções da comunicação. Por
f i m , H o v l a n d , psicólogo, debruçou-se sobre a comunicação e mudança de a t i t u d e . O
c o n j u n t o dos e s t u d o s n o r t e - a m e r i c a n o s não r e p r e s e n t a u m t o d o homogéneo - são
inúmeras v e r t e n t e s de pesquisa, c o m v a r i a d o s e n f o q u e s -, m a s é possível i d e n t i f i c a r pelo
m e n o s dois g r a n d e s r a m o s de e s t u d o - os q u e se p r e o c u p a m c o m os efeitos da
comunicação e os q u e b u s c a m estabelecer suas funções -, b e m c o m o e s t u d o s mais
operacionais q u e vão buscar d a r conta da n a t u r e z a do processo c o m u n i c a t i v o c o m seus
elementos internos.

1.1.1. O estudo dos efeitos


Temática específica da pesquisa a m e r i c a n a , essa c o r r e n t e de preocupação
congrega v a r i a d o s e s t u d o s de n a t u r e z a s d i f e r e n t e s . U m a u t o r q u e se dedica à
sistematização e análise dos e s t u d o s a m e r i c a n o s dos efeitos é W o l f , a p a r t i r da 6

identificação da t e o r i a hipodérmica e de sua evolução. É essa classificação q u e será


a d o t a d a , a q u i , para a identificação da perspectiva dos efeitos na pesquisa n o r t e -
americana.

1.1.1.1. A Teoria Hipodérmica

WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987.


4

SCHRAMM, W. et alii. Panorama da comunicação coletiva. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura,


5

1964, p.10.
WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987.
6
A Teoria Hipodérmica é u m m o d e l o q u e t e n t a d a r conta da p r i m e i r a reação
que a difusão dos m e i o s de comunicação de massa d e s p e r t o u nos e s t u d i o s o s . Ela se
constrói, p o r t a n t o , e m relação à n o v i d a d e q u e são os fenómenos da comunicação de
massa, e às experiências totalitárias da época e m q u e s u r g e - o período e n t r e g u e r r a s .
A síntese dessa teoria é q u e cada indivíduo é d i r e t a m e n t e a t i n g i d o pela
m e n s a g e m veiculada pelos meios de comunicação de massa, ou s e j a , e x i s t e u m a
concepção de onipotência dos m e i o s , e de efeitos d i r e t o s . Sua preocupação básica é
j u s t a m e n t e c o m esses efeitos.
Há q u e se d e s t a c a r a presença de u m a t e o r i a da sociedade de massa, e de
u m a t e o r i a psicológica da ação, ligada ao o b j e t i v i s m o b e h a v i o r i s t a . A presença de u m
conceito de sociedade de massa destaca o i s o l a m e n t o físico e n o r m a t i v o do indivíduo na
massa e a ausência de relações interpessoais. Daí a atribuição de t a n t o d e s t a q u e às
capacidades m a n i p u l a d o r a s dos mass m e d i a .
Já a t e o r i a da ação elaborada a p a r t i r da psicologia b e h a v i o r i s t a e s t u d a o
c o m p o r t a m e n t o h u m a n o c o m métodos de experimentação e observação das ciências
n a t u r a i s e biológicas. O r e s u l t a d o da utilização desse t i p o de concepção é q u e a Teoria
Hipodérmica c o n s i d e r a v a o c o m p o r t a m e n t o e m t e r m o s de estímulo e r e s p o s t a , o q u e
p e r m i t i a estabelecer u m a relação d i r e t a e n t r e a exposição às m e n s a g e n s e o
c o m p o r t a m e n t o : se u m a pessoa é " a p a n h a d a " pela p r o p a g a n d a , ela pode s e r c o n t r o l a d a ,
m a n i p u l a d a , levada a agir.
Essa concepção da ação c o m u n i c a t i v a c o m o u m a relação automática de
estímulo e resposta reduz a ação h u m a n a a u m a relação de causalidade linear, e reduz
também a dimensão s u b j e t i v a da escolha e m f a v o r d o caráter manipulável d o indivíduo.

1.1.1.2. A evolução da Teoria Hipodérmica

A evolução da Teoria Hipodérmica, no s e n t i d o de u m a visão mais c o m p l e x a


do processo c o m u n i c a t i v o - e de perceber as q u e os efeitos não se d a v a m de f o r m a
d i r e t a , i d e n t i f i c a n d o limitações -, deu-se s e g u n d o duas d i r e t r i z e s d i s t i n t a s , m a s e m
m u i t o s aspectos i n t e r l i g a d a s e s o b r e p o s t a s . É possível p e r c e b e r m o s u m c e r t o percurso
seguido pela pesquisa sobre os mass m e d i a : no começo, a Teoria Hipodérmica
c o n c e n t r a d a nos p r o b l e m a s da manipulação, para passar aos da persuasão c h e g a n d o ,
por f i m , aos da influência.

1.1.1.2.1. A a b o r d a g e m "da persuasão"

Os e s t u d o s empírico-experimentais debruçaram-se s o b r e os fenómenos


psicológicos individuais q u e c o n s t i t u e m a relação c o m u n i c a t i v a , c o m o o b j e t i v o de
p e r c e b e r c o m o o c o r r e m os processos de persuasão o c o r r i d o s a p a r t i r da ação dos m e i o s .
Para t a n t o , p a r t i r a m da determinação das características psicológicas dos r e c e p t o r e s .
Entre os vários e s t u d o s , d e s t a c a m - s e as pesquisas psicológicas de H o v l a n d . Porém, este
âmbito de e s t u d o s é c o m p o s t o p o r u m a m u l t i p l i c i d a d e de m i c r o p e s q u i s a s de r e s u l t a d o s
m u i t a s vezes opostos, o q u e faz c o m q u e não exista u m a u n i d a d e no c o n j u n t o desses
estudos.
A p r i m e i r a c o o r d e n a d a q u e o r i e n t a esse t i p o de e s t u d o s se o r i e n t a e m
relação às características dos destinatários q u e i n t e r f e r e m na obtenção dos efeitos
p r e t e n d i d o s . A e s t r u t u r a q u e o r i e n t a esses e s t u d o s é u m a concepção tão mecanicista
q u a n t o a da Teoria Hipodérmica. A de q u e , e n t r e a causa ( o u estímulo) e o e f e i t o (a
r e p o s t a ) , e x i s t e m processos biológicos i n t e r v e n i e n t e s - ou s e j a , é a m e s m a concepção
de causa-efeito, m a s d e n t r o de u m q u a d r o analítico u m pouco mais c o m p l e x o , p o r q u e
considera as s e g u i n t e s variáveis: o interesse e m o b t e r informação, a exposição seletiva
provocada pelas a t i t u d e s já e x i s t e n t e s , a interpretação seletiva e a memorização
seletiva.
A segunda c o o r d e n a d a t e m a v e r c o m a organização ótima das m e n s a g e n s
c o m finalidades persuasivas - ou s e j a , os f a t o r e s ligados às m e n s a g e n s . Essa tendência
de pesquisa, para d e s e n v o l v e r - s e , utilizou das conclusões o b t i d a s na p r i m e i r a
c o o r d e n a d a . As variáveis q u e se r e l a c i o n a m c o m as m e n s a g e n s são: a c r e d i b i l i d a d e do
c o m u n i c a d o r , a o r d e m da argumentação, a i n t e g r a l i d a d e das argumentações e a
explicitação das conclusões.

1.1.1.2.2. A Teoria d o s Efeitos limitados

A a b o r d a g e m empírica de c a m p o ou " d o s efeitos l i m i t a d o s " p r o c u r o u e s t u d a r


os f a t o r e s de mediação e x i s t e n t e s e n t r e os indivíduos e os m e i o s de comunicação de
massa. Essa t e o r i a é c o m p o s t a de duas c o r r e n t e s :
a) Estudo da composição diferenciada dos públicos e d o s seus m o d e l o s de
c o n s u m o de comunicações de massa.
b ) Pesquisas s o b r e a mediação social q u e caracteriza o c o n s u m o : a
percepção de q u e a eficácia dos mass media só é susceptível de ser analisada no
c o n t e x t o social e m q u e f u n c i o n a m .
Essa t e o r i a , mais a t e n t a à c o m p l e x i d a d e dos fenómenos, deixa de s a l i e n t a r a
relação causal d i r e t a e n t r e p r o p a g a n d a de massas e manipulação de audiência para
passar a insistir n u m processo i n d i r e t o de influência e m q u e as dinâmicas sociais se
i n t e r s e c t a m c o m os processos c o m u n i c a t i v o s .
O o b j e t o de e s t u d o dessa t e o r i a e r a , c o m o os d e m a i s , os mass m e d i a , m a s ,
e s p e c i f i c a m e n t e d e n t r o dos processos g e r a d o s a p a r t i r de sua presença, aqueles
relacionados aos processos de formação de opinião. É, a i n d a , inegável a contribuição
dessa teoria para o d e s e n v o l v i m e n t o do m o d e l o do t w o - s t e p f l o w - a d e s c o b e r t a dos
líderes de opinião e do f l u x o de comunicação e m dois níveis. O avanço d e s t a s
d e s c o b e r t a s é q u e elas d e m o n s t r a m q u e os efeitos não p o d e m ser atribuídos à esfera d o
indivíduo, m a s à rede de relações - é a noção do e n r a i z a m e n t o dos processos e de seu
caráter não-linear q u e começa a t o m a r corpo. Até então, a audiência era concebida
c o m o u m c o n j u n t o de classes etárias, de sexo, de casta, etc, e pensava-se q u e as
relações i n f o r m a i s e n t r e as pessoas não i n f l u e n c i a v a m o r e s u l t a d o d e , p o r e x e m p l o , u m a
c a m p a n h a propagandística.

1.1.2. A Teoria Funcionalista

A c o r r e n t e funcionalista a b o r d a hipóteses sobre as relações e n t r e os


indivíduos, a sociedade e os meios de comunicação de massa. Ela se d i s t a n c i a , e m
m u i t o , das t e o r i a s p r e c e d e n t e s pois a questão de f u n d o já não são os efeitos m a s as
funções exercidas pela comunicação de massa na sociedade. O c e n t r o das preocupações
deixa de ser o indivíduo para ser a sociedade, n u m a linha sócio-política. O f u n c i o n a l i s m o
se desenha c o m o u m a perspectiva de certa f o r m a paralela à dos e f e i t o s , t r a z e n d o
também e l e m e n t o s q u e a p o n t a m para a superação da Teoria Hipodérmica.
A q u i , t e m - s e u m a definição da problemática dos mass m e d i a a p a r t i r da
sociedade e de seu equilíbrio, da perspectiva do f u n c i o n a m e n t o do s i s t e m a social no seu
c o n j u n t o e seus c o m p o n e n t e s . Já não é a dinâmica i n t e r n a dos processos c o m u n i c a t i v o s
que define o c a m p o de interesse de u m a t e o r i a dos mass m e d i a , m a s s i m a dinâmica d o
sistema social.
A s s i m , a t e o r i a sociológica de referência para estes e s t u d o s é o e s t r u t u r a l -
f u n c i o n a l i s m o . O s i s t e m a social na sua g l o b a l i d a d e é e n t e n d i d o c o m o u m o r g a n i s m o
c u j a s d i f e r e n t e s p a r t e s d e s e m p e n h a m funções de integração e de manutenção do
s i s t e m a . A n a t u r e z a organísmica da a b o r d a g e m f u n c i o n a l i s t a t o m a c o m o e s t r u t u r a o
o r g a n i s m o do ser v i v o , c o m p o s t o de p a r t e s , e no qual cada p a r t e c u m p r e seu papel e
gera o t o d o , t o r n a esse t o d o f u n c i o n a l ou não. Entre a l g u n s m o d e l o s de funções, t e m o s
o de W r i g h t , o de Lasswell e o de L a z a r s f e l d - M e r t o n .
A hipótese dos " u s o s e funções" é u m s e t o r de análise específico s o b r e os
efeitos dos meios de comunicação de massa q u e foi d i r e t a m e n t e influenciado pelo
p a r a d i g m a f u n c i o n a l i s t a . E n q u a n t o as funções se r e f e r e m a consequências de c e r t o s
e l e m e n t o s r e g u l a r e s , e s t a n d a r d i z a d o s e r o t i n i z a d o s do processo c o m u n i c a t i v o , as
necessidades se r e l a c i o n a m à apropriação dos e s p e c t a d o r e s e d e t e r m i n a r i a m u m c e r t o
" u s o " q u e estes f a r i a m do m a t e r i a l veiculado na mídia, p r o c u r a n d o satisfazer suas
necessidades.

1.1.3. A formalização do p r o c e s s o

1.1.3.1. A Teoria Matemática da Comunicação

Uma t e r c e i r a perspectiva q u e pode s e r identificada é a q u e se p r e o c u p a c o m


a formalização do processo c o m u n i c a t i v o . A Teoria Matemática da Comunicação, ou
Teoria da Informação - c o m o também é conhecida - é, na v e r d a d e , u m a sistematização
do processo c o m u n i c a t i v o a p a r t i r de u m a perspectiva p u r a m e n t e técnica, q u a n t i t a t i v a ,
elaborada p o r dois e n g e n h e i r o s matemáticos, S h a n n o n e W e a v e r , e m 1 9 4 9 . C o n s t i t u i ,
p o r t a n t o , u m e s t u d o de e n g e n h a r i a da comunicação.
W e a v e r , d e s c r e v e n d o t r a b a l h o realizado p o r Claude S h a n n o n , a p r e s e n t a a
7

s e g u i n t e representação de u m sistema de comunicação:

Fonte de informação => T r a n s m i s s o r => Canal => Receptor => Destino

sinal ruído sinal

A comunicação é a p r e s e n t a d a c o m o u m s i s t e m a no qual u m a f o n t e de
informação seleciona u m a m e n s a g e m desejada a p a r t i r de u m c o n j u n t o d e m e n s a g e n s
possíveis, codifica esta m e n s a g e m t r a n s f o r m a n d o - a n u m sinal passível de s e r enviada
por u m canal ao r e c e p t o r , q u e fará o t r a b a l h o do e m i s s o r ao i n v e r s o . Ou seja, a
comunicação é e n t e n d i d a c o m o u m processo de transmissão de u m a m e n s a g e m p o r
u m a f o n t e de informação, através de u m canal, a u m destinatário
A problemática gira e m t o r n o de duas questões q u e se c o l o c a m à
comunicação: a da c o m p l e x i d a d e e m oposição à simplificação; e a da acumulação d o
c o n h e c i m e n t o e m oposição à racionalização dessa acumulação.
Alguns conceitos c o r r e l a t o s são t r a b a l h a d o s p o r esta t e o r i a . A noção de
informação (ligada à incerteza, à p r o b a b i l i d a d e , ao g r a u de l i b e r d a d e na escolha das
m e n s a g e n s ) , de estropia (a i m p r e v i s i b i l i d a d e , a desorganização de u m a m e n s a g e m , a
tendência dos e l e m e n t o s f u g i r e m da o r d e m ) , o código ( q u e o r i e n t a a escolha, atua no
processo de produção da m e n s a g e m ) , o ruído (interferência q u e a t u a sobre o canal e
a t r a p a l h a a transmissão), e a redundância (repetição utilizada para g a r a n t i r o p e r f e i t o
e n t e n d i m e n t o ) . Todos esses conceitos e os e l e m e n t o s d o processo são encaixados e m
t e o r e m a s q u e u t i l i z a m m a t r i z e s e l o g a r i t m o s n u m e s t u d o p u r a m e n t e matemático e
q u a n t i t a t i v o . O o b j e t o de e s t u d o , pois, é a transmissão de m e n s a g e n s através de canais

WEAVER, W e SHANNON, C. "A Teoria Matemática da Comunicação". In: COHN, G. (org).


7

Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978.


mecânicos, e o o b j e t i v o é m e d i r a q u a n t i d a d e de informação passível de se t r a n s m i t i r
por u m canal e v i t a n d o - s e as distorções possíveis de o c o r r e r neste processo.
A comunicação é v i s t a , a q u i , não c o m o processo, m a s c o m o s i s t e m a , c o m
e l e m e n t o s q u e p o d e m ser relacionados e m o n t a d o s n u m m o d e l o . A p r o p o s t a é de u m
m o d e l o linear, e m q u e os e l e m e n t o s são e n c a d e a d o s e não p o d e m se d i s p o r de o u t r a
f o r m a - e n r i j e c i m e n t o da apreensão do fenómeno c o m u n i c a t i v o , c o m sua cristalização
numa forma fixa.

1.1.3.2. O modelo de L a s s w e l l

Uma o u t r a t e n t a t i v a de formalização do processo c o m u n i c a t i v o é o m o d e l o


lasswelliano q u e r e p r e s e n t a , ao m e s m o t e m p o , u m a sistematização orgânica, u m a
herança e u m a evolução da Teoria Hipodérmica. T e v e , ainda, u m a g r a n d e influência e m
t o d a a communication research, p e r m a n e c e n d o d u r a n t e m u i t o s anos c o m o u m a
v e r d a d e i r a t e o r i a da comunicação e s e r v i n d o de p a r a d i g m a para as duas tendências de
pesquisa - o p o s t a s - q u e se s e g u i r a m à Teoria Hipodérmica. Elaborado nos anos 3 0 e
p r o p o s t o e m 1 9 4 8 , o m o d e l o de Lasswell p r o b l e m a t i z a - e soluciona - a questão
8

a p o n t a n d o q u e " u m a m a n e i r a c o n v e n i e n t e para d e s c r e v e r u m a t o de comunicação


consiste e m r e s p o n d e r às s e g u i n t e s p e r g u n t a s :

Quem? Diz o quê? Em q u e canal? Para q u e m ? Com que


efeito?"

Esse m o d e l o f o r m a l i z a a e s t r u t u r a , t o r n a - a rígida e, a p a r t i r da decomposição


dos e l e m e n t o s , abriu c a m i n h o para q u e os e s t u d o s científicos do processo c o m u n i c a t i v o
p u d e s s e m c o n c e n t r a r - s e e m u m a ou o u t r a dessas interrogações. Q u a l q u e r u m a dessas
variáveis define e organiza u m s e t o r específico de pesquisa. A fórmula de Lasswell
possui u m a e s t r e i t a ligação c o m o o u t r o m o d e l o c o m u n i c a t i v o d o m i n a n t e na
communication research, o da Teoria da Informação, de S h a n n o n e W e a v e r . Os dois
m o d e l o s se c a r a c t e r i z a m pela u n i d i r e c i o n a l i d a d e , a definição de papéis, o c o n g e l a m e n t o
e simplificação do processo. Se, no caso da Teoria da Informação, a preocupação incide
sobre a eficácia do canal - cálculo da q u a n t i d a d e de informação, e n t r o p i a , ruído -, na
"questão-programa" de Lasswell o c e n t r o do p r o b l e m a está nos e f e i t o s , e a ênfase sobre
a técnica é m e n o r .

É possível identificar, p o r t a n t o , tendências d i s t i n t a s nos e s t u d o s sobre a


comunicação de massa realizados nos Estados Unidos. Em a l g u n s p o n t o s , elas se
i d e n t i f i c a m : o f a t o de s e r e m e s t u d o s p o n t u a i s , q u e p r o m o v e m u m a fragmentação do
processo, u m a decomposição dos e l e m e n t o s , a p a r t i r de u m a ênfase pragmática ligada
ao a u m e n t o da eficácia; u m a dinâmica u n i d i r e c i o n a l , c o m clara divisão de papéis; a
simplificação e a c o n s e q u e n t e distorção da realidade c o m p l e x a do processo
c o m u n i c a t i v o . E n f i m , pode-se dizer q u e o p o n t o c o m u m de t o d o s os e s t u d o s é a m e s m a
concepção de f u n d o , q u e é aquela a p r e s e n t a d a de f o r m a s i s t e m a t i z a d a pela Teoria
Matemática e pela "questão p r o g r a m a " de Lasswell.
O e s t u d o dos efeitos nasce de u m a preocupação c o m e r c i a l , c e n t r a d a nos
indivíduos, n u m a linha psicológica-behaviorista. Sua p r i m e i r a formulação teórica consiste
na t e o r i a hipodérmica, c e n t r a d a nos efeitos sobre os indivíduos, e t e n d o c o m o pano de
f u n d o o conceito de sociedade de massa. A p a r t i r dela se d e s e n c a d e i a m e s t u d o s q u e
p r o m o v e m sua evolução: de u m lado, os e s t u d o s de persuasão q u e b u s c a m f a t o r e s

LASSWELL, H. "A estrutura e a função da comunicação na sociedade". In: COHN, G. (org).


Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978.
ligados à audiência, através das características psicológicas dos r e c e p t o r e s , e dos f a t o r e s
ligados às m e n s a g e n s .
De o u t r o lado, a percepção das mediações sociais, na elaboração da t e o r i a
dos efeitos l i m i t a d o s , a p r i m e i r a a p e r c e b e r o e n r a i z a m e n t o dos processos, ao p r o p o r
q u e os efeitos não p o d e m ser atribuídos s o m e n t e à esfera d o indivíduo, m a s na rede de
relações q u e ele estabelece. Os m e i o s de comunicação d e p e n d e r i a m de u m a c o m p l e x a
t r a m a de influências pessoais e sociais.
O e s t u d o das funções já se origina de u m a preocupação ética, cuja
perspectiva é a sociedade, o " c o r p o social", e a linha de e s t u d o s é a e s t r u t u r a l -
f u n c i o n a l i s t a . O f u n c i o n a l i s m o p r e t e n d e e l a b o r a r e s t u d o s globais, genéricos, v o l t a d o s
para o t o d o social, c o m f u n d a m e n t o no m o d e l o organísmico - cuja base é o m o d e l o
biológico. A função é o papel q u e os e l e m e n t o s c u l t u r a i s e sociais d e s e m p e n h a m na
sociedade, baseada na relação de u m processo c o m as necessidades do o r g a n i s m o , o u ,
m e l h o r ainda, na relação das p a r t e s c o m o t o d o .
Por f i m , a t e r c e i r a v e r t e n t e é a da Teoria Matemática, cuja linha é a da
e n g e n h a r i a de comunicação. Sua preocupação é c o m a otimização dos canais, a eficácia
t o t a l . Seu m o d e l o matemático acabou se t o r n a n d o p a r a d i g m a de análise para os d e m a i s
estudos americanos.

1.2. A Teoria Crítica

P a r a l e l a m e n t e , na Europa, quase ao m e s m o t e m p o e m q u e se d i s s e m i n a v a a
pesquisa a d m i n i s t r a t i v a n o r t e - a m e r i c a n a , u m a o u t r a c o r r e n t e de e s t u d o s se d e s e n v o l v i a .
T r a t a - s e da Teoria Crítica - n o m e dado ao c o n j u n t o de e s t u d o s e proposições e l a b o r a d o s
na Europa - p a r t i c u l a r m e n t e pelos i n v e s t i g a d o r e s do Instituí f u r S o z i a l f o r s c h u n g , ou
Escola de F r a n k f u r t - e q u e e m m u i t o d i f e r i a m do r u m o q u e a pesquisa n o r t e - a m e r i c a n a
estava t o m a n d o na época.
Os i n v e s t i g a d o r e s da Escola de F r a n k f u r t - A d o r n o , Marcuse e H o r k h e i m e r ,
e n t r e o u t r o s - c a r a c t e r i z a v a m - s e p o r s e r e m mais académicos, e n v o l v i d o s c o m u m a
concepção teórica global da sociedade e n i t i d a m e n t e i n f l u e n c i a d o s p o r Marx e F r e u d . Se,
nos Estados Unidos, p r e d o m i n a v a a c h a m a d a "pesquisa a d m i n i s t r a t i v a " c o m os e s t u d o s
funcionalistas e a c o r r e n t e dos efeitos, na Europa a Escola de F r a n k f u r t p r o c u r a v a
consolidar-se c o m o u m a perspectiva mais crítica, a p a r t i r de u m a avaliação m e s m o da
construção científica e ao papel ideológico q u e as ciências e s t a r i a m p r e s t a n d o ao s i s t e m a
capitalista. Crítica, pois, à ciência, ao p e n s a m e n t o p o s i t i v i s t a , à sociedade i n d u s t r i a l , e à
c u l t u r a , são os m a r c o s dessa t e o r i a c u j a s influências teóricas m a i s d e s t a c a d a s s e r i a m
Marx, Freud, Hegel, Kant, Nietzche e S c h o p e n h a u e r . Enquanto a pesquisa
a d m i n i s t r a t i v a p r o m o v i a e s t u d o s p o n t u a i s , c o m a fragmentação do processo, a Teoria
Crítica buscava u m a crítica da sociedade c o m o u m t o d o , n u m c a m i n h o i n v e r s o ao das
disciplinas setoriais, q u e e s t a r i a m d e s e m p e n h a n d o u m a "função de manutenção da
o r d e m social e x i s t e n t e " .
A i d e n t i d a d e da Teoria Crítica liga-se à utilização d o s p r e s s u p o s t o s m a r x i s t a s
e de alguns e l e m e n t o s da psicanálise, na análise das temáticas n o v a s q u e as dinâmicas
sociais da época c o n f i g u r a v a m - o t o t a l i t a r i s m o , a indústria c u l t u r a l , e t c - n u m a
preocupação c o m a s u p e r e s t r u t u r a ideológica e a c u l t u r a . A s s i m , não se pode dizer q u e o
t e m a dessa c o r r e n t e s e j a m os meios de comunicação de massa, m a s q u e , e n t r e os
vários assuntos a b o r d a d o s p o r esta escola, os mais próximos a este t e m a s e r i a m
aqueles r e l a t i v o s à indústria c u l t u r a l - m a r c a d o s pelo e n f o q u e da manipulação.
Não se pode, ainda, p e r d e r de vista t o d o o c o n t e x t o histórico no qual os
e s t u d o s de F r a n k f u r t se d e s e n v o l v e m . A A l e m a n h a v i v e n d o a crise do pós-guerra, a
Revolução Russa v i t o r i o s a , o m o v i m e n t o operário alemão rechaçado, e o n a z i s m o q u e
começava a se f i r m a r , t u d o isso incidia de f o r m a decisiva nas ideias dos j o v e n s j u d e u s
m a r x i s t a s A d o r n o , Marcuse e H o r k h e i m e r . O t e r m o Indústria C u l t u r a l foi utilizado pela
p r i m e i r a vez p o r A d o r n o e H o r k h e i m e r , para s u b s t i t u i r o t e r m o " c u l t u r a d e massa", q u e
9

poderia ser e n g a n o s o , isso é, poderia levar a se pensar q u e se t r a t a v a de u m a c u l t u r a


v i n d a e s p o n t a n e a m e n t e das massas, de u m a f o r m a contemporânea de a r t e popular.
Para a Teoria Crítica, a Indústria C u l t u r a l seria r e s u l t a d o de u m fenómeno social
o b s e r v a d o nas décadas de t r i n t a e q u a r e n t a , e m q u e f i l m e s , rádios e semanários
c o n s t i t u e m u m s i s t e m a harmónico no qual os p r o d u t o s c u l t u r a i s são f e i t o s a d a p t a d o s ao
c o n s u m o das massas e para a manipulação dessas m e s m a s massas. W o l f a p r e s e n t a 10

alguns dos tópicos mais i m p o r t a n t e s d e s e n v o l v i d o s pelos teóricos de F r a n k f u r t :

1.2.1. A Indústria Cultural como s i s t e m a

A Indústria C u l t u r a l c o r r e s p o n d e a u m s i s t e m a e m q u e os vários p r o d u t o s
culturais se c o n j u g a m h a r m o n i c a m e n t e . Essa integração é d e l i b e r a d a e p r o d u z i d a " d o
a l t o " , pelos p r o d u t o r e s , c o m a determinação do t i p o e da função do processo de
consumo. Entre a l g u m a s características, d e s t a c a m - s e a estandardização e a
organização, os estereótipos e a baixa q u a l i d a d e , q u e s e r i a m i m p o s t o s pelo g o s t o do
público. A lógica q u e c o m a n d a t o d o esse processo o p e r a t i v o q u e i n t e g r a cada e l e m e n t o é
a lógica do lucro: o o b j e t i v o da obra c u l t u r a l deixa de ser a criação de algo n o v o , e passa
a t e r p o r t a r e f a agradar, v e n d e r b e m . Uma das estratégias de dominação, p o r p a r t e da
Indústria C u l t u r a l , seria a estereotipização, c o m a divisão dos p r o d u t o s e m géneros: o
t e r r o r , a comédia, o r o m a n c e , a a v e n t u r a .
A p a r t i r dela se consegue d e f i n i r u m m o d e l o de a t i t u d e d o e s p e c t a d o r , u m
m o d o c o m o o conteúdo será percebido. O o b j e t i v o é g a r a n t i r o t r i u n f o d o capital
i n v e s t i d o na produção desses bens c u l t u r a i s . A Indústria C u l t u r a l t e m d e ser, a i n d a ,
e n t e n d i d a c o m o u m s i s t e m a m u l t i e s t r a t i f i c a d o , de significados s o b r e p o s t o s . Ou seja, há
m e n s a g e n s explícitas e o u t r a s ocultas. O o b j e t i v o é seduzir os e s p e c t a d o r e s e m
d i f e r e n t e s níveis psicológicos. Essa característica é q u e faz c o m q u e ela se a s s e m e l h e
aos credos totalitários.

1.2.2. O indivíduo na e r a da Indústria Cultural

Para a Escola de F r a n k f u r t , os indivíduos sob a ação da Indústria C u l t u r a l


d e i x a r a m de s e r capazes de decidir a u t o n o m a m e n t e , passando a a d e r i r a c r i t i c a m e n t e
aos valores i m p o s t o s , d o m i n a n t e s e avassaladores d i f u n d i d o s pelos m e i o s .
Analisando o q u e c h a m o u "música ligeira", A d o r n o identifica u m a repetição
c o m t a l i n t e n s i d a d e de certas músicas q u e elas d e i x a m de s e r u m m o m e n t o específico
de d i s t a n c i a m e n t o d o m u n d o , de contemplação de algo n o v o , para t o r n a r e m - s e u m
e l e m e n t o p r e s e n t e a t o d o m o m e n t o , incapaz de p r o d u z i r o e s t r a n h a m e n t o - necessário
para a criação da " a u r a " de q u e fala B e n j a m i n -, i n s t a u r a n d o u m a reação mais ligada ao
a u t o m a t i s m o , de c o n s u m o i r r e f l e x i v o da obra c u l t u r a l .
O r e s u l t a d o desse processo é o d e s m o r o n a m e n t o da i n d i v i d u a l i d a d e , q u e é
substituída pela p s e u d o - i n d i v i d u a l i d a d e , j u s t a m e n t e essa adesão i r r e f l e x i v a aos v a l o r e s
q u e a Indústria C u l t u r a l p r o p a g a . U m a das limitações dessa t e o r i a é, j u s t a m e n t e , t r a t a r
a m e n t a l i d a d e das massas como algo imutável, t r a t a r os indivíduos como
c o m p l e t a m e n t e d e s p r o v i d o s de a u t o n o m i a , consciência e capacidade de j u l g a m e n t o . A
Indústria C u l t u r a l , c o m seu " c a n t o s e d u t o r e d e s t r u t i v o " , i m p e d e a formação de h o m e n s
autênticos, a t r a i para a " m o r t e do espírito".

9A D O R N O , T. e H O R K H E I M E R , M . Dialetik der A u f k l a r u n g . Amsterdã: 1947. Conforme A D O R N O , T . W . A indústria cultural.


In: C O H N . G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Nacional, 1978, pp. 287-295
W O L F . M . Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença. 1987. pp 71-80.
1 0
1.2.3. A qualidade do c o n s u m o dos produtos culturais

Na época e m q u e a Escola de F r a n k f u r t realizava seus e s t u d o s , iniciava-se a


propagação do f i l m e s o n o r o , e n q u a n t o a "música l i g e i r a " substituía g r a d a t i v a m e n t e a
música clássica no g o s t o dos o u v i n t e s . Em relação aos f i l m e s , a crítica é de q u e eles
p a r a l i s a m a imaginação e a e s p o n t a n e i d a d e pela sua própria constituição - a v e l o c i d a d e
da sequência de f a t o s i m p e d e a a t i v i d a d e m e n t a l . Os f i l m e s são construídos
p r o p o s i t a d a m e n t e para o c o n s u m o descontraído, não c o m p r o m e t e d o r , e aquilo q u e exige
perspicácia i n t e l e c t u a l , t r a b a l h o , p o s t u r a de contemplação, é e v i t a d o . C o m o e x e m p l o ,
A d o r n o c o m p a r a u m r o m a n c e de D u m a s - onde a m o r a l da história é e n t r e c r u z a d a p o r
e n r e d o s secundários, t e m a s p r o l i f e r a n t e s , j o g o n a r r a t i v o - c o m u m r o m a n c e policial no
qual se t e m certezas absoluta sobre o final, e no qual a tensão g e r a d a é, pois,
superficial.
Além disso, na música clássica t o d o s os e l e m e n t o s de r e c o n h e c i m e n t o são
organizados n u m a t o t a l i d a d e única, na qual a d q u i r e m seu s e n t i d o - c o m o n u m a poesia,
e m q u e a palavra a d q u i r e seu sentido a p a r t i r da t o t a l i d a d e e não a p a r t i r de sua
utilização c o t i d i a n a . Exige-se, aí, u m c e r t o t r a b a l h o , u m c e r t o "debruçar-se s o b r e " , não
n u m processo de adivinhação, m a s de c o n f r o n t o e n t r e aquilo q u e se reconhece e a
t o t a l i d a d e , n u m m o v i m e n t o q u e gera o n o v o , a criação.
Na música ligeira, o processo é d i f e r e n t e . A relação e n t r e o q u e se reconhece
e o q u e é novo é destruída, f a z e n d o c o m q u e o r e c o n h e c i m e n t o t o r n e - s e apenas o f i m , e
não o m e i o . R e c o n h e c i m e n t o e compreensão c o i n c i d e m . Não há algo de n o v o a ser
extraído a p a r t i r do processo de compreensão. Isso seria a " p e r d a de e x p r e s s i v i d a d e " , o
"easy l i s t e n i n g " , a difusão de u m t i p o de c u l t u r a q u e não exige u m a interiorização, u m
monólogo i n t e r i o r ( c o m o é o caso da música clássica, p o r e x e m p l o , e m q u e o t r a b a l h o de
compreensão é f e i t o a p a r t i r de u m " e m s i m e s m a r - s e " , u m c o n f r o n t o d a q u i l o q u e se está
o u v i n d o e nosso " m u n d o i n t e r i o r " ) , m a s , a n t e s , t r a z a compreensão p r o n t a , acabada, a
p a r t i r do r e c o n h e c i m e n t o , q u e s e m p r e será instantâneo. C o m p r e e n d e r a música ligeira
não exige nada, n e m t r a b a l h o , n e m p o s t u r a de contemplação, n e m c o n h e c i m e n t o s
a n t e r i o r e s . Aí está a ideologia da Indústria C u l t u r a l , q u e é o r i e n t a r as m e r c a d o r i a s
culturais s e g u n d o o princípio de sua comercialização, t r a n s f e r i n d o a motivação do lucro à
criações e s p i r i t u a i s . Para t a n t o , utiliza-se de técnicas i n d u s t r i a i s de distribuição e
reprodução mecânica, na configuração de u m m o d o de p r o d u z i r e m série, racionalizado e
acessível às massas.

1.3.Teoria Culturológica da Escola F r a n c e s a

Também d e n o m i n a d a "Teoria Culturológica", esse r a m o de estudos


d e s e n v o l v i d o s na França t e m seu m a r c o inicial na obra " C u l t u r a de massa no século XX:
o espírito do t e m p o " , de Edgar Morin. T r a t a - s e de u m a o u t r a área de interesses e
reflexões c u j o o b j e t o d e e s t u d o são, também, os meios d e comunicação, m a s não a
p a r t i r dos seus efeitos sobre o público, m a s na identificação de u m a nova f o r m a de
cultura na sociedade contemporânea, a cultura de massa, g e r a d a e s s e n c i a l m e n t e a
p a r t i r dos mass m e d i a . Para Morin, c u l t u r a seria u m s i s t e m a constituído de v a l o r e s ,
símbolos, i m a g e n s e m i t o s q u e d i z e m respeito q u e r à vida prática q u e r ao imaginário
coletivo, c o m p o n d o t o d a u m a dimensão simbólica q u e p e r m i t e aos indivíduos se
localizarem no g r u p o , q u e f o r m a m u m a espécie de " a t m o s f e r a " , e q u e p e r m e i a a
inserção dos s u j e i t o s no m u n d o .
Nesse s e n t i d o , e c o n t r a s t a n d o c o m a Teoria Crítica, a c u l t u r a de massa seria,
s i m , u m a c u l t u r a , q u e convive c o m os d e m a i s s i s t e m a s c u l t u r a i s n u m a realidade
contemporânea q u e se caracteriza p o r ser p o l i c u l t u r a l . A relação e n t r e essas c u l t u r a s ,
porém, não é g r a t u i t a . A c u l t u r a de massa, p o r suas p o t e n c i a l i d a d e s , c o r r o m p e e
desagrega as o u t r a s c u l t u r a s , q u e não s a e m , pois, i m u n e s ao c o n t a t o c o m a c u l t u r a
i n d u s t r i a l i z a d a . É a questão da industrialização da c u l t u r a o t e m a c e n t r a l e m M o r i n . A
c u l t u r a de massa se caracteriza p o r ser p r o d u z i d a s e g u n d o as n o r m a s de fabricação
i n d u s t r i a l , p r o p a g a d a p o r técnicas de difusão maciça, e d e s t i n a d a a u m a massa social.
Mais u m a vez c o n t r a s t a n d o c o m a Teoria Crítica, Morin não vê a indústria c u l t u r a l c o m o
u m s i s t e m a h a r m o n i o s o , construído do alto para a manipulação dos h o m e n s . Nesse
sentido é possível f a l a r q u e , na França, t r a t a v a - s e do m e s m o t e m a q u e a Escola de
F r a n k f u r t , m a s de u m o u t r o l u g a r teórico, de u m a p e r s p e c t i v a d i f e r e n t e q u e buscava d a r
conta da c o m p l e x i d a d e . Essa contradição d e expressa e m d u a s contradições do s i s t e m a
i n d u s t r i a l q u e a t i n g e a c u l t u r a : u m a , no âmbito da produção e o u t r a , no âmbito do
consumo.

1.3.1. O modelo burocrático-industrial d e produção

A produção c u l t u r a l , u m a vez inscrita n u m a e s t r u t u r a i n d u s t r i a l de produção,


vê-se organizada a p a r t i r de u m a concentração técnica e burocrática, q u e e x i g e
padronização, uniformização da produção. C o n t u d o , essa exigência v a i s e m p r e se c h o c a r
c o m u m a exigência o p o s t a , própria da n a t u r e z a do c o n s u m o c u l t u r a l , q u e q u e r s e m p r e
u m p r o d u t o i n d i v i d u a l i z a d o , personalizado, e s e m p r e n o v o , o r i g i n a l . O f u n c i o n a m e n t o da
indústria c u l t u r a l t e r i a s e m p r e de o p e r a r c o m essas duas tendências, e o q u e t o r n a r i a
possível a organização burocrático-industrial da c u l t u r a é a própria e s t r u t u r a do
imaginário do público c o n s u m i d o r , f o r m a d o p o r arquétipos, dos quais a indústria c u l t u r a l
se utiliza, e s t e r e o t i p a n d o - o s .
A divisão do t r a b a l h o , a exigência do m e r c a d o e a racionalização do lucro
c o n c r e t i z a m u m c o n d i c i o n a m e n t o f o r t e ao t i p o de p r o d u t o , q u e se t o r n a m u i t o d i f e r e n t e
das dinâmicas c u l t u r a i s d i s t i n t a s da c u l t u r a de massa, mais espontâneas, mais ligadas à
ideia de " f i n a l i d a d e s e m u m f i m " , c o n f o r m e a filosofia estética t r a d i c i o n a l d e f i n e a a r t e .

1.3.2. O g r a n d e público c o n s u m i d o r

Se a lógica do s i s t e m a i n d u s t r i a l é a do máximo c o n s u m o , a indústria da


c u l t u r a t e m de g e r a r p r o d u t o s q u e a t e n d a m a u m g r a n d e número de pessoas, ou ao
" h o m e m médio u n i v e r s a l " , espécie de d e n o m i n a d o r c o m u m , traço médio u n i v e r s a l dos
c o n s u m i d o r e s . É através da homogeneização, do s i n c r e t i s m o , q u e se c o n s e g u e q u e b r a r
as diversas barreiras c u l t u r a i s n u m a padronização c o s m o p o l i t a .
Nesse m o m e n t o , s u r g e u m a nova contradição, a dialética produção-consumo.
A cultura de massa não é n e m i m p o s t a - no s e n t i d o de a d e q u a r - s e t o t a l m e n t e às
exigências de produção - n e m reflete as necessidades e desejos c u l t u r a i s do público, na
medida e m q u e p r o m o v e u m a padronização através do s i n c r e t i s m o . A c u l t u r a de massa
se adequa a esses desejos, às aspirações, t o r n a n d o - s e local de auto-realização, de
concretização daquilo q u e é s u p r i m i d o na "vida r e a l " .
T e m - s e , a s s i m , a criação de u m n o v o público, c u j o c o n s u m o h o m o g e n e i z a d o
cria u m a i d e n t i d a d e de valores ( d e c o n s u m o ) , veiculados pelos m e i o s de comunicação de
massa. Há u m n i v e l a m e n t o das diferenças sociais, c o m o p a r t e da padronização dos
gostos. O público c o n s u m i d o r dialoga c o m a produção n u m a proporção m u i t o d e s i g u a l ,
c o m o a de u m m u d o c o m u m p r o l i x o . A análise de Morin a m b i c i o n a ser u m a sociologia
da c u l t u r a contemporânea. Mais q u e p r o p o r u m a s i s t e m a c i d a d e própria, a reivindicação
da "Teoria Culturológica" foi a de u m c o m p o r t a m e n t o mais empírico, m e n o s v a g o e
g e n e r a l i z a n t e , e m relação aos p r o b l e m a s da indústria c u l t u r a l . 1 1

" C o n f o r m e coloca W O L F , M . Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, p 92.


Um o u t r o a u t o r q u e , e m b o r a e m m u i t o s aspectos d i s t i n t o d e Morin m a s q u e ,
c o m o ele, se insere na c h a m a d a "Escola Francesa", é A b r a h a m Moles. A p a r t i r de u m a
a b o r d a g e m também "culturológica", ele define a " c u l t u r a d e m o s a i c o " e m contraposição
à c u l t u r a a n t i g a , i d e n t i f i c a n d o , c o m o Morin, a existência de d u a s c a m a d a s sociais: a do
público c o n s u m i d o r - passiva, apenas a l i m e n t a d a pelos m e i o s de comunicação de massa
- e a dos criadores, q u e d e f i n e m os conteúdos a s e r e m d i f u n d i d o s .
Q u a n d o se fala na Escola Francesa, se o d e s t a q u e n o r m a l m e n t e recai sobre a
a b o r d a g e m de c u n h o e s t r u t u r a l i s t a da c u l t u r a de massa - c o m o a de Morin e Moles -, é
i m p o r t a n t e p e r c e b e r ainda u m a o u t r a v e r t e n t e de e s t u d o s , a das análises semiológicas
dos p r o d u t o s c u l t u r a i s , da qual Roland Barthes é o principal r e p r e s e n t a n t e . Essa
tendência será a p r e s e n t a d a no i t e m q u e t r a t a do e n f o q u e semiótico.

1.4. A Escola de B i r m i n g h a m

A p e r s p e c t i v a dos C u l t u r a l S t u d i e s reúne os t r a b a l h o s d e s e n v o l v i d o s e m
t o r n o do C e n t r o de Estudos da Cultura Contemporânea da Escola de B i r m i n g h a m . C o m o
a Escola Francesa, essa p e r s p e c t i v a não t e m c o m o c e n t r o da preocupação os m e i o s de
comunicação de massa, m a s a c u l t u r a . C o m o o b j e t i v o s das investigações d e s t e g r u p o , é
possível d i s t i n g u i r o e s t u d o da c u l t u r a contemporânea e a articulação e n t r e m e i o s de
comunicação de massa, c u l t u r a e e s t r u t u r a social - e n t e n d e n d o - s e o espaço d o s m e i o s
de comunicação c o m o lugar c e n t r a l de produção da c u l t u r a . A Escola de B i r m i n g h a m
insere-se, de f o r m a específica, na tendência a se c o n s i d e r a r as e s t r u t u r a s sociais e o
c o n t e x t o histórico e n q u a n t o f a t o r e s essenciais para se c o m p r e e n d e r os m e i o s de
comunicação de massa. Seus i n v e s t i g a d o r e s a t r i b u e m u m a importância c e n t r a l às
e s t r u t u r a s globais da sociedade e às circunstâncias c o n c r e t a s .
Os e s t u d o s ingleses p a r t e m d e u m a redefinição do q u e se e n t e n d e p o r
c u l t u r a , r o m p e n d o c o m os p r e s s u p o s t o s m a r x i s t a s q u e e n x e r g a v a m a c u l t u r a a p e n a s
c o m o p e r t e n c e n t e ao c a m p o das ideias, q u e seria reflexo das relações de produção, da
e s t r u t u r a económica - d e acordo c o m a clássica d i c o t o m i a mecânica e n t r e i n f r a - e s t r u t u r a
e super-estrutura.
Para S t u a r t Hall, a " c u l t u r a não é u m a prática, n e m é s i m p l e s m e n t e a
descrição da s o m a dos hábitos e c o s t u m e s de u m a sociedade. Passa p o r t o d a s as
práticas sociais e é a s o m a de suas inter-relações" . R a y m o n d W i l l i a m s a p r e s e n t a a
12

c u l t u r a c o m o u m r e s u m o das representações e v a l o r e s através dos quais as sociedades


a t r i b u e m s e n t i d o às suas experiências c o m u n s . Nesse s e n t i d o , ela perpassa t o d a s as
práticas sociais, f o r m a n d o u m " g r u p o de s e n t i m e n t o " , u m a f o r m a da sociedade e n t e n d e r
d e t e r m i n a d o o b j e t o ou fenómeno de u m a f o r m a específica.
Nessa redefinição d e c u l t u r a - q u e passa a t e r u m papel m u i t o m a i s
i n s t i t u i n t e do q u e o de m e r o reflexo ou resíduo da esfera económica - evidencia-se u m a
crítica às análises mercadológicas da c u l t u r a de massa (pois a questão da lógica d o
lucro, da dinâmica económica, não é s u f i c i e n t e para explicar a c u l t u r a de m a s s a ) , às
t e o r i a s c o n s p i r a t i v a s ( q u e i m a g i n a m u m g r a n d e complô, u m a e s t r u t u r a m o n t a d a , u m
g r a n d e p r o j e t o de dominação a p a r t i r d o s m e i o s de comunicação de m a s s a ) e às
concepções " p a t e r n a l i s t a s " ( q u e p e n s a v a m os m e i o s de comunicação c o m o espaços de
educação da sociedade, de e s c l a r e c i m e n t o , de transmissão dos bons v a l o r e s - a p a r t i r de
u m a preocupação ética).
É a presença da noção de experiência - p r i n c i p a l m e n t e e m E.P. T h o m p s o n -
q u e diferencia os e s t u d o s ingleses dos franceses. Aos invés de a p r e e n d e r a c u l t u r a de
massa c o m o u m a e s t r u t u r a c o m u m a lógica i n t e r n a q u e leva à sua reprodução, c o m o faz

l 2 A p u d W O L F , M . Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, p 94.


Morin, os estudiosos de B i r m i n g h a m p r i v i l e g i a r a m as a t i t u d e s dos indivíduos, o papel dos
s u j e i t o s , das e s t r u t u r a s sociais. Ou s e j a , as e s t r u t u r a s sociais e x t e r i o r e s aos m e i o s de
comunicação de massa também d e t e r m i n a m os conteúdos e, p o r isso, são e l e m e n t o s
essenciais na análise.
A dinâmica c u l t u r a l seria u m processo flexível, dinâmico e t o m a d o p o r
contradições. Por u m lado, a esfera da produção r e p r e s e n t a u m s i s t e m a c o m p l e x o de
práticas d e t e r m i n a n t e s para a elaboração da c u l t u r a . Por o u t r o , os c o n s u m i d o r e s
r e p r e s e n t a m s u j e i t o s q u e realizam u m a negociação e n t r e práticas c o m u n i c a t i v a s
e x t r e m a m e n t e diferenciadas.
Ao p r o p o r u m t i p o de investigação no qual o e s t u d o dos m e i o s de
comunicação não pode ser dissociado do c o n t e x t o , a Escola de B i r m i n g h a m elabora u m
o u t r o " m o d e l o de transmissão da c u l t u r a " . Não se poderia m a i s , p o r e x e m p l o , falar e m
"aperfeiçoamento" do público, p o r p a r t e da mídia, m a s de u m " e n v o l v i m e n t o " . Também
já não é mais possível d i s t i n g u i r o público e m t e r m o s de " e l i t e " e " m a s s a " . A dinâmica
c u l t u r a l das sociedades contemporâneas p r o m o v e u m a m i s t u r a , u m a integração, não no
sentido de manipulação, m a s na ideia de u m a m e s m a c u l t u r a q u e e n v o l v e a t o d o s .

1.5. Agenda Setting

Uma das novas perspectivas da Escola A m e r i c a n a , também conhecida c o m o


função de A g e n d a m e n t o ou Estudo dos Efeitos a Longo Prazo, t r a t a - s e mais de u m a
hipótese do q u e de u m corpo teórico e s t r u t u r a d o . A temática c e n t r a l é a dos e f e i t o s , m a s
t e m - s e , a q u i , u m a reformulação no t i p o de concepção q u e v i n h a s e n d o d e s e n v o l v i d a até
então.
Em p r i m e i r o lugar, a ideia de efeitos e n q u a n t o mudanças a c u r t o prazo cede
lugar a u m a noção de consequências de longo prazo. A comunicação de massa não
t e n d e r i a a i n t e r v i r d i r e t a m e n t e no c o m p o r t a m e n t o , m a s i n f l u e n c i a r o m o d o c o m o o
destinatário das m e n s a g e n s mediáticas organiza seu c o n h e c i m e n t o do m u n d o .
Ou s e j a , já não se t e m mais os meios de comunicação c o m o d o t a d o s de u m
poder a b s o l u t o , d e t e r m i n a n d o efeitos d i r e t o s . A n a t u r e z a dos efeitos é o u t r a , não mais
c o m p r a r d e t e r m i n a d o p r o d u t o o u v o t a r e m d e t e r m i n a d o c a n d i d a t o , f o r m a r v a l o r e s ou
definir a t i t u d e s , m a s é a alteração da e s t r u t u r a c o g n i t i v a . A prática dos m e i o s de
comunicação i n t e r f e r e no c o n h e c i m e n t o q u e as pessoas têm da realidade, c o n f i g u r a n d o
u m n o v o " e s t a r no m u n d o " .
Daí poder-se definir a problemática c e n t r a l d o A g e n d a S e t t i n g c o m o a relação
e n t r e a ação dos meios e o c o n h e c i m e n t o da realidade social. O q u e m a r c a u m a c e r t a
orientação, nos e s t u d o s da comunicação, das verificações e dos p o s t u l a d o s da sociologia
do c o n h e c i m e n t o .
O q u a d r o t e m p o r a l da ação dos meios também é a l t e r a d o . A ideia de e f e i t o
i m e d i a t o é substituída pela de efeitos a longo prazo, o q u e v e m a colocar a questão
c o m o u m processo. A b a n d o n o u - s e , também, o domínio dos efeitos i n t e n c i o n a i s , e m q u e
a comunicação de massa buscava a t i n g i r d e t e r m i n a d o s o b j e t i v o s , para se colocar os
efeitos c o m o l a t e n t e s , implícitos, indo se s o m a r ao patrimônio c o g n i t i v o do público.
Os meios de comunicação p r o p i c i a m , p o r t a n t o , n o v a s condições de
experiência, e a t u a m no sentido de f o r n e c e r os t e m a s de discussão na sociedade e as
categorias para pensar esses t e m a s , as referências para o e n q u a d r a m e n t o . Além disso,
os pesquisadores envolvidos c o m essa a b o r d a g e m perceberam q u e não há
h o m o g e n e i d a d e no q u a d r o a p r e s e n t a d o pela mídia, m a s u m a d i v e r s i d a d e - além da
contraposição e n t r e o conteúdo assimilado pelos meios e a experiência concreta das
pessoas.

1.6. A s formulações de McLuhan


T r a t a n d o a questão do c o n d i c i o n a m e n t o ideológico, Marshall McLuhan, m a i s
u m ensaísta do q u e u m teórico, d e s e n v o l v e u t r a b a l h o s na década de 6 0 q u e
i n f l u e n c i a r a m o r u m o dos e s t u d o s sobre a comunicação de massa à época. Pouco depois
McLuhan foi esquecido e m u i t o pouco de sua obra foi a p r o v e i t a d o nas pesquisa, até q u e ,
r e c e n t e m e n t e , v e m sendo r e c u p e r a d o e m alguns de seus p o s t u l a d o s .
Uma de suas ideias é a de q u e os m e i o s são extensões do h o m e m . E m b o r a
não t e n h a sido o p r i m e i r o a e s c r e v e r sobre isso, McLuhan situa a problemática no âmbito
dos meios de comunicação de massa, p e r c e b e n d o q u e a presença d o s m e i o s c o n f i g u r a
u m a nova f o r m a de e s t a r no m u n d o p o r p a r t e dos h o m e n s .
Uma s e g u n d a questão a p o n t a q u e a história da h u m a n i d a d e seria a história
dos meios de comunicação. Ao fazer isso, o a u t o r a p r e s e n t a os m e i o s de comunicação
c o m o tão essenciais na estruturação da vida c o l e t i v a , q u e propõe u m a divisão da história
da h u m a n i d a d e baseada neles. T e m - s e , pois, a fase da pré-escrita, da escrita e da pós-
escrita. E a comunicação seria o d e t e r m i n a n t e de t o d a s as d e m a i s esferas da a t i v i d a d e
h u m a n a , c o m u m papel c e n t r a l na configuração da vida social.
O p r o f e s s o r canadense e l a b o r a , ainda, u m a classificação dos m e i o s , de
acordo c o m sua n a t u r e z a . Os m e i o s " q u e n t e s " s e r i a m aqueles q u e se d i r i g e m a a p e n a s
u m s e n t i d o , s a t u r a n d o esse s e n t i d o e não a b r i n d o espaço para s e r p r e e n c h i d o . Os m e i o s
" f r i o s " são os q u e se d i r i g e m a mais de u m s e n t i d o , d e i x a n d o espaço para a imaginação
c o m p l e t a r o q u e não foi s a t u r a d o , p e r m i t i n d o a distração. Os p r o b l e m a s dessa divisão
a p a r e c e m q u a n d o se t e n t a classificar os meios p a r t i c u l a r m e n t e : o rádio, o c i n e m a , o
livro, o papel, a conferência e a valsa são alguns e x e m p l o s de " m e i o s q u e n t e s " . O
t e l e f o n e , a televisão, o diálogo, o t w i s t e o j a z z s e r i a m a l g u n s dos " m e i o s f r i o s " .
O p o n t o mais i m p o r t a n t e e m McLuhan é a t e s e de q u e "o m e i o é a
m e n s a g e m " . T e m - s e , a q u i , u m a g r a n d e crítica às análises do conteúdo dos m e i o s . Para
McLuhan, é a presença de u m d e t e r m i n a d o m e i o , p o r si só - o u s e j a ,
i n d e p e n d e n t e m e n t e do conteúdo q u e veicula -, q u e t r a z modificações na vida das
pessoas. É u m a mudança de escala, de dimensões, q u e provoca n o v a s sensibilidades,
novas inserções do h o m e m na realidade. Essa n a t u r e z a nova q u e o m e i o cria seria a
m e n s a g e m , isso é, seria o "conteúdo" c e n t r a l a ser t r a b a l h a d o nos e s t u d o s sobre a
comunicação de massa.

1.7. O I n t e r a c i o n i s m o Simbólico

O I n t e r a c i o n i s m o Simbólico diz respeito a u m a c o r r e n t e de e s t u d o s da Escola


A m e r i c a n a , q u e se origina c o m H e r b e r t Mead, p r o f e s s o r da década de 2 0 , c u j o s
herdeiros mais r e p r e s e n t a t i v o s são B l u m e r , da Escola de Chicago - q u e , n u m a r t i g o de
1 9 6 9 , d e n o m i n a a herança de Mead de I n t e r a c i o n i s m o Simbólico -, K u h n , da Escola de
Iowa, e Goffman.
Mead se o p u n h a à d i c o t o m i a e x i s t e n t e e n t r e as noções de sociedade e
indivíduo e e n t r e sociologia e psicologia. Sua p r o p o s t a a p o n t a v a para a convergência
e n t r e indivíduo e sociedade, q u e aconteceria na comunicação. Sociedade, indivíduo e
m e n t e s e r i a m três e n t i d a d e s indissociáveis, q u e c o m p o r i a m o a t o social.
B l u m e r , d e s e n v o l v e n d o os p r e s s u p o s t o s do I n t e r a c i o n i s m o Simbólico,
13

elabora três p r e m i s s a s :
• o c o m p o r t a m e n t o h u m a n o f u n d a m e n t a - s e nos significados dos e l e m e n t o s
do m u n d o
• a f o n t e dos significados é a interação social

BLUMER, H. "A natureza do interacionismo simbólico". In: MORTENSEN, CD. Teoria da


13

comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico, 1980, pp. 119-138.


• a utilização dos significados ocorre através de u m processo de interpretação
Tal a b o r d a g e m privilegia a interação c o m o e l e m e n t o c o n s t i t u i n t e , f u n d a n t e ,
q u e f o r m a os c o m p o r t a m e n t o s . A natureza dos o b j e t o s do m u n d o é social, u m a vez q u e
seus significados são f o r m a d o s a p a r t i r de f o r m a s de i n t e r p r e t a r d i t a d a s pela sociedade e
da interpretação dos s u j e i t o s , m o l d a d a no dia-a-dia, no c o t i d i a n o . O espaço do
" n a s c i m e n t o " dos significados - a interpretação dada pela sociedade e a p r o m o v i d a pelo
s u j e i t o - é a comunicação, a interação e n t r e sociedade e indivíduo.
Há, ainda, o u t r a s implicações metodológicas s u r g i d a s c o m essas três
premissas. U m a delas é a visão do ser h u m a n o c o m o s u j e i t o , a g e n t e , capaz de
i n t e r p r e t a r , de s i m b o l i z a r . O u t r a é a referência ao m u n d o empírico, r e j e i t a n d o os
e s t u d o s presos a m o d e l o s , e s q u e m a s , c o m a percepção do d i n a m i s m o da construção
simbólica: se o e n c a d e a m e n t o das ações segue u m a certa p r e v i s i b i l i d a d e dada pelo
social, a dimensão da experiência faz c o m q u e cada a t o t e n h a u m c o m p o n e n t e n o v o , há
u m a "reviviscência" de ações pré-estabelecidas. Algo é s e m p r e a c r e s c e n t a d o pelo s u j e i t o
c o n c r e t o q u e vivência aquele a t o e pelo m o m e n t o específico e m q u e a c o n t e c e . As
análises sob o p r i s m a do I n t e r a c i o n i s m o Simbólico são, dessa f o r m a , p a r t i c u l a r i z a d a s : ao
se r e p e t i r cada experiência, ela t r a z e l e m e n t o s n o v o s . É u m t i p o de investigação q u e
conduz à análise de casos c o n c r e t o s .
Se a ação é calcada nos significados q u e as pessoas i m p r i m e m naquilo q u e
estão fazendo, o significado é f u n d a m e n t a l para i n t e r p r e t a r a ação dos s u j e i t o s . Se os
significados provêm da interação, eles não são n e m i n e r e n t e s ao o b j e t o , n e m estão
apenas na m e n t e das pessoas. Há e l e m e n t o s o b j e t i v o s no o b j e t o q u e f a v o r e c e m a
criação de d e t e r m i n a d a s i m a g e n s , m a s esses e l e m e n t o s não r e p r e s e n t a m a t o t a l i d a d e
do simbólico. Há u m a dimensão q u e é própria de q u e m está a t r i b u i n d o o s e n t i d o Por f i m ,
se o h o m e m é v i v o , é p e n s a n t e , é capaz de i n t e r p r e t a r , os significados são s e m p r e
refeitos pelo processo i n t e r p r e t a t i v o .

1.8. O I m p e r i a l i s m o Cultural

Muitas t e o r i a s se u t i l i z a r a m da Teoria Crítica, se não c o m o influência ou


proposta de m o d e l o a ser s e g u i d o , pelo m e n o s c o m o a b o r d a g e m a ser c r i t i c a d a . Porém,
e m alguns casos, é possível se n o t a r u m a nítida influência, e m construções q u e se
u t i l i z a m da m e s m a concepção n o r t e a d o r a dos e s t u d o s f r a n k f u r t i a n o s - a Indústria
Cultural c o m o u m s i s t e m a para a manipulação do público, c o m o a f o r m a de domínio das
sociedades a l t a m e n t e d e s e n v o l v i d a s - para e l a b o r a r construções teóricas localizadas.
A Teoria do I m p e r i a l i s m o Cultural se d e s e n v o l v e na América Latina, a p a r t i r
da década de 6 0 , c o m o aplicação específica da ideia de dominação pelos m e i o s de
comunicação de massa. Entre seus principais teóricos, d e s t a c a m - s e A r m a n d M a t t e l a r t e
Schiller, e n t r e o u t r o s , q u e e l a b o r a m análises de crítica ideológica.
1 4

O I m p e r i a l i s m o C u l t u r a l c o n s t i t u i a ofensiva ideológica d o i m p e r i a l i s m o na
América Latina, q u e s u b s t i t u i , g r a d u a l m e n t e , a divisão do t r a b a l h o c o m o m e i o de
penetração i m p e r i a l i s t a . Esse I m p e r i a l i s m o C u l t u r a l t e m p o r o b j e t i v o a " c o n q u i s t a de
corações e m e n t e s " , e se caracteriza p o r m u d a r de f o r m a e conteúdo de a c o r d o c o m as
fases de expansão política e económica, e p o r se a d a p t a r a d i f e r e n t e s realidades e
c o n t e x t o s nacionais.
O pano de f u n d o do d e s e n v o l v i m e n t o dessa t e o r i a é a percepção de u m a
" l u t a internacional de classes", a existência de u m a g u e r r a psicopolítica, a noção de

A identificação da Teoria do Imperialismo Cultural realizada aqui tem por base o texto
14

MATTELART, A. O imperialismo cultural na era das multinacionais. In: WERTHEIN, J. (org).


Meios de comunicação: realidade e mito. São Paulo: Nacional, 1979, pp. 105-128.
h e g e m o n i a e até m e s m o u m pouco da percepção daquilo q u e R o d r i g u e s 15 c h a m o u de
"ideologia c o m u n i c a c i o n a l de nosso t e m p o " .
Mas o g r a n d e fenómeno histórico q u e o r i e n t a a elaboração dessa t e o r i a é a
expansão das m u l t i n a c i o n a i s (daí a designação " e r a das m u l t i n a c i o n a i s " ) e a
concentração, nestas, de e m p r e e n d i m e n t o s c u l t u r a i s , m i l i t a r e s , económicos e políticos -
isso é, as t a r e f a s q u e a n t e s e r a m e x e c u t a d a s p o r d i f e r e n t e s órgãos do g o v e r n o
a m e r i c a n o p a s s a r a m a ser e x e c u t a d a s u n i c a m e n t e pelas e m p r e s a s m u l t i n a c i o n a i s . Estas,
e m "aliança" c o m o Estado n o r t e - a m e r i c a n o - c o n s t i t u i n d o u m " a g e n t e d u p l o c a m u f l a d o "
- p a s s a r a m a ser, ao m e s m o t e m p o , a g e n t e s de penetração económica, de p r o p a g a n d a
ideológica e a g e n t e s da O r d e m .
É a p a r t i r desse m o m e n t o q u e estaria h a v e n d o u m a racionalização dessa
" c o n q u i s t a de corações e m e n t e s " : os p r o d u t o r e s da c u l t u r a de m a s s a começam a l e v a r
1 6

e m conta os interesses específicos e necessidades de cada faixa etária e cada categoria


social; adota-se u m a nova estratégia, a da "ação não o s t e n s i v a " .
A preocupação c o m o f l u x o m u n d i a l de comunicação foi a tónica das décadas
de 6 0 e 7 0 . A UNESCO f i n a n c i o u diversas pesquisas nesse s e n t i d o , e n c a m p a n d o a Nova
O r d e m I n f o r m a t i v a I n t e r n a c i o n a l . S i m u l t a n e a m e n t e , a CIESPAL debruçava-se sobre a
dominação na América Latina, c o n f i g u r a n d o e s t u d o s c o m f o r t e rejeição ao estilo
a m e r i c a n o e m a r c a d a influência m a r x i s t a .

1.9. O enfoque semiótico

A Semiótica c o n s t i t u i u m c a m p o autónomo de e s t u d o s , c o m p o s t o p o r
diversas perspectivas, q u e se d e s e n v o l v e m de f o r m a paralela à Teoria da Comunicação.
Por si só, ela r e p r e s e n t a u m c o m p l e x o âmbito de e s t u d o s q u e não se p r e o c u p a m n e m
c o m o processo c o m u n i c a t i v o c o m o t a l ou c o m a relação comunicação-sociedade; o
c e n t r o da preocupação é a m e n s a g e m .
R e c e n t e m e n t e , p r o m o v e u - s e u m a identificação desse s e t o r específico de
investigações c o m a Teoria da Comunicação, na busca de u m a interseção, de u m t e r r e n o
c o m u m . Para a m b a s , isso r e p r e s e n t o u u m r e d i r e c i o n a m e n t o de p r o p o s t a s e
metodologias.
Um dos c a m p o s específicos q u e compõem a p e r s p e c t i v a semiótica é a
Linguística E s t r u t u r a l , o e s t u d o da língua e n q u a n t o u m g r a n d e s i s t e m a o r g a n i z a d o , u m a
e s t r u t u r a d e t e r m i n a n t e , q u e t e m o r i g e m e m Saussure e J a k o b s o n . Essa p e r s p e c t i v a se
m a n i f e s t a , e n t r e o u t r o s , na a n t r o p o l o g i a - a p a r t i r dos e s t u d o s de Lévi-Strauss sobre
c o m u n i d a d e s p r i m i t i v a s - e na comunicação - nos e s t u d o s de V i o l e t t e Morin e nos
p r i m e i r o s t r a b a l h o s de Jean B a u d r i l l a r d .
Um o u t r o r a m o de investigações se r e f e r e às análises de conteúdo, realizadas
p r i n c i p a l m e n t e nos Estados Unidos. T r a t a v a - s e de e s t u d o s q u e r e t i r a v a m a m e n s a g e m
dos meios q u e a v e i c u l a v a m para o e s t u d o de seus e l e m e n t o s , de f o r m a o b j e t i v a ,
sistemática e n u m e n f o q u e b a s i c a m e n t e q u a n t i t a t i v o - o p e r a c i o n a l ( p o r e x e m p l o , número
de vezes q u e d e t e r m i n a d a palavra aparece n u m t e x t o , espaço d e d i c a d o a c e r t o a s s u n t o
n u m j o r n a l , e t c ) . O método de análise consiste na decomposição da m e n s a g e m e m
e l e m e n t o s mais s i m p l e s a s e r e m e s t u d a d o s a p a r t i r de u m c o n j u n t o de r e g r a s explícitas.
A terceira v e r t e n t e seria a Semiótica, q u e c e n t r a sua análise no processo de
significação. Na Europa, Roland Barthes é o principal r e p r e s e n t a n t e desta c o r r e n t e , a
p a r t i r dos e s t u d o s de s e m i o l o g i a , e n q u a n t o nos Estados Unidos destaca-se Charles

RODRIGUES, A. Comunicação e cultura: a experiência cultural na era da informação. Lisboa:


15

Presença, 1993, pp. 13-15.


Cultura de massa, para Mattelart, seria a "cultura universal que favorece a expansão da
16

influência americana, contribuindo para a escravidão da consciência nacional".


Peirce. Todos os s i s t e m a s de signos - e não só a língua - são e s t u d a d o s pela Semiótica,
a p a r t i r de u n i d a d e s s i g n i f i c a t i v a s , das definições de signo e símbolo, s i g n i f i c a n t e e
significado, e n t r e o u t r a s , na busca do processo de d e s e n c a d e a m e n t o de s e n t i d o , do
m e c a n i s m o de significação.
Estas são a l g u m a s das possibilidades no e s t u d o das m e n s a g e n s . As
tendências mais r e c e n t e s b u s c a m , nas m e n s a g e n s , e l e m e n t o s do processo c o m u n i c a t i v o ,
na investigação d o processo de significação d e s e n c a d e a d o pelo m a t e r i a l simbólico
veiculado pelos m e i o s de comunicação de massa.
W o l f , d e s c r e v e n d o os m o d e l o s c o m u n i c a t i v o s e n c o n t r a d a s na Teoria da
17

Comunicação, d e s c r e v e dois m o d e l o s - o semiótico-informacional e o semiótico-textual -,


elaborados p o r Eco e Fabbri. O p r i m e i r o seria a apreensão do fenómeno c o m u n i c a t i v o
e n q u a n t o u m processo de transmissão linear v i n c u l a d a ao f u n c i o n a m e n t o dos f a t o r e s
semânticos i n t r o d u z i d o s m e d i a n t e o conceito de código. A informação não seria mais
t r a n s m i t i d a de u m e m i s s o r para u m r e c e p t o r , m a s t r a n s f o r m a d a de u m s i s t e m a para
o u t r o , através do código.
Tal e s q u e m a r e p r e s e n t a a transposição, para o plano da sistematização d o
processo c o m u n i c a t i v o , da c e n t r a l i d a d e do processo de significação c o m o especificidade
da comunicação. O o u t r o m o d e l o também descrito p o r Eco e Fabbri, o semiótico-textual,
apresenta-se c o m o u m a contribuição mais a b e r t a da Semiótica, r e j e i t a n d o a ideia de
l i n e a r i d a d e e p r o p o n d o a noção de rede t e x t u a l . É u m m o d e l o q u e v a i além da s i m p l e s
noção de codificação-decodificação para a p r e e n d e r a a s s i m e t r i a dos papéis de e m i s s o r e
receptor, e a n a t u r e z a do q u e é recebido pelo público: não m e n s a g e n s i n d i v i d u a l i z a d a s ,
m a s c o n j u n t o s de práticas t e x t u a i s .

2. O s paradigmas da Teoria da Comunicação

A disciplina Teoria da Comunicação, d o curso de Comunicação Social da


UFMG, é m i n i s t r a d a na graduação (para t o d a s as habilitações) e já há a l g u n s anos
consolidou e m seu conteúdo programático u m d e t e r m i n a d o q u a d r o de referência da
Teoria da Comunicação - c o m p o s t o pelos a u t o r e s e c o r r e n t e s a p r e s e n t a d o s na p r i m e i r a
p a r t e deste capítulo.
Nesta segunda p a r t e , será a p r e s e n t a d o e s t e q u a d r o de referência q u e
p e r m i t e visualizar a existência de dois p a r a d i g m a s d o m i n a n t e s nos e s t u d o s sobre a
comunicação de massa: o p a r a d i g m a i n f o r m a c i o n a l e o i n t e r a c i o n a l . É e m relação a este
q u a d r o q u e será analisada a Teoria do J o r n a l i s m o , identificada e d e l i m i t a d a no capítulo
anterior.

2.1. A influência do paradigma na construção do objeto

Uma t e o r i a se constrói a p a r t i r da reflexão, de u m " p e n s a r s o b r e " , e q u e


resulta n u m a "ideia sobre", n u m a d e t e r m i n a d a apreensão daquilo q u e está sendo
e s t u d a d o , u m a d e t e r m i n a d a apreensão da realidade, m a t e r i a l i z a d a n u m c o r p o
o r g a n i z a d o de ideias, de enunciados.
Uma t e o r i a estabelece u m m o d e l o de apreensão, na m e d i d a e m q u e se utiliza
de u m c o n j u n t o de proposições, hipóteses, conceitos e m e t o d o l o g i a s . Teorias d i f e r e n t e s ,
que t e n h a m p o r referencial concepções d i f e r e n t e s , conceitos d i f e r e n t e s , m e t o d o l o g i a s
d i f e r e n t e s , p o d e m debruçar-se para e s t u d a r u m a m e s m a "coisa", porém j a m a i s
estudarão o m e s m o o b j e t o .

17 WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, p 107-111.


Por "coisa", d e v e m o s e n t e n d e r algo da realidade q u e t e m existência e m si
m e s m o - seja u m a pessoa, u m c o n j u n t o de pessoas, u m o b j e t o m a t e r i a l , u m fenómeno.
Essa "coisa" t o r n a - s e " o b j e t o " a p a r t i r do m o m e n t o e m q u e e x i s t e u m i n t e r e s s e nessa
"coisa", isso é, q u a n d o alguém se propõe a conhecê-la.
O o b j e t o , a s s i m , está e m face do a g e n t e , ele possui u m a interrelação c o m o
s u j e i t o . O u , de acordo c o m Edgar M o r i n , " q u a l q u e r q u e seja o fenómeno e s t u d a d o , é
18

preciso p r i m e i r a m e n t e q u e o o b s e r v a d o r se e s t u d e , pois o o b s e r v a d o r ou p e r t u r b a o
fenómeno o b s e r v a d o , o u nele se p r o j e t a de a l g u m m o d o " . Uma v e z q u e a " c o i s a " a s e r
e s t u d a d a é p a r t e da realidade, e a realidade c o m o t a l não pode ser c a p t a d a pelo ser
h u m a n o , é no r e c o r t e da realidade q u e f a z e m o s para d e f i n i r nosso o b j e t o q u e está a
atuação do s u j e i t o q u e se propõe a e s t u d a r , a conhecer. Ou seja, o m u n d o , q u e a ciência
p r e t e n d e conhecer, não pode s e r a p r e e n d i d o s e m a presença e a participação d o
observador.
Vera França a p r e s e n t a o processo de c o n h e c i m e n t o c o m o d o t a d o de d u a s
19

dinâmicas: a " a b e r t u r a para o m u n d o " , a t o de descobrir, de " d e i x a r f a l a r o o b j e t o " , de


d e s l u m b r a r - s e , estabelecer c o n t a t o c o m o n o v o : e a "cristalização d o m u n d o " , q u e é a
apreensão da realidade a p a r t i r de e s q u e m a s já conhecidos.
U m m o d e l o c o n s t i t u i - s e na configuração de u m a prática. Ele pode s e r
passado ao s u j e i t o de u m a f o r m a imperceptível o u de f o r m a explícita e r e f l e x i v a . No
caso dos estudos científicos, não f a l a m o s e m m o d e l o s , m a s e m p a r a d i g m a s , q u e nada
mais são do q u e m o d e l o s s u b j a c e n t e s q u e são usados e m cada e s t u d o , q u e o r i e n t a m o
p e n s a m e n t o . O p a r a d i g m a é u m a espécie de "óculos" do c i e n t i s t a .
Se a " c o i s a " é p a r t e da realidade e existe p o r si m e s m a , o " o b j e t o " pressupõe
u m a construção, u m r e c o r t e da realidade. É aqui q u e e n t r a o p a r a d i g m a . Ele não
acontece na realidade e n e m é " i n v e n t a d o " ; ele é na v e r d a d e o r e s u l t a d o d o c o n f r o n t o ,
u m a abstração q u e é feita a p a r t i r de u m e s t u d o . O p a r a d i g m a é r e s u l t a d o de u m a
observação p o s t e r i o r s o b r e a t e o r i a construída, para se p e r c e b e r q u e " p o r trás dos
princípios lógicos há princípios ainda o c u l t o s a q u e se pode c h a m a r p a r a d i g m a s " . São 20

ocultos p o r q u e r e p r e s e n t a m u m princípio de organização da t e o r i a , u m a apreensão


teórica prévia, u m " e n q u a d r a m e n t o " , u m " m o d e l o " s u b j a c e n t e q u e p e r m e i a a a t i v i d a d e
reflexiva s o b r e d e t e r m i n a d o o b j e t o - e q u e pode ser buscado a p a r t i r do r e f e r i d o
processo de abstração, de observação posterior.
Os princípios gerais q u e compõem u m p a r a d i g m a não i n f l u e n c i a m só no
m o d e l o de apreensão, na definição de m e t o d o l o g i a s , na utilização de conceitos, m a s
também, e p r i n c i p a l m e n t e , na construção do o b j e t o de e s t u d o .
No caso da comunicação, estabeleceu-se u m a d e t e r m i n a d a concepção do q u e
seria a comunicação, ainda na década de 4 0 , nos Estados Unidos, a p a r t i r dos e s t u d o s
de S h a n n o n e Lasswell. A construção do o b j e t o comunicação p o r eles realizada a c a b o u
sendo utilizada pela maioria dos estudos p o s t e r i o r e s , a p o n t o de se p o d e r dizer q u e eles
" n a t u r a l i z a m u m a t e o r i a ( l e g i t i m a m u m p a r a d i g m a ) " - o c h a m a d o " P a r a d i g m a Clássico"
2 1

ou "Paradigma da Teoria da Informação".

2.2. O Paradigma Clássico

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro,
Forense-Universitária, 1977, p. 19.
FRANÇA, Vera R. V. "Teoria(s) da Comunicação: busca de identidade e de caminhos". Belo
19

Horizonte: UFMG, 1994, p. 3.


MORIN, Edgar. "Problemas de uma epistemologia complexa".
20

FRANÇA, Vera R. V. "O jornalismo e a comunicação". In: Communication et Socialité: le


21

Journalisme au-delá de 1'information. Paris: Universidade de Paris V, 1993 (tese de doutorado).


É no i t e m "A formalização do processo", da p r i m e i r a p a r t e d e s t e capítulo, q u e
p o d e m o s e n c o n t r a r a sistematização do p a r a d i g m a clássico. É nos m o d e l o s
d e s e n v o l v i d o s pela Teoria da Informação e p o r Lasswell q u e m e l h o r se e x p r e s s a , se
f o r m a l i z a , o p a r a d i g m a clássico da comunicação.
A essência desse p a r a d i g m a consiste n u m a ideia de transmissão. Ele é linear,
u n i l a t e r a l , e estabelece u m a divisão clara dos papéis e das funções - cada p a r t e t e m
lugar e papel f i x o . S e p a r a n d o os e l e m e n t o s e d e f i n i n d o funções claras, ele p e r m i t e
inclusive o e s t u d o destas p a r t e s e m s e p a r a d o .
Esse p a r a d i g m a g e n e r a l i z o u - s e e t o r n o u - s e o m o d e l o d o m i n a n t e e m quase
t o d o s os e s t u d o s de comunicação, j u s t a m e n t e p o r q u e é f u n c i o n a l , fácil de e n c a i x a r e, de
q u a l q u e r f o r m a , clareia o processo.
Entre suas características, está o f a t o de ser u m m o d e l o f e c h a d o , q u e
pressupõe u m c o n h e c i m e n t o pleno da realidade, d e f i n i n d o t u d o o q u e não se encaixa no
m o d e l o c o m o i n e x i s t e n t e . A realidade pode até s e r c o m p l e x a , m a s o m o d e l o é
simplificador. Além disso, ele é a t e m p o r a l , u n i v e r s a l , generalizável, rígido - pois p e r m i t e
identificar u m a realidade congelada - e estático - ele não p e r m i t e alterações d u r a n t e a
execução do e s t u d o .
Um o u t r o aspecto, ainda r e s p e i t a n t e à sua a p l i c a b i l i d a d e , p e r m i t e v i s u a l i z a r a
possibilidade de u m a descrição rápida e fácil dos processos, c o m a utilização de u m a
f o r m a de apreensão q u e c o n t r a d i z o o b j e t o espalhado e a t r a v e s s a d o pela vida social. Os
aspectos momentâneos, ocasionais, passageiros, são p r e t e r i d o s e m função de u m
m o d e l o insensível à dinâmica de construção do m o m e n t o , pois a f o r m a a p r e e n d i d a já é
pré-construída e i n s t i t u c i o n a l i z a d a .
O processo de significação é t o m a d o c o m o u m processo de transferência de
s e n t i d o , no qual o fenómeno físico o r i e n t a a operação semiótica: o processo de
significação se reduz às funções mecânicas de codificação e decodificação. A m e n s a g e m ,
nesse s e n t i d o , é t i d a c o m o u m a m a t e r i a l i d a d e rígida.
Os i n t e r l o c u t o r e s são a p r e e n d i d o s e n q u a n t o a g e n t e s técnicos, isolados e de
fora da relação - e x i s t e u m a t e m p o do e m i s s o r e u m t e m p o do r e c e p t o r , não é possível
se considerar u m t e m p o p a r t i l h a d o . Essa m e s m a observação vale para a ideia de espaço,
que é excluída e n q u a n t o ambiência c o m u m q u e p e n e t r a a dimensão da comunicação.
Por t e r estas características, o p a r a d i g m a clássico m o s t r o u - s e ser de fácil
aplicação, c o n s t i t u i n d o - s e n u m m o d e l o rápido, planejável e executável c o m m a i o r
rapidez. Muitos e s t u d o s t e n d i a m a ser matemáticos, c o m estatísticas, p e r c e n t u a i s , setas
e f l u x o s . Esse t i p o de concepção r e p r e s e n t a u m a tendência q u e não se m a n i f e s t o u
apenas nos estudos da comunicação, m a s também e m o u t r a s ciências c o m o a sociologia,
a psicologia, a administração.

2.3. A consolidação do Paradigma Clássico

Toda a tradição de pesquisa d e s e n v o l v i d a nos Estados Unidos a p a r t i r da


década de 3 0 se utiliza do c h a m a d o Paradigma Clássico. A começar pelos e s t u d o s da
Teoria Matemática, os responsáveis pela criação de u m m o d e l o de e s t u d o q u e coloca o
processo c o m u n i c a t i v o n u m s i s t e m a c o m e l e m e n t o s q u e se c o m b i n a m n u m a e s t r u t u r a .
O t r a b a l h o c o m o processo c o m u n i c a t i v o é e f e t u a d o e m três níveis: o técnico
( r e l a t i v o à transmissão, ao c a n a l ) , o semântico ( r e l a t i v o aos conteúdos, às m e n s a g e n s )
e o pragmático ( q u e diz respeito à influência no destinatário, aos e f e i t o s ) . C o n f i g u r a - s e
u m a noção desenraizada, q u e deixa de fora o f a t o r h u m a n o , o c o n t e x t o social, as
operações semióticas de significação.
C o m o define S c h r a m m , "na sua f o r m a m a i s s i m p l e s , o processo de
comunicação consiste e m u m emissor, u m a m e n s a g e m e u m r e c e p t o r " . É o t i p o de
concepção de comunicação d o m i n a n t e na Teoria Hipodérmica: bastaria os meios de
comunicação v e i c u l a r e m algo, para p r o v o c a r i m e d i a t a m e n t e u m e f e i t o d i r e t o no público.
A superação da Teoria Hipodérmica v a i a c o n t e c e n d o g r a d a t i v a m e n t e ,
d i m i n u i n d o - s e o " p o d e r " dos m e i o s de comunicação, m a s o m e s m o m o d e l o c o m u n i c a t i v o
permanece.
Lazarsfeld é u m dos q u e se contrapõe à ideia hipodérmica, p r o p o n d o q u e o
processo de influência das pessoas se realiza e m relação a o u t r a s pessoas e a seu g r u p o
de referência - s e r i a m os líderes de opinião. É a a b o r d a g e m empírica dos e f e i t o s
l i m i t a d o s : não se t r a t a mais d o efeito d i r e t o , m a s d o " t w o - s t e p f l o w o f c o m m u n i c a t i o n " ,
ou seja, a comunicação se processando e m dois níveis: dos m e i o s de comunicação para
os líderes, dos líderes para o r e s t a n t e do público. Do t w o - s t e p f l o w , a percepção das
mediações sociais e v o l u i u para a ideia de " f l u x o e m múltiplos estágios", a u m e n t a n d o a
c o m p l e x i d a d e do m o d e l o c o m u n i c a t i v o .
A incorporação da c o m p l e x i d a d e se processa ainda m a i s c o m o " e n f o q u e
fenomênico" p r o p o s t o p o r K l a p p e r : abre-se c a m i n h o para a aproximação fenomênica, a
23

atenção à experiência, a a b e r t u r a a f a t o r e s e x t r a - m e d i a q u e d e v e m ser i n c o r p o r a d o s à


pesquisa. E n t r a m e m cena c o m o e l e m e n t o s de análise as situações residuais, e a
influência da "situação de comunicação": o c o n t e x t o , a d i s p o n i b i l i d a d e d o s canais, os
g r u p o s sociais, a p e r s o n a l i d a d e .
Também nos e s t u d o s empírico-experimentais de H o v l a n d , foi possível
perceber q u e os r e c e p t o r e s r e s p o n d e m de acordo c o m a l g u m a s variáveis: o interesse, a
exposição seletiva, a percepção seletiva e a memorização s e l e t i v a .
E n q u a n t o isso, na Europa, a Teoria da Escola de F r a n k f u r t , tão c a r r e g a d a de
críticas à sociedade i n d u s t r i a l , ao p o s i t i v i s m o , à racionalidade e à c u l t u r a de massa,
acabou r e p r o d u z i n d o o m e s m o m o d e l o c o m u n i c a t i v o d o m i n a n t e n o s e s t u d o s a m e r i c a n o s .
A ideia de Indústria C u l t u r a l , e n q u a n t o s i s t e m a harmónico m o n t a d o para a manipulação
dos h o m e n s , q u e através do progresso técnico anula a consciência crítica dos m e s m o s ,
assemelha-se m u i t o à ideia da " a g u l h a hipodérmica", a s s e n t a n d o - s e , c o m o ela, s o b r e o
p a r a d i g m a clássico da comunicação.
É p r o m o v i d o u m e s v a z i a m e n t o , e m relação ao processo c o m u n i c a t i v o , das
mediações sociais, da atuação dos s u j e i t o s , e da não-realização do efeito d i r e t o , da
c o m p l e x i d a d e d o fenómeno. Daí t e m - s e q u e " o o u v i n t e não possui a u t o n o m i a , ele
s i m p l e s m e n t e responde ao estímulo p r o v o c a d o pela indústria c u l t u r a l . A música p o p u l a r
atua através de ' m e c a n i s m o s - r e s p o s t a ' q u e d e m a n d a da p a r t e do r e c e p t o r u m reflexo
c o n d i c i o n a d o " . Esta p a s s a g e m d e m o n s t r a b e m a dimensão do t r a t a m e n t o q u e os
24

indivíduos r e c e b e m nas obras da Teoria Crítica, n o t a d a m e n t e e m A d o r n o : o h o m e m


inserido na massa perde sua s i n g u l a r i d a d e , sua p a r t i c u l a r i d a d e , e se t o r n a o b j e t o , dado
manipulável pelo a p a r e l h o da indústria c u l t u r a l .
A semelhança c o m a Teoria Hipodérmica é d u p l a : de u m lado, a presença do
conceito de sociedade de massa. De o u t r o , o m o d e l o c o m u n i c a t i v o de n a t u r e z a
psicológica-behaviorista, n u m s i s t e m a de ação s e m e l h a n t e ao processo d e estímulo-
resposta. A m e s m a concepção de efeitos d i r e t o s p e r m i t e v i s u a l i z a r u m a formulação
s u b j a c e n t e q u e parece t o m a r de empréstimo as sistematizações de W e a v e r e Lasswell. A
comunicação é unidirecional c o m u m a separação clara e n t r e e m i s s o r e s e r e c e p t o r e s .

SCHRAMM, Wilbur et alii. Panorama da comunicação coletiva. Rio de Janeiro: Fundo de


Cultura, 1964, p.14.
23KLAPPER, J. "Os efeitos da comunicação de massa". In: COHN, G. (org). Comunicação e
indústria cultural. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978, pp. 162-173.
24Conforme ORTIZ, R. "A Escola de Frankfurt e a questão da cultura". In: Revista Brasileira de
Ciências Sociais. São Paulo, n.o 1, vol. 1, jun. 1986, p. 57.
Q u a n t o à Teoria do I m p e r i a l i s m o C u l t u r a l , e n q u a n t o aplicação da t e o r i a
crítica na América Latina, é possível identificá-la no m e s m o p a r a d i g m a . A preocupação
c e n t r a l , q u e é a da manipulação, t e m de específico apenas o u n i v e r s o de ocorrência do
fenómeno: a América Latina. A crítica à c o m p l e x a dinâmica c u l t u r a l se utiliza de u m
m o d e l o c o m u n i c a t i v o m a r c a d o pela s i m p l i c i d a d e .

2.4. A superação do Paradigma Clássico

Paralelamente ao processo de consolidação do Paradigma Clássico, estão


sendo f o r m a d a s u m a d i v e r s i d a d e de c o r r e n t e s e f o r m u l a d a s u m a série de p e r s p e c t i v a s
q u e realizam u m a crítica ao m o d e l o t r a d i c i o n a l - ainda q u e não d e f o r m a d i r e t a , m a s
t r a z e n d o conceitos ou c a t e g o r i a s q u e e v i d e n c i a m o e s g o t a m e n t o d o p o d e r e x p l i c a t i v o
desse m o d e l o . Ou seja, essas c o r r e n t e s " d e transição" d e m o n s t r a r a m a pouca
capacidade e x p l i c a t i v a do m o d e l o t r a d i c i o n a l d i a n t e da c o m p l e x i d a d e d o fenómeno
c o m u n i c a t i v o , m a s não de u m a f o r m a global, e s i m p o n t u a l , e m relação a aspectos
específicos da comunicação. Ou seja, essas c o r r e n t e s não p r o m o v e m u m a interlocução
direta c o m o Paradigma Clássico; esse diálogo está s e n d o construído pela pesquisa de
acordo c o m nosso o b j e t i v o .
Essa m e s m a d i v e r s i d a d e de c o r r e n t e s não propõe u m n o v o m o d e l o global de
análise, u m n o v o p a r a d i g m a ( n e m estão inseridos c l a r a m e n t e e m a l g u m p a r a d i g m a ) ,
m a s é possível i d e n t i f i c a r nelas idéias-força, conceitos e c a t e g o r i a s q u e a p o n t a m para a
construção de u m n o v o m o d e l o . Na v e r d a d e , essas p e r s p e c t i v a s p o d e m s e r pensadas até
c o m o etapas necessárias - no sentido de crítica a u m a tradição de análise e p o r t a s de
e n t r a d a para novos arcabouços teóricos - para q u e se t e n h a c h e g a d o às Interações
Comunicacionais.

2.4.1. A contribuição da Escola F r a n c e s a

A constatação da existência de contradições no s i s t e m a da indústria c u l t u r a l


é a marca principal de Edgar Morin a ser privilegiada no q u e diz r e s p e i t o à superação do
p a r a d i g m a clássico. A existência de u m a dialética no âmbito da produção-consumo - no
qual a padronização desejada não pode se c o n s u m a r t o t a l m e n t e e m v i r t u d e da n a t u r e z a
do c o n s u m o c u l t u r a l q u e exige, s e m p r e , o n o v o , o original - coloca p o r t e r r a o m o d e l o
f r a n k f u r t i a n o de u m t o d o harmónico m o n t a d o para a manipulação.
Essa dialética se expressa no f a t o de os p r o d u t o s c u l t u r a i s i n d u s t r i a l i z a d o s
não s e r e m n e m resultado apenas de determinações dos " p r o d u t o r e s " , n e m s o m e n t e
reflexo das necessidades dos c o n s u m i d o r e s . Essa dialética insere-se n u m a dialética
m a i o r ditada pela própria sociedade.
Mais q u e u m poderoso i n s t r u m e n t o q u e acaba c o m a c u l t u r a , a indústria
c u l t u r a l produz u m a c u l t u r a q u e c o n v i v e c o m as o u t r a s n u m a realidade p o l i c u l t u r a l , e é
obrigada a fazer a j u s t e s e m relação às exigências do lucro e e m relação às d o público.
A existência dessa dialética p e r m i t e visualizar u m a q u e b r a no m o d e l o
a b s o l u t o , monolítico e cristalizado do p a r a d i g m a clássico. São as mediações sociais,
a t r a v e s s a n d o os processos c o m u n i c a t i v o s e c o m p o n d o sua c o m p l e x i d a d e , q u e vêm
colocar para a investigação sobre a comunicação u m o b j e t o mais difícil de a p r e e n d e r ,
j u s t a m e n t e p o r c o n t e r essa contradição básica.

2.4.2. A contribuição da Escola de B i r m i n g h a m

O aspecto central dos Estudos Culturalistas - a redefinição d o conceito de


c u l t u r a , q u e deixa de ser apenas reflexo da e s t r u t u r a económica para se t o r n a r r e s u m o
das inter-relações q u e perpassa t o d a s as práticas sociais - coloca u m n o v o e l e m e n t o na
análise da comunicação.
As e s t r u t u r a s sociais e x t e r i o r e s aos m e i o s de comunicação de massa e as
condições históricas específicas de u m a d e t e r m i n a d a r e a l i d a d e se a p r e s e n t a m c o m o
e l e m e n t o s essenciais na pesquisa s o b r e a comunicação. É, n o v a m e n t e e de u m a o u t r a
f o r m a , a sensibilidade para o b s e r v a r a vida social a t r a v e s s a n d o o processo c o m u n i c a t i v o ,
q u e , p o r t a n t o , não pode ser c o m p r e e n d i d o s e m se c o n s i d e r a r essa influência mútua, não
pode ser d e s t a c a d o , descolado, r e t i r a d o , da inserção social q u e lhe a t r i b u i s e n t i d o e
perpassa suas condições de realização.
À importância delegada às e s t r u t u r a s globais da sociedade s o m a - s e u m a
valorização das circunstâncias c o n c r e t a s . É a incorporação da dimensão da experiência
dos fenómenos q u e são e s t u d a d o s pelo C e n t r o : d o q u e resulta a g r a n d e preocupação
c o m o b j e t o s de e s t u d o d e l i m i t a d o s a p a r t i r de u m u n i v e r s o c o n c r e t o , de s u j e i t o s e
m e n s a g e n s p a r t i c u l a r e s , se o p o n d o ao t i p o de e s t u d o mais u n i v e r s a l q u e coloca m o d e l o s
globais e m função dos quais as realidades p a r t i c u l a r e s d e v e r i a m ser analisadas e
compreendidas.
Um dos aspectos percebidos pelos e s t u d o s c u l t u r a l i s t a s é a t r o c a da
perspectiva de q u e os meios de comunicação p u d e s s e m , p o r si só, " m e l h o r a r " ,
"aperfeiçoar" o g o s t o de seu público, para a ideia de u m " e n v o l v i m e n t o " . Isso m a r c a
u m a nova p o s t u r a e m relação ao processo c o m u n i c a t i v o : não há m a i s o e f e i t o d i r e t o pois
os meios de comunicação não p o d e m ser e n t e n d i d o s apenas e m si, m a s na sua
interseção c o m a c u l t u r a .

2.4.3. A contribuição da hipótese do Agenda Setting

A hipótese do A g e n d a S e t t i n g pode ser c o m p r e e n d i d a c o m o u m a das n o v a s


perspectivas da Escola A m e r i c a n a , r e s u l t a d o da evolução dos e s t u d o s após o c r u z a m e n t o
c o m as reflexões produzidas na Europa. A própria substituição da problemática - de
efeitos d i r e t o s para efeitos a longo prazo - dá o t o m da evolução. Os m e i o s não s e r i a m
mais responsáveis pelo c o m p o r t a m e n t o ou formação de v a l o r e s , c o n f o r m e p r o p u n h a a
Teoria Hipodérmica, m a s colocariam u m a a g e n d a , a t u a n d o e m nível da e s t r u t u r a
cognitiva dos públicos.
Essa recolocação do p r o b l e m a , a b a n d o n a n d o os " e f e i t o s l i m i t a d o s " para lidar
c o m os " e f e i t o s c u m u l a t i v o s " , atesta ainda u m a p a s s a g e m de u m m o d e l o t r a n s m i s s i v o
da comunicação para u m m o d e l o q u e percebe a existência de u m processo de
significação. A influência dos meios de comunicação de massa c o n t i n u a sendo percebida
e e s t u d a d a c o m o d e t e r m i n a n t e , m a s a natureza de seus efeitos m u d a , de u m a caráter
mecânico, b e h a v i o r i s t a , de estímulo-resposta, para u m a influência q u e se dá no c a m p o
da e s t r u t u r a c o g n i t i v a , q u e leva e m conta a construção social da realidade.
Os meios de comunicação são assimilados c o m o p r o p i c i a d o r e s de u m a nova
experiência, a l t e r a n d o o c o n h e c i m e n t o q u e se t e m da realidade social. Por u m lado, é
u m a colocação teórica q u e se contrapõe às investigações i m e d i a t i s t a s c u j o s interesses
pragmáticos e x i g i a m r e s u l t a d o s i m e d i a t o s . Por o u t r o lado, percebeu-se q u e não existia
u m a h o m o g e n e i d a d e no q u a d r o a p r e s e n t a d o pelos meios de comunicação - o q u e v a i de
e n c o n t r o às formulações c o n s p i r a t i v a s i d e n t i f i c a d o r a s de u m a g r a n d e orquestração.

2.4.4. A contribuição de McLuhan

McLuhan, ao a f i r m a r q u e "o meio é a m e n s a g e m " , desloca a questão da


comunicação para o u t r o espaço: a natureza nova q u e a presença de u m d e t e r m i n a d o
meio cria. Configura-se a p a r t i r daí u m a crítica às análises de conteúdo e ao
e n c a m i n h a m e n t o dado até então às investigações s o b r e a comunicação nos Estados
Unidos.
O q u e seria mais i m p o r t a n t e , no s e n t i d o de d e t e c t a r mudanças, alterações na
vida social, não são os conteúdos veiculados pelos m e i o s , m a s a presença destes meios
p r o p o r c i o n a n d o u m a o u t r a f o r m a de se relacionar c o m a r e a l i d a d e . Os conteúdos
específicos até p o d e m t r a z e r modificações, m a s é a existência do m e i o p r o v o c a n d o u m a
nova sensibilidade q u e d e v e s e r o c e n t r o das análises a s e r e m e m p r e e n d i d a s .
Com isso, desloca-se o papel t r a n s m i s s i v o d o s m e i o s - e m q u e i m p o r t a v a o
conteúdo p o r eles veiculado -, essencial para a lógica do m o d e l o clássico, para u m a
perspectiva q u e identifica na s i m p l e s presença dos m e i o s u m a nova n a t u r e z a e dinâmica
social.

2.4.5. A contribuição do I n t e r a c i o n i s m o Simbólico

Em sua sistematização analítica, o I n t e r a c i o n i s m o Simbólico f u n d a m e n t a - s e


e m u m a série de conceitos básicos - também c h a m a d o s " i m a g e n s - r a i z " . O p r i m e i r o deles
diz respeito à n a t u r e z a h u m a n a : os seres h u m a n o s são seres e m ação, são a g e n t e s .
O u t r o conceito nos diz q u e a n a t u r e z a dessa ação é u m r e s u l t a d o de u m processo de
interpretação. A interação social f o r m a os c o m p o r t a m e n t o s , é c o n s t i t u i n t e , f u n d a n t e , e
f o r n e c e significados para a construção, p o r p a r t e dos s u j e i t o s a g e n t e s , dos o b j e t o s .
Ao c o n s i d e r a r a sociedade h u m a n a i n t e r a t i v a , o b s e r v a - s e q u e e x i s t e u m a
influência recíproca, isso é, a ação de cada s u j e i t o altera o q u a d r o de representação dos
d e m a i s . S o m a n d o - s e a isso a identificação da a t i v i d a d e h u m a n a c o m o c e n t r o r e g u l a d o r
da vida social, t e m - s e u m q u a d r o m a r c a d o pela c o m p l e x i d a d e .
Os m o d e l o s lineares e unidirecionais se d e s f a z e m d i a n t e de s u j e i t o s a g e n t e s
capazes de i n t e r p r e t a r os significados q u e o m u n d o lhes a p r e s e n t a . As ideias de
transmissão, efeitos d i r e t o s e anulação da consciência crítica p e r d e m sua capacidade
explicativa d i a n t e dos p o s t u l a d o s do I n t e r a c i o n i s m o Simbólico.
Além disso, se a ação h u m a n a é calcada nos significados, e os significados
são p r o v o c a d o s pela interação, a compreensão dos fenómenos c o m u n i c a t i v o s q u e
e n v o l v e m os m e i o s de comunicação de massa d e v e ser buscada também f o r a deles, ou
seja, na vida social e nos indivíduos c o n c r e t o s .
A g r a n d e implicação metodológica do I n t e r a c i o n i s m o Simbólico é a referência
ao e s t u d o empírico, a rejeição a m o d e l o s p r o n t o s , acabados, e a necessidade de se
c o n s i d e r a r os processos i n t e r p r e t a t i v o s pelos quais os significados sociais p a s s a m , no
nível dos s u j e i t o s , q u e são a g e n t e s e, p o r t a n t o , a t i v o s no processo c o m u n i c a t i v o .
A comunicação acontece na interação indivíduo-sociedade - q u a n d o se
c o n f i g u r a o processo de atribuição de s e n t i d o s , de interpretações múltiplas, de
i n v e s t i m e n t o s simbólicos. Essa interação seria a peça-chave para a compreensão dos
fenómenos c o m u n i c a t i v o s .

2.4.6. A contribuição da Semiótica

Embora os análises semióticas e semiológicas não s e j a m e s t u d o s s o b r e o


processo c o m u n i c a t i v o , m a s apenas sobre u m de seus e l e m e n t o s - a m e n s a g e m -, o
d e s e n v o l v i m e n t o dessa v e r t e n t e de e s t u d o t r o u x e u m g r a n d e avanço para o
d e s e n v o l v i m e n t o da Teoria da Comunicação: a identificação do a t o c o m u n i c a t i v o
e n q u a n t o processo de significação, e não apenas c o m o u m fenómeno t r a n s m i s s i v o ,
linear, q u e foi a tónica das análises e f e t u a d a s até então.
O d e b a t e até então, no seio da Teoria da Comunicação, dizia r e s p e i t o aos
p a r a d i g m a s sociológicos d o m i n a n t e s nos e s t u d o s - na polémica i n s t a u r a d a e n t r e a
pesquisa a d m i n i s t r a t i v a a m e r i c a n a e a t e o r i a crítica f r a n k f u r t i a n a . A p a r t i r da
aproximação e n t r e a Teoria da Comunicação e a Semiótica, na busca de u m t e r r e n o
c o m u m , i m p l a n t o u - s e u m e l e m e n t o n o v o para a discussão da pertinência p r o p r i a m e n t e
c o m u n i c a t i v a dos m o d e l o s de e s t u d o a d o t a d o s pela Teoria da Comunicação. Pertinência
essa q u e só seria assimilada pelos e s t u d o s da comunicação m u i t o t e m p o depois,
passado o d e b a t e e m t o r n o da pertinência sociológica.
A apreensão do fenómeno c o m u n i c a t i v o e n q u a n t o significação implica se
c o n s i d e r a r a especificidade dos processos da o r d e m d o simbólico, da atribuição de
s e n t i d o , da formação de i m a g e n s - o q u e vai de e n c o n t r o à lógica t r a n s m i s s i v a e linear
d o m i n a n t e nos e s t u d o s até esse m o m e n t o . A m e n s a g e m e n q u a n t o significação não
seria, pois, u m e l e m e n t o f e c h a d o e m si m e s m o , algo q u e sai de u m e m i s s o r e chega a
u m r e c e p t o r t a l qual saiu. A ideia de intercâmbio de s i s t e m a s é q u e coloca a dinâmica de
significação c o m o u m processo " n e g o c i a l " .
A f u n c i o n a l i d a d e d o p a r a d i g m a clássico se relaciona à necessidade de d a r
conta da questão mais i m p o r t a n t e q u e a Teoria da Comunicação s e m p r e t e n t o u
c o m p r e e n d e r : a temática dos efeitos. Do q u e se c o m p r e e n d e a construção de u m
e s q u e m a t r a n s m i s s i v o no qual os p r o b l e m a s são s e m p r e da o r d e m da eficácia, do
"ruído", da "percepção s e l e t i v a " , da "influência dos líderes".
A p a r t i r da Semiótica, recupera-se, na Teoria da Comunicação, u m dos
e l e m e n t o s da especificidade própria da dinâmica c o m u n i c a t i v a : o f a t o dela c o n s t i t u i r u m
fenómeno de significação. Eco e F a b b r i , d e s c r e v e n d o o m o d e l o c o m u n i c a t i v o p o r eles
25

d e n o m i n a d o " p a r a d i g m a semiótico-informacional", a p r e s e n t a m o caráter " n e g o c i a l "


c o m o u m processo no qual a m e n s a g e m sofre codificações e decodificações d i v e r s a s , a
p a r t i r de múltiplas i n t e r p r e t a b i l i d a d e s .
Os m e s m o s a u t o r e s , a p a r t i r da crítica ao m o d e l o "semiótico-textual",
a p r e s e n t a m u m o u t r o , o "semiótico-textual", q u e seria u m aperfeiçoamento da
apreensão do fenómeno: os destinatários não r e c e b e r i a m m e n s a g e n s , m a s c o n j u n t o s ,
redes t e x t u a i s - p r o p o n d o u m a não-linearidade da comunicação.
I n d e p e n d e n t e m e n t e dessa questão, a incorporação da dimensão semiótica
nos e s t u d o s da comunicação, p o r si só, r e p r e s e n t a até m e s m o u m a "revolução" nos
estudos, no s e n t i d o de r e - d i r e c i o n a r t o d a a trajetória da Teoria da Comunicação.

2.5. A construção do Paradigma d a s Interações C o m u n i c a c i o n a i s

O Paradigma das Interações Comunicacionais d e v e ser e n t e n d i d o , d e n t r o do


q u a d r o de referência q u e v e m sendo e n c a m i n h a d o neste t r a b a l h o , c o m o u m m o d e l o q u e
t e n t a d a r conta da c o m p l e x i d a d e da comunicação u t i l i z a n d o - s e das contribuições de
e s t u d o s a n t e r i o r e s , e n t r e os quais, a Escola Francesa, a Escola de B i r m i n g h a m , as
formulações de McLuhan, a hipótese do A g e n d a S e t t i n g , o I n t e r a c i o n i s m o Simbólico e a
Semiótica.
A reflexão de vários a u t o r e s ressalta a necessidade de a p o n t a r a n a t u r e z a
interacional do processo c o m u n i c a t i v o , na construção de p e r s p e c t i v a s q u e dêem conta
da globalidade do fenómeno. O " m o d e l o praxiológico" de Louis Queré, o " e n f o q u e
tríplice" de John B. T h o m p s o n , o " p a r a d i g m a do h i p e r t e x t o " de Pierre Levy, são a l g u m a s
das formulações teóricas q u e têm contribuído para a construção do Paradigma das
Interações Comunicacionais.
Este p a r a d i g m a s u r g e c o m o u m a t e n t a t i v a de s u p e r a r o caráter r e s t r i t i v o e
f o r m a l i z a d o r q u e a noção de comunicação a d q u i r i u c o m a utilização do Paradigma
Clássico. Se este t e n t o u d e f i n i r o q u e é a comunicação a p a r t i r de u m a f o r m a f i x a , rígida,
de identificação e delimitação de seus e l e m e n t o s i n t e r n o s , a p e r s p e c t i v a i n t e r a c i o n a l
busca a p r e e n d e r u m a configuração geral da comunicação q u e m a r c a seus l i m i t e s

'WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, p 109.


e n q u a n t o fenómeno e m relação àquilo q u e não c o n s t i t u i relação c o m u n i c a t i v a , s e m
definir f o r m a s específicas, f i x a s , i n t e r n a s ao processo. Para fazer isso, o u s e j a , " r e t o r n a r
à noção m e s m a de comunicação ( . . . ) e t e n t a r reconstruí-la de o u t r a m a n e i r a , ( . . . ) é
preciso v o l t a r à f o n t e da comunicação: a vida s o c i a l " . 26

Nessa concepção, a comunicação é u m processo social básico, e a vida social


compõe-se de interações c o m u n i c a t i v a s t o d o o t e m p o . O q u e m a r c a a p a r t i c u l a r i d a d e d o
fenómeno c o m u n i c a t i v o é a " p a l a v r a " , isso é, a m a t e r i a l i d a d e simbólica. A comunicação
é, pois, "as relações p a r t i c u l a r e s q u e se e s t a b e l e c e m através de u m a m a t e r i a l i d a d e
simbólica construída no seio dessas relações c o m o sua condição e expressão", o u , de
u m a f o r m a d i f e r e n t e , são " a t o s específicos erigidos e m t o r n o da p a l a v r a , da co-presença
dos i n t e r l o c u t o r e s " .
27

A referência para a apresentação q u e se propõe, neste t r a b a l h o , d o


Paradigma das Interações Comunicacionais, é a t e s e de d o u t o r a d o da professora Vera
França, Communication et Socialité: le Journalisme au-delá de 1'information, u m estudo
sobre o j o r n a l Estado de Minas e suas relações c o m a m i n e i r i d a d e q u e se s u s t e n t a e de
certa f o r m a s i s t e m a t i z a o p a r a d i g m a i n t e r a c i o n a l . De a c o r d o c o m a a u t o r a , u m e s t u d o
sobre a comunicação, ao u t i l i z a r este p a r a d i g m a , para d a r c o n t a da g l o b a l i d a d e d o a t o
c o m u n i c a t i v o , t e m de c o n t e m p l a r suas três dimensões: a relacional, a simbólica e a da
experiência.
A dimensão relacional indica q u e , n u m a relação de comunicação, e x i s t e
interação, as pessoas " f a l a m " na f r e n t e de u m " o u t r o " , há u m a presença c o n j u n t a , p o r
mais u n i l a t e r a l q u e seja o processo. Age-se face ao o u t r o . A presença dos i n t e r l o c u t o r e s
é m e d i a d a pela p a l a v r a , o q u e faz c o m q u e os i n t e r l o c u t o r e s se d e f i n a m a p a r t i r de seu
e n v o l v i m e n t o c o m a m a t e r i a l i d a d e simbólica.
A dimensão simbólica acusa q u e é a presença de u m a m e n s a g e m q u e
p e r m i t e o e s t u d o da comunicação. A m e n s a g e m é a objetivação de u m s e n t i d o , de u m a
dimensão s u b j e t i v a , i n t e r i o r , q u e está no p e n s a m e n t o e passa a ser o b j e t i v a d a n u m
t e x t o ou n u m a i m a g e m - a p a r t i r desse m o m e n t o , ela passa a t e r u m a existência nela
m e s m a . A m e n s a g e m é caracterizada também p o r u m a i n t e n c i o n a l i d a d e e pela mediação
c u l t u r a l q u e i n t e r f e r e na construção do s e n t i d o . Este m o d e l o é, pois, m a r c a d o pela
delimitação de u m t e m p o e u m espaço, e de a t o r e s c o n c r e t o s . Não é estático e n e m
generalizável.
Por f i m , a dimensão da experiência marca a inserção da comunicação n u m
c o n t e x t o . A comunicação d e v e ser buscada no fazer dos h o m e n s , no t e r r e n o da
experiência, e não n u m a construção a b s t r a t a , d e s v i n c u l a d a . O c o n t e x t o significa algo à
relação e à p a l a v r a , ele t r a z e l e m e n t o s para a interpretação e é também a t r i b u i d o r de
sentido.
O p a r a d i g m a das interações comunicacionais é p r o f u n d a m e n t e e n r a i z a d o nas
dimensões t e m p o r a l e espacial, pois estuda relações s i n g u l a r e s , q u e a c o n t e c e m n u m
m o m e n t o e n u m espaço específico. Ele não é u n i v e r s a l , pois não define o q u e é a
comunicação d e n t r o dela, não especifica papéis, funções, e l e m e n t o s . E não é universal
p o r q u e acontece c o m a t o r e s concretos, e m situações p a r t i c u l a r e s construídas e m t o r n o
de m e n s a g e n s também singulares.
As implicações metodológicas da utilização deste p a r a d i g m a se v e r i f i c a m na
construção de u m o b j e t o de e s t u d o q u e a c o n t e c e c o n c r e t a m e n t e , t e m u m a
m a t e r i a l i d a d e . Está enraizado n u m d e t e r m i n a d o p a n o r a m a sócio-cultural, e m dimensões
de t e m p o e espaço definidas. E o c o r r e e n t r e s u j e i t o s reais, i n t e r l o c u t o r e s q u e têm

FRANÇA, Vera R. V. "O jornalismo e a comunicação". In: Communication et Socialité: le


Journalisme au-delá de rinformation. Paris: Universidade de Paris V, 1993 (tese de doutorado).
Capítulo traduzido por Vera França, p.
idem.
27
o b j e t i v o s , desejos, necessidades, valores, e x p e c t a t i v a s e m relação ao o u t r o , b a g a g e m
c u l t u r a l - os i n t e r l o c u t o r e s não são n e u t r o s , vazios, " o c o s " e m relação ao o u t r o ; n e m
e x e r c e m apenas u m papel d e t e r m i n a d o , m a s p o s s u e m t o d a u m a g a m a de papéis
possíveis d e n t r o da relação q u e se estabelece. O s e n t i d o , p o r t a n t o , está no r e c e p t o r ,
no emissor, no c o n t e x t o , na m e n s a g e m .
A comunicação é t o d a essa rede de relações i n t e r a t i v a s dos i n t e r l o c u t o r e s
e n t r e si e c o m o m a t e r i a l simbólico. É a busca da g l o b a l i d a d e d o a t o c o m u n i c a t i v o - e,
p o r t a n t o , sua inserção no t e r r e n o do social - q u e caracteriza da m e l h o r f o r m a o o b j e t i v o
do p a r a d i g m a das interações comunicacionais.

Referências

KLAPPER, J. "Os efeitos da comunicação de massa". In: COHN, G. (org). Comunicação e


indústria cultural. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978, pp. 162-173.
ORTIZ, R. "A Escola de Frankfurt e a questão da cultura". In: Revista Brasileira de Ciências
Sociais. São Paulo, n.o 1, vol. 1, jun. 1986, p. 57.
WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987.

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