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Márcia Constância Pinto Aderne Gomes
2
Roseni Pinheiro
GOMES, M. C. P. A; PINHEIRO, R. Reception and attachment: integral practices in health care administration in
large urban centers. Interface - Comunic., Saúde, Educ.
Educ., v.9, n.17, p.287-301, mar/ago 2005.
The Family Health strategy, main proposal for reorganizing the health care model, is politically, institutionally and
economically supported by the State, as an alternative for the consolidation of the Unified Health System’s
principles. The proposal’s expansion and implementation in large urban centers has faced many difficulties, due
to complex social, political and economic contexts involving the families residing in these territories. These
difficulties have been largely discussed by diverse Public Health specialists. This article analyses the uses and
meanings of the terms “integral health care, attachment and reception”, identifying them as strategic elements in
health practices in integral care programs, and in constructing people’s right to health as a citizenship right.
KEY WORDS: reception; attachment; integral health care; family health.
A estratégia da Saúde da Família é a principal proposta de reorganização do modelo de atenção à saúde, sendo
apoiada político, institucional e economicamente pelo Estado, como alternativa de consolidação dos princípios do
Sistema Único de Saúde. A expansão e implementação dessa proposta, em grandes centros urbanos, tem
encontrado dificuldades, tendo em vista a complexidade dos contextos sociais, políticos e econômicos que
envolvem as famílias residentes nesses territórios, sendo objeto de discussão de diferentes especialistas no campo
da Saúde Coletiva. Este artigo faz uma análise dos usos e sentidos atribuídos aos termos integralidade, vínculo e
acolhimento, no que concerne à gestão do cuidado em saúde, identificando essas estratégias como elementos das
práticas de saúde em programas de atenção integral e da construção do direito à saúde como direito de
cidadania.
PALAVRAS-CHAVE: acolhimento; vínculo; atenção integral à saúde; saúde da família.
1
Supervisora Operacional, Coordenação da Saúde da Comunidade, Secretaria Municipal de Saúde, Rio de Janeiro, RJ.
<marconstanci@hotmail.com>
2
Professora Visitante, Instituto de Medicina Social, Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Coordenadora, Laboratório de Pesquisas
sobre Práticas de Integralidade em Saúde (LAPPIS-UERJ), Rio de Janeior, RJ. <rosenisaude@uol.com.br>
1
Rua Rosa e Silva, 60, bl. 7, apto. 208
Grajaú – Rio de Janeiro, RJ
CEP: 20541-330
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GOMES, M. C. P. A; PINHEIRO, R.
Introdução
A nova institucionalidade da saúde tem seus fundamentos no artigo 198 da
Constituição Federal de 1988, que define o Sistema Único de Saúde (SUS).
Suas ações e serviços integram uma rede regionalizada e hierarquizada;
constituem um sistema único, organizado, descentralizado, com direção
única em cada esfera de governo, prestando atendimento integral
integral, a
partir da priorização de atividades preventivas (sem prejuízo das
assistenciais) e com participação popular
popular.
No início da década de 1990 foi criado o Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS), pelo Ministério da Saúde. A missão do PACS
era reduzir a mortalidade infantil e materna mediante oferta, às populações
rurais e de periferia, de procedimentos simplificados de saúde na lógica de
medicina preventiva. O objetivo era desenvolver a capacidade da população
para cuidar de sua própria saúde, transmitindo informações sobre práticas
preventivas, por meio de agentes comunitários (Viana & Dal Poz, 1998,
p.10).
No ano de 1994 o Ministério da Saúde criou o Programa de Saúde da
Família PSF), entendido como uma proposta estruturante do Sistema de
Atenção à Saúde, com objetivo de:
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Esta tradução pode fazer desse sujeito elo ou laço . Elo na medida
em que serve apenas como veículo de informações; laço, quando
consegue estabelecer um território comum onde os sujeitos e seus
saberes interagem e dialogam, gerando ações comuns que sustenta a
existência desse espaço de encontros.
... há momentos em que o agente comunitário se encontra tão preso
em sua própria corrente, que os elos se enroscam conformando um
nó. Isso pode ser percebido através de sua formação para o trabalho,
gerando entraves no fluxo de interações entre equipe de saúde e
comunidade. (Silva et al., 2004, p.88-9)
Por outro lado, Coutinho (1999a) ressalta Gramsci em sua discussão sobre
democracia, que não se converte em cultura política se não é partilhada
intersubjetivamente pelos cidadãos, não se configurando como valor universal
e realidade prática. Sendo assim, a equipe de PSF pode desempenhar papel
estratégico na democracia, pois estaria a serviço de um sistema democrático
global, com programas voltados para os interesses mais gerais da comunidade
(Rouanet, 2003).
A noção de vínculo nos faz refletir sobre a responsabilidade e o compromisso
(Merhy, 1994). Assim sendo, ela está em consonância com um dos sentidos de
integralidade. Afirma o autor:
criar vínculos implica ter relações tão próximas e tão claras, que nos
sensibilizamos com todo o sofrimento daquele outro, sentindo-se
responsável pela vida e morte do paciente, possibilitando uma
intervenção nem burocrática e e nem impessoal. (Merhy, 1994,
p.138)
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Se “o poder não se dá, nem se troca, nem se retoma, mas (...) se exerce e
só existe em ato” (Foucault, 1999, p.21), qual o verdadeiro poder exercido
e que existe em ato nas práticas cotidianas do PSF? Como essas práticas
podem existir enquanto estratégia de inserção social e democratização da
população?
Acreditamos que “contribuir para a democratização do
conhecimento do processo saúde / doença, da organização dos
serviços e da produção social da saúde, estimular a organização da
comunidade para o efetivo exercício do controle social ” (Brasil, 1997,
social”
p.10) significa redistribuir o poder (grifos nossos).
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Conclusão
O Programa de Saúde da Família é uma estratégia do Ministério da Saúde
que propõe ações de promoção, proteção e recuperação da saúde dos
indivíduos, a partir da efetivação de suas diretrizes operacionais. A primeira
possibilidade de efetivação dessas ações pode estar localizada no momento
do acolhimento. O confronto entre as necessidades de saúde (ou outras)
trazidas pelos usuários e o que a instituição, no caso o PSF, tem a oferecer,
poderá revelar as mudanças no modelo assistencial.
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SILVIA MECOZZI, Série Versos Plásticos, 1998
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