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PRODUÇÃO DE AULAS DIGITAIS DE LÍNGUA PORTUGUESA:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Ynah de Souza Nascimento
(C. Aplicação/UFPE – Educandus)
ynah@terra.com.br
Carla Alexandre Barboza de Sousa
(Fafire – Educandus)
carlalexandrebs@hotmail.com
RESUMO
A discussão sobre a introdução dos computadores na escola não é recente. O projeto Educom, criado na década de
80 pelo Governo Federal, tinha como objetivo envolver as universidades e o ensino público em projetos de pesquisa
de introdução da informática educativa (Moraes, 1997). Muitas coisas aconteceram de lá pra cá... só para se ter uma
idéia, agora, enquanto escrevo este resumo, foi possível encontrar 506.000 referências sobre EAD (Educação a
Distância) no Google... A SEED Secretaria de Educação a Distância desenvolve vários programas e projetos que
sinalizam a intenção do governo em investir na educação a distância e nas novas tecnologias como uma das
estratégias democratizar e elevar o padrão de qualidade da educação brasileira. O lançamento de um edital de apoio
à produção de material didático digital, lançado pelo governo em junho de 2007, pode ser interpretado como uma
ação concreta dessa intenção. No entanto, muito ainda precisa ser feito nessa área. No Google, por exemplo, em
uma busca por "material digital + ensino" encontramos apenas 795 páginas... A produção de um material hipermídia
que facilite a aquisição de conhecimento exige a participação de uma equipe interdisciplinar, além do uso de um
conjunto maior de ferramentas técnicas (Braga, 2004), mas isso por si só não garante a qualidade desse material.
Outros desafios aparecem quando nos lançamos a essa tarefa de produzir material didático para o suporte digital. E é
esse o objetivo de nossa comunicação: apresentar as possibilidades e desafios que vêm se impondo desde que
passamos a integrar a equipe interdisciplinar da empresa Educandus na tarefa de produzir aulas de Língua
Portuguesa para o ensino fundamental e Médio.
PALAVRAS‐CHAVE: material didático digital; computador e professores; EAD
ABSTRACT
The discussion about the introduction of the computers in the school is not recent. The Educom Project, created at
the 80's by the Brazilian Federal Government, had as objective to involve the universities and public education in
research projects of the introduction of educative computer science (Moraes, 1997). Many things happened since
then… Just to have an idea, now, while this Abstract is written, it was possible to find 506,000 references about EAD
(Educação a Distância) in the Google… The SEED (Secretaria de Educação a Distância) develops some programs and
projects that show the government intention of investing in the EAD and also in the new technologies, as one of the
strategies to democratize and to raise the brazilian education quality standard. The launching, by the Federal
Government, of a support proclamation to the production of digital didactic material, in June, 2007, can be
interpreted as a concrete action of this intention. However, it still needs be done very much in this area. In the
Google, for example, in a search for "digital material + education" we find only 795 pages… The production of a
hipermídia material that facilitates the knowledge acquisition, demands a participation of an interdisciplinar team,
beyond the use of a bigger set of technique tools (Braga, 2004) but this, by itself, does not guarantee the quality of
this material. Other challenges appear, when we launch ourselves to this task to produce didactic material for the
digital support. And is this the objective of our communication: to present the possibilities and the challenges that
come imposing itselves, since we start to integrate the "Educandus" Company Interdisciplinar Team, in the task to
produce Portuguese Language lessons for Basic and Average Education.
KEY‐WORDS: Digital Lessons – Computer and teachers ‐ EAD
Viver e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz
Gonzaguinha
1. COMPUTADORES, INTERNET, ESCOLA: O MESMO BLÁ‐BLÁ‐BLÁ DE SEMPRE?
A discussão sobre introduzir ou não os computadores na escola esgotou‐se. Fazia sentido na década de 80, quando os
computadores chegaram às escolas. Naquele momento, o Governo Federal criou o projeto Educom, cujo objetivo era
envolver as universidades e o ensino público em projetos de pesquisa de introdução da informática educativa
(Moraes: 1997).
O projeto acabou, produziu muitas pesquisas, e muitos dos pesquisadores atuantes hoje na área foram bolsistas ou
professores no Educom 1 . De lá pra cá, o mundo digital alterou‐se profundamente com o surgimento da Internet e de
1
No nordeste, muito se deve ao professor Paulo Gileno Cysneiros (UFPE), coordenador do Educom, pioneiro na formação de
profissionais capacitados para atuar com tecnologia nas escolas, formados pelos vários cursos de especialização por ele organizados.
todas as possibilidades dela advindas 2 . E a palavra da vez é EAD. Todos estão interessados em oferecer ou usufruir
dessa possibilidade que a rede internacional de computadores propicia. Só para se ter uma idéia, agora, enquanto
escrevemos este artigo, foi possível encontrar, no Google, 506.000 referências sobre EAD (Educação a Distância)...
O discurso oficial ratifica o senso comum de que “os computadores e a internet vieram para ficar”. Basta consultar o
site da Secretaria de Educação a Distância (SEED) para conferir vários programas e projetos que sinalizam a intenção
do governo em investir na educação a distância e nas novas tecnologias como uma das estratégias democratizar e
elevar o padrão de qualidade da educação brasileira 3 . O lançamento de um edital de apoio à produção de material
didático digital, lançado pelo governo em junho de 2007, pode ser interpretado como uma ação concreta dessa
intenção. Isso sem falar no projeto que prevê um laptop para cada aluno da rede pública.
Com objetivo de produzir material didático digital (MDD), surgiu a empresa Educandus (www.educandusweb.com.br)
Inicialmente, oferecia software educacional de Matemática e Física; depois esse leque foi ampliado, mas somente em
2005 surgiu a oportunidade e necessidade de produzir aulas de Português. Primeiramente, em 2005, no projeto EJU
(Escola da Juventude – Secretaria de Educação de SP); depois, em 2007, no projeto financiado pelo FINEP. O objetivo
dessa comunicação é apresentar parte da experiência que a professora Ynah e estagiária Carla, aluna do curso de
Letras, adquiriram no decorrer desses dois projetos.
2. VIVER A ALEGRIA DE SER UM ETERNO APRENDIZ... 4
2.1. O PROJETO EJU 5
Há vários anos, a professora Ynah vinha já acompanhando o empenho da empresa Educandus em oferecer MDD de
qualidade. Inicialmente, eram aulas de Matemática e Física; em seguida, outras disciplinas foram contempladas. No
entanto, somente em janeiro de 2005, houve demanda para as aulas de português, quando a empresa ganhou a
concorrência da Secretaria de Educação de SP no projeto EJU. Em uma proposta ambiciosa, a secretaria queria criar
oportunidades para trazer de volta à escola, nos finais de semana, aqueles jovens que haviam abandonado os
estudos. Os professores davam aulas presenciais e os alunos podiam reforçar/enriquecer/aprofundar os assuntos
estudados mediante consulta a aulas disponibilizadas nos laboratórios de informática.
Nesse momento, a professora Ynah foi convidada para compor a equipe de produção das aulas de português. A
equipe da empresa em São Paulo era responsável pela operacionalização do projeto. Ela definia o assunto e a data
em que as aulas deveriam estar disponíveis, enquanto a equipe de Recife produzia o material. Não havia um projeto
2
Na área de linguagem, basta lembrar a quantidade de pesquisas a respeito dos gêneros e dos letramentos digitais para confirmar
isso. Referência teórica na área é o livro “Hipertexto e Gêneros digitais “ dos professores Marcuschi e Xavier.
3
Nosso objetivo aqui não é estender essa discussão sobre a função “salvacionista” da tecnologia e o importante papel dos
professores, sugerimos http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-19652004000100008&script=sci_arttext&tlng=en
4
No projeto EJU, a professora Ynah não contava com estagiária de Português.
5
Escola da Juventude – nome pelo qual foi batizado o projeto.
autoral; as aulas iam sendo solicitadas e produzidas a partir da demanda de São Paulo. A equipe de Língua
Portuguesa era formada pela professora, por um programador visual (Cláudio Almeida) e um programador de
computação (Tairone César) e respectivos estagiários da empresa.
Ao aceitar o convite, a professora Ynah não sabia que estava aceitando os desafios de uma tarefa inédita no seu
percurso profissional: produzir MDD de Português. Embora estive na área de informática e educação desde 1986, a
professora não tinha experiência em produzir MDD. Confiava, naquele momento, em sua experiência de sala de aula:
30 anos, dos quais quase vinte vividos no Colégio de Aplicação da UFPE. Além disso, tinha já, a essa altura de sua vida
profissional, a consciência de que gostava de desafios e buscava sempre melhorar seu trabalho.
Além disso, Ynah contava, também, com a experiência de ter atuado como autora em uma coleção de livro didático
de português para o Ensino Fundamental 1 6 . No entanto, já na primeira reunião de que participou com sua equipe
multidisciplinar na Educandus, a professora percebeu que as tarefas seriam de natureza diversa, principalmente com
tarefas coletivas de uma equipe multidisciplinar. Interessante já antecipar: embora cada um dos profissionais
contribuísse com conhecimentos de sua área específica, as aulas – o produto ‐ não permitia que pudéssemos
segmentar e identificar essas contribuições de áreas diversas.
Evidentemente, o tratamento didático dado aos conteúdos gramaticais definidos pela equipe de São Paulo – o MDD
– não foi, exatamente, o que se esperava: um tratamento tradicional. No decorrer do percurso de Ynah como
professora de português ‐ de uma escola experimental como o Colégio de Aplicação – esse tratamento acabou sendo
o resultado de algumas orientações conceituais. O conceito de linguagem com forma de interação (Geraldi: 1984); o
de conhecimento como ação do sujeito sobre a realidade, e o de a aprendizagem como o resultado dessa interação
mediada por várias relações (Vigotsky: 1991).
Em relação especificamente ao tratamento didático dos conteúdos gramaticais das “aulas de gramática (nome que a
equipe dava ao trabalho), a professora Ynah aceitou o desafio de construir atividades em que, antes de exercitarem
uma metalinguagem, os alunos entendessem os conteúdos gramaticais como recursos lingüísticos importantes, que
precisavam ser arranjados de modo adequado, a fim de facilitar sua interação comunicativa por meio da língua,
adequada à situação, aos seus objetivos comunicacionais e ao assunto (Travaglia: 1998)
Assim, embora a produção ficasse restrita aos conteúdos gramaticais, o objetivo maior da professora era não perder
de vista a função que esses conteúdos desempenham no USO da língua.
Se o objetivo das aulas de língua portuguesa é oportunizar o domínio do dialeto
padrão, devemos acrescentar outra questão: a dicotomia entre ensino da
língua/ensino da metalinguagem. A opção de um ensino da língua considerando
as relações humanas que ela perpassa (concebendo a linguagem como lugar de
6
Coleção Pensar e Viver, Língua Portuguesa. São Paulo, Editora Ática, 2006.
um processo de interação), a partir da perspectiva de que na escola se poder
oportunizar o domínio de mais de outra forma de expressão, exige que
reconsideremos ‘o que’ vamos ensinar, já que tal opção representa parte da
resposta do ‘para que’ ensinamos" (Geraldi, 1997:45).
Para fazer uma avaliação preliminar dessa primeira experiência na produção de MDD de Língua Portuguesa,
tomaremos de empréstimo (apud Cysneiros: 1999) o que diz Don Ihde, um filósofo norte‐americano da ciência,
acerca do uso humano de ferramentas. Segundo ele, nossa experiência da realidade é transformada quando usamos
instrumentos {Ser Humano ‐> (máquina) ‐> Mundo}. Através do uso desse instrumento, há uma seleção de
determinados aspectos da realidade, com ampliações e reduções resultantes. As amplificações são os aspectos mais
salientes e podem nos deixar impressionados, maravilhados, ao passarmos a experimentar coisas (ou aspectos de
objetos conhecidos) que não conhecíamos antes, com nossos sentidos nus. As reduções, ao contrário, são recessivas
e podem passar despercebidas, uma vez que não ocupam necessariamente nossa consciência, impressionada e
atarefada com o novo.
Parafraseando em parte o que diz Idhe, podemos afirmar que ampliações e reduções aconteceram quando
produzimos essas primeiras aulas em MDD no projeto EJU. Ou, como preferimos, em outro vocabulário:
possibilidades e desafios constituíram nosso percurso durante o projeto:
POSSIBILIDADES DESAFIOS
Produção de um material interativo, que altera Produção de um material novo e adequado a
significativamente a natureza do texto na tela; no uma nova situação pedagógica; além disso,
caso do MDD produzido, essa característica acaba visualmente agradável, sem esquecer que o
alterando, também, a relação do aluno com o design não funciona apenas como um visual
material: mais que clicar mouse ou arrastar bonitinho e simpático, mas como um dos
elementos, ele conta com recursos para descobrir elementos constitutivos do processo e do
que momento do seu percurso cognitivo deve ser produto final.
refeito em situações de respostas “erradas”. Isso Produção de aulas de gramática normativa,
só é possível quando o aluno pode interagir, considerando‐se os conteúdos gramaticais como
verdadeiramente, com o material. ferramenta para facilitar o USO da língua.
Produção de um material hipermodal – cuja Desconhecimento de que o domínio do ambiente
característica principal é a integração de digital implica tanto no conhecimento da
diferentes linguagens, inclusive movimento; é tecnologia quanto da possibilidade de se integrar
essa integração que altera a natureza do texto da diferentes linguagens, o que exige demandas
tela, expande o potencial comunicativo do texto e diferenciadas de construção de conhecimento na
7
Infelizmente, só há pouco, a professora Ynah teve acesso a um texto fundamental para discutir a importância dos elementos visuais:
Kress & Van Leeuwen (1996).
demanda novas formas de interação durante a produção e na recepção dessas diferentes
leitura. É essa característica pode auxiliar alunos linguagens: linguagem verbal, efeitos sonoros,
que tenham estilos cognitivos distintos.(Braga, música, signos visuais e gráficos, imagens fixas ou
2004: 153)) 7 em movimento 8 . Esse desconhecimento explica a
dificuldade que a professora teve para produzir o
que estamos chamando de “script digital” – o
documento que dá início ao processo de
produção. Só a experiência foi refinando esse
“script” até que ele começou a indicar página por
página das aulas a serem produzidas, contendo
todas as informações importantes para as
equipes de produção visual e programação de
computação. Criamos uma convenção utilizando
cores de fontes diferentes, adequadas às
necessidades que foram se impondo.
Falta de experiência nessa área; tempo apertado
para a produção; limite de páginas a serem
produzidas; modelo inicial de material didático
(LD) inadequado para a nova experiência.
2.2 – PROJETO FINEP ‐ ERROS E ACERTOS DE UMA ESTAGIÁRIA 9
No projeto EJU, a professora Ynah respondia sozinha pela produção dos “scripts digitais” 10 . Nesse segundo projeto, a
situação modificou‐se, o que deu oportunidade para que essa tarefa fosse realizada por ela e por uma estagiária, já
que o FINEP destinava bolsas para que estagiários fossem selecionados para trabalhar neste projeto. Foi assim que
Carla passou a fazer parte da equipe multidisciplinar de Português. Estava ela no 4º período do curso de Letras, sem
experiência alguma, mas com vontade de aprender, de fazer, de inovar, de começar seu longo caminho acadêmico
por terras pouco exploradas. O FINEP pedia a produção de 40 aulas para o Ensino Fundamental II, e de imediato, era
preciso elaborar um sumário com os assuntos que seria abordado abordado nas 40 aulas.
A organização desses conteúdos foi baseada nos índices gramaticais, visto que a estagiária não possuía outro
referencial sobre material didático. Não se pode negar que ela procurou ajuda no documento que conhecia e sobre o
8
Complexidade que se acentua quando se pensa na estrutura rizomática do texto, que permite diferentes padrões de navegação e,
conseqüentemente, de leitura e compreensão (Burbules, 2000)
9
Nessa parte, o leitor vai poder conhecer – através da própria estagiária – a experiência de uma aluna de Letras em produzir MDD.
10
Na falta de uma expressão mais adequada, optamos por adotar “script digital” para indicar o documento escrito que desencadeia o
processo de produção de MDD.
qual vinha se debruçando para elaborar seu projeto de iniciação científica ‐ PCNs de Língua Portuguesa do 3º e 4º
ciclos do EFII. Lá, ela encontrou:
Há uma série de softwares disponíveis no mercado, produzidos com a finalidade
de trabalhar aspectos específicos de Língua Portuguesa. Como qualquer recurso
didático, devem ser analisados com cuidado e selecionados em função das
necessidades colocadas pelas situações de ensino e aprendizagem. (PCNs, p.90)
No entanto, essas “orientações” pouco ajudavam para quem queria produzir MDD. Ela percebeu que seu caminho
pelo mundo da produção de material estava apenas começando. Primeiramente, ela precisava elaborar o “script
digital” com o conteúdo da aula, que já estava estabelecido no sumário, para passar à produção, e foi aí que tudo
complicou... Como fazer esse documento? Como elaborar questões que avaliassem o aluno? Como fazer para
trabalhar oralidade, gramática, uso da língua, etc? Nenhuma resposta apareceu. Então ela começou começando...
A chegada de Ynah ao projeto FINEP foi ovacionada por Carla, que precisava de uma orientação efetiva para o seu
trabalho. E, assim, juntas, professora e aprendiz, definiram a metodologia do trabalho. Diferentemente do projeto
EJU, tudo agora era definido pela equipe de Recife. E, já contando a experiência anterior, e satisfeita por ganhar uma
interlocutora, a professora Ynah fez sua primeira reunião com Carla para definir os procedimentos da produção.
2.2.1 PROCEDIMENTOS DA PRODUÇÃO
1. Apresentação e discussão da idéia inicial: um projeto de MDD;
2. Definição dos objetivos a alcançar com as aulas: levar o aluno a aprender sim os conteúdos, mas a partir de um
esforço cognitivo;
2. (re) Definição dos conteúdos e de sua distribuição e organização nas páginas de cada aula;
3. Definição dos parâmetros de avaliação ‐ oralidade, gêneros textuais, gramática e uso da língua – bem como do
caráter interativo das perguntas e respostas: cada tentativa de resposta seria acompanhada de um comentário;
resposta correta, elogio e algum acréscimo ao assunto tratado; resposta “errada”, orientação para que o aluno
refletisse e descobrisse em que etapa escolheu o caminho cognitivo errado para chegar à resposta.
Essa foi uma das decisões mais importantes – e mais trabalhosas também. Exigiu um tempo maior na redação das
perguntas e respostas, sem falar na necessidade de se convencer a equipe de programação de computação de que a
decisão era importante; depois disso, foi necessário fazer ajustes na ferramenta da produção das aulas para fornecer
o que convencionamos chamar de “feedback” – avaliação das escolhas efetuadas pelo aluno na busca pela solução
das tarefas.
4. PRODUÇÃO DO DOCUMENTO DA 1ª AULA.
Além disso, na primeira reunião, a professora Ynah explicou a Carla suas idéias: elaborar um projeto pedagógico e
não apenas aulas de gramática. Para isso, pensava em inserir diálogos em cada aula e, a partir deles, conectar os
conteúdos gramaticais. E, nesse caso, a equipe precisava construir personagens adequados a cada uma das séries do
projeto – 5ª, 6ª, 7ª e 8ª.
Empolgada com a idéia, Carla já se dispôs a executar a primeira tarefa – passar a nossa idéia para a equipe de
programação visual e acompanhar, de perto, a construção das personagens, que levou mais um menos um mês para
ficar pronta. A cada personagem criada, empolgação e satisfação de ver as idéias da equipe tomando forma. Carla
acabou descobrindo uma vocação natural para inventar os diálogos e as histórias para as personagens. Isso sem falar
que as personagens, criadas pelos artistas da equipe de programação visual – Cíntia e Luís – criaram vida, ganharam
família e, passaram a conviver com toda a equipe – desde professora Ynah, Carla e os demais elementos – e dividir,
com eles, o desafio de produzir MDD.
Nessa primeira reunião, a professora solicitou, também, que Carla elaborasse algum material para o segundo
encontro para que, juntas, pudessem ver na prática como se daria a produção. Na realidade, o objetivo dessa
solicitação era conferir o que a estagiária entendia como MDD para, a partir daí, começarem as discussões sobre o
que, de fato, caracterizava esse tipo de material didático. E o que a professora esperava, na segunda reunião,
aconteceu: Carla trouxe um material que seguia o modelo tradicional do LD – partia da definição, dava exemplos e
seguiam‐se os exercícios. Ao ser perguntada se aquele material poderia ser impresso, respondeu que sim e que ela
considerava isso bom porque o professor poderia imprimir tudo... Ficou surpresa (e talvez desesperada) quando a
professora Ynah afirmou: se pode ser impresso, não serve; não é MDD.
Assim, a primeira produção de um documento para aula foi, então, a cópia de um livro didático: questões que
promoviam muito pouco a reflexão sobre a língua; gramática tradicional, textos chapados; enfim, não era MDD, mas
um livro digitalizado. E não poderia ser diferente, diante da inexperiência de Carla na atividade, somada a lacunas –
tanto teóricas quanto de ordem prática ‐ da sua formação acadêmica. Outra dificuldade encontrada por Carla era a
de não conhecer as ferramentas computacionais disponíveis para promover representações em outras linguagens –
imagens, animações, simulações – com as quais poderia interagir na construção do conhecimento.
Aos poucos, ela foi percebendo que a produção de softwares deveria ser a representação não‐linear do
conhecimento, que permitiria a cada um, segundo seu ritmo e interesse, dirigir sua aprendizagem. Percebeu, ainda,
que era muito importante, a sedução do aluno través do meio. Era necessário criar um ambiente virtual apropriado
para cada série, para cada conteúdo. Tanto que as personagens criadas foram “ficando mais velhas” no transcorrer da
produção.
Carla aceitou o desafio de continuar na equipe. No início, os documentos eram produzidos pela professora Ynah e
discutidos com ela; mas, rapidamente, ela assimilou os procedimentos necessários para criar situações em que o
aluno interagisse com o material, refletindo sobre o USO dos conteúdos gramaticais em situações de interação.
Aprendeu a fazer isso se apropriando dos recursos da ferramenta, suas ampliações, suas reduções, suas
possibilidades e seus limites.
Embora apenas Carla não tivesse experiência na área, em um trabalho dessa natureza, a impressão que se tem é que
mesmo que já produziu algum MDD acaba se sentindo estreante. Como todo trabalho criativo, há momentos de
“branco”, de desespero, mas também de alegria e realização ao ver idéias tomando forma. O planejamento, embora
imprescindível, precisa ser flexível. Em um determinado momento do processo, foi preciso modificar uma orientação
inicial: se no início, os três diálogos abriam a aula, e, somente depois, os conteúdos gramaticais eram trabalhados,
em um determinado ponto do processo, foi preciso reavaliar e decidir eliminar essa orientação. Em outro momento,
o descontentamento de Ynah e Carla em fechar a aula com um texto‐síntese dos conteúdos trabalhados – que
representava uma quebra no tom mais informal que permeava as páginas anteriores da aula ‐ fez surgiu uma
alternativa: uma situação de sala de aula em que o professor pedia que cada uma das personagens dissesse o que
havia aprendido naquela aula foi introduzida na aula; e um novo modelo de sintetizar também surgiu.
No entanto, a despeito de tantas inserções interessantes surgidas durante o processo de produção de MDD – e quem
produz precisa estar disposto a mudar rumos – o mais importante, na opinião de Ynah e de Carla, foi a construção de
um modelo de produção.
Figura 1 – Ciclo dos profissionais
Professora e estagiária produziam, individualmente, o seu “script digital”, que, antes de seguir para o coordenador,
era discutido em dupla. O coordenador distribuía as tarefas para cada um dos desenvolvedores – designer, ilustrador
ou programador – de acordo com a especificidade dessas tarefas. A aula pronta voltava para Ynah e Carla revisarem.
E o processo se repetia quantas vezes fossem necessárias.
No entanto, esse “ciclo da produção”, foi sendo criado durante o processo; o professor precisava elaborar seu script
digital e os programadores e designers precisavam produzir a aula, o que incluía uma revisão também antes de
finalizar o trabalho. Com o surgimento de muitas falhas na programação e com o visual, algumas vezes, distorcido do
script digital, a professora e a estagiária perceberam que a tarefa de revisar e comparar a aula pronta com o script
fazia parte do processo de construção do MDD em um processo cíclico dos profissionais, em formato espiralado,
visto que as atividades não se repetiam e que o produto final era passível de mudanças 11 .
FIGURA 2 – Ciclo da produção
11
Infelizmente, por conta dos limites impostos pela folha de papel, que não comporta movimento, não foi possível inserir a imagem em
flash.
3. PRODUÇÃO DE MDD: POSSIBILIDADES, DESAFIOS...
Ficou evidente, após esse relato, que a experiência é fundamental para quem quer inserir‐se na área de produção de
MDD: um material interativo – mais que multimodal, hipermodal 12 ‐ , em que o aluno, mais que clicar mouse ou
arrastar elementos, tem a oportunidade de agir e interagir na busca pela construção do conhecimento. Material que
nasce da necessidade criada por um novo contexto pedagógico, em que novas necessidades precisam ser atendidas.
Pudemos constatar, também, que não é possível adotar o modelo mais conhecido de material didático – o livro
didático – como parâmetro para a produção de MDD. O L.D. tem uma natureza diferente, tanto no que diz respeito
ao processo como ao produto, resultante do empenho de uma equipe multidisciplinar, em várias idas e vindas, em
um processo espiral de produção.
Além disso, uma situação pedagógica nova, criada com a inserção da tecnologia, implica em um material novo sim,
mas, principalmente, adequado a esse novo cenário pedagógico digital. Deve apresentar uma aparência cativante, no
entanto, não é apenas essa a função do design: a experiência mostrou que ele é um elemento constitutivo
fundamental do processo de produção de MDD. No entanto, faltam pesquisas que avaliem de que maneira diferentes
recursos – visuais e sonoros – se integram com a informação verbal na construção da comunicação de natureza
pedagógica (Braga:
A experiência relatada (felizmente!) não esgota as discussões sobre o MDD. No entanto, uma coisa é certa: o LD não
constituiu um bom modelo de material didático para a produção de MDD, embora se possa afirmar que existem
similitudes entre os dois tipos de materiais. Por essa razão, não seria o caso de se perguntar se o MDD pode ser
considerado um novo gênero digital e não apenas um suporte para diferentes gêneros?
Bunzen (2005), discorda de que o LD seja um suporte de diferentes gêneros, como defendiam outros pesquisadores.
Em sua dissertação, ele toma por base os estudos do Círculo de Bakhtin sobre a intercalação de gêneros ‐ “um gênero
é e não é o mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo” (Bakhtin, 1972: 106) ‐ para afirmar que a origem e a
configuração atual do LDP (Livro didático de Português) advém justamente de uma confluência, para o LDP, de três
outros gêneros: a antologia, a gramática e a aula. É isso o que faz Bunzen afirmar ser o LDP um gênero do discurso
que nasce entre as décadas de 50 e 60, e não um suporte.
Não seria o caso de se perguntar se o mesmo também acontece com o MDD?
12
Termo empregado aqui no sentido de Lemke (2002): “Hypermodality is one way to name the new interactions of word-, image-, and
sound-based meanings in hypermedia, i.e. in semiotic artifacts in which signifiers on different scales of syntagmatic organization are
linked in complex networks or webs”.
Nossos últimos bytes e bites são dirigidos aos colegas, os professores que se vêem diante dessa introdução (nem
sempre cuidadosa!) da tecnologia nos espaços escolares. Para nós, ficou evidente, a partir da experiência em produzir
MDD, que não é suficiente oferecer a esses professores oportunidades para aprender a usar as ferramentas
tecnológicas. É preciso muito mais para que eles estejam (e se sintam) prontos para, ao acolher o MDD, avaliar sua
pertinência e sua aplicabilidade ou não. Não se pode cair na armadilha de usar porque é “bonito, novo e moderno”.
Para produzir e/ou utilizar adequadamente o MDD, os professores precisam olhar de modo crítico para o espaço
digital, enxergando as suas especificidades. Precisam, além de tudo, sentirem seguros porque conscientes das
possibilidades e desafios inerentes a essa nova realidade nem um pouco virtual.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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