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A EXTENSÃO CULTURAL

NOS MUSEUS

Edgar Süssekind de Mendonça


Técnico de Educação
Ministério da Saúde e Educação
MUSEU NACIONAL

A EXTENSÃO CULTURAL
NOS MUSEUS

Edgar Süssekind de Mendonça


Técnico de Educação

1946
IMPRENSA NACIONAL
Rio de Janeiro – Brasil
"Nossa principal missão nesta casa (Museu Nacional),
hoje, é tratar de difundir em nosso povo uma parte
daquilo que ele precisa pra vir a ser o que merece”
(Roquete-Pinto – Discurso na sessão
comemorativa do Centenário do Museu Nacional)
“O domínio das fôrças naturais, dantes precário e
escasso, torna-se preocupação absorvente, pela
investigação deliberada da ciência. Experimenta-se,
por todos os aspectos, uma nova técnica de viver.”

(Lourenço Filho – Prefácio a “Educação para uma civilização


em mudança” de W. H. Kilpatrick).
SERVINDO DE PREFÁCIO

Criada a Secção de Extensão Cultural no Museu Nacional do Rio de Janeiro, quis sua
diretora, D. HELOISA ALBERTO TORRES, olhar benevolamente para o meu passado de
cooperação pessoal em vários empreendimentos análogos. Daí a proposta do meu nome para aquela
Secção, feita ao Sr. Ministro da Educação, que, para atender-lhe, requisitou-me ao Ministério em
que trabalho (Ministério da Agricultura), promovendo outrossim, “ex-officio”, a minha
transferência para o corpo de técnicos de educação. Entendem as leis que tal transferência não se
pode satisfazer com títulos e documentos sôbre atividades especializadas; daí um concurso de
provas e uma monografia regulamentar; esta que se vai ler.
A EXTENSÃO CULTURAL NOS MUSEUS

EDUCAÇÃO SUPLETIVA – No panorama educacional do Brasil, se o contemplamos do


ponto de vista alteado pelas possibilidades técnicas da divulgação cultural em nossos tempos, bem
diminuta é a área ocupada pela educação escolar, intencional, sistemática, como a queiram
denominar, dilatando ou restringindo um pouco seu domínio. Mesmo a boa nova estatística, que nos
tem trazidos ultimamente o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, falando-nos pela voz
autorizada de LOURENÇO FILHO1, não atenua senão de leve a impressão de que, no Brasil,
principalmente, a escola é o caso-exceção, num plano total de educação popular.
A palavra oficial denomina supletiva ao conjunto da educação que pretende suprir as faltas
cometidas pelas instituições comuns de ensino em relação aquela parte da população que
frequentou ou poderia ter frequentado a escola. Ora, invertendo a posição dos termos, colocando,
como é lógico a parte dentro do todo, o que devemos chamar supletiva será a instrução ministrada
dentro da escola, pois esta, sim. É que é o apêndice – nobre apêndice, não resta dúvida – do
organismo inteiro que é a educação da população toda do país...
No Brasil-presente, agora que estão falando os números2 também não julgamos ser de boa
norma terminológica referir o maior ao menos, continuando a chamar o conjunto mais vasto de
educação extra-escolar, para chamar educação tout-court, à pequenina parte privilegiada, a das
aulas e dos exames, que se deveria designar educação intra-escolar, para que o termo educação,
sem mais nada, designasse o todo.
EXTENSÃO CULTURAL – É dentro desse amplo conceito de educação generalizada que
vamos considerar a obra de extensão cultural; desta é que cabe aos museus papel insubstituível e, de
certo modo, preponderantemente, não só pelas suas características funcionais como por direito de
antiguidade.

1
LOURENÇO FILHO: Tendências da educação brasileira, Rio, 1940.
2
M.A. TEIXIEIRA de FREITAS: O que dizem os números sobre o ensino primário, Rio, 1934
De princípio, temos que distinguir entre duas noções um tanto embaralhadas pela
ambiguidade de denominação. Compreende-se por extensão cultural: 1.º) aquela porção maior de
um verdadeiro conjunto educacional, a porção que, por assim dizer, sobra do âmbito escolar (e que
melhor se denominaria difusão cultural se nesse termo, não estivessem incluídas também escolas,
cujo ensino sistematizada se quer justamente destacar do processo educativo que estamos
pretendendo definir; ou atividades extra-escolares, expressão que teria o inconveniente, já por nós
apontado, de dar importância exagerada à escola no conjunto da tarefa educacional) ; 2.º) o conjunto
das atividades suplementares a uma instituição qualquer de cultura, escola ou não escola, que a
articulam com o conjunto compreendido no caso 1.º é o que apenas considerando a alternativa
escola, costuma-se denominar atividade extra-classe.
Tal ambiguidade se reflete, sobretudo, nas questões em que entra em conta a idade do
educando. Habituados como estão os educadores a pensar em termos de escola, supõem sempre o
adulto presente quando se fala em extensão cultural, por ser este o fregues quase exclusivo da
educação supletiva, com a qual se confunde o sentido (1.º) de extensão cultural. É, sem dúvida, o
adulto a preocupação maior e mais característica da tarefa aqui considerada; tanto mais agora
quando, à luz das conclusões fundamentais de THORN_DIKE e sua escola, não se situa mais o
climax do aprendizado necessariamente na infância ou adolescência. Reportamos o leitor ao
trabalho que sobre o assunto escreveu o técnico de educação Prof. PASCHOAL LEMME ³3,
definindo precisamente o ponto de vista moderno sobre tão momentosa questão.
EXENSÂO CULTURAL NOS MUSEUS – Entretanto, em relação aos museus, isto é, em
relação às atividades que se somam às suas, específicas, de museus restrito-senso, a clientela da
extensão cultural abrange todas as idades. Seria elucidativo um quadro de dupla entrada, por idade e
por instituição (ensino sistemático e assistemático), em que figurassem com suas relações de
proximidade, as várias modalidades de ensino largo-senso, tais como: 1) para crianças e
adolescentes em escola, com os vários tipos clássicos de ensino primário e secundário, mais ou
menos especializados; 2) para adultos em escola, desde o ensino elementar de adultos às extensões
universitárias, sem esquecer as Universidades Populares; 3) para adultos, adolescentes e crianças
sem escola, toda a profusão de instituições mais ou menos ligadas, ou possíveis de ligar, à obra de
educação generalizada.

3
PASCOAL LEMME: Educação de adultos, Monografia para o concurso de técnico de educação do Ministério de
educação e saúde, Rio, 1938
Destinando, porém tempo e espaço regulamentares ao tema, por definição delimitado,de
uma monografia, apenas fazemos referência a semelhante quadro de classificação, que, no entanto,
localizaria o domínio da extensão cultural nos museus traçando-lhe as articulações e cooperações
mais ou menos imediatas.
Relações entre museu e escola – Focalizando esse domínio, consideraremos em primeira
plana as relações Museu-Escola, a partir de dois pontos antagônicos; a escola e o museus em sua
concepção tradicional, para, acompanhando a evolução de ambas as instituições, arrastadas pelo
progresso técnico que se processa em crescente velocidade nos últimos decênios, aproximarmo-nos
de um ponto limite de coincidência, já que essa evolução das escolar e dos museus veio operando
em múltiplas interações, num sentido comum de ampla convergência de esforços para a educação
generalizada, tanto nas escolas como nos museus dos nossos dias.
1. A partir da escola – É clássica, em matéria de pedagogia, a libertação, cada vez mais
pronunciada e proclamada, do ensino escolar de sua antiga subordinação aos interesses exclusivos
da classe letrada; a sua adaptação crescente ao ambiente social mais ou menos democratizado, se
não no domínio político, pelo menos nesse domínio, tão ao parecer apolítico, do ensino, nas nações
progressivas; a unificação do dualismo aristocrático do pensamento e do trabalho, a principio
esboçada na fórmula “classicização do ensino profissional e profissionalização do ensino clássico”,
e, atualmente, corporificada em escolas comuns, escola-única, onde se aprende visando uma
realidade que não separa ideia concebida da idéia realizada; e finalmente, nesses suplementos das
extensões culturais, que servem para confirmar e atestar a comunhão, mais projetada que efetivada
(diga-se de passagem), da vida e das aulas. Vêde como a escola se exterioriza, como ela transborda
do âmbito restrito das suas salas de aula e, até mesmo, de seus gabinetes e laboratórios, para seus
museus, seus auditórios, seus parques... Galga uma escala ascendente em semelhante deistenção de
valores sociais acumulados: 1.º)atividades extra-curriculares... 2.º) atividades extra-classe... 3.º)
atividades extra-escolares.
A matéria tem sido suficientemente ventilada em bibliografia recente; vê-la-emos tão
somente junto a cada caso particular.
2. A partir do museu – Foi longa a caminhada dessa adaptação crescente de instituições,
como os museus, outrora segregados por estreita definição de seus propósitos culturais, a uma
sociedade renovada pela técnica. De lojas de curiosidades,ou, para usar a expressão mais franca, de
hospitais ou cemitérios de coisas 4, chegaram a ser, ou pretender ser, a síntese objetiva onde se
sumariam, a princípio as maravilhas e raridades, e depois a exemplificação representativa da
natureza e sociedade circundantes.

4
F. Vênancio Filho: A educação e seu aparelhamento moderno, S. Paulo, p.128
Que poder interpretativo para escolher o que das acumulações passadas, deva ser reservado
para a contemplação presente! E que poder quase divinatório o de marcar com o índice da
perenidade, a serviço do futuro, este ou aquele aspecto na alucinante profusão da atualidade! Disse-
o, na sua frase iluminada de sempre, Anísio Teixeira 5: “trata-se de difundir a cultura humana, mas
de fazê-lo com inspiração, enriquecendo e vitalizando o saber do passado com a sedução, a atração,
o ímpeto do presente.”
Escolha-se um museu qualquer de longa existência; repete-se nele a mesma história de suas
transformações sucessivas; cada fase corresponde ao modo de cada geração compreendê-lo, tanto é
verdadeira observação de Francis Taylor 6de que “cada geração se viu forçada a interpretar esse
termo impreciso – museu – de acordo com as exigências sociais da época”.
A não se dar o caso de um certa etapa corresponder especificamente a um dado tipo de
museu, qualquer museu que evolua percorre, em linhas gerais, a sucessão seguinte (reparar que o
critério da evolução é o aumento de comunicabilidade com o público, que se torna cada vez menos
especializado): I) coleções exclusivamente para uso de iniciado; II) cursos de altos estudos, ou
sobre matéria especializada, a principio para o pessoal do museu, depois para candidatos ao ofício e
alguns poucos interessados, e, enfim, para um público seleto porém indiscriminado; III)
vulgarização das pesquisas, resultado vitorioso da penosa pregação de alguns poucos inovadores,
ainda mal vistos pelos colegas, que, em sua maioria, confundem vulgarização com vulgaridade; IV)
em conseqüência de semelhante publicidade externa, aparecem os pequeninos sintomas de
publicidade interna: letreiros, inteligíveis a todos, mostruários atraentes, material expressivo, quanto
mais freqüente mais representativo; como que o museus interpreta-se a si mesmo para depois ser
interpretado pelos outros...; V) os objetos, se bem que convenientemente publicados, estão soltos,
mentalmente falando, daí a intervenção do material complementar, principalmente de natureza
gráfica, que vem ocupar o seu devido lugar nas salas e mostruários, unificando o material exposto;
VI) está, então, preparado o palco para a grande função vitalizante dos museus, que é a
preponderância de suas preocupações de ensino: mas o museu ainda é do tipo estático, o material
está guardado em vitrinas fechadas, e que se acha fora delas, mas no qual é proibido tocar, ainda
não funciona, no sentido próprio, físico, da palavra; mas já se movimenta mentalmente ao impulso
de sua arrumação esquemático-funcional; por outro lado os museus vão ter a escola, cedem-lhe,
emprestam-lhe, doam-lhe, num transbordamento pletórico, o seu material a mais- a escola é o seu
principal agente de ligação com a vida lá de fora; VII) depois, criam toda a exuberância
comunicativa da extensão cultural, não digo que dispensando as escolas, mas excedendo-as na obra
comum da educação generalizada; VIII) por fim (etapa não atingida por tantos...), no museu tudo
funciona, no duplo sentido físico e mental da palavra: e surgem os museus dinâmicos.
5
Anisio Teixeira: Educação para a democracia, S. Paulo, 1936, p.154
6
Francis Taylor: “Museum in a changing world”, The Museum Journal, vol. 40, Londres, 1938
Tão oportuno foi esse enriquecimento de função social dos museus, somado às duas funções
específicas, a de preservar e a de investigar, que recebeu surto imprevisto o seu prestígio junto ao
público, pelo contrário que se estabeleceu entre eles e a porção mais numerosa da população local.
Autoridades insuspeitas, porque não pedagogos e sim técnicos de museus, entre as quais
destacamos Paul M. Rea7, reconhecem ser “bastante significativo que a grande expansão dos
museus”, na civilização atual, “tenha coincidido com a realização das suas obrigações educativas
para com o povo.”
A preponderância do fator educativo nos museus chega mesmo a alarmar Carlo E.
Cummings8, que longe está de poder ser acoimado de passadista; eis o seu grito de alarma: “Os
espécimes reais – isto é, sem transmutação pedagógica – começam a ter cada vez menos
importância, e a recuar cada vez mais para o fundo do quadro, a ponto de, em alguns casos
extremos, desaparecerem por completo! Os mostruários tornam-se cem por cento educativos e
perdem quase totalmente o seu caráter objetivo, que, afinal de contas, foi como iniciaram sua vida.”
T.R. Adam9, pelo contrário, exulta com a significação social desse amplo aprendizado pelo
museu e chega a inquirir se, diante da sua ação educativa mais desimpedida que a da escola,
“devem os museus se contentar em suplementar apenas os intrumentos de educação já existentes, ou
declarar-se uma instituição inicial de educação popular.”
Não foi, pois, em exagero de turista, mas em comedimento de técnico que o Prof. Venâncio
Filho10, no seu relatório de excursão aos Estados-Unidos da América, afirmou que, nesse país, “tem-
se a impressão de que os museus vivem a serviço da educação.”
Chegará breve a época em que não terá razão de ser nem mesmo a distinção de intencional
dada à educação pela escola para diferenciá-la da fornecida esporadicamente fora dela; basta,
apenas, que os museus e instituições congêneres dêm expressão regulamentar a uma situação de
fato, e proclamem a sua decisão de agir deliberadamente, intencionalmente, no processo educativo.
Nos Estados-Unidos, mil e um requisitos de organização social já foram conseguidos no
sentido dessa ampla compreensão da educação de todos por todos os órgãos em condições de fazê-
lo. Embora no Brasil e em outros países que, como ele, “não tem sabido tirar partido das
possibilidades educativas” das grandes invenções modernas, ainda seja por demais patente a
defasagem da técnica em relação a cetas situações sociais ou políticas que as desvirtuam, não
julgamos prematuro destinar marcada influência à ação combinada da escola com os agente extra-
escolares de cultura na obra da educação nacional, a começar pelo setor da extensão cultural nos
museus de mais próximas operações, e que escolhemos para a nossa documentação.
7
Paul M. Rea: “The fuction of Museums”, Proc. Of the American Association of Museums, 1912, p. 52
8
Carlo E. Cummings: East is East anda West is West, 1940, p. 265
9
T. R. Adam: The Civic Value of Museums, New York, 1937, p. 10
10
F. Venâncio Filho: “Relatório de excursão aos Estados-Unidos” Boletim de Educação Pública, Julho de 1935, Rio,
p.52
Foi mesmo porque acreditamos nas possibilidades adaptativas do nosso sistema escolar a um
programa gradativo de difusão cultural, capaz de fazer recair também sobre os nosso patrícios os
benefícios da técnica a serviço da educação, que escolhemos semelhante tema para esta monografia,
a qual, não pretendendo trazer novidade sobre o assunto, nem mesmo encará-lo sob novo aspecto,
vale, entretanto, por um programa de ação, que se sabe exequível e se espera estar próximo de
realização.
Influência Recíproca das Escolas e Museus – Não tem sido das mais cordiais a recepção
feita pelas escolas a esse recém-chegado no ensino – o museu-, espécie de nouveau riche a quem se
olha um tanto de soslaio. No congresso da Museums Association, reunido na cidade de Leeds, em
1936, a questão da boa vizinhança mereceu especial atenção dos congressistas, tendo sido mesmo
lançado um apelo aos responsáveis pelos empecilhos – horários e programas exaustivos –
cultivados pela escola em detrimento da ação dos museus e outros órgãos de preparação intelectual;
apelo para que, daquela data em diante, fosse o museu considerado sócio solidário na tarefa
educativa, e não apenas – honra de ele declinava – sócio benfeitor...
Tem, assim, pleno cabimento que insistamos no ajustamento maior do conjugado Museu-
Escola, enunciando algumas das principais resultantes de sua influência recíproca.
I. Os museus devem à escola:
a) comunicabilidade crescente entre o material exposto e o público – resultante do conceito
essencial do ensino pela escola. Letreiros, gráficos, ilustrações de todo tipo, didaticamente
concebidos, tornando acessível à mentalidade dos observadores comuns o que outrora se reservava
para uso exclusivo dos especialistas.
b) ampliação da coleta de exemplares, do raro e maravilhoso para o comum e familiar – a
boa pedagogia substitui o rumo “do concreto para o abstrato”, “do simples para o complexo”, por
esse outro: “do próximo para o distante”, “do comum para o incomum”, adotando o princípio
estatístico da maior frequência da amostra, no rol dos valores regionais, como critério da
representatividade do exemplo. Esse realismo evitara, todavia, que se caia no prosaismo, mas não
deixará de obedecer ao preceito de ensino renovado consubstanciado nas seguintes palavras que
Roquette-Pinto escreveu em relação ao ensino da natureza11: “ a história natural das maravilhas deve
ceder lugar à história natural das banalidades”.
c) unificação do material pertencente a um mesmo conjunto natural ou social – é o princípio
pedagógico dos complexos “relativamente totais”, que fornecem temas para os “projetos” da escola
renovada. Os museus, em sua missão de conter uma concentração de cultura multifacetada,
ncessitam, para não apresentarem feição por demais dispersiva, cuidar da “coerência” de suas
amostras, naturalmente esparsas: utilizará, para tanto, recursos complementares, tais como quadros

11
Roquette-Pinto: “A história natural dos pequeninos.” A Educação, Rio, maio de 1926, p. 769.
sinóticos, mapas, gráficos, com que, respectivamente, agrupará, localizará e articulará as peças
expostas, que devem “funcionar” juntas; sobreleva aqui o emprego da fotografia, para representação
indispensável das peças ainda ausentes ou impossíveis de expor.
d) ecologia dominando taxonomia – os mostruários recompõem, em miniatura uma região
“ajuntando na desordem natural os elementos de estudo que o método antigo separava.” É o
acréscimo de ambiência física e social aplicável a toda espécie de museus, e que corresponde ao
princípio didático da “globalização”. Para melhor corresponde às prerrogativas dos dois últimos
itens, o Museu de Birmingham faz preceder cada uma de suas secções de uma sala, ou simples
mostruário, que, em escala reduzida, porém aumentada indicação das relações funcionais de todo o
material exposto, servem com o que de prefácio explicativo ao que se vai pormenorizadamente
contemplar.
e) renovação dos temas de visitas escolares – para assinalar as transformações que
solidariamente se deram nos temas de aulas e de visitas aos museus, repercutindo no estique do
material exposto, Grace F. Ramsey12 registra um exemplo expressivo: em 1900, várias turmas
realizaram, no Americam Museusm of Natural History, de Nova-York, um estudo comparativo do
esqueleto dos mamíferos; já em 1937, entretanto, uma turma levou a efeito sucessivas visitas, para ,
tomando como motivo inicial um acontecimento de grande repercussão na época – o vOo dos
aviadores soviéticos por sobre o Polo Norte – estudarem a fisiografia das regiões árticas e os
costumes dos esquimós.
f) psicopedagogia aplicada aos museus – a influência da escola sobre os museus tem, nesse
assunto, o maior número de casos. Se lhe somarmos os ensinamento da psicologia da publicidade,
teremos quase todo o fundamento psicológico em que se baseiam as relaçoes de um museu moderno
para com o seu variadíssimo público. Esse grau de variedade, justamente, é que tem dificultado
concluirem-se preceitos de aplicação prática generalizada, legitimando resultados que poderiam ser
aqui descritos. O intrincado problema que constitui a essência de um capítulo de pedagogia a
escrever-se, “a pedagogia dos museus”, precisamente porque esta se pauta nas peculiaridades de
cada tipo de público, por sua vez pautadas nas peculiaridades de cada situação local, está a exigir
inquéritos e controle estatístico em grande colheita de dados, porquanto, sem tal pergaminho de
legitimidade, não se lhe permitirá entrada na nobiliarquia pedagógica... Não prescinde de
experiência direta, colhida na prática com o público dos museus, releguei-o, por isso, ao capítulo
das sugestões.
2. A Escola deve aos museus:
a) documentação objetiva intensificada – pois a expressão do pensamento nos museus não é
propriamente a palavra, senão a coisa, expressa pela palavra, mas obrigatoriamente presente. É a

12
Grace F. Ramsay: Educational Work in Museums of the United State, New Yokr, 1938, p.76
retribuição da colaboração explicativa da escola na feitura dos letreiros, gráficos e guias de
coleções. Por documentação objetiva, compreenda-se também documentação gráfica, reprodução do
objeto por desenho ou fotografia, pois o de que se trata, nessa dívida da escola para com o museu, é
da substituição da noção puramente verbal pela imagem sensorial, realização longamente
amadurecida do Orbis Picturis de Commenius... Claro está que, só na ausência do objeto real, se
pede a representação pela imagem, pois esta, por mais fielmente que seja reproduzida, registra tão
somente o aspecto morfológico da realidade, não supre a integralidade objetiva do exemplar,
mormente necessária se se trata de tomá-lo como material de experiência. É noção por todos
admitida, mas que cumpre lembrada. Melo-Leitão13 tratando dos pontos essenciais da metodologia
da História Natural, com a sobriedade do homem de pesquisa, não achou superflúo dizer que
“reconhece a utilidade das boas figuras, quando, porém não haja objeto para a demonstração.” Certa
vez, debatendo no Instituo de Estudo Brasileiros a palestra de Venâncio Filho sobre a “Função
educativa dos museus”, Jônatas Serrano14, seu companheiro de exaltação do cinema educativo,
reclamou não ter o conferencista dado ao cinem um papel dominador nas atividades culturais do
museus, e, mais do que isso, a capacidade de substituí-lo vantajosamente.”Só o cinema” - são
palavras de Jônatas Serrano - “só o cinema resolve completamente o problema que os museus de
longe estão procurando solucionar. O cinema resolve aspectos do problema, que o museus, mesmo
dinâmicos, não resolvem”. Sim, a sucessão das fases todas de um acontecimento, a simultaneidade
de todas as particularidades morfológicas de um conjunto só a fotografia animada as reproduz; mas
o notável debatedor há de convir que, para o domínio experimental da documentação objetiva ( e é
essa a maior contribuição didática do museu a da escola) se é verdade que o cinema ganha em
variedade, o museu o sobrepuja em integralidade, apanágio da materialidade com que
insubstituivelmente, apresenta as suas amostas. Nos “museus escolares” ( tipo de que só
indiretamente aqui tratamos) a primeira característica é justamente essa – a de deve cada amostra
servir para a observação, se não experimentação, por parte do aluno.
b) visualização do ensino – aqui a função dos museus é subsidiaria de todo o vasto domínio
da fotografia aplicada, desde as ilustrações fotomecânicas até as projeções fixas e animadas. Ainda
o homem moderno não se deu conta, em toda plenitude, da revolução metodológica e emocional
quotidiana e aos momentos superiores em que fixa a móvel realidade para melhor conhecê-la e
melhorá-la. Nos domínios do ensino, então, a multiplicação do exemplário disponível para as aulas
e palestras foi simplesmente assombrosa.15 Um dos sintomas mais expressivos da falta de
incorporação das projeções fixas e animadas ao ensino está no esforçarem-se ainda tantos
13
C. De Mello Leitão: Methodologia da História Natural, Shola, Rio de Janeiro, Janeiro de 1930, p.12
14
Jônatas Serrano: “Debate sobre a conferência “Função Educativa dos Museus”, de F. Venâncio Filho. Estudos
Brasileiros, Rio, 1939, p. 66
15
Há referências minuciosas ao melhor aproveitamento didático da documentação fotográfica em trabalho anterior do
autor publicado com o título “Ensino e Cultura”, Estudos Brasileiro, Rio, maio-junho de 1940, p.675
professores para que os alunos nomeiem exemplos, como se vivêssemos ainda na era pré-
fotográfica, isto é, quando a exigüidade relativa do documento visual tornava tarefa precípua da
escola o procurá-lo; mas agora, que ele prolifera na banalidade de ótimas fotografias, nas ilustrações
sem conta das revistas e compêndios e nas exibições cinematográficas que inundam os domínios
culturais que circundam a escola – que amplidão desimpedida para se exercitarem as abstrações
fecundas, porque ricamente exemplificadas, não se abre às possibilidades espirituais do ensino! Ora,
a benemérita função dos museus, nesse particular, foi a de ter aproveitado e sistematizado, antes da
escola e em muito para ela, os recursos inestimáveis da visualização.
c) enriquecimento da exemplificação – quer pelo exemplar exposto, quer mediante os
recurso gráficos (sobretudo fotográficos) de que sistematicamente se utilizam, aí temos uma das
maiores contribuições didáticas dos museus. Se atentarmos, então, para a verdadeira ruminação
mental com que a maioria das nossas escolas opera o aproveitamento da sua batida e rebatida
listinha de exemplos, mirando-os e remirando-os, de diante para trás e de trás para diante, e às vezes
mesmo de cabeça para baixo nas acrobacias dos testes, ou em questionários objetivos à moda deles,
poderemos aquilatar da soma de lucros que a instrução escolar auferirá quando se vier abastecer a
farta, nesse arsenal de exemplificação renovada e apropriada, que os museus vão colher diretamente
no patrimônio natural e social da pátria.16
d) sistematização das matérias de ensino – é nas escolas primárias que a assistência dos
museus mais se realça, pela correspondência que as grandes divisões de suas matérias de ensino
apresentam com cada qual dos tipos clássicos de museu: assim, os quatro conjuntos, primordiais e
sucessivos, em torno dos quais se agrupam as atividades da escola primária, ou sejam: Natureza –
Homem – Trabalho – Sociedade, relacionam-se estreitamente com Museu de História Natural,
Museu de Tecnologia, ou de Artes e Indústrias, Museu de Belas Artes, Museu de História e
Geografia. São as “humanidades primárias” na feliz expressão empregada por Delgado de
Carvalho17, a que se seguem as “humanidades” propriamente ditas da escola secundária. Nesta,
porém, a predominância desvirtuadora dos aspectos formais e convencionais foi tamanho, que os
quatro conjuntos acima referidos só a muito custo podem ainda ser distinguidos; em torno deles,
porém, gravita a parte substancial do ensino secundário, também devedora, aos museus, da ampla
exemplificação, adequada a cada qual daqueles conjuntos. A pedagogia norte americana, a que se
deve principalmente a vitalização da escola contemporânea, ainda mais ajustou o conjugado Museu-
Escola, com o estabelecer, para as atividades básicas de ambos, essa lúcida introdução que foi
compediada em duas novas disciplinas: General Science e Social Science. Não traduzimos os seus
nomes para não lembrar os desvirtuamentos que o “especialismo” de uns e o pedantismo de outros

16
Sobre a renovação da exemplificação escolar, ver do autor “Testes”, Estudos Brasileiros, Rio, novembro-dezembro
de 1939, p.232
17
C. Delgado de Carvalho: Sociologia e educação, 1934 p.61
lhes introduziram em nossos meio escolares, tornando-as duplicatas extravagantes nos currículos, e
privando os educandos da sua instrutiva adequação à vida quotidiana, com o que, no ambiente
educativo norte-americano, as duas iniciações científicas, fecundamente combinadas, dão tamanho
cunho de naturalidade aos ensinamentos tanto das escolas como dos museus.
e) método histórico no ensino – a contribuição dos museus, aqui como nos outros itens, não
foi nem direta nem isolada: foi o critério evolucionista, com profundas raízes no ensino e na
filosofia moderna (inspirados da psicologia genética que daria bases científicas à pedagogia
renovada), que ditou a necessidade didática de considerar, no ensino de uma noção qualquer, as
etapas anteriores pelas quais a compreensão humana transitou para atingir àquela noção, simples
etapa contemporânea de uma caminhada que ainda continua. A forma tradicional de compreender os
museus – como o refúgio das coisas que sobraram ao fluxo e refluxo dos tempos – é uma prova de
que o critério histórico, que entra em sua definição, tem sido fundamental em suas atividades,
inclusive as mais recentes, no setor da extensão cultural. Influa o mais possível no aprendizado
escolar de todos os graus; desde o primário, para o qual fornece o rico cabedal das civilizações
primitivas; passando pelo secundário, cujos compêndios se modernizam com a interpretação
gradativa da evolução das invenções e descobertas; até o grau superior, onde a investigação e a
própria criação científica estão a exigir o respeito pelo método histórico, entre nós proclamado, em
belo capitulo da sua Vulgarização do Saber, por Miguel Osório de Almeida18 e que mereceu de W.
Ostwald19 a confissão de haver sido “o mais positivo estimulante que agiu sobre a sua carreira.”
f)cultura primitiva e popular integrada no ensino – Fernando de Azevedo20, com justa razão,
orgulhava-se de haver, em sua Reforma do Ensino no Distrito Federal, consagrado a prática desse
princípio da escola nova: o culto das artes populares. Anísio Teixeira poderia gabar-se,
semelhantemente, de haver sistematizado na escola o respeito pelas danças e músicas populares,
como elementos capazes de fixar a educação nas camadas profundas da psiquê nacional. A
etnografia, servindo a esse ideal da escola progressiva tomou mesmo nos museus estrangeiros mais
aparentados com a escola da denominação mais familiar, mais expansiva, de folksculture. Na
Escandinávia assumiram os museus regionais a comunicativa feição de museus ao ar livre, o que
lhes consente estabelecer comunhão permanente das classes cultas com a vida do povo, restituída
por inteiro em pequenas vilas expostas a observação estudiosa até com seus habitantes
trabalhando...Essa documentação viva se prolonga pelas escolas regionais, onde as atividades
locais, a maneira dos museus, constituem centro de interesse e de campanha pela ascenção das
classes populares.
A criação de museus escolares a que o museu empresta ou cede material de exposição ou – o

18
Miguel Osório de Almeida : Vulgarização do Saber, 1931 p.183
19
Wilhelm Ostwlad: Les grand hommes, tradução francesa, 1912 p.8
20
Fernando de Azevedo: Novos caminhos e novos fins 1931, p.199
que é mais aconselhável do ponto de vista pedagógico – a que assiste tecnicamente, ensinando a
colecionar e exibir o material colhido pelo aluno: a colaboração com as atividades extra-escolares
sobretudo proporcionando campo de atividade organizado para as excursões; o estímulo para a
formação de associações escolares, que não só promoverão visitas ao museu, como realizarão
reuniões a que o museu forneça temas e material consentâneos com a sua especialidade; todas essas
são as modalidades sobejamente conhecidas da influência dos museus sobre as escolas.
Sumariadas assim, no domínio da educação sistemática as relações Museu-Escola, passemos
a uma rápida consideração da outra face da educação; a educação assistemática ou supletiva.
AÇÃO SUPLETIVA DO MUSEU - 1. Na educação escolar – No sumário que fizemos das
influências recíprocas do museus e da escola, fácil seria distinguir vários exemplos dessa ação
supletiva. Quase todos se referem aos graus primário e secundário comum e especializado. Não
porque nesse setor haja mais oportunidades do que no do ensino de grau superior; mas é que neste,
dois motivos contribuem para afrouxar tais laços de reciprocidade: o primeiro é afeição de
monopólio, que ainda conservam as carreiras clássicas para que diplomam as nossas escolas
superiores, monopólio esse que as segrega do convívio das demais instituições do ensino para
adultos são tão marcadamente democráticas em outros meios de cultura. Diga-se de passagem que
esses resíduos do aristocratismo bacharelesco se vem ultimamente reduzindo entre nós por obra
desse espécie de artigo 91 do ensino superior que é admissão de aluno livres, ouvintes ou
irregulares como os queiram chamar; atraída em grande parte para estudos especializados pela ação
realmente republicana dos concursos para cargos públicos, ultimamente realizados onde o diploma
fala menos alto do que as provas, essa clientela espontânea vem abrindo e consolidando pequeninas
brechas na resistência dos cursos superiores em se desmonopolizarem.
O segundo motivo é que o ensino superior mormente quando se aloja em Universidades cria
autarquicamente pro domo sua, órgãos de suplementação cultural, representados pelas “extensões
universitárias.” Poderíamos lembra que em outros países as extensões universitárias vitalizam as
faculdades e academias justamente porque tiram do ensino superior aquele caráter aristocrático,
estabelecendo articulações com toda espécie de atividade cultural direta ou indiretamente
interessada na vida profissional; a começar pelo intercâmbio com os museus, a cujas palestras de
vulgarização fornecem público e professores.
Cursos de alta cultura; algumas atividades sociais e culturais promovidas pelo menos nas
maiores capitais do nosso país, por associações como a benemérita “Casa do Estudante” e, em seus
melhores momentos pelos “diretórios” acadêmicos; o regime de “seminário”, em algumas cadeiras,
com estímulo de iniciativa individual para as primeiras tentativas; a pressão crescente da atmosfera
técnica que domina a nossa época, e condensa o abstratismo fofo de velhas bacharelices; por outro
lado, a generalização de cultura, provocada pela mesma técnica, com seus inventos de divulgação
da palavra e da imagem ditando o confinado âmbito do profissionalismo; a rica e vivaz proliferação
de escolas especializadas de cursos simplificados ou reduzidos mas que entregam o diplomado á
própria realidade da vida profissional, constituindo concorrentes niveladoras das tradicionais
escolas superiores – eis, além de outros, seguros índices da adaptação progressiva dos nossos cursos
de grau superior a esse regime de comunhão intelectual e social, para que convergem os esforços,
até então desarticulados, da extensão universitária e da extensão cultural nos museus e instituições
afins.
Por caberem á extensão universitária funções paralelas ás da educação supletiva em relação
aos cursos superiores, sobra para os museus e instituições análogas, terreno apropriado a muita ação
ainda. Discriminar quais sejam, seria detalhar variadíssimos casos de desajustamentos que se situam
na faixa de terreno que medeia entre o ensino universitário e o mundo profissional para que aquele
ensino promete preparar os seus diplomados. Admitindo mesmo notável melhoria no ensino
experimental, que inegavelmente se vem implantando em nossos cursos técnicos, ainda assim
caberia aos museus notável função supletiva, como repositórios que são de exemplos selecionados
dia a dia no próprio seio das profissões; o que, embora em pequeníssima escala em nosso país, lhe
confere funções de intermediário indispensável entre o ensino e a produção. Até na França, que não
prima por semelhante atualização das tarefas realísticas de seu ensino, H. Le Chatelier21 se ocupa
detidamente da questão e frisa a necessidade de conviver o aluno universitário, ao tempo em que
frequenta os cursos, num ambiente de ciência aplicada qual o que constituem as oficinas, fábricas
laboratórios, etc. Os quais devem possuir um museus da especialidade como representante
educativo, autorizado e informado, que lhes sirva tanto de propaganda como de processo aquisitivo
de seus melhores operários. Nestes museus, o universitário conjugará a sua cultura, marcadamente
abstrata, ao concretismo das aplicações, onde se processa, para a sua mentalidade de futuro líder
profissional, o reagrupamento dos estudos parciais da ciência pura em torno desse complexo real
representado pelo produto industrial que tem em mira.
2. Na educação extra-escolar – o principal característico da ação educativa dos museus é,
entretanto, poder ser considerado o órgão por excelência da educação extra-escolar. Reúne, em seu
setor de extensão cultural, aos recursos próprios da linguagem objetiva, os recursos em ascensão
maravilhosa, das invenções modernas, entre as quais sobressaem o cinema e o rádio. É a fonte por
excelência do “ensino visualizado” capaz das mais rápidas assimilações por qualquer tipo de
público. Compartilha com a escola, já o vimos, o tratamento sistemático da educação infantil, e,
adstrito, como terá que ser por muitos anos ainda, a não tratar diretamente com as populações
rurais, quase todas as crianças urbanas acabarão por usufruir dos seus benefícios, complementares
aos da escola. Em breve, porque o museu vai transformando a sua carranca antiga em expressões de

21
H. Le Chatelier , Science et Industrie, Paris, 1925, p.231
divertida comunicabilidade, atrairá também a adolescência, cuja vontade de auto-instrução, quando
não embotada pela escola, tem sua satisfação na concorrência ainda plenamente vitoriosa do cinema
e do livre, e , fora do Brasil, das publicações periódicas e do rádio.
Fica-lhe, porém, a multidão dos adultos que não tiveram, ou tiveram insuficiente, a escola, e
que – quando as suas condições de animais pensantes ainda resistem ao peso que os chumba à
realidade econômica de toda hora – são os maiores amigos das instituições educativas do gênero
museu modernizado pelo cinema e pelo rádio, retribuindo, com dedicação comovedora, o esforço
do educador-vulgarizador que os salvou na penúltima hora. Temos a nossa experiência pessoal: quer
nas escolas noturas do Distrito Federal (“Julio de Castilhos”, “Gonçalves Dias”, “Manuel Cícero”,
“Orsina da Fonseca”), quer em pleno recinto da Feira de Amostras de 1935, onde, na administração
Pedro Ernesto- Anísio Teixeira, comentamos para um público desse gênero filmes instrutivos,
tivemos em contato rápido, porém sumamente expressivo, ocasiões inesquecíveis da nossa vida de
professor. Cabe aqui também lembrar, como experiência pessoal, a nossa iniciativa no também
lembrar, como experiência pessoal, a nossa iniciativa no Instituto de Educação do Distrito Federal,
quando dirigido pelo Prof. Lourenço Filho onde, na qualidade de professor de Ciências,
promovemos entre as alunas, em ensaio de auto-governo, as denominadas “reuniões culturais”, de
que há minuciosa referência em Sociologia e Educação de C. Delgado de Carvalho22 : a semente da
educação extra-classe, que aí lançamos em meio sistemático de ensino para a classe média, e que aí
não criou raízes embora vigorosamente germinada, teria sido, supomos, mais bem sucedida se
lançada no terreno virgem das classes proletárias...
Não são só os professores do povo que sentem essa receptividade maior dos aluno sui-
generis, genuínos representantes de sua classe, para tudo o que se lhes proporcione de favorável a
sua ascensão social pela ciência: também o reconhecem os técnicos do trabalho científico quando se
põem em contato com o mesmo público, em sua maioria saído do povo, a que se costuma chamar de
alunos “de preparação irregular”. Valha o testemunho de um sábio, isento de sentimentalismo, W.
Ostwald, 23, que teve, por várias vezes, ocasião de se externar sobre esses valores sociais
espontaneamente formados, filhos espúrios de uma época de acelerada preparação profissional,
porém filhos diletos de um ensino ainda a organizar-se em moldes amplamente democráticos, os
quais, justamente porque são assim, forma o público mais típico da educação supletiva que incumbe
aos museus encabeçar. A propósito do mais célebre e obre dos representantes desse grupo de
homens de formação irregular – Faraday – a quem os séculos XIX e XX devem os maiores
benefícios só porque calhou assitir um dia a um curso popular lecionado por Davy, foi que Ostwald
assim se expressou: “Cabe agora indagar do preparo secundário que teve Farady, pois nunca cursou
escola secundária regular e representa o tipo de homem para quem, hoje, na Alemanha, e com
22
C. Delgado de Carvalho: Sociologia e educação, 1934 pp. 207-210
23
Wilhelm Ostwlad: Les grand hommes, tradução francesa, 1912 p.91
grande prejuízo da nação, a vida se torna particularmente dura; é o tipo de homem de preparação
irregular. Minha experiência pessoal levou-me a tratar com especial carinho dessa espécie de
estudiosos, toda vez que me foi dado encontrá-los. As nossas escolas superiores se fecham para os
que tem necessidade de aprende e que não seguiram, até o exame final, a rotina prescrita para os
preparatórios; essa mania os priva, e, juntamente com eles, o povo alemão de um batalhão de
recrutas que certamente, forneceria proporção de generais muito maior que os alunos comuns.”
Para o Brasil, calculou Afrânio Peixoto24 o prejuízo que sofre nosso patrimônio cultural com
a exclusiva coleta de valores nas classes privilegiadas da fortuna, numa conta de probabilidade onde
10% da população, com 1% de bem-dotados, têm que suprir quase toda a necessidade intelectual do
país, bem precisada de colher os 9% de bem-dotados que a previsão estatística nos garante haver no
resto que não vai à escola...
Não foi outra a convicção que inspirou a Roquete-Pinto25 as admiráveis palavras que
pronunciou por ocasião do Centenário do Museu Nacional, em 1918, e cujo final escolhemos para
epígrafe do presente trabalho:
“Escola que ensina a todos, escola que ensina tudo. Os professores do Museu não
falam para algumas dezenas de ouvintes agasalhados numa sala: falam para toda gente, para os que
sabem e para os que ignoram... acima disso, um museu, em país de formação étnica não definida,
onde as massas populares têm as admiráveis faculdades nativas em grande parte anuladas pela bruta
ignorância em que se debatem, deve ser, antes de tudo, casa de ensino, casa de educação.
O museu Americano de História Natural de New York tem esta divisa: “For the
people, for Education, for Science”. Reparai onde a ciência pura, sem fins pedagógicos, foi ai
colocada, sem mágua dos seus cultores...
Nossa principal missão nesta casa, hoje, é tratar de difundir em nosso povo uma
parte daquilo que ele precisa para vir a ser o que merece.”26

SUGESTÕES

Fase preparatória – Não precisamos insistir sobre o caráter fragmentário deste capítulo. O
contrário implicaria em afirmar a desnecessidade, para consolidar as sugestões que se seguem, de
longo e sistemático lidar com os problemas que tais sugestões comportam. Mesmo nos Estados-
Unidos, T.R. Adam27 reconhece que os museus se encontram ainda em fase preparatória, em plena
experimentação e sondagem, a fim de entrar em contato efetivo com as necessidades educacionais
24
Afrânio Peixoto: “Programma minimo”, Bol. De Educação Pública. Rio, junho de 1932, p.25
25
E. Roquete-Pinto: “Discurso no Centenário do Museu Nacional,” Arquivos do Museul Nacional, Rio, 1918, vol. 32,
p.27
26
O grifo é nosso.
27
T.R. Adam: The civic Value of Museums, New York, 1937, p.10
do seu público. Não esqueçamos que as extensões culturais representam tentativa de ligação entre
instituições que, nos moldes tradicionais, formavam blocos consolidados porém esparsos; o cimento
que as veio unir ainda não formou pega...
Experiência de Museus Estrangeiros – Nesse particular, portanto, faltam-nos os resultados
estrangeiros, falta-nos mesmo o limite a atingir em nossa longa e apenas iniciada caminhada
nacional.28 Aliás, em matéria de exeqüibilidade, atentar muito para soluções e tentativas estrangeiras
não passa, muitas vezes, de melancólico aumento da lista já tão longa das coisas que não podemos
fazer... A Europa, essa ainda nos consola com o empeços tradicionais que, no assunto extensão
cultural dos museus, tem que vencer: nela, por conseguinte, foi que preferimos colher conselhos,
lendo o que nos foi possível a respeito do que realizam e projetam museus ingleses, franceses e
escandinávios, estes últimos particularmente interessantes pela simpleza dos recursos que sabem
aproveitar; e aqueles, demonstrando um apressado empenho em vencer vários empecilhos clássicos
para acompanhar um tanto o ritmo acelerado dos seus velozes irmãos de língua; sobre os franceses,
faltou-nos documentação recente; não encontramos material de informação suficiente sobre a Itália,
Espanha e U.R.S.S. Portugal, rico manancial de vida e arte popular e regional, modelo assimilável
em comunhão secular, foi também modelo nosso em incúria e dispersão de seu documentário
nacional. Dos maravilhosos museus alemães, a não ser os de Munique e Dresda, vulgarizados em
nossa literatura especializada, impediu-me estudá-los e o desconhecimento da língua. Fora da
Europa, a Argentina e o Uruguai deram-nos bons exemplos em seus museus pedagógicos29; o
México deu-nos lição de lúcido regionalismo, digno de citação em revistas e bibliografias norte-
americanas. Quanto aos Estados Unidos...seria citar o século XXI para quem, como nós, tem o seu
século XX descontado de reacionarismos... Na vertigem de suas realizações e possibilidades em
matéria de educação generalizada, console-se-nos a vontade de aplicar semelhantes energias
também à nossa gente com o sadio prazer de admirá-los e a confiante esperança de que aquilo que
esse feliz povo, jovial e comunicativamente vai realizando para as melhorias do seu mundo, virá a
ser um dia também par as melhorias de todo o mundo.
Enquanto não atinamos com as lentes de redução que, dos museus norte-americanos, nos
forneçam imagem que se venha formar em nossa retina, ficaremos adstritos, mesmo neste capítulo
de sugestões, a programas mínimos para serem exequíveis. Regulamentos que se vão
modernizando, orçamentos que, se em que irregularmente se vão aproximando do indispensável,
28
O limite máximo de 50 páginas datilografadas imposto a esta Monografia e a escassez de tempo – 35 dias, dos
queias 25 foram empregados em consulta a livros – não permitiram a elaboração de pequeno apanhado histórico das
realizações, mais ou menos sistematizados, até à presente data levadas a efeito por museus públicos e particulares do
Rio de Janeiro. Ocupariam lugar destacado as realizações de longa data devidas ao veterano Museu Nacional, as
quais, no setor da extensão cultural que ora nos ocupa, culminaram na criação do Serviço de Assistência ao Ensino,
seguido da recente instalação de uma Secção de Extensão Cultural. Far-se-iam também elogiáveis referências às
atividades de divulgação cultural devidas às atuais direções do Museu Nacional de Nelas-Artes e Museu Histórico
Nacional.
29
Orestes Araujo: El Museu y Biblioteca Pedagogicos de Montevideo, Montevideo, 1918.
intercâmbios culturais de boa vizinhança, e outros fatores menores já permitem que não sejam
utópicas muitas intenções de melhoria. Mesmo assim, como a administração dos museus e de outras
instituições culturais no Brasil vivem sempre beirando acanhadas restrições legais e orçamentárias,
enquanto não possuírem tais instituições o desafogo do patrimônio próprio, cumpre lembrar que as
mediadas que em seguida serão sugeridas foram de preferência aquelas que menos dependem de
modificações nas condições regulamentares e orçamentárias vigentes.
Aumento de freqüência – 1. Publicidade pela imprensa – É questão primordial, essa de
frequência, interessando à própria dignidade do museu. Mòrmente à sua Secção de Extensão
Cultural, a quem também incumbem funções de propaganda e publicidade. Em países de adiantada
educação pública, os técnicos de museus entendem que, nem aos museus nem a quaisquer outras
instituições de trabalho social incumbe criar a procura pelo público, máxime um público de adultos,
já subentendendo organizada pela escola a procura (bastante formal, é verdade) pelas crianças e
adolescentes. A verdadeira função dos museus, dizem os entendidos, é satisfazer essa procura
sempre e quando ela se apresente. Nas condições do nosso meio, sem hábito de museu, mesmo nas
escolas, julgamos ser prerrogativa dos museus provocar semelhante procura. Neste, como noutros
casos, a que se referem as nossas sugestões, só trataremos, é óbvio, de medidas que, ao que nos
conste, não hajam sido ou estejam em vias de ser postas em realização. Assim, a publicidade pela
imprensa, rádio, cinema, etc., quer em campanha de publicidade sistemática, quer ocasionalmente
noticiando solenidades comemorativas, conferências, cursos, visitas de personalidades de destaque,
excursões, etc., ficará excluída de referência, embora plenamente dentro do programa. Caberia,
talvez, breve referência a certas formas sugestivas de publicidade – concursos, entrevistas,
inquéritos – ou essa outra, martelante, das frases-convites, publicadas em lugar certo por jornais
londrinos, onde, em duas ou três linhas, formula-se uma pergunta, de interesse geral do público,
sobre a especialidade do museu, explorando, quando possível, questões momentosas, e cuja resposta
só será dada ao interessado em visita em dia determinado ao museu e diante do objeto exposto que
se relacione com o caso.
2 Guias-convites – Estabilizando esse tipo passageiro de pergunta solta, sem sacrificar-lhe a
sugestividade, aconselha-se a feitura de guias-convites – pequenos folhetos, ou simples folhas
dobradas, contendo uma coleção de questões afins, com respostas prometidas numa visita ao museu,
indicada a posição do material exposto em que tais respostas estão contidas. Se, em lugar do
folheto, fosse o cartaz, colocado nas proximidades da entrada do museu, e – forma de propaganda
muito aceita – houvesse respostas premiadas, teríamos que dar as noras de precursor ao Barão de
Drummond, o qual, salvo as consequências do “jogo do bicho”, merece elogios pela boa iniciativa
de expor no portão de entrada cada dia, alguns dos “inquilinos” do seu Jardim Zoológico, “em
pessoa” ou “em efígie”, no que se revelou mestre de psicologia da propaganda para as coisas da
natureza.
Com caráter mais duradouro, esses guias-convites poderão tomar a forma de fascículos,
formar uma série, denominada, por exemplo: “Conheça o seu Museu”. Não basta que os museus
pertençam ao público, é preciso também que o público se dê conta de semelhante direito de
propriedade.
Melhor ainda seria se tais publicações assumissem caráter periódico; a regularidade de
circulação proporcionaria assinaturas, ou, até mesmo, (não viesse isso escandalizar os melindres de
certa compreensão do oficialismo), anúncios, rigorosamente selecionados e afins com a
especialidade do museu.
3. Órgãos das extensões culturais - Se obedecerem a direção esclarecida, e abrangerem
mais amplos horizontes culturais, acabariam por tornar-se legítimo órgão da extensão cultural do
respectivo museu.
Mais um passo, desta vez maior: sejam o órgão comum das extensões culturais de várias
instituições congêneres, contendo a variedade de assuntos que suas especialidades comportarem,
mantendo, entretanto, a unidade de servirem à causa da educação popular, no seu mais amplo
sentido e realizarão em parte o que os poderes público deixaram de realizar: o reaparecimento da
Revista Nacional de Educação, o único fruto do idealismo de Roquete- Pinto que não chegou a
amadurecer... E que, no entanto, foi tão ricamente servido de boa seiva, que M. À. TEIXEIRA DE
30
FREITAS , outro brasileiro que bem sabe o que sonha, incluiu entre os sete maiores deveres de um
plano nacional de educação popular,
4. Publicidade para recém-chegados — Numeroso público de museus se compõe de
recém-chegados, do interior e de fora do país. Por que não entrar em entendimento com os editores
de guias de estradas de ferro, companhias de navegação, turismo ? E, para compensar os óbices do
oficialismo, por que não aproveitar as prerrogativas oficiais e utilizar os próprios bilhetes de
passagem, entradas de espetáculos, etc., à maneira da propaganda que já se faz pelos selos do
correio ?
5. Funcionamento à noite — O funcionamento dos museus fora dos horários comuns e
principalmente à noite, sabemo-lo dispendioso, mas como fugir por mais tempo ao indisfarçável
compromisso de um programa que inclui destacadamente a educação de adultos, e de adultos que
estão ocupados de dia ?
6. O raro e o maravilhoso como chamariz — Nesse afã de aumentar a clientela, justifica-se
o recurso ao raro e maravilhoso, volta ao passado que será fase apenas introdutória, louvável termo
de transição para o gosto habitual de um público que, em sua grande maioria, não está ainda em
condições intelectuais de compreender o princípio pedagógico de que objeto de museu deve ser

30
M.A. Teixeira de Freitas: Resposta a um inquérito, em Educação Superior de E. Sousa Campos, 1940, p.426
comum para ser representativo. Quantos mesmo, da minoria dos entendidos, não pensarão, de si
para consigo, que museu, sem o predomínio das raridades, pode ser muito pedagógico mas é muito
pouco museu. . . A título precário, aceite-se a transigência : também nas bibliotecas populares se
aconselha, como chamariz, a literatura sensacionalista, sem a qual muita gente não adquiriria o
hábito da leitura, que depois se orientará convenientemente.
7. Cooperação de associações culturais — A metodização da frequência, segundo opinião
de todos os autores que li sobre o assunto, encontra seu máximo cooperador nas associações
culturais de finalidades não especializadas, onde a ação combinada com os museus conta com
visitantes já organizados. Entre nós, para nos limitarmos a público de adultos e informação
pessoal, lembro os exemplos da Associação Brasileira de Educação, Sociedade de Amigos da
Natureza, Sociedade de Amigos de Alberto Torres, Associação Cristã Feminina, Woman's Club,
Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa, para citar aquelas que têm realizado ou incluem em seus
programas visitas sistemáticas aos nossos museus. É campo que sugerimos à propaganda
organizada das secções de extensão cultural em busca de aumento de frequência. Claro está que os
museus podem organizar seus próprios clubes para essa finalidade, ou associações que a incluam
em seus mais amplos programas, como, por exemplo, a Associação de Amigos do Museu Nacional,
já criada entre nós, imitando iniciativa análoga de EDRÍOND PERRIER no Musée d'Histoire Naturelle, de
Paris. Poderíamos citar exemplos estrangeiros de que, para valorizar o título de sócio, concedem-se-
lhes e aos filhos privilégios de visitas especiais ; tem sido assunto repetidamente tratado em.
reuniões anuais, por exemplo, da Museums Association, da Inglaterra. Tal medida, porém,
dificilmente, se aplicaria a museus do nosso tipo oficial.
ACESSIBILIDADE — 1. A situação do Museu — A topografia acidentada do Rio de Janeiro,
maravilha dos olhos, não desperta a mesma admiração em matéria de trânsito. . . Dentre os nossos
grandes museus, dois estão otimamente situados : o Museu Histórico Nacional e o Museu Nacional
de Belas Artes ; seguem-se, em acessibilidade decrescente : o Museu do Departamento Nacional da
Produção Mineral (ex-Serviço Geológico), o Museu Comercial, o Museu de Anatomia Patológica
do Instituto Osvaldo Cruz e o Museu da Cidade, sendo este último um caso de extremismo
isolacionista que não conseguimos interpretar. Quanto ao Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista,
as imponências naturais e tradicionais de que se rodeia e em que mergulha, são razãd bastante para
não lhe sugerirmos mudança. Como, além disso, ocupa posição isolada, porém em centro de bairro
populoso — tanto assim que M. A. TEIXEIRA DE FREITAS projetou nesse local o Instituto de Cultura
Popular — parece-nos que o melhor alvitre a sugerir, dada a impossibilidade atual de ter condução
própria, será a de tentar resolver o seu problema de condução, entrando em entendimento com a
companhia concessionária de ônibus para que u~a de suas linhas passe pela porta do Museu,
mediante troca de benefícios que possibilite uma solução, que constituirá bom exemplo do que
podem as prerrogativas oficiais em combinação com os interesses particulares. O sacrifício inicial
da companhia seria compensado pelo Museu pondo em ação seus recursos de propaganda oficial e
até de louvor público para uma empresa particular que, dessa forma, estivesse servindo à educação
nacional.
2. Incentivo a doações — A acessibilidade e o aumento de frequência, que ela facilita, valem
ainda como justificativa (falando por si só ou mesmo alegada. . .) de doações e legados, base das
realizações estrangeiras, de que, entre nós, apenas os museus de belas-artes e de história
timidamente e raras vezes tomam o gosto. Na ausência de pessoas ricas que se dêm ao estudo das
ciências físicas e naturais, ou que sejam, pelo menos, dotadas de maior curiosidade por elas, só uma
ampla publicidade em torno dos benefícios sociais dos museus (e do nome dos doadores. . . ), além
da propaganda indireta do numeroso público que se lhes deve crear, poderão lembrar aos detentores
de fortuna no Brasil seus compromissos para com a coletividade. Reconhecemos que se infringem
muitas vezes os preceitos da sistemática distribuição dos objetos e sua consequente catalogação nos
museus quando se dá a uma de suas salas ou coleções o nome do doador, mas, mesmo assim, não
deixamos de compreender que se lance mão de tal recurso para estimular doações ; são, portanto,
exemplos dos mais compreensíveis os do Museu Histórico Nacional e Nacional de Belas-Artes.
Problema mais difícil, todo museólogo o reconhece, é, em matéria de ofertas e doações, o saber não
aceitá-las. . .
INSTALAÇÕES — Mas não basta convidar o público a entrar no museu e facilitar-lhe a visita ;
ficam faltando ainda duas obrigações de boa propaganda : animá-lo a demorar-se e lembrar-lhe
que deve voltar. São questões ligadas ao assunto de instalações.
1. Adaptação do prédio —• Como prédio, postas de lado as normas da arquitetura
funcional e exagerando as vantagens de monumentalidade e tradicionalismo, realmente dignas de
serem levadas em conta, pode-se dizer que os museus do Rio de Janeiro foram relativamente bem
aquinhoados. O Museu Histórico Nacional tem boas possibilidades de ampliação ; o de Belas-
Artes e o do Departamento da Produção Mineral podem contar com a próxima remoção para prédio
próprio das escolas com que atualmente coabitam ; e o Museu Nacional está presentemente
recebendo, graças aos esforços de sua atual direção, vultosos reparos que o adaptarão às exigências
de há muito compreendidas e reclamadas para corresponder ao prestígio que sobre a cultura
brasileira exerce a secular instituição.
2. Salas pequenas — Há, ultimamente, no que respeita sobretudo a museus de ciências,
forte corrente de opinião favorável à divisão de quase todas as grandes salas e galerias em
compartimentos menores, onde o espaço disponível é aumentado por embu-timento dos
mostruários, onde a diversidade do material pode receber mais especializada distribuição e ser
evitada a monotonia, meio ótimo de cultura para os germes dessa verdadeira doença que é a fadiga
dos museus.
3. Boas instalações — Para rápida referência ao problema das instalações internas,
resumamos os conselhos de um especialista, A. R. PENFOLD 31 :
1) a maioria dos museus têm salões grandes demais ; coisas demais para se ver ;
enfadam e aborrecem o visitante comum e fazem com que não repita a visita ;

31
A R. Penfold: “ A Modern Museum of Applied Science”, The Museums Journal, 1911, p.50.
2) a iluminação é invariavelmente pouco satisfatória ;
3) os processos de exposição, dos mostruários até os letreiros, são pouco atraentes ;
4) má ventilação e falta de acomodações para descanso ; “as galerias de arte e os museus
são as únicas instituições do mundo que pressupõem que os seus frequentadores estudam em pé".. .;
5) a porcentagem dos objetos expostos e dos guardados em estoque de reserva precisa ser
invertida.
Aconselha-se, portanto: separação fundamental do material do Museu em duas coleções: 1.°)
coleção exposta ao público, em apresentação simples, lógica e atraente, como se fosse sempre
destinada a público sem conhecimentos especiais do assunto. CARLO CUMMINGS32 escreve mesmo :
"como se a média da idade do público fosse 12 anos. . ." ; 2.°) coleções de reservas, organizadas e
catalogadas para estudo.
Isso quer dizer :
1) necessidade de grandes acomodações para armazenagem das coleções de reserva ;
2) exposição permanente restrita ;
3) material complementar, sobretudo para ciências, constante de filmes, diapositivos,
modelos, gráficos, estampas, dioramas, etc.;
4) coleções reservadas ao grande público, total ou parcialmente sujeitas a variações
periódicas ;
5) exposições especiais de vez em quando.
Em nosso meio, um educador que se tem superiormente preocupado com os benefícios que
podem trazer à educação os recursos da técnica, F. VENÂNCIO FILHO 33, assim sintetizou as suas
conclusões sobre instalações indispensáveis a um museu moderno :
1) percurso o mais económico, de forma que seja possível ver-se tudo o que há sem fazer
duas vezes o mesmo caminho;
2) plantas iniciais, acompanhadas de gráficos e esquemas claríssimos e estéticos,
despertando a curiosidade e convidando à visita;
3) roteiros bem visíveis e expressivos ;
4) arrumação ampla, sem amontoados, com circulação fácil e livre, lógica e exata ;
5) catálogos bem feitos, em linguagem simples e nítida, ao alcance de qualquer
entendimento ;
6) uso de todos os recursos modernos de visualidade e até auditividade : cartogramas,
coloridos ou luminosos, estereogramas, mapas de toda espécie, projeções fixa e animada,
especialmente nos fenómenos apresentados em movimento, acionado o dispositivo pelo simples
contato de botão eléírico, pela mão do observador.
32
Carlo E. Cummings: East is East and West is West, 1940, p.265
33
F. Venâncio Filho: “Função Educativa dos Museus.” Estudos Brasileiros, Rio, maio-junho de 1939, p.50
Isso já é querer mais do que um museu modernizado : ê quase pretender um museu
dinâmico. Valha como incentivo para não se parar nos programas mínimos. .. quando já se atingiu
um programa mínimo...
MOSTRUÁRIOS — A maior parte das sugestões acima dizem respeito aos mostruários, e, com
efeito, é através de seus mostruários, e muitas vezes exclusivamente através deles, que os museus
falam a sua linguagem característica, não fossem eles a instituição especializada na "arte e ciência
de dar informações visuais".
A ideia de mostruário, surgida e desenvolvida para a proteção dos objetos expostos contra a ,ação
das intempéries e da cubica, tem sido a grande responsável pela sensação de coisa morta que
domina o conceito mais generalizado de museu. A técnica da visualiidade, socorrendo-se das artes
gráficas, do desenho e sobretudo da fotografia, mercê de seus progressos espantosos na nossa
época, ensinou-nos a articular o objeto exposto com o mundo a que pertence (ou, melhor, pertenceu.
. .). E isso não só quanto à amb: ência exigida pelo predomínio crescente da Ecologia sobre a Taxo-
nomia na técnica dos museus, como também, numa Taxonomia ampliada, ensinando-nos a articular
o objeto exposto •— com a ajuda de quadros sinóticos, mapas, esquemas, gráficos em geral — ao
complexo conceituai de que faz parte, no espaço e no tempo. Assim, um objeto exposto em museu
moderno passa a ser o centro j de convergência de um conjunto de informações, e o museu, por sua
vez, deixa de ser apenas o que lhe chamou JOSÉ VERÍSSIMO34 "UMA AMPLA LIÇÃO DE COISAS", PARA SER UMA
DOCUMENTADA E NÃO MENOS AMPLA LIÇÃO DE FATOS.

Desçamos ao terreno das possibilidades regimentais e financeiras do nosso meio. As


administrações são as primeiras a conhecer e aceitar o conceito renovado de museu, mas são
também as primeiras a conhecer de perto as dificuldades insanáveis que se opõem à sua pronta
realização: como, portanto, e por onde se deve começar a aplicação eficiente de tais noções ao
nosso caso ? Ternos repetido —• e o nome sugestões o lembra — que seria preciso considerar
concretamente os mil e um problemas técnicos e administrativos para se ter ânimo, já não digo
direito, de aconselhar. Tanto quanto, em nossa posição, menos de crítico que de auíodidata que se
colocou na situação do público, podemos opinar, parece-nos que se pode escolher, no conjunto do
museu, coleções mais apropriadas a receberem experiências de modernização, à moda das escolas
experimentais para as tentativas de novos processos pedagógicos, a fim de que, com mais
autonomia e menos responsabilidade da administração superior, sejam como que pontos de apoio
para progressos gradativos de conjunto. Veremos adiante como, no caso dos museus, se prestam
admiravelmente a semelhantes experiências parciais as salas e exposições especiais. As sugestões,
que aqui se fazem para aspectos isoláveis da melhoria dos museus, devem ser tomadas como

34
"Discurso de inauguração das novas coleções do Museu Paraeaae Emílio Goeldi", em Boi. do Museu Paraense
Emílio Goeldi, 1896, p. 5.
aplicáveis paulatinamente a esses terrenos de limitadas tentativas.
l — Arrumação - Dois critérios podem presidir à arrumação dos objetos numa coleção : o
analítico e o sintético. Em obediência ao primeiro, os objetos são agrupados de acordo com os
elementos comuns, tendo em vista a finalidade, a estrutura etc., que o estudo individual de cada
aspecto estabelece. Deste modo, para tomarmos um exemplo de coleção etnográfica, certa sala {ou
mostruário) conterá instrumentos de música; outra, utensílios; outra, obietos rituais, e assim por
diante, já o critério sintético reunirá os objetos, de finalidade, estrutura etc., diversas, aos demais
obietos de determinada região, época etc,; dai o ser este critério (chave da organização dos museus
regionais, das chamadas períod rooms) também conhecido por critério geográfico ou histórico,
conforme o caso. No exemplo que aqui consideramos, ao primeiro critério se costuma denominar
etnológico (pelo aspecto abstrato que assume a análise dos atributos de cada objeto), e, ao segundo,
etnográfico (pelo aspecto descritivo que leva em conta conjuntos cujos elementos guardam entre si
relações externas de coexistência e simultaneidade, isto é, de espaço e tempo, isolada ou reunida-
mente considerados). Para tomarmos exemplo bem diverso, numa coleção de quadros, os dois
critérios podem estar subentendidos na arrumação por escolas ou países e na arrumação por assunto.
Admitindo que um museu exiba todos os.seus objetos em uma única coleção, dificilmente se
poderia sugerir a predominância um ou outro critério de distribuição, dadas as vantagens que,
menos do ponto de vista didático, ambos apresentam. Pensamos, todavia, que a ordem sistemática
do critério analítico se presta mais ao estudo concatenado de material tendo em vista salientar o
aspecto natural ou econômico-sociaí : assim, plantas medicinais, ani-mais nocivos à agricultura,
plantas ou animais dessa ou daquela família, material de alimentação deste ou daquele povo
primitiva instrumentos guerreiros dos negros ou dos índios de certas regiões. etc. Mas é
imperdoável a falta de reconstituição de uma flora oo fauna local, das múltiplas e recíprocas
relações dos seres entre si e com os agentes mesológicos de uma dada região, a vida quotidiana de
certa tribo, a fase de cultura dessa tribo em dada época. Para remediar um tanto os efeitos anti-
didáticos da unilateralidade de critério, oferecem-se vários recursos : citaremos o emprego, em
coleção arrumada pelo critério geográfico, de letreiros de diferentes cores, cada uma servindo para
assinalar correspondência de modalidades funcionais. Numa visita à coíeção de material indígena,
onde é desaconselhável dividir ampla documentação de determinada tribo, o visitante interessado
por instrumentos de música, por exemplo, depois de examinar na referida tribo os objetos marcados
por letreiros de certa cor, poderá deter a sua atenção sobre o mesmo da mesma cor. Desculpem-nos
a particularização dessas referêa-assunto em mostruários de outras tribos, guiando-se pelos letreiros
cias banais, mas quem já procurou satisfazer curiosidade especializada de visitante em grandes
coleções arrumadas por um único critério compreenderá semelhante insistência em assunto que de
perto diz respeito à boa eficiência pedagógica das visitas a museu. As necessidades, porém, da
extensão cultural em atender efica: prontamente o seu público heterogéneo, estão a requerer que o
museu possua mais de uma coleção de cada género de material para que ambos os critérios de
arrumação possam ser utilizados.
2 — Letreiros — Abrangendo, mesmo com o olhar da previsão, um distante futuro, a menos
que os museus sejam substituídos por irreconhecível sucedâneo, vemo-los sempre constituídos
essencialmente por uma coleção de objetos separados, verdade é que em graus diferentes e
decrescentes de separação. Por isso, a neccssidade lógica de estabelecer relações mentais entre os
elementos do material exposto se impõe como complemento corretivo, digno de receber as
melhores atenções, principalmente em se tratando da interpretação pedagógica dos museus,
primeiro passo da tarefa de extensão cultural. Para tanto, pela sua capacidade de imiscuir-se e
adaptar-se a minudências objetivas, nada melhor que os letreiros, abrangidos em todas as suas
modalidades multiformes, desde a papeleta simplesmente escrita até as transparências, até mesmo
essa novidade dos letreiros falados que as Feiras-Mundiais ultimamente realizadas nos Estados
Unidos e na França tão sensacionalmente utilizaram. Os letreiros omnipresentes (e às vezes
abusivamente omniscientes. . .) são a malha de articulação interpretativa posta como um manto de
subjetividade sobre a crueza objetiva dos museus. O difícil está em conservar a transparência do
manto. .
O Prof. HERBERT HAWKINS35, na sua minuciosa exposição das vantagens dos letreiros, chega ao
extremo de uma boutade : "uma coleção de amostras sem letreiros adequados é menos útil que uma
coleção de letreiros sem amostras" ! Mas Carlo E. Cummings36 que, no seu delicioso livro já por
nós várias vezes citado, não se deixaria vencer nesse terreno de boutades a respeito de mostruários,
lembra, em sentido oposto, a definição-epigrama de um membro da Smithsoniann ínstitution : "um
museu consiste numa série de letreiros cuidadosamente preparados, cada qual deles ilustrado por
uma amostra apropriadamente escolhida”...
O de que não resta dúvida é que, mais uma vez, nesse caso de letreiros, o museólogo tem
que resolver um problema de conciliação de antinomias : os objetos não prescindem de explicações
permanentes e os objetos precisam de ser vistos. . . E vistos com a atenção não desviada pela
concorrência dos letreiros. Tem-se sugerido que as indicações explicativas dos mostruários se
limitem a números que correspondam a letreiros no texto dos guias. Mas estes são de dificultosa
renovação constante, apesar da edição em folhas soltas, e sempre ficaria faltando a presteza, o
imediatismo, a simultaneidade do letreiro junto ao objeto.
Nesse particular de simultaneidade de informação, nada melhor que o recurso fonográfico
do letreiro falado. Mas — e a simultaneidade dos sons atendendo juntamente a curiosidades

35
HERBERT HAWKINS, citado por R. Merrifiel em "Cultural Anthropology in the Museum”,
The Museums Journal, 1940, p. 191,
36
Carlo E. Cummings: East is East and West is West, 1940, p .265
múltiplas ? Esperemos que a técnica nos dê sons individualmente dirigidos, ia que os nossos órqãos
auditivos não são dotados da seletividade unidirecional dos nossos olhos...
3 — Material complementar — Quanto ao material complementar de visualização,
fornecido pelo desenho, pela fotografia e suas aplicações, é dificílimo generalizar sugestões a
respeito : justamente o que define pedagogicamente semelhante material é a individualização do seu
emprego, ajustando-se a cada caso de per si. Sobre o assunto tivemos oportunidade de organizar um
programa de desenho, elaborado a pedido da Diretora do Museu Nacional, Professora Heloísa
Alberto TORRES, destinado à preparação de funcionários para a elaboração do material de ilustração
gráfica acima referido. Neste programa incluíram-se princípios de ordem geral sobre o assunto, não
permitindo o espaço deste trabalho exemplificação que só valeria se fosse ilustrada, numerosa e
variada.
Voltemos ao material de mostruário e sala de museu a que temos chamado de complementar,
pela sua função em relação ao material fundamental, que são os objeíos expostos. A documentação
fotográfica atenuará a rigidez de sistematização a que obrigam as contingências de uma coleção de
museu ; por exemplo, dada a preferência, numa arrumação, ao critério analítico ou siníé-tico, ou, em
certas coleções, ao critério geográfico ou histórico, cada objeto poderá ser acompanhado de
fotografias de outros objetos que lhe sejam correlates em função natural ou social, no tempo e no
espaço.
Que dizer, então, da representação da ambiência, hoje julgada quase indispensável em
museu que não pretenda um merecido lugar entre as relíquias de um museu de museus ? Não
esqueçamos a advertência de que o ótimo frequentemente é o inimigo do bom : para museus
privados de recursos que permitam fiel ambientação dos seus exemplares, faça^se com que figure
nos mostruários ao menos o ambiente imediato, primeiro passo de uma marcha que ainda não se
executou, mas cuja cadência se anuncia. No próprio meio norte-anuírícano, no "Field-Museum" de
Chicago, há coleções expostas sem as riquezas de exibição de outras do mesmo Museu, mas nas
quais, todavia, as aves estão poisadas em seus galhos, os répteis se mostram em caixas baixas, para
dar a impressão de que rastejam etc.
Nem sempre é possível a pujança ambiental dos dioramas, bela palavra errada que exprime assim
mesmo dominadora conquista dos museus pela arte cenográfica de outros tempos. As maravilhas do
cinema colorido, servidas a mais por esse assombro da nossa época que é o desenho animado,
haviam de obrigar o esta-ticismo congénito dos museus a sacrificar fortunas por essa obra--prima de
síntese fixista que são os dioramas. Como admiravelmente se ajustam à técnica expositiva dos
museus ! Vasta restauração de um conjunto natural ou social, a sua espetaculosa encenação atrai a
todos, para, depois, irresistivelmente, reter a atenção mais descuidosa nos primeiros planos, de
minudências realísticas. Não nos animamos a aconselhar a sua dispendiosíssima execução em
nossos museus, e muito menos a sua edição barata, que seria caricatura... Mas fiamos em que, com
ampla publicidade em torno do sensacionalismo que a sua novidade ainda desperta entre nós, se
consiga promover a cooperação generosa dos nossos pintores e cenógrafos. Ainda não indagamos
de orçamentos, mas supomos que os recursos da ampliação fotográfica, da fotomontagem já entre
nós oficialmente utilizada na Feira de Amostras com estimulante sucesso, venham breve constituir
grandes possibilidades para que os nossos museus fiquem em dia com a técnica de exibição
contemporânea. Por ora, um diorama soa a nossos ouvidos como mera exaltação utópica, como uma
ambição da ordem de grandeza de um planetário que, qual a sorte grande, sai apenas para os
outros... Desvirtuados, certamente que não; mas, em proporções reduzidas, conservando as
perfeições qualitativas, parece-nos que não seria coisa irrealizável tanto um planetário como um
diorama. Que, esperando-os, não adiemos o emprego desde já amplamente aconselhável das
fotomontagens.
COLEÇÕES ESPECIAIS - O melhor alvitre, para atender às exigências didáticas de conveniente
exibição dentro de nossas possibilidades financeiras, é não utilizar o material todo de uma dada
especialidade numa única coleção. Além da coleção padrão, destinada aos especialistas, e que
contém os espécimes originais (semelhantes considerações se aplicam a qualquer tipo de museu,
mudadas as denominações), além das duplicatas mais perfeitas ou mais raras para possíveis
substituições (coleção de reserva) ou organizadas com marcada orientação didática (coleção de
estudos), o material que sobra, ou o material periodicamente selecionado da coleção padrão para
uso temporário deve ser utilizado na organização de coleções para o grande público. Nessas
coleções é que se pode e deve obedecer ao maior número possível de preceitos pedagógicos, nestes
incluindo as boas normas da psicologia da publicidade; nelas, o material complementar de
interpretação deve ser abundante, entrando tudo pelos olhos ; entrelacem-se, em mútua
intensificação didática, os critérios analítico e sintético ; correspondências históricas e geográficas
se reforcem, em interferências fecundas ; e transborde, ainda, dessas coleções, material e desejo de
irradiar cultura para outras coleções paralelas, de oportunidade, móveis e mutáveis por excelência.
É por tal forma imperiosa essa receita de rejuvenescimento dos museus que, mesmo em falta
de salas para exposições especiais, julgamos que as coleções especiais, temporárias ou permanentes,
se devem organizar na própria sala das coleções comuns, onde se podem destinar mostruários para
isso, ou, até mesmo, fazer ressaltar os objetos selecionados para a mostra parcial que se tem em
vista, por meio de letreiros adrede preparados, setas, iluminação, arrumação intencional e outros
recursos de momento.
EXPOSIÇÕES ESPECIAIS — Onde a fartura de material não seja tanta que permita desdobramentos
de coíeções, recorra-se ao alvitre de organizar, com o próprio material da coleção de reserva, ou
mesmo da coleção padrão,- exposições especialmente destinadas a fazer sobressair um tema
escolhido sistematicamente ou ao sabor das oportunidades. Nada que melhor se adapte ao espírito
de extensão cultural dos museus, que essa flexibilidade de exposições, paralela da flexibilidade dos
programas da escola renovada: não só permite desimpedimento dos liames de perenidade uni tanto
massiça da velha concepção de museu, abrindo frestas ao arejamento pedagógico, como sugere
correlações entre domínios aparentemente dispares e articulações com outros órgãos de cultura dos
museus e de outras instituições congéneres.
l — Com material de geologia — Tomando para exemplo co-íeções de geologia, feitas as
naturais reduções para um público não especializado, aconselharíamos o plano seguido no New
Musettm of Practical Geology, de Londres., onde há duas divisões principais : l) geologia geral do
país, dividido este em regiões sob o ponto de vista estraíigráfico ; 2) geologia económica e
mineralogia, associadas as amostras às formas de ocorrência, e figuradas em destaque as amostras
de minérios, que se arrumam por matéria prima fornecida à indústria. Além da profusão de mapas,
cortes e toda sorte de gráficos, nas partes livres das paredes ostenta-se rica messe de fotografias
ilustrando as indústrias correlatas. Em prateleiras superpostas, formando alta pilha, logo na entrada,
a sucessão cronológica dos terrenos, e, com indicação aproximada de escala das profundidades, a
coluna geológica. Referidos a esse índice milionar, por meio de números bem visíveis, os fósseis de
cada horizonte estratigráfico; faltando para maior sugestão do público leigo, um gigantesco
mostruário de relógio — de relógio geológico, acertado para a marcação do tempo em divisões de
milhares e milhares de séculos, — cujo ponteiro, de idade em idade sucessiva, se adiantaria de um
passo. Que sugestiva popularização da noção real do tempo, falando por várias fornias concordantes
contra o preconceito antropocêntrico vulgar de um mundo principiado ha alguns mil anos !.. .
Naquela pilha, jã quase na superfície, as formações contemporâneas do homem primitivo exibiriam
(para o público que as veria, era galerias alteadas sobre a sala) material das primeiras culturas da
espécie, o que, juntamente com a feição econômica da coleção, emprestará ao conjunto um quê de
vivacidade, quase sempre ausente das coleçoes de geologia. Estas, nos museus modernizados,
também não prescindem da nota humana.
2 — Com material de etnografia — No Museu Nacional, as coleções de etnografia e
antropologia — que têm merecido o elogio entusiasta de notabilidades mundiais, chegando a serem
dadas Domo modelo para museus estrangeiros pela autoridade de um Nordenskiöld — teriam novos
motivos para as suas realizações de ampliação de cultura no complemento dessa salas e exposições
especiais. E ainda melhor corresponderiam aos desejos formulados pelo grande reformador do
ensino de Geografia no Brasil, C. Delgado de Carvalho, que, na sua Sociologia e Educação37,
opinou que se desse maior desenvolvimento aos assuntos indígenas em nossos cursos secundários,
para que os alunos possam estabelecer relações altamente instrutivas entre um suficiente material de

37
C. Delgado de Carvalho. Sociologia e Educação, 1934, p.107
civilização primitiva e o seu equivalente atual, fiel aos princípios da pedagogia genético-funcional
de Dewey ; assim, ver-se-iam preenchidas as lacunas dos programas de história e geografia, onde
tão parcamente é lembrada a evolução das culturas populares no país.
Pena foi que não tivéssemos tido tempo para citar aqui a típica contribuição das coleções do
nosso Museu Nacional demonstrando e, assim como no estrangeiro e especialmente nos países
escandinavos e na Alemanha, vem preponderando na instrução comum o tratamento dos assuntos
relacionados à Folkculture no seu sentido moderno, isto é, de certa cultura humana que eleva os
habitantes de uma dada região às proporções de entes civilizados, teríamos que descrever, assim, as
coleções da sala de Etnografia Sertaneja. Na Inglaterra, esses estudos tomam nas escolas maior
Bonificação didática porque representam um longo desenvolvi-aento da noção que, no País cie
Gales, se denomina diwylliant gwerin e que exprime um conjunto de preceitos e operações de
produção local. Cabe, aqui, apenas essa ligeira referência que, se mais desenvolvida, evidenciaria a
contribuição dos museus à pedagogia regionalizada, ao heimatkunde dos alemães, que poderíamos
traduzir pelo termo regionalística 38, princípio fecundo, senão básico, de realismo escolar.39
O que se disse, no caso da nossa cultura indígena, poder-se-ia lambem dizer em relação à
cultura negra no Brasil, sua contribuição para a nossa civilização material e espiritual; e, mais ainda,
em relação aos documentos de superior significação brasileira fornecidos pela vida quotidiana da
nossa gente mestiça, tão lucidamente elevada à dignidade do Museu Nacional, na "Sala Euclides da
Cunha" (de Etnografia Sertaneja) pelo sábio patriotismo de Roquette-Pinto. Seria também aqui o
lugar adequado para sugerirmos que fosse incluído nas coleções do Museu, principalmente entre o
material destinado a mais frequentes visitas populares, os documentos da vida quotidiana do povo
português, preferentemente os que ilustram a contribuição que nos trouxeram; assim não
continuariam a faltar, como até agora, no principal Museu do Brasil, fator tão precípuo dos nossos
hábitos e costumes populares, essas fontes portuguesas donde jorram águas formadoras por
excelência da complexa, porém tranquila caudal da civilização brasileira.
Assim, até certo ponto, independente dos rigores e convencionalismos que devem presidir às
coleções de estudo e pesquisa, as salas e exposições especiais, em contato direto com o público,
viriam a ser o domínio mais próprio da extensão cultural dentro dos museus.
Por intermédio delas, a extensão cultural serviria ouírossim às suas obrigações para com o
público, estabelecendo ligações entre o palco das generalidades e os bastidores das especialidades,
isto é, relacionando a opinião pública com os profissionais do Museu, selecionando-lhes, para futura
compreensão da obra e provável colaboração na mesma, vocações que em sua grande maioria se
38
Temos o grato dever de lembrar que essa feliz denominação nos foi sugerida, quando assistia a palestra nossa, na
Associação Brasileira de Educação, sobre regionalização do ensino primário pelo grande escritor Alberto Rangel,
em 1926
39
Esse aspecto da escola popular está desenvolvido em artigo nosso publicado com o título “A escola regional”, A
Educação, junho, 1926.
perderiam, como atualmente acontece.40 Dotado de tais apêndices apreensores, os museus passam a
ser o maior estabelecimento auxiliar de educação artística e científica, aíe/ier, oficina e laboratório,
primários para estreia de futuros trabalhadores e aperfei-çoadores dos já iniciados no campo ainda
tão despovoado das nossas atividades intelectuais, MIGUEL OSÓRIO DE ALMEIDA41 insistiu sobre essa
função, entre nós ainda preponderante, dos institutos de educação assistemática para a classe média,
por enquanto não atingindo as classes populares, o que só permite às parcelas de população mais
favorecidas da fortuna preencherem quase todas as poucas possibilidades de instrução científica
escolar. Indiretamente embora, M. ARROJADO LISBOA, espírito prático," porém não praticista, cujas
preocupações de cientista-industrial se volveram para a educação nos últimos anos de sua vida,
soube marcar o papel de agentes de ligação entre os homens de formação intelectual irregular e os
institutos oficiais de produção científica, que compete a instituições como os museus, e exprimiu
como se segue tal modalidade do problema : "a dura experiência conduziu-nos a esse ilogismo :
temos sido forçados a estabelecer uma série de institutos de pesquisa científica, como Manguinhos,
Butantan, etc., sem que os nacionais possam se instruir convenientemente nas ciências básicas
indispensáveis a esses estudos especializados. Para sairmos dessa dificuldade, temos tido
necessidade de dispender um esforço enorme para instruir alunos das nossas escolas profissionais
com o fim de adaptarmos os seus conhecimentos às exigências da ciência em vista, ou lançamos
mão de amadores sem suficiente base científica".42
Tudo isso está a reclamar um sistema de iniciação e aperfeiçoamento científicos sem a
rigidez sistemática dos cursos universitários. Melhor aparelhados os museus de possibilidades de
ensino — e o desdobramento de suas funções de intensa vulgarização solidariamente com as suas
funções primordiais de conservação e pesquisa visa o melhor aparelhamento para tal desiderato —
esses poderosos órgãos de educação assistemática contribuirão em muito para ajustar as peças da
preparação de equipes nacionais capazes de corresponder às exigências que a tecnização da vida
civilizada fatalmente está impondo às nações que não querem desaparecer. Está visto que, partindo
do assistematismo para o sistematismo, isto é, fazendo a sua marcha em sentido tal que o preparo
para carreiras profissionais se derive prontamente do programa desinteressado que é primordial nos
museus, estes e outros estabelecimentos análogos de educação popular terão confundido a sua tarefa
de extensão cultural com a das extensões universitárias. Estas, nas faculdades clássicas de ensino
superior (ou profissional complementar, como mais propriamente se chamariam} se deveriam
incumbir das funções paralelas de adaptar a rigidez acadêmica às contingências de
profissionalização extensiva da nossa produção. Mas é justamente porque, na realidade, tais

40
Em 1925, em estudo sobre a personalidade de Freire Alemão, publicado em o Mundo Literário, outubro, p.488,
tivemos ocasião de desenvolver esse ponto de vista.
41
Miguel Osório de Almeida: Vulgarização do Saber, Rio, 1931, p.235
42
M. Arrojado Lisboa: “Falhas do nosso ensino”, Schola, junho,1931, p.137
extensões universitárias agravam ainda, entre nós, o aristocraíismo das faculdades e academias,
promovendo ensino para universitários sele-cionados, que mais se impõe a premência de substituí-
las no mister descurado pelos museus, servidos que sejam estes de ativas extensões culturais.
Detenhamo -nos ainda um pouco nesse longo parênteses que o desdobramento das funções do
museu pira o público nos fez abrir em consequência do desdobramento de suas coleções e
exposições. Não se pense que, servindo ao preparo médio dos homens de formação irregular para
orientá-los para os nossos estabelecimentos de pesquisa e produção científica e artística, os museus
devam perder as funções culturais que os diferenciam, para cima, da tarefa universitária. Mais uma
vez nos valeremos de ROQUETTE-PINTO43 para transcrever a sua opinião sobre assunto que sempre
mereceu seus patrióticos desvelos : "Convém deixar bem claro", disse o ex-Diretor do Museu
Nacional em resposta a inquérito sobre o problema universitário no Brasil, "convém deixar bem
claro, por via das dúvidas, que os institutos essencialmente consagrados à pesquisa científica,
superior, tais como o Museu Nacional, do Rio de Janeiro, o Instituto de Butantan, em São Paulo, e
outros chamados a fazer parte do complexo universitário, não deverão, em hipótese alguma,
prejudicar a sua elevada finalidade, transformando-se em simples escolas das chamadas superiores
do tipo corrente. Eles poderão dar às universidades algo de mais valioso. Como casas de ensino,
cabe-lhes antes de mais nada o aperfeiçoamento e a especialização dos mestres. Sem perder
absolutamente o seu caráter, preencherão destarte as funções novas que se lhes pede, uma vez
dotados dos novos órgãos necessários".
Não lhes poderíamos desconhecer essas altas funções ; estão situadas, porém, na outra face
da extensão cultural dos museus, face que, por temperamento, talvez, ou por preferências
ideológicas, menos nos sentimos obrigados a encarar nesta monografia. Aliás, por todas as citações
aqui feitas de Roquette-Pinto, a começar pela que_ tomamos para epígrafe, e por toda a sua longa e
fecunda atuação em benefício da generalização da cultura pelo povo, não é essa face a que o Mestre
mais se compraz em fitar quando vê, nos museus, os grandes agentes da educação popular.
Fechado o parênteses, voltemos ao assunto das exposições especiais.
A temporariedade dessas exposições, somada à nova perspectiva com que nelas se considera
o material disponível, perspectiva de pontos de vista continuamente renováveis, dá-lhes um quê de
improviso, de frescor e de vivacidade, capazes de quebrar o cos-corão do velho modelo imutável de
museu, para apresentá-lo aberto ao apetite público. Imagem puxa imagem : um convite ao público
para .visitar as coleções dos museus em bruto, isto é, antes dessa preparação do seu substancioso
material, afigura-se-nos como se, para os convidados de um jantar, se trouxesse para a mesa o
estoque cru da dispensa ao invés dos pratos do menu. Que, em suas exposições especiais, a
substanciosa documentação objetiva dos museus tenha as virtudes convidativas de um prato do día,

43
Roquete-Pinto: “Resposta inquérito da Associação Brasileira de Educação sobre o Problema Universitário Brasileiro
embora possa durar várias semanas. . .
Exposições especiais no estrangeiro — Por sua própria natureza flexíveis, as exposições
especiais se apresentam sob as mais ::; versas formas : tanto podem ter a grandiosidade de unia
"Exposição de Aeronáutica", como a que foi realizada no interior do South Kensington de Londres,
como apresentar-se reduzida a uma simples vitrina externa, colocada na entrada do museu,
ostentando aos transeuntes o chamariz de uns poucos objetos periodicamente renováveis, tal como
as Museum Windows de certos museus ingleses (Leeds, Hereford etc.), em torno das quais se
prepara, na imprensa e no rádio, sugestiva publicidade.44
No Rio de Janeiro — Nessas exposições especiais, há ampla liberdade de ensaio para-os
mais variados processos da arte de exibir. O mesmo se dirá quanto aos assuntos : poderíamos
sugerir uma longa série deles, em torno dos quais o material, relativamente parado dos nossos
museus, se poderia animar ; que o leitor, por si, organize mentalmente algumas dessas exposições
neste ou naquele museu do Rio de Janeiro, e terá uma antevisão do quanto a obra de extensão
cultural pode movimentar-se quando livre de empeços praxísticos, o que lhe demonstrará que não
são exclusivamente de ordem financeira os sintomas de paralisia de alguns dos nossos órgãos de
cultura. . . Mesmo porque, sem sair desta Capital, podemos registrar como altamente promissor
nesse sentido o surge et ambula de uma instituição que de perto conhecemos como dos mais
inveterados paralíticos : o Museu Nacional de Belas Artes (que durante quase um século viveu
faquiricamente estático e insensível sob o nome hierático de Pinacoteca da Escola Nacional de
Belas Artes) 45 vem ultimamente realizando uma movimentação de suas obras de arte e uma ativa
articulação com escolas, associações e particulares para manter sempre cheio o cartaz de sua
entrada pública, que pode ser considerado um exemplo daquilo que vai aqui sugerido. O nosso
veterano Museu Nacional foi, na verdade, o que deu o primeiro passo nesse sentido, mas, depois,
limitou-se a repeti-lo sob a forma de exposições comemorativas, de que se pode citar como
admirável exemplo a do centenário de José Bonifácio ; sem deixar de enaltecer a significação
cultural e civíca desse gênero de exposições especiais, almejaríamos que fosse acompanhado de
outras frequentes, ditadas não só pela solenidade de datas centenárias, mas pelas diuturnas
exigências de movimentação das coleções para maior uso e benefício públicos.
EXEMPLOS DE EXPOSIÇÕES ESPECIAIS — No Museu Nacional (para concretizar em exemplos
exequíveis as nossas sugestões), dentro das próprias salas da coleção de Zoologia, poderia ser
organizada, entre muitas outras, uma exposição de aves canoras do Brasil. Mesmo sem recorrer a
exemplares vivos (recurso por demais distanciado do nosso conceito comum de museu), sele-
cionar-se-iam em mostruários destacados, alguns espécimes da coleção, que o público observaria

44
The Museums Journal, vol.34 p. 107
45
Ver do autor Contra a Congregação da Escola Nacional de Belas Artes, 1920, onde vêm denunciados esse e outros
vícios de organização já remediáveis naquela época.
com atenção mais concentrada, ouvindo ampliações fonográficas dos cantos mais fáceis de gravar
em disco. Em seguida, seria o público convidado para assistir a projeções fixas e animadas sobre o
assunto, enriquecidas de roteiros, falados a viva-voz ou em discos, onde, junto a cada espécie
referida, fossem citados trechos da nossa literatura relacionados com o assunto; aí estariam
presentes o bem-te-vi que assustou Ceci, na bela página de José de Alencar, e a graúna de asas
menos negras que os cabelos de Iracema ; de José de Alencar passaríamos a Monteiro Lobato, com
o tíco-tíco e o chopim do seu conto-fábula; sem esquecer, está claro, o sabiá de Gonçalves Dias — é
verdade que não mais cantando nas palmeiras... Uma dezena mais de citações escolhidas,
conjugando o material de uma coleção de museu com a sugestão evocativa dos nossos escritores
inspirados na natureza brasileira. Possibilidades vão surgindo dos recursos técnicos disponíveis : a
sessão de cinema se iniciaria com essa maravilhosa apoteose — a "Alvorada" do Escravo de Carlos
GOMES — gorgeante dos cantos dos nossos pássaros "sob o céu do Paraíba", e terminaria com o
mistério lendário que o génio musical de Vilas-Lobos fez evolar-se do canto do uirapuru.
Para certo tipo dessas exposições, os museus reservariam uma sala, a sala das crianças.
Autores há que preferem coleções comuns para todas as idades, variando apenas o grau de
interpretação do professor-guia. Assim, porém, não pensa o "Smithsonian Institute", que, das altas
esferas científicas que domina, não se desdoura em possuir o seu recanto infantil, assim descrito por
GRACE RAMSEY46 : "pássaros canoros em amplos viveiros, aquários e terrários dispostos de forma tal
que mesmo as criancinhas mais pequenas os possam ver. Prateleiras superiores suficientemente
baixas para ficarem ao alcance dos pequeninos visitantes. Letreiros atraentes para a compreensão
infantil, nos quais foram omitidos todos os nomes latinos, com uma única exceção que
mencinaremos depois. "As maiores e as menores aves de rapina", "ninhos e ovos exquisitos",
"como os animais se escondem" (e não mimetismo protetor. . .). O único letreiro em latim acha-se
colocado por baixo do seu minúsculo possuidor, que é um beija-flor : Rhamphomicton
microthynchum, letreiro que servirá como a melhor explicação de não se usarem outros letreiros em
latim".
Para as crianças, no entanto, têm as escolas e os museus outros meios de atendê-las: que os
museus do Rio de Janeiro, em colaboração com as escolas, preparem coleções para os vadadíssi-
mos museus escolares, ou por cessão e empréstimo de material, ou por organização de material
colhido pelos alunos, sob as vistas dos professores. O problema — criança — pode, pois, sem
necessitar salas e exposições oficiais especializadas, receber a solução indicada pelo Presidente da
Museums Association, ERIC MAC-LAGAN: acha essa autoridade que, da mesma forma que as crianças
repelem a literatura com íema escolhidinho para elas, preferindo adaptações de-obras mais gerais,
também querem o museu de todos, competindo à boa pedagogia dar-lhes orientadores capacitados,

46
GRACE RAMSEY : Educational Work in Museums of ths United Siates, 193S, "p. 116.
os quais, na opinião do autor citado, devem ser professoras primárias especializadas para tais
funções ; sem a necessidade de salas especiais, claro está que seria bastante aconselhável a
realização dê exposições temporárias, com assuntos e apresentação acessíveis à infância.
O próprio, porém, das exposições especiais, de que estamos aqui longamente tratando pela
sua especial adaptação à função educativa dos museus, é estabelecer o contato destes museus coia o
grande público, atingindo camadas não organizadas por escolas ou associações culturais. Cornpete-
lhes talvez, em ação futura continuada, organizar, no que for possível, essa clientela sumamente
heterogénea, porém característica do público dos museus, que é a multidão dispersa dos visitantes
avulsos.
MATERIAL — Colheita — Mais uma vez lembramos que as presentes sugestões se referem à
porção por assim dizer suplementar da atividade dos museus, com referências indiretas apenas à sua
tarefa primordial de preservação e pesquisa. A colheita de material, por exemplo, constitui vasto
assunto de museu, mas porque seja capítulo por demais conhecido da obra de extensão cultural
realizada ou realizável nos museus e já tenha merecido, entre nós, cuidados e soluções a nosso ver
perfeitamente adequadas, servindo de assunto a folhetos de divulgação e artigos de revistas mais ou
menos especializadas, dispensa maiores tratamentos. Apenas lembraremos uma troca mais
intensificada entre os museus do Rio de Janeiro e os museus estaduais, regionais e escolares, a que
prestam colaboração e assistência, servindo-se dos mesmos para o enriquecimento de suas coíecões
didáticas, medida essa já posta em "ática de há muito pelo Museu Nacional, quando com a fundação
de seus serviços de Assistência ao Ensino, aceitou o princípio de que deve organizar os museus
regionais e escolares com o material por estes colhido. Cabe, todavia, um apelo mais repetido a
associações como à União dos Escoteiros do Brasil, Touring Club, Automóvel Clube, Centro dos
Excursionistas, Foto-Clube, Sociedade dos Amigos da Natureza etc., as quais, em contato
costumeiro com a natureza e a gente do país, em variadas regiões, podem somar às benemerências
de sua ação social mais esta de contribuir para o património dos museus. Fique também aqui
assinalada, no que concerne à intensificação da documentação gráfica auxiliar, a preciosíssima
colaboração da parte dos fotógrafos amadores ; realizem-se ou promovam-se, de combinação com
as associações profissionais, concursos periódicos para premiar os melhores registradores de
documentação fotográfica, a começar pelas melhores fotografias tiradas dos próprios objetos
pertencentes às coleções dos ínuseus. Se é preciso citar exemplos dessa colaboração em países
estrangeiros, entre institutos oficiais e iniciativas particulares, basta lembrar o apelo dirigido por A.
F. Bucknell, Secretário do Institute of British Photographers,47 para que os poderes públicos na
Inglaterra promovessem a coleta e conservação dos negativos e cópias fotográficas, que
"representam um rico repositório e inquérito da vida nacional nos dois últimos séculos." Para termo

47
A. F. BUCKNELL ; artigo em The Musewns Journal, vol. 41, 1940, p. 153.
de comparação: o Victoria and Albert Museum, de Londres, possui uma coleção sistemática de
fotografias, que, em 1936, montava a 200.000 documentos.
Por deveres de ofício, professor que sou de Ciências Físicas e Naturais que não pode
compreender como existam, em nossas escolas, máquinas de projeção sem o complemento de
documentação fotográfica (em diafilmes ou qualquer outro meio de colecionar essa documentação
original ou reproduzida em ilustrações), de longa data venho pensando em sistematizar semelhante
género de exemplado. Para tanto, organizei, sob a denominação de Enciclopedia Brasileira pela
Imagem, material não limitado a assuntos da minha especialidade profissional, mas que, eni
colaboração com outros professores e demais autoridades em cada assunto, abranja todas as
manifestações da terra e da gente brasileiras, que possam interessar a um plano de divulgação
cultural. Quando, no Recenseamento de 1940, vi à frente dos serviços a competência e dedicação
invulgares do Prof. J. Carneiro Felipe, anímei-me a procurá-lo para que incluísse no plano desse
tombamento do nosso património a coíeta sistemática de documentação fotográfica, a qual, por se
tratar de serviço oficial, se poderia estender à reprodução de ilustrações e outros documentos
existentes em repartições públicas e instituições particulares de difícil acesso a todo público ;
aceitas em princípio a vantagem e oportunidade de seme-lhante recenseamento fotográfico, onde a
aguda visão do sábio Diretor viu possibilidades que me haviam escapado, a impossibilidade no
momento de requisitar pessoal estranho às repartições especializadas foi motivo para que não se
houvesse levado a efeito a minha colaboração apenas projetada. Em palestra que tive ocasião de
realizar, a convite do benemérito Instituto de Estudos Brasileiros, sobre um maior aproveitamento,
em nosso ensino de todos os graus, das conquistas da técnica moderna em matéria de divulgação
cultural, voltei a tratar miudamente do assunto ; ocuparia excessivo espaço na presente monografia,
e, por isso, reportamos o leitor ao resumo publicado pelo órgão do referido Instituto, sob o título
"Ensino e Cultura".48 Nesse setor, pode-se sugerir uma ação combinada dos museus do país com o
Instituto Nacional do Cinema Educativo, o qual, embora sem o sistematismo do plano que
imaginamos, vem produzindo preciosa coleção de diafilmes sobre alguns aspectos do nosso
patrimônio cultural.
2 — Especialização — Como bem define Everardo Backheuser49: "A expansão que o tempo
imprime ao material do museu" entra em equilíbrio "com a força coercitiva da exiguidade de área
disponível". Donde a necessidade de um museu especializar-se.
Nascendo compósito, sintoma das exigências pouco definidas do meio intelectual da época,
o Museu Nacional, por exemplo, foi vendo as suas secções gradativamente se autonomizando, até o
ponto de quebrar-se a unidade da instituição com o nascimento, à sua ilharga, do Museu Histórico
Nacional, em 1922. Dada a tendência da opinião mais generalizada em nossa época de transferir o
48
Edgar Süssekind de Mendonça: “Ensino e Cultura”, Estudos Brasileiro, Rio, março-junho,1940,p.663
49
Everardo Backheuser: “Museus Escolares”, em Estudos Brasileiros, março-junho, 1940, p.54
interesse, da história natural para a física, de "Darwin e Huxley para Faraday", como já dizia urna
revista de vulgarização científica para a Inglaterra de 1870, já tarda a criação no Rio de Janeiro de
um Museu Nacional de Tecnologia, corporizando realizações que o Museu Nacional não mais
comporta em sua especialização crescente nos domínios da História Natural. Os assuntos mais
propriamente de Geografia, que, por assim dizer, sobram dos limites antropogeográficos e
Biográficos respectivamente abrangidos por suas secções de Etnografia e Geologia, exigirão em
breve instituição específica, mormente agora que os estudos geográficos vêm tão aceleradamente
progredindo pela ação do Instituto Nacional de Geografia e Estatística. Já quanto aos temas
folclóricos, mesmo quando abrangidos pela expressão mais lata de folk-culture, não sugeriríamos a
legitimidade da criação de um museu especializado, porquanto achamos que deva ser intimamente
ligado à antropobiologia e antropossociologia, como as entende o Museu Nacional, e que é
justamente assim que o folclore recebe o tratamento de cunho mais acentuadamente cultural. Que
fecunda e venerável missão a do nosso Museu Nacional ! Alma-Mater dessa plêiade de nóveis
instituições, manter-se em ampla colaboração com as ati-vidades cada vez mais especializadas de
cada qual. E, de todas elas, virá a contribuição comum, regionalizada, por um Museu da Cidade
bem compreendido, que será a focalização local do esforço museológico geral, desde que exerça o
seu papel de museu regional de grande tipo.
Admitindo as especializações ditadas pelo natural desenvolvimento de um museu, não nos
esqueceremos, por contraposição, de referir o caso de especializações prematuras, de que é exemplo
expressivo a origem do nosso atual Museu Nacional de Belas--Artes : nascendo a coleção oficial de
obras de arte integrada na então Academia Real e depois Imperial de Belas Artes, passou a
constituir a Pinacoteca da Escola Nacional de Belas Artes, realizando enfim especialização de
funções há muito aconselhada50; a Academia Real, porém, nascera antes de tempo, substituto des-
falcadíssimo do Museu de Artes e Ofícios que seria mais consentâneo com a época, mal de origem
que ainda hoje se reflete nos limites por demais aristocratizados de seu exclusivo interesse pelas
arfes maiores, com o que exclui de suas coleções toda essa produção do povo, altamente
significativa, que são as chamadas aríes menores, em relação às quais as Belas-Artes ocupam
apenas a porção apical de toda a imensa pirâmide da produção artística. Mesmo no domínio das
belas-artes, o nosso Museu especializado ainda consagra exclusivismos : quase que exclui a
arquitetura, que, no entanto, dada a exiguidade de espaço, poderia figurar em restituições e
maquetes, em documentação fotográfica ; esta última, no caso da arquitetura, se serviria do relevo
do estereoscópio. Quando, em 1931, fui convidado para secretário da Escola Nacional de Belas-
Artes pelo então diretor Lúcio Costa, cuja mocidade idealizou a reforma anti-convencionalista dessa
instituição, que ainda não se havia desdobrado em Escola e Museu, — combináramos que, como
50
Embora publicado em 1920, o trabalho do autor Contra a Congregação da Escola Nacional de Belas-Artes contém
várias das sugestões ainda hoje cabíveis sobre maior divulgação da cultura artística no Brasil.
secretário, eu teria funções de organização na obra de extensão cultural no ensino das belas-artes;
estive, então, na iminência de levar a efeito ampla utilização da dia-esfereoscopía para a
documentação artística acima sugerida.
Quanto ao Museu Histórico Nacional, instituído, é óbvio, para se relacionar com o
patrimônio integral da nossa história — a julgar pela dosagem de suas amostras ainda compreende a
História em seu estrito senso político-militar, carregando a nota monárquica naquela dosagem e
patenteando, na sua propensão para o raro e o custoso, um preciosismo que contraria o princípio de
preferência pelo característico, isto é, pelo mais frequente em cada época, consoante a boa norma
museoiógica. Desejamos que a recente criação do Museu Imperial de Petrópolis, oportuna
lembrança, venha aliviar os encargos aristocráticos do Museu Histórico Nacional, permitindo-lhe
interesse equitativo por todo o património histórico do país. São, efetivamente, notáveis
demonstrações da erudita operosidade de sua direção, servida de eficientes auxiliares, as numerosas
melhorias que de ano em ano vêm sendo ali inauguradas. Cabe, assim, exprimir O' desejo de que,
junto às novas salas especializadas que estão em construção, se reservem outras onde se venha a dar
guarida à documentação, expressiva por excelência, de toda essa patriótica atividade centralizada no
Brasil pelos Mauás, OTTONIS, MARIANO PROCÓPIOS E REBOUÇAS, além dos contemporâneos SANTOS
DUMMOND, OSVALDO CRUZ e SATURNINO DE BRITO, para só citar os maiores dentre os mortos.
Não tivemos tempo para visitar o Museu da Cidade ; este tem a sua especialidade controlada
pelo caráter sintético, regional, de sua finalidade.
RECURSOS AUXILIARES — Sangue novo dos museus, os recursos da técnica moderna em matéria
de auditividade e visualidade. . . O rádio, em seu aspecto de difusão cultural, mantém um domínio à
parte, dificilmente adaptável à vida interna dos museus; o que não impede, já se vê, ampla
colaboração desses museus, extra-muros, nas possibilidades educativas da rádio-difusão. Em
matéria de uso interno, a técnica do rádio nos interessa pelos seus recursos de amplificação, como
complemento da fonográfica. Vimos, no exemplo característico de uma exposição sobre aves
canoras do Brasil, o seu precioso auxílio. Não se trata de exemplo adrede escolhido para demonstrar
a colaboração da fonografia nos museus ; as suas possibilidades são das mais amplas no domínio
daquelas exposições especiais. Deram mesmo origem a uma denominação sugestiva : A voz dos
museus, para semelhante melhoramento introduzido em alguns museus estrangeiros (nos Estados-
Unidos, por exemplo), onde, junto ao material exposto respectivo, ouvem-se, provenientes de
aparelhos fonográficos postos em funcionamento por um visitante qualquer, rugidos de animais
selvagens, coaxar de rãs, zumbidos de insetos, ruídos imperceptiveis aos nossos ouvidos que,
presentes na natureza, a lâmpada trioda amplia, e as notas de instrumentos de música primitivos, e
os cantos populares. . . Temos, nas coleções etnográficas do nosso Museu Nacional, um "caso" que
está a reclamar excepcionalmente tais recursos de divulgação sonora : é o "bastão musical" de
certa tribo, indeterminada, dos nossos índios, o qualf hoje condenado à muda segregação de uma
vitrina fechada ao público, poderia exibir as suas notas, cujos incomparáveis encantos maravilham
os poucos que puderam gozar o privilégio de ouvi-las.
l — Cinema nos museus — A colaboração do cinema nos museus é assunto de vasta
literatura especializada e tem sido tratada com relativa abundância por autores patrícios, podendo o
Rio de Janeiro orgulhar-se, nesse particular, de obra pioneira no Museu Nacional; queremos nos
referir à iniciativa de cultura generalizada, também esta, devida à mesma individualidade
privilegiada de RoQUETE-PINTO, que se soube servir de documentação cinematográfica em sua
colaboração como naturalista na obra de RONDON, em época que coincide com as primeiras tentativas
estrangeiras nesse género de documentação científica. Seu prestigioso nome aíuaímente na direção
da organização oficial especializada que criou, o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), é
penhor de que o Museu Nacional pode inscrever-se nos primeiros lugares da lista numerosa dos
favorecidos por tão benemérita instituição.
"Museu Animado" — Estimulado pelas realizações do INCE, não nos parece utópico um
programa de colaboração com os museus do Rio de Janeiro por parte de seus cineastas, incluindo
mesmo uma série de filmes, de alguns poucos minutos de duração, a que provisoriamente
denominamos de Museu Animado, onde o material em exposição nos museus fornecerá o tema
puro, central, em torno do qual a técnica cinematográfica tecerá toda uma trama de variações.
Citemos a esmo alguns exemplos possíveis de longa série, fácil de imaginar e talvez de realizar : —
teremos a cadeirinha, carregada por dois escravos, em plena rua carioca do século XVIII, que
motiva urna rápida reconstituição histórica em torno daquele documento que o cinema fixou nurna
das salas do Museu Histórico Nacional, e depois animou e trouxe para o seu local e a sua época... E
o vaso de cauim dos nossos índios, deixando o mostruário do Museu Nacional em que dorme, ei-lo
que vem ocupar o seu lugar de honra na festividade guerreira em que se sacrifica o prisioneiro, ao
mesmo tempo em que se ouvem, pelas possibilidades do cinema sonoro, os versos do Y-Juca-
Pirama, de GONÇALVES DIAS : "em fundos vasos de alvacenta argila // ferve o cauím ; // enchem-se
as copas, o prazer começa, // reina o festim". . .
Já de há muito integrado o cinema na vida do Museu Nacional, — que possui bela sala de
projeções em estilo marajoara —, será fácil tarefa para a Secção de Extensão Cultural, recentemente
aí criada, tornar mais frequente e sistemático o seu funcionamento. As possibilidades de projeção
nas salas mesmas das coleções, com inegáveis vantagens para a movimentação das mesmas, (sem
necessidade de escurecer a sala graças ao recurso da tela de vidro fosco) , parecem-me relegáveis a
uma segunda etapa do programa.
Documentação cinematográfica — A execução de tais filmes, orientados quanto ao assunto
pelos técnicos do Museu, será da alçada do INCE. Mas, como bem assinala uma das maiores
autoridades nacionais em matéria de cinema educativo, JÔNATAS SERRANO 51, os museus podem, por si
mesmos, realizar filmes documentários, ou, conforme suas próprias expressões : "O cinema resolve
aspectos do problema, que os museus, mesmo dinâmicos, não resolvem. Deve ser posto a serviço
dessa causa, que é a dos museus e que é educativa por excelência, para que as iniciativas oficiais e
particulares facilitem a organização das cinemotecas, ou anexas a museus ou autónomas, nacionais
e regionais, era qiie tudo seja fixado — o aspecto da flora e da fauna típicas de cada região, o falar
do povo, as dansas características, todo o folclore. Adiante conclui o preclaro educador : "Não
devemos perder de vista esses aspectos mais educativos dos museus, que é dar a prova consciente
da obra humana, no tempo e no espaço, e fixá-la para que outros a colham e apreciem no exato
valor. E a própria documentação, que colhermos, será a niais preciosa dos museus futuros."
Nessa ordem de idéias — generalizar a linguagem do museu em documentação de grande
escala — o cinema se mostra incomparável de recursos ; a História é uma Geografia em evolução, e
quando uma nacionalidade, como a nossa, se constitui a nossos olhos, tateando em suas bases e
rumos, atravessando aspectos que talvez já sejam fases'esvaeceníes, na instabilidade sobretudo da
nossa miscigenação cultural, o Museu desempenha ação fixadora de imprevisível significação
futura. No Brasil, um momento de epopéia — a luta sertaneja de Canudos, que motivou o maior
livro do continente : Os Sertões, de EUCLIDES DA CUNHA, verdadeiro tratado de antropogeografíca e
antropossociologia brasileiras — esse momento de epopéia tem seus atores e cenários imortalizados
na literatura, mas talvez se extinguindo para as possibilidades da documentação objetiva, que os
resguardaria para a contemplação e estudo de todos os tempos. Já não digo em relação aos atores
em plena reconsíítuição de cenas da epopeia sertaneja, (ah ! EUCLIDÊS DA Cunha, a pobreza dos teus
patrícios é tão triste como a ineficácia do teu verbo, lido por alguns mas não seguido por nin-
guém. . .). Mas, ao menos, a fixação dos cenários, flora, fauna, e hábitos e costumes de tipos
humanos ainda lá vivendo. Teria a técnica do cinema assunto digno de suas possibilidades, sendo
fácil à técnica de museu orientar cientificamente o filme, cujo roteiro ralado seriam as expressões
insubstituíveis, em citações sincronizadas, de Os Sertões. Desculpe-nos o leitor mais uma referência
pessoal às atívidades do autor, para o que deve levar em conta que está lendo uma prova de
habilitação profissional, onde se procura reforçar a palavra que sugere com a ação, ou projeío de
ação, em longa e contínua preocupação em torno de assuntos correlates. A ideia, acima exposta, de
pôr o cinema a serviço da documentação visualizada de Os Sertões, foi por nós lançada em sessão
do Grêmio Euclides da Cunha52 e teve pronta aceitação dos Profs. Raja GABAGLIA e BERNARDINO JOSÉ
DE SOUSA, presentes à reunião, de ROQUETE-PINTO, a quem, pouco depois, a comunicamos, ouvindo-

51
JÔNATAS SERRANO : "Debates sobre a conferência Função educativa dos museus", de F. Venâncio Filho", Estudos
Brasileiros. Rio. 1939. p. 64.
52
Esse plano foi, em resumo, publicado em Revista Acadêmica, 1937, sob o título "Euclides da Cunha lido ao
povo".
lhe promessas de aquisição do filme para o Instituto que dirige, e de PAULINO FRANCO DE CARVALHO,
então diretor do Serviço Geológico e Mineralógico, que se prontificou a ordenar estudos geológicos
na região de Canudos, com.o que garantia a execução do filme por técnicos em cinematografia do
Ministério da Agricultura ; o falecimento deste saudoso cientista, ocorrido meses depois, veio adiar
a iminente execução do filme documentário que se intitularia : "O cenário d'Os Sertões".
4 — Televisão — E a televisão ? O ''Metropolitan Museum", de Nova-York, já a incorporou
ao seu plano educativo, iniciando o preparo do material a irradiar, escolhido em suas coleções ; a
Travelling Education Exhibit53 foto-irradia material fornecido pelo Museu de Cincinatti. Pleno
século Vinte e Um. . .
FUNCIONAMENTO — "Museus dinâmicos" — Colhido, sele-cionado e exposto o material, trata-
se agora de pô-lo a funcionar. Para a concepção antiga, material de museu bastava existir — existir
e persistir. O seu tratador especializado revelava no noine oficial — conservador — o ideal estático
que encarnava. Depois, os mostruários se encheram da buliçosa profusão de setas, letreiros sobre
letreiros, diagramas, rnapogramas, gráficos de toda espécie, mapas de todo tamanho, desenhos e
fotografias, e, na parada dos museus, os objetos expostos como que se perfilaram em posição de
sentido à espera da ordem iminente de marcha... E' a posição que ainda mantêm os museus
brasileiros. Dois deles, que saibamos, se avantajaram aos demais nessa movimentação em estado
latente, que ê o prenúncio da movimentação visível, do funcionamento do material exposto, dos
museus dinâmicos que ainda não possuímos. Esses dois são : o Museu Paulista, na colina do
Ipiranga, onde, em longa continuidade de cultura e carinho, AFONSO DE. TAUNAY, seu grande Diretor,
valendo-se das virtudes reconstituidoras da pintura e da escultura, realizou obra de objetividade e
simbolismo, que resume, em síntese inesquecível, "todos os aspectos da formação de nossa
nacionalidade," para empregar expressões de VENÂNCIO FILHO 54. E o Museu Nacional, em suas
colecões de antropologia e etnografia, e em certos aspectos de outras, onde é modelar o consórcio
da especialização científica com o interesse geral da cultura.
O fato, porém, é que os museus do Rio de Janeiro, provavelmente ainda por longo tempo,
funcionarão apenas na imaginação complementar de alguns de seus visitantes, e nas melhorias de
interpretação pedagógica, que os especialistas, em colaboração com os professores, vão
conseguindo fazer para alguns interessados e para o público em geral... a interessar.
2 — Metodização das visitas — Para certa parcela dos frequentadores de museu, nada ou
quase nada tem que fazer a Secção de Extensão Cultural : são estes as "pessoas de casa", a clientela
do pessoal técnico dos museus : mas estes são colaboradores, ou possíveis colaboradores, e não
fregueses. . . Os demais visitantes, ou são visitantes isolados, ou grupos de visitantes mais ou menos

53
Citado em artigo editorial de Museums News, New York, 1940, p.5
54
F. VENÂNCIO FILHO : "Função educativa dos museus". Estudos Brasileiros, Rio, 1939, A educação e seu
aparelhamento moderno. S. Paulo, 1941
organizados, a começar pelas turmas escolares. Nestas, entretanto, maior regularidade de
organização no grupo nem sempre implica maior interesse nos elementos constitutivos. E hoje
princípio admitido pelos que se preocupam com o problema do público de museu, que os grupos
que fornecera a melhor parcela dos frequentadores de museu, melhor mesmo do que as escolas (cuja
influência sobre a vontade dos alunos é mais imposta do que aceita), são as associações culturais.
Mas a clientela característica, e, portanto, a mais considerável para a obra de extensão cultural,
ainda é a multidão esparsa dos visitantes avulsos. Há, entretanto, um meio de conciliar os benefícios
da organização em associações cora a vivacidade e interesse desses frequentadores espontâneos : é
incluir certa regularidade, certo grau de sistematização e agregação nessa "população" incoerente, a
custa de um hábil emprego do aparelhamento clássico dos museus : guias, orientadores, material
gráfico, toda a sorte de indicações e sugestões, e até mesmo horários que permitam mais ampla
visitação, mas obriguem ouírossim a concentração dos visitantes, ou parte deles, em pontos e
ocasiões previamente estabecelecidos. Sobre visitas de turmas escolares, ouçamos um testemunho
cujo valor não precisamos encarecer :
"...Tenho, por curiosidade, assistido ao desandar de algumas escolas pelas galerias do Museu
Nacional. Que tristeza ! Todo mundo vai andando, vai olhando, vai passando. .. como um fio dágua
passa numa lâmina de vidro engordurada. Quem quiser aprender num museu, deve primeiro
preparar-se para a visita. Aquilo é apenas o atlas; o texto deve ir com o estudante." (ROQUETE-
PlNTO) 55
Não se pode reclamar mais incisivamente a metodização das visitas a uin museu. Programa
definido do que se vai ver, interesse crescente dos que vêem, capacidade pedagógica — técnica e
emocionalmente falando — dos que fazem ver.
3 — Orientadores de museus — É indispensável uma visita prévia às coleções pelo
professor da turma, seguida da comunicação à direção do museu dos assuntos que mais interessam à
turma, para que possam entrar em função os recursos de exibição disponíveis. Para que todos os
alunos possam prontamente observar e fazer perguntas livremente, as turmas não devem ser
numerosas. Infelizmente sofrem os museus dessa alternativa de frequência : ou vasante, situação do
lá vem um, ou invasão torrencial. Daí a necessidade de pessoal próprio, de técnicos que sejam
verdadeiros intérpretes de objetos 56, junto aos professores das turmas, que são os instrutores de
assuntos. Seccionem-se as turmas numerosas, com o que se consegue canalizar a enchente ;
prolongue-se, a custa de informações oportunas, a permanência dos visitantes isolados, alimentando
os reservatórios, e ter-se-á conseguido equilibrar a freqíiência aos museus, condição favorável ao
seu bom aproveitamento didátíco.

55
E. ROQUETE-PINTO : "A história natural dos pequeninos", A Educação, Rio, 1925, Seixos Rolados, Rio, 1927, p. 41
56
NITA M, FELDMAN : "The Museum teacher", citado em Educaíional Work in Museums of the United States, 1938, p.
210
A atuação, hoje clássica, desses intérpretes de objetos (orientadores de museus, ou museum
instructors nos Estados Unidos, e museum demonstractors na Inglaterra), levou a distinguir três
tipos de turmas, designadas, na Inglaterra, conforme o caso, por self-conducted (só professores de
turmas), museum-conducled (só orientadores) e museum-aided (professores assistidos de
orientadores ). No Museu Comercial de Philadelphia, tão numerosas são as turmas que o visitam,
exigindo ainda por cima execução de demonostrações, que foi preciso apelar para um recurso
engenhoso : somente alguns alunos selecionados de cada turma vêm certas dependências do Museu,
e estes alunos, depois de aprenderem as demonstrações, levam material para repeti-las diante dos
colegas, em grupos formados no próprio recinto do museu ou na escola. Mas essa solução é pouco
adequada à maioria dos casos de enchente, :szendo-se necessária grande cópia de material
disponível ; há várias outras medidas, mais fáceis de tomar, para enfrentar o problema, cujo sintoma
mais comum é a chamada fadiga dos museus, de que dão mostras frequentes as turmas numerosas.
Unia autoridade no assunto, M. Harrison57, aconselha que, após curta dissertação, dê-se a cada aluno
uma pequena série de questões a resolver por si só, utilizando o material exposto ; a visita a cada
secção termina por unia discussão geral de tudo o que foi observado. Seria mais aconselhável a
visita cada dia a uma secção, mas o recurso acima exposto, dada a exiguidade de ocasiões que as
escolas concedem ao trabalho fora de suas aulas, vale por divisão em capítulos de um livro que,
como o museu, se tem de ler quase sempre de urna assentada. . . Outros entendidos no assunto,
talvez por demais incrédulos a respeito das medidas anti-dormitivas ao alcance dos museólogos,
chegam, a aconselhar jogos de museus, a fim de entreter os alunos que começam a dar mostras de
cansaço, ou os menos interessados, agentes perturbadores da eficiência da excursão ; tais jogos são
constituídos geralmente por cartões contendo perguntas a serem respondidas, ou lacunas a serem
preenchidas, após consulta ao material exposto ; fala-se mesmo em puzzles e quebra-cabeças ... o
que seria descabida imitação ou inais um caso de incompreensão do processo dos testes. . .
Quer-nos parecer que o melhor recurso para evitar a fadiga dos museus, nas visitas
escolares, ainda é desenvolver o hábito do museu à custa de maior objetivação do ensino e
intensificação das atividades extra-classe ; o que não exclui, antes favorece, a cada vez maior
adaptação das coíeções visitadas ao gosto de seus jovens visitantes, tornando-as dignas da
curiosidade das crianças, o que é também uma forma de torná-las mais dignas cio interesse de
todos. O "fio d'água (da sugestiva imagem de Roquete-Pinto) passando sobre uma lâmina de vidro
engordurada" — traduz bem a falta de poder aderente do público, mas o en g or duramente da
lâmina refere-se também à camada isolante que cumpre retirar dos mostruários de museu . . .
Variado programa de ação este que visa intensificar a comunhão do público com os museus ;
ajudado pelas novas capacidades publicitárias de reclame e revolvimento mais extenso se não mais

57
M. Harrison: “The museum and the child”, The Museums Journal,1940, p.267
profundo das camadas populares, trazidas à nossa época pelo cinema, a fotomontagem, a
rotogravura, o rádio, o automóvel; desajudado, porém, por esses agentes da técnica moderna,
quando, o que tanto sói acontecer, embotam e anulam a emotividade pública. Diante do quotidiano
trepidante da atuaiiciade, o museu ainda será por muito tempo anacrónico convite de parada para
contemplações mais serenas e mais profundas. Comparado àqueles concurrentes de divulgação
cultural, que envolvem em manto deslumbrante a multidão quase hipnotizada, o velho tecido dos
museus, com a malha larga de seus espécimes Isolados, e rasgões de continuidade em sua dificílima
continuidade de exemplificação — mesmo que os sirzam com a trama sutil das interpretações
didãticas — perde na con-currência inexorável, mas tem sobre os concurrentes da atenção pública a
vantagem de não ter avesso. . . Impossível e ilusório isolá-lo de seu tempo. A sua comunhão com o
público é, como para os outros agentes de cultura generalizada, campo para exercitar-se essa
pedagogia das massas, capítulo moderno de inter-psicologia aplicada, que nos habituamos
infelizmente a só ver escrito em termos de propaganda e publicidades políticas. . .
4 — A pedagogia dos museus - Nos limites puramente culturais, a que se restringe a nossa
atenção, o problema apresenta características muito próprias, bastando lembrar que, ao lado dos
processos de comunicabiíídade, que lhe são comuns com a propaganda política, o cunho objetivo
que assume, por definição, o ensino popular ministrado pelos museus, dá-lhes à propaganda esse
atributo diferencial ; são a propaganda da fidelidade. . ,
Por isso, nos seus domínios, faz-se necessária uma fase preparatória de estudo analítico dos
interesses próprios e a serem despertados em cada tipo de público, estudo que carece de inquéritos
sobre os assuntos preferidos, a sua dosagem eni cada grupo, sobre a relativa receptividade dos
elementos — alunos inais diversificados etc. etc., tudo isso a exigir ainda um longo período
introdutório de pesquisas pedagógicas. Devendo levar em conta as demoras que entre nós invalidara
a aplicação de providências sistemáticas (quando estas «ao se dão com a simultânea tolerância de
medidas provisórias, mais ou menos simplistas, que as venliarn resguardar de prematura aplicação
coníra-produceníe) sugerimos também que, prosseguindo-se embora no estudo metódico da
pedagogia dos museus, não fique o grosso das medidas mais urgentes à espera ilusória do étimo. . .
Comece a tarefa pdo emprego de normas que tenham aceitação incontestável ou já generalizada.
Por exemplo : ninguém espera desbancar de suas funções específicas esses agentes de alta eficácia
nas relações público-museu, que são os guias das coleções. O seu reinado tem sido longo, e, por
isso, são banais os requisitos a que devem obedecer. Lembramos apenas que não lhes faltem as
plantas do edifício e das salas, com roteiro de visita integral e não repetida, indicado por setas ; a
redução dos quadros sinóíicos e dos mostruários-prefácio (de que tratamos na p, 7), e, sempre que
possível, seus mapas e gráficos mais gerais. É de grande conveniência, que tais guias sejam dotados
de índices, sistemáticos e alfabéticos, ricos de referências, agrupando objetos de coíeções diferentes
que, todavia, se correspondem funcionalmente ; que sejam redigidos em estilo sugestivo e não
intimaíivo, e sempre enxuto de atavios e redundâncias ; variado nos tipos de composição gráfica
para indicar hierarquia de valores ; questões complementares ; referências bibliográficas. Para
satisfazer à necessidade de estarem em dia corn a última arrumação dos museus, aconselham-se
guias parciais, para mais frequente e menos custosa reedição. Reunidos convenientemente, darão os
guias das coleções, os guias das secções e o guia geral do museu. Recursos financeiros para a
publicação ? Na deficiência das verbas oficiais, um entendimento da direção cora revistas
especializadas ou de divulgação cultural que publiquem, página a página, este ou aquele guia
parcial. Até anúncios. . . Pois só uma coisa, nesse assunto, deve ser terminantemente proibida : um
museu sem guia !
CURSOS E CONFERÊNCIAS — Cabe à extensão cultural, sempre sob o controle da direção do
museu, auxiliar a realização de conferências e cursos promovidos pelo pessoal técnico ; essa
assistência se manifesta em proporcionar-lhes documentação didática, sugerir-lhes melhorias
pedagógicas, cuidar de sua publicação e propaganda, adaptá-los ao seu plano de vulgarização. Mas
a sua tarefa própria é a organização de cursos e conferências por pessoas de casa ou estranhas,
representando essa realização, de caráíer mais definitivo do que as preleções diárias junto às turmas
que percorrem as coíeções, o coroamento das atividades da extensão cultural em torno do
património do museu.
Pelo seu assistematismo relativo, as palestras isoladas, mais do que as seriadas, são mais
consentâneas com a índole das extensões culturais. Quanto ao assunto de umas e de outras,
principalmente das palestras isoladas, ainda não se inquiriu entre nós sobre as preferências do
público ; a experiência estrangeira recomenda, para adultos sem escola, que os assuntos iniciais
ainda guardem um pouco do tom, não digo maravilhoso, porém incomum, tanto esse género de
assistência tem entranhado o velho conceito de museu loja de curiosidades e tanto é verdade que,
apenas para iniciados, realismo não se confunde com prosaismo.
Com a continuação, pode-se deixar de lado semelhantes chamarizes ; o que será tanto mais
fácil quanto se possa substitui-los por palestras ligadas aos interesses profissionais de cada grupo.
Para adultos escolarizados, a prática estrangeira manda dar preferência a assuntos de
interesse geral, que tenham, entretanto, sugestiva exemplificação nas coleções, e, em seguida, o
tratamento direto dos próprios objetos dos mostruários. Mais especificadamente : além das
referências direías ao material de primeira mãof que confere a sua nota de objetivídade ao ensino
dos museus, terão aqui seu lugar adequado noções gerais, tais como ambiência histórica para obras
de arte, geográfica para flora e fauna etc. Em países onde os compêndios e material escolar em geral
são farta e nacionalisticamente ilustrados, aconselha-se maior referência a objeíos do museu que
ainda não hajam sido figurados nessas publicações de larga divulgação ; embora, entre nós, já
venham apa-recendo livros escolares e de vulgarização regularmente ilustrados (e é de lastimar que
as nossas publicações periódicas ilustradas, com raras exceções, se percam totalmente na
frivolidade, no con-vencionalismo de encomenda e na cópia servil do estrangeiro), sugerimos que
não se evite, e antes se procure aproximar, as demonstrações objetivas do ensino dos museus das
ilustrações dos compêndios e dos assuntos do currículo escolar.
Seria, se não descabido, longo em demasia, descriminar os múltiplos exemplos de palestras
e cursos apropriados a tais realizações, mesmo que, por tradição e adequação, sejam tais exemplos
de superior significação. Não deixaremos, todavia, de lembrar quão útil seria uma troca constante
de conhecimentos entre o pessoal dos museus e o pessoal docente das escolas, para orientação
pedagógica daquele e documentação objetiva do segundo ; também cursos internos de preparação
de voluntários de museus e seus futuros orientadores, sem já falar na articulação com atividades da
extensão universitária e extensões culturais de outras instituições congéneres. Realizadas durante as
exposições especiais, devem as preleções assumir estreita ligação com as finalidades nestas
colimadas. Resulta de todo esse esforço coordenado uma verdadeira divulgação dirigida da obra
especíalízaa de cada museu.
Obra de propaganda, no seu melhor sentido, naquele sentido que, intensificando a aceitação
pública, também procura a eficiência maior e maior facilidade de articulação entre a instituição em
apreço e o ambiente a que serve. Museu e público generalizado são noções tão correlatas que,
quando falte ao primeiro condições de contato estreito com o segundo, deve a direção se socorrer de
providências complementares para a satisfação desse desiderato: assim, museus, como o Museu
Nacional, que razões relevantes fizeram localizar longe do centro da cidade, devem dispor, nesse
centro ou próximo dele, de local, próprio ou cedido, onde realizar freqiientemente cursos e
conferências de sua própria iniciativa ou em colaboração com institutos oficiais e associações
particulares de cultura. Não importa de tal forma concentrar na sede toda atividade dos museus, que
se chegue a deliberadamente reduzi-la para não prejudicar a unidade de local. Museu é unidade
espiritual, e não meramente física, e, como tal, não teme divisionismos em suas intalacões
materiais...
Pessoal Especializado em Extensão Cultural — Dentre os cursos de museu, destacam-
se, por sua finalidade intimamente relacionada com o tema desta monografia, os cursos de
preparação do próprio pessoal a que se incumbe a tarefa de extensão cultural dentro e fora do
museu.
Se bem que com programa homogéneo de curso, são bem variadas as categorias de seus
frequentadores; desde o voluntário ao profissional de tempo integral, desde o funcionário efetivo da
casa até o professor primário do interior, todos cabem na obra de extensão cultural intra e extra-
muros, porquanto ela abrange desde a valorização pedagógica do material mais especializado até a
organização de pequeninas coleções individuais pela boa vontade mais distante, A quantidade e
qualidade das pessoas que atenderão ao fcnvite daqueles cursos é que delimitarão o seu programa.
Isso, principalmente, para museus de grande variedade de coleções, pois, para outros mais
homogêneos em suas especialidades, tais como o Museu Histórico e o de Belas-Artes, são
plenamente aceitáveis cursos de Museologia de programa prefixado, como os que, com positivo
sucesso, se estão realizando em nosso meio. Em se tratando apenas de delineamentos gerais,
podemos transcrever como exemplo, a lista de finalidades estabelecidas pela "Museum Asso-
ciation":
Programa (parte que interessa à extensão cultural)
5 — Relações dos museus com a educação e a pesquisa:
a) Classes em visita.
1 — organização de visitas escolares; relações com as autoridades lo-do ensino; relações
com professores; relações com instituições, etc.
2 — tipos de palestras e aulas para crianças de diferentes idades.
3 — relações das palestras dos museus com os cursos escolares, etc.
b) Conferências (guide lecturer's works), incluídas as escolas destilariam a organizações
sociais, homens de negócio.
c ) Guias.
d) Cooperação com o rádio.
e) Demonstrações com projeções fixas e animadas.
f) Coleções escolares; equipamento e organização.
g) Cooperação com institutos de alta cultura e associações locais.
h) Registro e publicação dos trabalhos do museu.
Para complemento, a exemplo do que há muito se faz no "Muséum National d'Histoire
Naturelle", de Paris, aconselharíamos cursos de desenho, ou, melhor, de expressão gráfica, visando
a ilustração de trabalhos de pesquisa e divulgação em ciências físicas, naturais e sociais. Ern
apêndice, juntamos o programa para o curso de auxiliares de naturalista do Museu Nacional, que em
1940, a pedido da Diretoria Prof. HELOÍSA ALBERTO TORRES, tivemos ensejo de organizar. Como se vê,
tanto desse programa como nos itens acima transcritos, cabe ampía variedade de aspectos em
semelhantes cursos, por mais específicas que sejam as suas finalidades. Na falta de órgão
especializado — e que, no Rio de Janeiro, seria o extinto Museu Pedagógico Central, criado pela
Reforma Fernando de Azevedo (extinto justamente quando, sob a di-reção de escol de EVERARDO
BACKHEUSER, mais prometia...) cumpre aos museus desta cidade acumular funções pedagógicas às
suas já absorventes funções profissionais; caberia, portanto, sugerir-lhes que, a exemplo do que fez
o Diretor do Museu Pedagógico Central, quando se cuidou de orientar a remodelação dos museus
escolares do Distrito Federal, fosse anexado aos cursos de orientadores um consultório permanente,
para esclarecimento e resolução dos variados problemas concretos que ocorrem na prática do ofício.
Cumpre também distinguir entre pessoal executante e orientadores propriamente ditos, a que
incumbe a dupla função de realizar e aconselhar. Especificamente para estes são os requisitos
seguintes, que os entendidos no assunto afirmam convir à personalidade que deve demonstrar
possuir o realizador e coordenador da tarefa que ora nos interessa; escolhemos dois autores
altamente indicados para opinar, pois ambos exerceram as atribuições sobre que aconselham e
exararam suas opiniões em obras espe-ciliazadas. Transcrevemo-las como confirmações valiosas à
nossa convicção de que a eficiência, se não mesmo a implantação, dos serviços de extensão cultural
nos museus depende das condições pessoais de entusiasmo pela causa da educação popular que
venham a ter os incumbidos de semelhante tarefa, ao par de uma compenetração de seus deveres
funcionais em grau bastante elevado para não esmorecer ante a falta de recursos orçamentados e os
entraves burocráticos.
Eis a opinião de NITA M. FELDMAN: "O docente deve possuir essa personalidade professoral
necessária para despertar energias paradas, estimular atividades adormecidas, manter o interesse e
desafiar a atenção dos alunos".58
E a opinião de GRACE FISHER RAMSEY: "Existem outros museus que cuidaram de preparar o
seu pessoal encarregado das tarefas educativas, bem preparado e treinado acadêmica e
pedagogicamente. O preparo académico exigido nesses museus é um certificado de curso expedido
por um college (curso secundário) acompanhado de experiência de ensino. Esta experiência nem
sempre é exigida, porém sempre influi para a preferência do candidato, a não ser quando se dá o
caso de o diretor do Museu desejar, ele mesmo, orientar essa forma de preparação didática. Como
complemento do preparo académico exigido, a maioria dos direto-res de museu julga que nada
equivale em importância ao fato de possuir o professor o tipo de personalidade adequado. Sempre
que se verifica o caso de estar um museu levando a efeito a sua tarefa educacional, é porque nesse
museu a seíeção do pessoa! docente visivelmente dependeu mais do grau de personalidade do que
do mero preparo académico. Os instrutores de museu devem ser não só pessoas de real cultura e
bom treinamento, como possuírem larga visão e incomum soma de iniciativa. Devem ser capazes de
pensar com clareza e exprimir-se de forma sugestiva e atraente. Devem ser suficientemente
dinâmicos para despertar tanto o interesse como o pensamento daqueles a que instruem de modo tal
que todos eles se tornem colaboradores ativos na tarefa comum. Devem ser trabalhadores que criam
e agem como pioneiros, continuamente imaginando e apresentando novos métodos. Devem possuir
conhecimentos de psicologia e saber ir ao encontro do homem e da mulher de tipo médio, do
público comum, tanto quanto das turmas escolares. Devem estar sempre prontos a perceber as

58
Nita M. Feldman: “The Museum teacher” citado em Educational Work in Museums of the United States
necessidades especiais de cada grupo e alertas para tirar partido de todas as possibilidades de uma
situação. Devem compenetrar-se de que os métodos educativos são mutáveis e que o ensino
baseado em material de museu requer planificação imaginosa. Devem estar habilitados a saber
distinguir valores educativos numa exposição de museu e como essas possibilidades podem ser
adaptadas ao trabalho que exigem grupos de diferentes níveis mentais, levando em conta que a
tarefa que têm em vista deve ser baseada nos recursos das coleções. Considerável soma de iniciativa
se faz mister para pôr em ação os diversos processos de apresentação do material exposto de modo
que cada grupo possa receber o melhor tipo de ensino".59
ENSAIOS PSICO-PEDAGÓGICOS —Selecionando o pessoal da extensão cultural dos museus,
prepararemos o pessoal habilitado não só para a execução de um programa de emergência, como
para a elaboração de programas que se irão aperfeiçoando à medida que se forem estabelecendo em-
bases objetivas as condições da equação público-museu. Ou por concurso, ou, melhor, por curso, à
maneira do que vem realizando o DASP, apurar-se-ão honestamente as capacidades do pessoal
especializado para as novas funções. Os requisitos pessoais, reclamados pelos dois autores norte-
americanos acima citados, estão a pedir que seja num curso, em estreita convivência com os
selecionadores, que se apurem os requisitos dos selecionados no próprio ambiente em que virão a
trabalhar. Além do que, será em colaboração com o pessoal técnico e administrativo dos museus, e,
sob a orientação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, que tais funcionários, uma vez
selecionados, terão que colher, em tarefa diuturna, es dados e proceder aos ensaios psico-
pedagógicos que o problema da extensão cultural está a reclamar.
Capítulo até o presente quase inédito de inter-psicologia, tentar resolver o conjugado público
— museu da forma mais vantajosa para a coletividade: eis o que se espera de futuros inquéritos e
observações diretas, estatisticamente controlados. As condições econômico-culturais que se têm de
enfrentar no Rio de Janeiro serão fatores de correção para menos, com que se deve entrar na solução
do problema nosso, local, em confronto com os museus estrangeiros que tomarmos para termo de
comparação. Basta, para julgarmos de semelhante necessidade de redução, considerar o pessoal que
se incumbe da obra de extensão cultural no Museu de Cleveland, que damos para amostra:
Pessoal técnico e administrativo:, l curator, funcionário do Departamento Nacional de
Educação, e mais 15 funcionários de tempo integral, pertencentes ao mesmo Departamento; vários
supervisors das classes semanais, destinadas às escolas particulares e suburbanas, exposições
circulantes, ati-vidades de clubes, exibições cinematográficas. Pessoal para as pesquisas
pedagógicas, compreendendo 2 psicologistas, de tempo integral, l assistente e vários auxiliares, de
tempo parcial. Secretaria a arquivo, com 3 funciona--rios. Pessoal educacional: 2 ou 3 professores,
designados pelo Cleveland Board of Education: são os museum instructors, agentes de ligação entre

59
Grace Fisher Ramsey: Educational Work in Museums of the United States, 1938, p.209
os museus e as escolas.
É de notar, porém, que dois fatores de correção para mais in-tervêem no nosso meio: a
menor concorrência da educação escolar era matéria de ensino objetivo e o fato, auspicioso para as
nações de pequeno orçamento cultural, de coincidirem, na concepção moderna pedagógica de que o
comum sobreleva o incomum nos museus, a maior eficácia didática do material com a sua maior
facilidade de aquisição...
Quanto a inquéritos objetivos e conclusões positivas a respeito de fatos inter-psicológicos
que regulam a pedagogia dos museus, abalançarmo-nos a dá-los por contra própria, seria, como já.
tivemos ocasião de dizer, afirmar a dispensabilidade da observação direta em matéria tão
fundamentalmente imediatista. Nossa experiência pessoal estriba-se em longa continuidade de
preocupação, entremeada de tentativas, sobre problemas análogos de generalização de cultura,
observados ao vivo em suas contingências e precaí-ços e que, com alguma boa vontade, se podem
enquadrar nos domí-da extensão cultural que constituem o tema desta monografia. Límitamo-nos,
assim, a juntar em apêndice uma resenha de tarefas por nós cumpridas com mais sacrifício pessoal
que benefício coletivo, a que se seguem publicações contendo opiniões pessoais sobre o assuntofem
datas irregularmente distanciadas e que pretendem valer pela constante preocupação que denotam
de servir à causa da educação popular e maior aproveitamento dos recursos da técnica de
divulgação na obra de estender ao maior número a cultura científica de alguns poucos.
Apenas a título de informação, transcrevemos, em seguida, alguns resultados estrangeiros
sobre ensaios psico-pedagógicos ligados ao tema desta monografia e que nos foi dado consultar.
O. E. FITZJOHN: 10 minutos antes de terminar as visitas que fez ao Museu de Cleveland,
acompanhando turmas de crianças de cerca de 12 anos, distribuiu impressos contendo listas de
questões que podiam ser respondidas com o que haviam observado no museu. Alguns alunos,
reconhecidamente retardados, se emparelharam com a média dos demais, fato que o autor atribuí
aos efeitos do ensino visualizado e objetivo sobre aquela espécie de alunos. 60
T. R. ADAM: certo de que a independência intelectual e física dos visitantes de museu torna
extremamente difícil a medida quantitativa do seu processo cultural, conclui tjue, do ponto de vista
educativo, as estatísticas de frequência pública aos museus, ou, melhor, da sua clientela, não podem
ser comparadas com os algarismos referentes a uma escola ou curso.”61
Museum-School Relations Committees of Progessive Education Association — essa
instituição tem promovido inquéritos sistemáticos e enviado questionários aos visitantes de museus,
arrolados em seus fichários, sobre resultados das visitas que fizeram as coleções cujo material é
conhecido dos experimentadores.62

60
A.E. Fitzjohn: The Museum and the Child, 1941, p.293.
61
T. R. Adam: The Civic Value of Museums, New York, 1937, p.13
62
Citado em Museums News, New York, 1938, p.66
GRACE FISHER RAMSEY — enviou pelo correio, a muitos visitantes de museus, questionários
sobre interesses, a fim de agrupar os interesses semelhantes e classifica-los por frequência.63
EDWARD ROBINSON — empregou processo semelhante no seu curso de Psicologia da
Universidade de Yale .64
KATHERINE GIBSON — tomando alunos previamente classificados por testes de inteligência, na
escola, verificou, pelo confronto com testes equivalentes aplicados no final das visitas a museu, que
os atrasados, pertencentes à última classe (Z), forneceram resultados bem acima do esperado, e
concluiu: 1.°) vantagem do uso de material concreto para a construççao de imagens mentais
complexas nas crianças; 2.°) adequação do material concreto ao ensino dos retardados. Põe dúvidas
sobre os resultados dos testes de inteligência, pois quem sabe se as crianças classificadas na classe
Z seriam mais bem sucedidas se, na aplicação dos testes na escola, não se visem privadas das
condições de visualização, objetividade e desembaraço em que saíram mais bem sucedidas no
museu? 65
MARGUERITE BLOOMBERG — comparou objetivãmente vários processos de ensino, aplicados a
uma visita a determinado museu, com turmas classificadas por testes, e chegou às seguintes
conclusões: 1.°) desvantagem da apresentação de material em excesso; 2.°) entusiasmo nem sempre
representa aproveitamento, ..; 3.) vantagem do emprego de processos de visualização, mormente
quando acompanhados de desenho pelos alunos; 4.°} vantagem de preparação prévia da turma sobre
os temas da visita; 5.°) vantagens de "menos instrução da parte do professor e mais poder de
investigação da parte do aluno."66
ARTHUR W. MELTON, NITA GOLDBERG FELDMAN e CHARLES V. MASON — prosseguindo em suas
observações psicológicas sobre o ensino nos museus, esses autores realizaram estudos no "Buffalo
Museum of Science", auxiliados pela "Carnegie Corporation". Sobre a boa escolha do orientador,
eis algumas das vantagens que afirmam ter encontrado em muitos casos estudados
experimentalmente: preparo prévio, pessoalmente realizado ou por pessoa de sua confiança, do
material das coíeções a visitar com os alunos, o que exige conhecimento díreto dos recursos do
museu; deve o orientador satisfazer aos seguintes requisitos: "ser um professor bem treinado e
experimentado, que possa com facilidade e presteza adaptar-se aos vários níveis de instrução de
seus clientes (alunos e outros visitantes) e estar sempre alerta a todas as possibilidades educativas
do material e dos mostruários do museu".67
É interessante notar que a mesma Carnegie Corporation acaba de enviar ao Rio de Janeiro,
63
GRACE FISHER RAMSEY : Educstional Work in Museums of the United States 1938, p. 43.
64
Edward S. Robinson: “Exitx the Typical Visitor”, Journal of Adult Education, citado na nota 2, p.13
65
Katherine Gibson: “An Experiment in Measuring Results of 5th Grade Schools Visits to an Art Museum”, Shcool
and Society, dezembroo de 1930, p.235
66
Marguerite Bloomberg: “An Experiment in Museum Instruction”, New Series of the American Association of
Museums, 1929, p.236
67
Citado na nota 4, p.241
para estudos no nosso Museu Nacional, técnicos também do Buffalo Museum, entre os quais o
conhecido autor do livro aqui várias vezes citado East is East West is West, CARLO E. CUMMÍNGS. O
título dessa obra, diga-se de passagem, um tanto enigmático, fizera-nos supor que o autor se referia
à adaptação essencial dos museus à sua ambiência física e social — o leste é o leste e o oeste é o
oeste. . . Mas tivemos a supresa de, logo às primeiras páginas, verificar as intenções mais modestas
do título, aliás correspondendo muito bem aos propósitos do livro, isto é, indicar o que pode e deve
ser imitado pelos museus nas Feiras Internacionais (World Faits): Museu é Museu e Feira é Feira. . .
Embora sem base estatística, M. HARRISON68 estudou o problema do orientador no caso
especial em que acompanha turmas de alunos em visita a museu, concluindo que o próprio
professor da turma é por demais familiar para despertar interesse a principiantes, não iniciados
ainda na compreensão de um museu. Por outro lado, um guia comum de museu não sabe descer ao
nível dos alunos. Aconselha, portanto, que professores primários se dediquem à função de
orientadores-auxiliares, pois darão o melhor material donde se deva recrutar o pessoal necessário a
tal serviço. Sugerimos semelhante estágio de professores primários em nossos museus; sabemos
que, atualmente, encontraríamos resistências da administração do ensino do Distrito Federal,
contrária ao "desvio" do pessoal docente das escolas primárias; lembramos que o Departamento de
Educação Nacionalista poderia entrar em entendimento com a Secretaria de Educação do Distrito
Federal e a direção dos Museus, a principiar pelo Serviço Municipal dessa especialidade, pois com
semelhantes estágios se iniciaria em boas bases concretas o abrasileiramento da nossa instrução
primária. Enquanto esse entendimento não se faz, conte-se com a boa vontade da iniciativa
particular.
ARTICULAÇÃO E Ação EXTERNA — Para terminar, voltemos ao setor mais amplo, e dos mais
expressivos, da extensão cultural dos museus: a sua articulação com outros órgãos de extensão
cultural. Já fizemos várias referências ao assunto, quando tratamos da ação conjugada dos museus
com as extensões universitárias, com as atividades extra-classe, com as escolas, com as associações,
etc. Quanto à articulação com os órgãos especializados do próprio museu em que funciona e com os
agentes de divulgação, tais como jornais, revistas e outras formas de publicidade impressa, como
cinema, rádio, etc., só unilateralmente dela tratámos, referindo a ação que têm, ou poderiam ter,
esses agentes de divulgação sobre a atividade interna dos museus, e não a ação que o museu deve
exercer sobre esses agentes. De fato, seria desconhecer o ambiente e franca colaboração que deve
existir entre serviços de uma mesma instituição, mormente os que lidam constanteniente com o
público, como no caso em apreço, afirmar que a tareia educacional, ou pelo menos de extensão
cultural, não afeta a todo o estabelecimento.

68
Morse Harrison: The Museum and the Child”, The Museums Journal, 1941.
MORSE A. CARTWRIGHT69 , com autoridade de diretor da American Association for Adult
Education, em trabalho que de perto condiz com o nosso tema, The place of the Museums in Adult
Education, escreve: "é primordial compreender-se que todas as ati-vidades de um museu são
educativas, rotuladas ou não com termos de educação" só assim, insiste CARTWRIGHT, "se pode
compreender a integração dos museus na educação de adultos." FRANGIS H. TAYLOR" 70 mostra-se
igualmente incisivo : "a função educativa de um museu não é apenas tarefa para o pessoal
especializado em educação, porém um desafio a todos aqueles que trabalham no museu."
EXTENSÃO CULTURAL E DEMOCRACIA — Debatendo, o ano passado, no Instituto de Estudos
Brasileiros, o tema "Ensino e Cultura", tivemos ocasião de traçar um plano de aproveitamento
cultural dos formidáveis agentes de divulgação da palavra escrita e falada e da imagem (jornais,
revistas, fonógrafo, rádio, projeções fixas e animadas) tão anàrquicamente exercendo em nosso
meio a sua ação de agentes espontâneos de ensino generalizado, se não já de educação. Repetindo,
em resumo, as mesmas considerações, em sessão do Instituto Brasileiro de Cultura, tivemos a
satisfação de ser escolhido para organizar, em ação combinada cora a Associação Brasileira de
Imprensa e a Federação Brasileira de Rádio-Difusão, um plano de extensão cultural para essas
entidades, vasado nos moldes que havíamos proposto. Embora apenas traçado em suas linhas gerais,
a transcrição ocuparia espaço demasiado no corpo desta monografia, motivo pelo qual reportamos o
leitor à revista em que foi publicado71. Pedimos atenção especial para o papel do museu nesse plano,
e que abrange a documentação objetiva e consequente abrasileiramento da obra de divulgação
cultural por nós visada. Tem o Instituto Brasileiro de Cultura ouvido com crescente interesse
sugestões nossas para que secunde a obra benemérita de aproveitar a técnica moderna de divulgação
em benefício da educação popular, a que, em geral, têm entre nós desservido; obra benemérita
iniciada no Brasil pela inolvidável Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 192472, e atualmente
capitaneada pelo Instituto Nacional do Cinema Educativo, seguido por algumas instituições oficiais
e particulares, entre as quais, a nosso ver, merecem destaque a Associação Brasileira de Educação, o
Museu Nacional de Belas-Artes, o Instituto Nacional de Música, a Associação dos Artistas
Brasileiros, o Instituto de Estudos Brasileiros, a Casa do Estudante do Brasil, unia ou outra estacão
de rádio-difusão (Radio Jornal do Brasil, "Biblioteca do Ar" da Rádio Mayrink Veiga, estações da
Prefeitura e do Ministério da Educação), e, mais de perto tocando o nosso terna, o Museu Nacional,
criando, primeiro, um Serviço de Assistência ao Ensino da História Natural, depois a nunca assaz
elogiada Revista Nacional de Educação, e, finalmente, a Seção de Extensão Cultural.
Espera-se que, em breve, apareçam em público os resultados das cogitações sobre o
69
Morse A Cartwright: The Place of the Museum in Adult Education, citado em Adult Education in British Museums,
de Margaret Scherer
70
Francis Taylor: “Museum in a Changing World, The Museum Journal, vol. 40, p.115
71
Edgar Süssekind de Mendonça: “Ensino e Cultura”, Estudos Brasileiros, Rio, 1939, p.665
72
Edgar e Carlos Süssekind de Mendonça: “O que o Brasil tem feito pela Rádio- Cultura”, Rádio, 1924
momentoso tema que as criou, elaborados pelos dois órgãos especializados da Prefeitura do Distrito
Federal e do Ministério da Educação e Saúde.
Ainda em sessões repetidas do Instituto Brasileiro de Cultura, a que depois de 1935 fomos
obrigados a restringir a nossa ação de educador, temos tido oportunidade de referir várias outras
possibilidades de os museus exercerem a sua ação externa sobre a nossa educação popular; citamos,
entre outras, a de promover maior fidelidade de motivos e acessórios junto às artes, a começar pela
arte cénica (exemplo: intervenção etnográfica na montagem da nossa ópera por excelência, O
Guarani, onde as intenções tão profundamente brasileiras de CARLOS GOMES e JOSÉ DE ALENCAR são
perturbadas por infidelidades escandalosas de indumentária, cenários, etc. ); facilitar, sob a fornia de
consultório técnico, documentação exata para obras artísticas e literárias, que versem temas
nacionais; promover a articulação dos museus entre si para a sistematização e amplo arquivamento
da documentação gráfica sobre a terra e a gente do Brasil (plano da Enciclopédia Brasileira pela
Imagem, cuja execução já iniciamos em várias escolas secundárias desta Capital ); ação combinada
do Museu da Cidade com outros museus e associações, a começar pelo Instituto Histórico e Touring
Clube do Brasil, para a confecção de um mapa turístico-cultural do Rio de Janeiro; estender o plano
sugerido por E. Roquete-Pinto, em 192473, de colocar placas explicativas nas arvores dos nossos
logradouros públicos, aplicando-o a varias outras oportunidades de dirigir a atenção de todos no
sentido de uma maior comunhão espiritual com as coisas do nosso património natural e social.
Talvez haja quem estranhe a ampliação que estamos dando ao tema desta monografia
regulamentar, para, no limite de suas 50 páginas datilografadas, envolver os Museus do Rio de
janeiro, pelo aproveitamento de diferentes oportunidades, na obra de vulgarização que, a nosso ver,
é a tarefa primordial dos seus serviços de extensão cultural. Semelhante modo de entender é, sem
dúvida, sintoma de ansiedade pessoal, de nossa ansiedade por estender, imediatamente, sem
delongas de sistematismos e projetadas perfeições, os privilégios da cultura ao maior número
possível de patrícios. Questão de temperamento ou questão de compreensão do nosso regime
republicano sob a sua forma necessariamente democrática? Tendemos para a segunda alternativa, se
bem que não pretendamos atenuar o fator subjetivo, pois foi por convicções as mais sistemáticas
que demos fundamentação democrática ao planejamento e execução da presente monografia, sobre
tema tão propício quanto o da extensão cultural dos museus do Rio de Janeiro, que é justamente a
sua ação mais nitidamente social. Esquecidos do povo, teríamos, nos limites mais serenos das salas
de museu reservadas a minorias, o nosso tema tratado com mais ordem, tanto na concepção como
no estilo. ..
Mas é que desejamos que, também para os Museus do Rio de Janeiro, possam em breve ser
válidos os ideais expressos nas seguintes palavras de um dos apóstolos da educação renovada pela

73
E. Roquete-Pinto: “A história natural dos pequeninos”, reproduzido de A educação, 1935, em Seixos Rolados 1927
democracia:
"Mais que proventos materiais, uma melhor filosofia atrairá homens e mulheres, de energia e
de caráter, a fim He libertarem a educação do cativeiro interno e a fim de permitir que a educação
despida de preconceitos, realize a sua tarefa ingente. Porque só assim libertada, e assim apoiada, a
educação se mostrará em toda a sua pujança: uma estratégia e um poder criador de civilização mais
elevadas." W. H. KILPATRICK74
CONCLUSÕES
Delimitada assim, no condicionamento econômico-social que a envolve e em suas linhas
gerais, a área da extensão cultural dos museus do Rio de Janeiro, e indicadas as suas articulações
com outras instituições congéneres — delimitação e articulação que constituem o tema principal da
presente monografia — poderemos focalizar, à guisa de conclusões, os seguintes itens:
1 — Cabe aos museus, por direito de antiguidade e ampla adequação, desempenhar papel precípuo
num plano de educação nacional, mormente se esse plano, para corresponder especificamente às
condições sui-generis da nossa situação cultural, der dimensões preponderantes à chamada
educação assistemática.
2 — Para cumprir a sua missão educativa, o museu tem que se organizar internamente, de forma
que as atividades de extensão cultural não entrem em. conflito com as atividades primordiais de
pesquisa e preservação que aí se exercem concomitantemente, mas, pelo contrário, lhes tragam o
estímulo da publicidade e finalidades sociais desdobradas.
3 — Para tanto, devem os museus do Rio de Janeiro criar órgãos de extensão cultural, a que
subordinem os planos de sua reorganização; dentre os recursos a empregar para que tal plano
harmonize o que já existe com o que deverá haver, sobrelevam o desdobramento das coleções, com
a criação de algumas especialmente didãticas, e a realização de exposições especiais,
periodicamente renováveis.
4 — Externamente, a extensão cultural nos museus deve definir as suas relações com os órgãos
clássicos do ensino, que são as escolas, procurando desenvolver em si e nessas escolas todas as
modalidades originadas de sua recíproca influência.
5 -— Tanto como órgão de educação sistemática como assistemática, o museu desempenhará as
suas funções de primeira plana por intermédio de um tipo de ensino que se poderia chamar ensino
por participação.
6 — Em nosso meio, para que essa participação se dê eficientemente, é preciso criar primeiro a
consciência de sua necessidade, desenvolvendo na escola o ensino objetivo, o justo equilíbrio entre
o concreto e o abstrato, enriquecida a exemplificação regionalizada e muitíssimo mais utilizados os
processos de ensino visualizado; fora da escola, num sistemático aproveitamento dos novos agentes
74
W. H. Kilpatrick: Educação para uma civilização em mudanã, tradução de Noemi Silveira, com prefácio de M. B.
Lourenço Filho. 1933, p.122
de generalização de cultura (ilustrações, rádio, cinema, etc.), atraindo o grande público para os
museus, que é onde esse aproveitamento se fará em condições mais propícias. Em suma, cumpre em
nosso meio à extensão cultural nos museus cuidar dessa preliminar indispensável: criar e
desenvolver o hábito do museu.
7 — Tanto para essa função pedagógica, lato sensu; em relação ao grande público, como para a
função pedagógica, stricto sensu, de elaborar um ensino em função das peculiaridades de um
determinado museu, a extensão cultural precisa contar com um corpo de funcionários
especializados no ramo de conhecimentos aplicados que se poderia denominar de pedagogia dos
museus.
8 - Essa pedagogia dos museus se comporá de muitos dos novos preceitos da psicologia da
publicidade e propaganda, que, quando não desvirtuados a serviço político, estão cooperando para
diminuir a desfa-sização tão prejudicial à nossa época entre a educação e o progresso técnico da
atualidade.
9 — Essa pedagogia dos museus, capítulo era elaboração de interpsicologiaresultante flexível dos
dois conjugados Museu-Escola e Museu-Público, vemo-la modelada, em suas linhas gerais, pela
interação desses dois polos — o imediatisiao e o sistematismo — cada qual de per si extremado, e
que cumpre àquela pedagogia justamente conciliar.
10 — Para tanto, a extensão cultural nos museus, por intermédio de seus
funcionários especializados — e paralelamente às suas atividades provisoriamente empíricas —
procederá a inquéritos e demais formas de pesquisas psico-pedagógícas, que virão orientar as suas
atividades definitivas.
11-— Por enquanto, concluir sobre essas atividades definitivas é prejulgar resultados ainda
longínquos, é contrariar a natureza objetiva dos estudos que técnicos de educação irão realizar, sob
o controle imediato das direções dos museus e de órgãos especializados tais como o Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos.
12 — Assim integrados em sua ação presente e futura, os museus da Capital da República virão a
ser agentes ativos e oportunos de obra mais ampla — a democratização da cultura, democratização
essa que, em conclusão, julgamos ser, ao mesmo tempo, condição e finalidade essenciais da obra de
extensão cultural nos museus.
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