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Prefeitura Municipal de Olinda

Secretaria de Educação e Desporto


Diretoria de Educação Física, Esporte e Lazer

EDUCAÇÃO INTEGRAL E CURRÍCULO


Prática Pedagógica como Política
Romualdo Cavalcanti

A idéia de um “currículo vivo” torna-se inequívoca e transparente na concepção


de “cidade educadora”, implicam-se. Suas raízes no conceito de Educação
Integral reclamam um tratamento prático aos conhecimentos, o aprender fazendo
e o fazer aprendendo, ou, pelo menos, ver acontecendo o que se aprende, e
reclamam ao mesmo tempo uma vinculação ética; portanto, radicam sua
realização como política.

1. Introdução

A educação integral nasceu no interior de um movimento democrático, onde era ao


mesmo tempo a realidade mesma da democracia e sua estratégia de manutenção. Mas, ao longo
da história, notadamente a partir da modernidade, não mais num ambiente democrático, se
conforma como luta pela democracia, e, portanto, como intencionalidade explícita de instauração
da cidadania plena. A democracia como sabemos, nada tem de natural ou espontâneo, se realiza
por deliberação. Mas, se esta realização não prescinde da existência de indivíduos democráticos,
estes indivíduos não se formam sem democracia. Ou seja, “tais indivíduos não podem ser formados
senão em e por uma paideía democrática, que não cresce como uma planta, mas deve ser o objeto central
das preocupações políticas” (CASTORIADIS, 2002) 1. Esta paideía democrática que Castoriadis enfatiza é
o ambiente em que a democracia, a um só tempo, se realiza e dela se nutre. Nesta perspectiva, e
esta é outra importante ênfase do texto, a ação de governo revela-se de grande relevo. Trata-se,
pois, também, de uma política de governo, isto é, de uma abertura do governo à educação
integral. Mas esta política não deve ser apenas formal, figurando nos documentos e até mesmo na
lei, mas precisa ser uma prática, uma ação do governo movida pela intencionalidade de fazer valer
uma compreensão democrática da realidade, e, também, de sua necessidade social. Neste
contexto, a reconstrução do currículo escolar, deste plano estratégico que contém a ‘substância’
que preencherá uma educação integral, não pode ser senão parte constitutiva desta política.

Assim, sob o título Educação integral como política educacional será feito um rápido
levantamento a um só tempo histórico e conceitual da educação integral visando destacar além do
seu caráter político, explícito no tema, sua estreita ligação com a prática democrática; aqui, ainda,
veremos que a educação integral sofreu aproximações e afastamentos de princípios originais. O
tema Educação integral e currículo, igualmente de caráter histórico e conceitual, dará corpo a
considerações sobre a inter-relação dos conceitos e a dimensão prática de que se constitui. Em
seguida, se verificará em que ponto de desenvolvimento se encontra O Programa Mais Educação
e a Reconstrução Curricular de Olinda destacando suas interfaces, a necessidade e oportunidade
dos dois movimentos como política de governo. Por fim, se apresentará um conjunto de Propostas
de Encaminhamentos Técnicos e Políticos para a continuidade das ações.

1
CASTORIADIS, C. A democracia como procedimento e como regime. In: As encruzilhadas do labirinto IV – A ascensão da
insignificância. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 271.
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2. Educação Integral como política educacional

Educação integral na antiguidade

O conceito de educação integral remonta às origens da pedagogia. Atividade própria dos


sofistas na Grécia Antiga, em seu período democrático, tinha por base a idéia de que a pólis (a
cidade) é que educa e que educação (paideía) é práxis (exercício da cidadania) 2.

Sob a influência e atividade dos sofistas a paideía grega consolidou um caráter prático.
Foram estes “profissionais da educação do momento democrático grego” que conceberam e
praticaram a pedagogia cujo conteúdo se constituía no ‘saber unitário’. Criadores da cultura geral,
no programa de ensino dos sofistas a gramática, a dialética, a retórica, a aritmética, a geometria, a
ginástica, a música e a astronomia articulavam-se entre si, completando-se, formando um todo
unitário. Eles visavam à formação do homem integral, ou seja, o cidadão capaz de dirigir e ser
dirigido, e, portanto, visavam à ética como meio e fim do processo educacional que não prescindia
da prática, do exercício mesmo da cidadania.

Radicalizando o sentido político e defendendo a atualidade desta perspectiva original da


educação, C. Castoriadis destaca:
“Apenas a educação (paideía) dos cidadãos enquanto tais pode dotar o ‘espaço público’ de um
autêntico e verdadeiro conteúdo. Mas essa paideía não é, basicamente, questão de livros ou
verbas para as escolas. Ela consiste, antes de mais nada e acima de tudo, na tomada de
consciência, pelas pessoas, do fato de que a pólis é também cada uma delas, e de que o destino
da pólis depende também do que elas pensam, fazem e decidem; em outras palavras: a educação
é participação política” (CASTORIADIS, 2002) 3.

Educação integral na modernidade

A Educação Integral encontra-se também nas origens do projeto de Escola pública


moderno. A primeira lei de educação da República Francesa, em 19 de dezembro de 1793, foi
justificada por Gabriel Bouquier como prática de cidadania:
“... Cidadãos, as mais belas escolas, as mais úteis, onde a juventude pode receber uma educação
verdadeiramente republicana, são, não duvideis, as sessões públicas dos departamentos, dos
distritos, das municipalidades, dos tribunais e, sobretudo, das associações populares (…).
Conservemos preciosamente o que fizeram o povo e a Revolução; contentemo-nos de acrescentar
o pouco que falta para completar a instrução pública” (VALE, 2002) 4.
Embora não tenha sido esta a orientação que prevaleceu para o sistema educacional da
França Revolucionária, não deixa de ser o marco inicial moderno de reconhecimento do potencial
educativo de uma pólis democrática, e, portanto, do caráter político da educação.
Educação integral no Brasil: princípios da escola nova

Trazendo para perto de nós e mantendo o foco apenas sobre alguns dos importantes
momentos de defesa da Educação Integral, no Brasil da década de 1930 é lançado ao povo e ao
governo um documento assinado por 26 educadores, o qual se convencionou chamar de
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Para além da reivindicação de um sistema brasileiro
de educação pública e gratuita, o documento defende o “direito biológico de cada indivíduo à sua
educação Integral... para obter o máximo de desenvolvimento de acordo com suas aptidões vitais” como o
“princípio da escola para todos, ‘escola comum ou única’”. Esta escola
“deve ser uma comunidade em miniatura, e se em toda a comunidade as atividades manuais,
motoras ou construtoras ‘constituem as funções predominantes da vida’, é natural que ela inicie
os alunos nessas atividades, pondo-os em contato com o ambiente e com a vida ativa que os
2
Lílian do Vale. Os enigmas da educação; a paidéia democrática entre Platão e Castoriadis. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. (pp.
249-252)
3
C. Castoriadis. “A pólis grega e a criação da democracia”. In: As Encruzilhadas do Labirinto II – Domínios do Homem. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987, p.302.
4
Lílian do Vale. Os enigmas da educação..., op. cit. p.281. “Essa lei será modificada em 17 de novembro de 1794, pelo decreto de
reforma Lakanal, que, por sua vez, será substituído pela Lei Daunou, de 25 de outubro de 1795”.
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rodeia, para que eles possam, desta forma, possuí-la, apreciá-la e senti-la de acordo com as
aptidões e possibilidades”.
Junto a esta necessidade de colocar os alunos em contato com a vida ativa que os rodeia está o
reconhecimento de que “A educação... não se faz somente pela escola” e reivindica a associação da
escola com o conjunto de “instituições de educação e cultura” como “medidas de projeção social da
obra educativa além dos muros escolares”, sem prescindir das famílias dos alunos, “despertando ...o
espírito de cooperação social entre os pais, os professores, a imprensa e todas as demais instituições
diretamente interessadas na obra da educação” utilizando também “em seu proveito... todos os recursos
formidáveis, como a imprensa, o disco, o cinema e o rádio”. Por fim, não descuidando de explicitar o
caráter político da iniciativa, enfatiza que “as únicas revoluções fecundas são as que se fazem ou se
consolidam pela educação, e é só pela educação que a doutrina democrática... poderá transformar-se numa
fonte de esforço moral, de energia criadora, de solidariedade social...” (AZEVEDO et all, s/d) 5.
A escola como miniatura da comunidade

No final da década seguinte e início da década de 1950, Anísio Teixeira, um dos


eminentes signatários do citado Manifesto e enquanto Secretário de Educação do Estado da Bahia
implementa uma Escola-Parque em cujos princípios visam unir o saber ao fazer, formando alunos
para o trabalho e para a cidadania, experiência esta que inspirou diversas iniciativas de Educação
Integral no Brasil. Naquela escola a proposta pedagógica alternava atividades intelectuais com
atividades práticas de artes aplicadas, industriais e plásticas, além de jogos, ginástica, teatro,
música e dança distribuídas por todo o dia. Aqui é importante destacar uma diferenciação da
política original de sustentação da educação integral. Se, no que foi dito anteriormente, a cidade é
que educa, sendo a escola um de seus instrumentos, a escola-parque opera um movimento
inverso ao tentar trazer a cidade para dentro da escola.

A educação pela e para a cidadania

Já na década de 1960, Paulo Freire a partir de experiências de alfabetização nos Círculos


de Cultura Popular sistematiza uma pedagogia que tem nas práticas sociais, ou seja, na própria
realidade social do educando, a base de uma educação genuinamente popular, e se realiza num
processo que radicaliza o caráter político da educação. A concepção de educação em Paulo Freire
está ligada à idéia de emancipação. A partir desta concepção o conhecimento é produzido através
da experiência educacional que tem como referência a própria vida das camadas populares,
enquanto participantes da realidade social e cultural e para a transformação desta realidade pela
radicalização mesma da participação. Não fosse o Golpe Militar sofrido pelo Brasil em 1964,
aquelas experiências teriam dado lugar ao primeiro Programa Nacional de Alfabetização sob os
princípios de uma educação pela e para a cidadania.

Aprendizagem significativa - os princípios do construtivismo

É justo citar também o Construtivismo que tem lugar no Brasil a partir da década de 1980,
embora com uma penetração maior na rede privada de educação e, também, circunscrita ao
espaço escolar. Com base nas teorias de Piaget, Vygotsky, Walon e outros, para os quais o
conhecimento se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o
simbolismo humano, com o mundo das relações sociais, a educação construtivista trata o saber
como uma construção de cada indivíduo em suas relações consigo mesmo, com os outros e com
as coisas. Esta teoria do conhecimento se inscreve como uma defesa da educação integral na
medida em que dela decorre que a “educação deve ser um processo de construção de conhecimento ao
qual acorrem, em condição de complementaridade, por um lado, os alunos e professores e, por outro, os
problemas sociais atuais e o conhecimento já construído” (BECKER, 1994) 6. Como um “processo de
construção”, a aprendizagem acontece pelo “fazer, agir, operar, construir a partir da realidade vivida

5
F. Azevedo et all. A Reconstrução Educacional no Brasil - Ao Povo e ao Governo. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932).
Disponível em http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb07a.htm (acesso em 10/05/2008). As expressõesem destaque e sublinhadas, aqui
e no que segue, são grifos meus.
6
Fernando Becker. O que é construtivismo. In: Série Idéias, nº 20. São Paulo: FDE, 1994, p. 89. Disponivel em
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_20_p087-093_c.pdf (acesso em 11/05/2008).
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por alunos e professores” (BECKER, 1994) 7. Esta linha de pensamento é corroborada por estudos no
campo das neurociências e psicolingüística, com contribuições sobre o funcionamento das
funções psicológicas superiores, sobre o papel da emoção no processo de aprendizagem, sobre a
organização temporal própria de cada indivíduo, sobre a importância da aprendizagem significativa
(vivência concreta com o objeto de conhecimento) e dos sistemas expressivos que o indivíduo
desenvolve (meios de se expressar e de se comunicar), “compreendendo o conhecimento como parte
integrante da formação humana, o que inclui a dimensão ética da aquisição e uso desse conhecimento”
(LIMA, 2002) 8.

Se, por princípios, é inequívoca a filiação desta corrente de pensamento pedagógico ao


ideário de uma formação e educação integral, incluindo-se aqui a concepção de escola-parque
implementada por Anísio Teixeira e seus seguidores, suas práticas não ocorrem sem problemas.
Formação e educação integral é prática de cidadania e, portanto, práxis. Ou seja, é um processo
de apropriação e intervenção da e sobre a cidadania, respectivamente. O que fica mais nítido
nestas práticas é a apropriação do conhecimento contextualizado que qualifica os indivíduos para
um melhor aproveitamento pessoal da e na realidade social e política 9.

A política como dimensão incontornável da educação integral

Vimos, até aqui, nestes largos traços históricos, especialmente quanto ao Brasil, que a
educação integral não foi uma realidade concreta e plena, salvo a experiência grega se
condescendermos quanto às limitações da democracia naquele período clássico 10. Mas esta não
foi nem é uma questão de insuficiência teórica ou derrogação científica. Pelo contrário, nos
campos filosófico, sociológico e no âmbito da reflexão pedagógica a educação integral é
plenamente justificada, e, no campo científico tanto a epistemologia genética de Piaget quanto a
psicogenética de Walon, fundamentadas no desenvolvimento humano; bem como os estudos mais
recentes no âmbito das neurociências e psicolingüística, com importantes descobertas sobre o
funcionamento das funções psicológicas superiores, validam experiências educacionais na
perspectiva da formação integral.

A questão que se avulta como limitação sobre a concretude e plenitude da educação


integral é eminentemente política. No que segue veremos uma retomada da centralidade desta
dimensão da educação.

A educação integral hoje

A partir da década de 1990, experiências de educação integral vêem sendo construídas


também sob duas perspectivas que se tornam cada vez mais convergentes. Trata-se dos Projetos
Cidade Educadora e Bairro Escola que surgem, o primeiro a partir de um movimento internacional
que tem a política educacional desenvolvida na cidade de Porto Alegre / RS como principal
representante no Brasil, e o segundo, melhor sistematizado pela Associação Cidade Escola
Aprendiz, Organização Não-Governamental, que desencadeia um processo educacional no Bairro
da Vila Madalena em São Paulo, difundindo-se e inspirando políticas de governos municipais.

Projeto Cidade Educadora

Dizer que toda cidade é educativa é inevitável, mas,


“A cidade só será educadora quando reconhecer, exercitar e desenvolver, além de suas funções
tradicionais (econômica, social, política, e de prestação de serviço), uma função educadora,
quando assumir a intenção e responsabilidade cujo objetivo seja a formação, promoção e

7
Idem.
8
Elvira de Souza Lima. Ciclos de Formação: uma reorganização do tempo escolar. São Paulo: S107, 2002.
9
Isto é uma hipótese, na verdade, pois não sabemos de pesquisas com este foco, mas, parece-nos que o fato de ser um processo de
educação privado, seus resultados permanecem no e para o âmbito privado. Confirmada a hipótese, isto reitera a dimensão política da
educação como prática da e para a democracia.
10
Sabemos que a democracia grega no período clássico excluía mulheres, escravos e estrangeiros.
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desenvolvimento de todos os seus habitantes, começando pelas crianças e pelos jovens” (CARTA
DAS CIDADES EDUCADORAS, 1990) 11.

Analía Brarda e Guillermo Ríos ressaltam que para tornar-se educadora a cidade deve “envolver-
se num claro desenvolvimento estratégico” e destacam que “isso implica uma passagem que se leva
adiante a partir da vontade política, da participação cidadã e da construção de uma estratégia coletiva. Em
suma, trata-se fundamentalmente de uma decisão” (BRARDA e RÍOS, 2004) 12.

Na prática, esta decisão política se traduz na disponibilização de toda estrutura


administrativa da cidade para ações educativas dirigidas à população. Disponibilidade, aqui, é
intencionalidade explícita e realização de procedimentos especificamente educativos
concomitantemente a cada ação material e ou simbólica. É, portanto, uma decisão de governo e
implica, necessariamente, um caráter democrático para a gestão. Isto significa em termos práticos,
por exemplo, que a drenagem e ou limpeza de um canal num bairro qualquer vem acompanhada
de uma ação educativa que envolve a população em seu projeto, realização e manutenção; que as
escolas contam com o departamento de trânsito para deslocamento de alunos nas atividades em
espaços extra-escolares; que os equipamentos públicos são administrados sob o controle social
de Conselhos ou Colegiados compostos com a participação de seus usuários; enfim, e, sobretudo,
significa promover a articulação entre os diversos setores da administração nas ações, sem
prescindir da escuta e partilha de responsabilidades com a comunidade.

A cidade de Porto Alegre/RS, pioneira no Brasil a aderir ao Movimento das Cidades


Educadoras em 2001, investiu nesta direção desde a primeira gestão democrático-popular iniciada
em 1993 (GADOTI e PADILHA, 2004) 13 até sua substituição em 2004 e constitui um exemplo mais
consolidado. O principal suporte deste investimento político foi a instauração do Orçamento
Participativo / OP como uma forma de cidadania que permite ao cidadão protagonizar a gestão
publica. Concebido para democratizar a utilização do dinheiro público, o OP em Porto Alegre
terminou por se constituir num espaço de discussão sobre os mais diversos assuntos de interesse
da cidade. Ivan Boere Souza e Alberto Jomael Vilar consideram que “o OP de Porto Alegre passou a
influenciar a cultura da cidade, semeando um sentimento de cidadania que se imiscuiu nas mais diferentes
instâncias participativas”, e arriscam “a opinião de que a implementação do OP constituiu-se numa
passagem, num salto qualitativo de uma prática de cidade educativa para uma dinâmica de cidade
educadora” (SOUZA e VILAR, 2004) 14.

Esta dinâmica se expressa também na concepção e ação administrativa, entendidas em


sentido amplo. Defendendo que “a tarefa estratégica de uma administração popular não é
administrativa [e sim] pedagógica”, Alberto Jomael Vilar elenca e descreve trinta projetos de caráter
educativo do município de Porto Alegre. Aportados em onze programas envolvendo dezessete
unidades administrativas da cidade em 2004, os projetos situam-se nas áreas de cultura, meio
ambiente, segurança e trânsito, urbanismo e paisagismo, ecoturismo, direitos humanos, trabalho e
cidadania, saúde pública e esporte e lazer (VILAR, 2004) 15.

11
Carta das Cidades Educadoras – Declaração de Barcelona (1990). In Moacir Gadotti et all (orgs.). Cidade Educadora, princípios e
experiências. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire; Buenos Aires: Ciudades Educadoras América Latina, 2004, p. 146. Carta de
princípios básicos de uma cidade educadora, aprovada no I Congresso Internacional das Cidades Educadoras, realizado em Barcelona /
novembro de 1990. Atualmente, quinze cidades brasileiras são membros da Associação Internacional de Cidades Educadoras: Belo
Horizonte (MG), Campo Novo do Parecis (MT), Caxias do Sul (RS), Cuiabá (MT), Dourados (MS), Gravataí (RS), Jequié (BA), Montes
Claros (MG), Piracicaba (SP), Porto Alegre (RS), Santo André (SP), São Bernardo do Campo (SP), São Carlos (SP), São Paulo (SP) e
Sorocaba (SP). Fonte: www.edcities.bcn.es (acesso em 21/05/2008).
12
Analía Brarda e Guillermo Ríos. Argumentos e estratégias para a construção da cidade educadora. In Moacir Gadotti et all (orgs.).
Cidade Educadora, princípios..., op. cit. p. 30.
13
Moacir Gadotti e Paulo Roberto Padilha. Escola Cidadã, cidade educadora: projeto político-pedagógico e práticas em processo. In
Moacir Gadotti et all (orgs.). Cidade Educadora, princípios..., op. cit. p. 124.
14
Ivan Boere Souza e Alberto Jomael Vilar. Porto Alegre, cidade educadora – Construção de uma identidade de cidade educadora. In
Moacir Gadotti et all (orgs.). Cidade Educadora, princípios..., op. cit. p. 48.
15
Alberto Jomael Vilar. Porto Alegre e a prática cotidiana de Cidade Educadora. In Leslie Toledo et all (orgs.). Cidade Educadora: a
experiência de Porto Alegre. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire; Buenos Aires: Ciudades Educadoras América Latina, 2004 (pp.
73-81).
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No campo específico da educação escolar, o foco dos investimentos foi no envolvimento e
participação qualificada das comunidades escolares no processo educacional escolar da cidade.
Em 1998 Porto Alegre instala o Planejamento e Orçamento Participativo da Rede Municipal de
Ensino – OP/RME, articulado ao Congresso Municipal de Educação já instituído. Esta instância de
decisão distribui os recursos financeiros de cada região da cidade mediante eleição e classificação
dos projetos de cada unidade de ensino para o ano subseqüente. Sendo regionalizados os
recursos, muitas vezes as unidades de ensino eram levadas a formalizar projetos em conjunto
para conseguir um melhor aproveitamento do dinheiro e maior equalização dos resultados 16. A
partir de mecanismos regimentais aprovados em congresso a participação da comunidade de
cada escola é provocada e termina por instaurar um processo educativo significativo. Sérgio
Baierle, citado por Margane Folchini, constata a radicalidade política deste processo ao perceber
que “embora o OP/RME tenha como resultado a construção de uma solidariedade negociada é preciso
reconhecer que ele tem na multiplicação de conflitos uma de suas características constitutivas” referindo-
se à “dimensão solidária das práticas desenvolvidas pelas comunidades escolares ao formularem projetos
coletivos para atender a demandas comuns” (FOLCHINI, 2004) 17. Evidentemente que a instauração de
um processo participativo desta ordem implica uma consciência anterior do valor e necessidade de
democratização que se expressavam e continuaram se expressando na forma de administração
da educação escolar pelo poder público no plano do funcionamento interno das unidades de
ensino, no desenvolvimento curricular, na formação continuada dos professores, na atenção à
educação infantil e de jovens e adultos, etc., utilizando-se de conhecimentos construídos numa
perspectiva crítica e reflexiva que apontam permanente busca de superações.

Em que sentido o Projeto Cidade Educadora se configura em experiência de educação


integral? É nítido que o essencial desses esforços é fazer com que a cidade assuma sua parte de
responsabilidade com a educação e particularmente com a educação escolar, levando as
comunidades a participar da construção e realização dos projetos pedagógicos que envolvem
suas crianças e jovens e que ao mesmo tempo lhes dizem respeito. Está claro, também, que as
comunidades se envolvem elas próprias num processo educacional e que o protagonizam. É
difícil, pois, não reconhecer o ideário característico da educação integral nestes investimentos.

Nesta perspectiva, entretanto, a escola fica intocada na essência de desenvolvimento do


seu currículo. Mas, se é consenso que a escola sozinha não dá conta da educação, tampouco a
cidade, em nossos dias, dá conta da educação sem a escola. Já vimos também que não é
suficiente levar a cidade (em teoria) para dentro da escola, pois enfraquece senão esvazia o
sentido pleno da cidadania. É necessário então pensar uma via de mão dupla em que também a
escola participe da vida da cidade.

Projeto bairro-escola

A riqueza da experiência Bairro-Escola não é dizível em poucas palavras. Sua história,


sua realidade, suas dificuldades, seu êxito, enfim, seu desafio é melhor apreciável mais de perto,
em palavras de quem viu, sentiu e ou construiu a experiência. É imprescindível, entretanto,
conhecer o Bairro-Escola Aprendiz que se iniciou na Vila Madalena em São Paulo para perceber
uma via de possibilidade de educação integral, de uma educação democrática apesar de um
contexto não-democrático 18. Aqui, entretanto, consideraremos apenas um traço de sua história,
seus pressupostos e princípios norteadores, e duas estratégias-chaves construídas que dão uma
idéia consistente desta prática como prática de educação integral.

16
Valter Morigi. Breve comentário sobre Porto Alegre, uma cidade educadora. In Leslie Toledo et all (orgs.). Cidade Educadora: a
experiência..., op. cit. p. 26.
17
Margane Folchini. Porto Alegre, cidade educadora – Orçamento Participativo da Rede Municipal de Ensino. In Moacir Gadotti et all
(orgs.). Cidade Educadora, princípios..., op. cit. p. 51.
18
Isto é possível, pelo menos, através de dois pequenos livros: “Aprendiz de mim: um bairro que virou escola” de Rubem Alves,
editado em Campinas: Papirus, 2004; e “Bairro-Escola passo a passo” da Associação Cidade Escola Aprendiz, editado pelo MEC,
UNICEF, Prefeitura de Belo Horizonte, Prefeitura de Nova Iguaçu: Citygráfica Artes Gráfica e Editora, s/d, aos quais remetemos os que
ainda acreditam na educação, mas também, especialmente, aos que estão cansados ou deixaram de acreditar. O que segue, neste item,
tem por base estes textos.
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O Bairro-Escola Aprendiz surgiu das dificuldades de um projeto de inclusão digital que
veio de fora para dentro da escola e que dela saiu para a rua trazendo-a consigo. Em 1997 o
Jornalista Gilberto Dimenstein iniciou um projeto experimental no laboratório de informática do
Colégio Bandeirantes, onde os muitos problemas de diversas ordens impediram sua consolidação.
Porém, parte do programa desenvolvido era composta por atividades comunitárias: orientados por
professores das mais variadas matérias, os alunos faziam pesquisas sobre temas ligados aos
direitos e deveres e as publicavam numa página da Internet, e, também, atuavam como monitores
em escolas públicas da redondeza, compartilhando o que haviam aprendido levando tais escolas a
construírem suas próprias “home pages” pelos seus próprios alunos.
“O encontro entre prática e conhecimento gerava uma interessante combustão de aprendizado,
levando os adolescentes a ultrapassar os muros escolares. (...) criamos uma redação-escola com
alunos de escolas públicas e privadas... Era um pequeno laboratório de educação pela
comunicação, baseado na concepção de protagonismo juvenil – o jovem deveria ser ator e não
apenas espectador. Além disso, eles faziam as mais diversas conexões com o cotidiano, cruzando
as áreas de conhecimento, sobretudo língua portuguesa, história e estudos sociais...”
(DIMENSTEIN, 2004) 19.

Em 1998, já como Associação Cidade Escola Aprendiz (ACEA), o endereço que passou a abrigar
a experiência era uma antiga oficina de cerâmica, em frente a um beco e uma praça abandonada,
construída sobre um córrego canalizado, cheio de lixo e vitima de enchentes, além do que eram
freqüentados por traficantes e moradores de rua que afastavam os demais moradores. A
recuperação dos espaços deteriorados da Vila Madalena foi um dos primeiros desafios assumidos
pela Cidade Escola. No início, os mosaicos com azulejos e bolas de gude, criados por artistas
plásticos nos muros, foram logo depredados pela comunidade. Mas, “Como quem ensina também
aprende, logo em seguida a Cidade Escola Aprendiz começou a envolver as crianças e adolescentes da
comunidade no plano de recuperação dos espaços...”. Criações coletivas começaram a dar lugar às
obras depredadas e novas obras foram realizadas com a participação dos moradores. “O diálogo
com a comunidade surtiu os efeitos esperados e os mosaicos e bolas de gude, colocados a partir de então,
continuam estampados nos muros e equipamentos públicos ”. Segundo os autores da experiência, com este
processo de educação e re-signficação dos espaços públicos, outros atores se envolveram e
muitos espaços comerciais passaram a abrir suas portas para a comunidade, “transformando-se em
verdadeiras salas de aula”. A localidade mudou; totalmente revitalizada e cada vez mais atraente,
novos projetos e espaços educativos foram se somando: “o Café Aprendiz, a Praça Aprendiz das
Letras e o beco escola com seus imensos painéis de grafite”. As ações foram se expandindo pela
própria iniciativa das crianças e jovens com seus educadores e as aulas passaram a acontecer
inclusive em locais inusitados como bufês, ateliês de artesãos, estúdios e restaurantes. Acordos
com médicos e terapeutas foram firmados dando suporte ao desempenho das crianças.

“Seguindo sua própria trilha”, aprendendo com os próprios erros, mas fundada em firmes
idéias transformadoras, a experiência foi se consolidando no mesmo passo em que “foi
desenvolvendo o conceito de bairro-escola, um novo modelo de gestão de potencialidades educativas, que
busca transformar toda a comunidade em extensão da escola, trançando o processo de ensino-aprendizado
à vida cotidiana” (ACEA, s/d) 20.

Este é apenas um pequeno fragmento da história e da idéia Bairro-Escola. Hoje, como


experiência consolidada, tem sistematizado seus pressupostos e princípios, que passamos a
transcrever. Antes, porém, importa notar que a ACEA vem atuando também com a formação de
educadores comunitários e gestores, apoiando com isto a multiplicação da experiência e
inspirando políticas educacionais de vários municípios brasileiros, tendo sido, inclusive, uma das
bases para a construção do Programa Mais Educação do Governo Federal.

O conceito de Bairro-Escola baseia-se em dois pressupostos: 1) O ato de aprender é o ato de se


conhecer e de intervir em seu meio; 2) A educação deve acontecer por meio da gestão de parcerias,

19
Rubem Alves. “Aprendiz de... op. cit. pp. 69-70. Nesta parte do livro Rubem Alves descreve as exatas palavra de Gilberto Dimenstein
em entrevista.
20
Associação Cidade Escola Aprendiz. Bairro-Escola passo a passo. MEC, UNICEF, Prefeitura de Belo Horizonte, Prefeitura de Nova
Iguaçu: Citygráfica Artes Gráficas e Editora, s/d, p. 07.
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envolvendo escolas, famílias, poder público, empresas, organizações sociais, associações de bairro e
indivíduos capazes de administrar as potencialidades educativas da comunidade.

Os princípios adotados para implementar o Bairro-Escola são: 1) apostar nas riquezas


comunitárias e fortalecer o que já existe, através de um permanente trabalho de mapeamento investigativo;
2) Identificar um foco geográfico delimitado e revitalizar constantemente o seu espaço público,
demonstrando que uma nova cidade se torna possível através da educação; 3) avaliar e sistematizar
periodicamente o modelo de gestão, tornando-o mais eficiente; 4) Construir alianças nos mais variados
níveis e com diferentes atores, incluindo as três esferas de governo, o empresariado, as organizações
sociais, as universidades e, principalmente, as crianças e jovens, agentes beneficiários dessas mudanças; 5)
Entrar nas escolas para aprender e desenvolver inovações pedagógicas junto com os professores, formando
com eles um grande “consórcio de vontades”; 6) Enfatizar o papel da educação na formação de indivíduos
autônomos e solidários e a importância da escola como parte de um processo de aprendizagem que acontece
ao longo de toda a vida; 7) Sensibilizar lideranças comunitárias e desenvolver entre elas um olhar
educativo, capaz de atender às demandas do aprendizado permanente (ACEA, s/d) 21.

Por fim, vale à pena apresentar duas importantes instituições estratégicas inventadas na e
pela experiência Bairro-Escola, que marcam significativamente seu caráter de educação integral.
Trata-se das Trilhas Educativas e do Educador Comunitário, políticas de grande peso para o
desenvolvimento do processo. Nas palavras de seus próprios criadores:

Trilhas educativas são percursos pelos quais o processo pedagógico se estende,


extrapolando a sala de aula e incluindo praças, parques, ateliês, becos, estúdios,
oficinas, empresas, museus, teatros, cinemas, parques, centros esportivos, bibliotecas,
livrarias, entre outros. O conceito, criado pela Cidade Escola Aprendiz, pressupõe que
o aprendizado pode acontecer em qualquer lugar.

O educador comunitário é peça-chave na implantação de uma proposta de educação


comunitária como o bairro-escola. Trata-se de um articulador educacional capaz de
fazer a ponte entre a escola e seu entorno (ACEA, s/d) 22.

Parece-nos claro que a experiência bairro-escola realiza o que preceitua a educação


integral. É uma prática de educação comunitária; uma política em que atores movidos pela
intenção de mudar a realidade social se associam aos atores do contexto visado para, num
movimento coletivo, pensar, decidir, realizar e realizar-se nesta mesma realidade. Este movimento
não prescinde da escola, pelo contrário, conquista este espaço para o desenvolvimento de um
currículo real, prático, conectado com o pensamento e sentimento coletivo da comunidade.

Dissemos acima que o Projeto Bairro-Escola trouxe a escola para a rua. Isto significa uma
intervenção da sociedade civil sobre um espaço gerido pelo poder público (ou privado, no caso
das escolas privadas) para uma ação no âmbito da sociedade como um todo. Mas este não é um
movimento necessário, pelo contrário, na cidade de Nova Iguaçu no Rio de Janeiro o poder
público municipal operou, a partir de 2006, o inverso. No período complementar ao turno regular
das escolas municipais, crianças e adolescentes participam de atividades educacionais no entorno
da escola e toda a comunidade é chamada a participar do processo 23. O mesmo se deu na cidade
de Belo Horizonte que iniciou a experiência sob os princípios do Projeto Cidade Educadora no
qual o município coordena a Rede Territorial Brasileira da Associação Internacional das Cidades
Educadoras. “O poder público municipal é o grande articulador da Escola Integrada. ‘Se o governo local e sua
equipe não comprarem a idéia... não tem como implantar esse programa’, afirma Fernando Pimentel 24... ‘porque
isso é um desafio para todo mundo’” 25. Nestas experiências as “trilhas educativas” são vinculadas ao

21
Idem, p. 08.
22
Idem, p. 09 e 10.
23
Associação Cidade Escola Aprendiz. Bairro-Escola passo... op. cit. pp. 41-43.
24
Atual Prefeito da cidade de Belo Horizonte.
25
Associação Cidade Escola Aprendiz. Bairro-Escola passo... op. cit. p. 44.
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programa escolar, cujo projeto, aliás, pelo menos em Nova Iguaçu, é requisito para a contratação
do “Educador Comunitário”.

3. Educação Integral e currículo

A idéia de um currículo tal como em sua acepção hodierna, num contexto de educação
integral, torna-se concebível somente a partir do surgimento da escolarização. A reflexão sobre
educação integral é em si uma reflexão sobre “currículo”, no sentido de que significa pensar em
quais conhecimentos são necessários e como serão trabalhados no processo de formação do
cidadão em seu contexto, mas, guia este processo não o conteúdo ou o método e sim o princípio
democrático que lhe é essencial. A recíproca, porém não é verdadeira e a reflexão sobre currículo
se dá, em suas origens, dissociada da educação integral. O conceito de currículo surge sob a
ordem da racionalização, sistematização e controle da escola, paralelamente aos interesses de
regulação social. Assim, importa considerar esta história, apreender como se deu a “re-ligação”, se
assim podemos dizer, entre os conceitos, e o que, a partir daí, também passou a significar
currículo.

A noção de currículo surgiu nos meados do século XVI na seqüência do surgimento da


escolarização (sec. XIII) e das classes como divisões graduadas em níveis de complexidade
crescente de acordo com a idade e o conhecimento adquirido pelos estudantes (sec. XV), ao que
se seguiu o surgimento das salas de aula para grupos de alunos de uma mesma classe e um ou
mais professores (sec. XIX). Segundo David Hamilton (1992) 26, este conjunto estruturador da
educação escolar chegou aos nossos dias em razão da confluência de vários movimentos sociais
e ideológicos que, em síntese, respondiam a interesses cada vez mais sofisticados de ordem e
regulação social, mas também, mais enfaticamente a partir da Revolução Industrial, a interesses
econômicos.

De que modo as novas instituições se afinavam a estes interesses? A escolarização 27,


ligada ao advento medieval do planejamento e desenvolvimento de aparatos administrativos,
passou a visar à formação de pessoal que se ajustasse nas “estruturas de governo centralizado
que continuamente se desenvolviam”. Neste contexto a igreja desenvolvia uma política
permanente em torno do controle político e econômico da época 28. Assim, as escolas formavam
principalmente bispos e padres 29 que davam suporte às campanhas políticas da igreja. Na esteira
da igreja, os mercadores medievais adotaram também a escolarização. “Eles viam a educação como
investimento – um meio de gerir (e expandir) seu capital social... permitia-lhes adquirir novas habilidades... novas
disposições... que davam a sua progenitura uma vantagem nos mundos interligados do negócio e do casamento 30.
31
Além disso, já no início do sec. XVI, os calvinistas , mas também em menor escala os luteranos,

26
David Hamilton. Mudança social e mudança pedagógica: a trajetória de uma pesquisa histórica. In: Teoria e Educação nº 6. Porto
Alegre: Pannonica, 1992, pp. 03-32; e Sobre as origens dos termos classe e curriculum. In: Teoria e Educação nº 6. Porto Alegre:
Pannonica, 1992, pp. 33-52.
27
Existiam escolas antes do século XIII, mas o sentido de escolarização dado por David Hamilton corresponde à produção de
“aprendizagem... moldada por modos de ensino formalizados e institucionalizados... sempre que haja evidência de pessoal educacional
distintivo (ex. professores), instrumentos educacionais distintivos (ex. livros-textos) e instalações educacionais distintivas (ex. escolas)”.
(Mudança social e... op. cit. p. 15). Uma passagem desta argumentação é bastante elucidativa: “Escolas catedralícias anteriores (p. ex.
Chartres) compreendiam um círculo de discípulos que, reunidos em torno de um influente líder (p. ex. Bernardo de Chartres), se
dedicavam ao exame e à interpretação de textos religiosos. De fato, o movimento filosófico principal da Idade Média – o escolasticismo
– deve seu nome a essas escolas. (idem, p. 16).
28
“O pano de fundo geral para essas inovações na educação e na estrutura do governo parece ter sido uma jogada, por parte da
igreja, pelo controle político (e econômico) sobre a autoridade fragmentada dos soberanos feudais da Europa Ocidental”. Idem, p. 15.
29
“As escolas catedralícias mais recentes, entretanto, tinham uma missão educacional menos elevada. Seus produtos eram não tanto
filosófos quanto oficiais de campo (p. ex. bispos) e tropas (p. ex. padres de paróquia) treinados para supervisionar as ‘linhas de frente’
das campanhas políticas da igreja. A partir dessas mudanças no propósito educacional adveio um novo significado para ‘schola’:
enquanto as escolas anteriores eram freqüentadas por ‘discípulos’, as novas escolas catedralícias eram freqüentadas por uma tradução
alternativa de ‘discipuli’ – ‘pupils’ (aluno)”. (idem, p. 16).
30
Idem, p. 17.
31
Defensores das idéias e doutrinas de João Calvino (1509-1564), teólogo e reformador cristão, um dos grandes nomes da Reforma
protestante.
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praticavam a escolarização a partir de pressupostos de eficiência sob rigorosa disciplina 32. Tais
desenvolvimentos implicaram gradualmente em mudanças na organização e administração, mas
também na arquitetura dos locais, o que veio a dar origem às escolas modernas.

A instituição das classes pode parecer dar origem a um conceito inocente, mas esteve
igualmente ligada a interesses de controle administrativo da escola e disciplinar dos escolares não
simplesmente de âmbito interno, mas também de alcance social. A escola primariamente medieval
era uma relação educacional na qual um professor reunia em torno de si, num tratamento
individualizado, um grupo de escolares. Esta organização sofreu, de forma gradual e difusa, uma
substancial alteração do seu perfil, em resposta aos interesses dominantes, constituindo divisões
internas que deram origem às classes. Existem argumentos de que a subdivisão interna das
escolas resultou de necessidades gerenciais em função do aumento de demanda, mas, para além
disso, as classes evidenciaram, não por acaso, “um foco muito mais nítido aos vínculos entre
escolarização e controle burocrático, e à relação entre a escolarização e o estado” (HAMILTON, 1992) 33.
Esta evidência aparece na sucessão de intervenções da igreja e dos governos sobre os antigos
Colégios 34, sobre o exercício dos mestres e suas atribuições 35, sobre a função e abrangência da
universidade 36, em consonância com as medidas de regulação social.

A adoção das classes, entretanto, “trouxeram problemas de articulação interna”, vindo a


ser o currículo a solução encontrada ao longo do tempo.

mas não no sentido de ordenação, organização e controle prévio dos conhecimentos e das
experiências do educando; mas a recíproca

O termo currículo em sua acepção hodierna mais comum, isto é, como conhecimento
escolar e experiência de aprendizagem.

Segundo Tomaz Tadeu da Silva e Antonio Flávio B. Moreira o currículo passou a se


constituir num campo de estudos no início do século passado 37

É difícil imaginar que Protágoras, um dos mais conceituados educadores da Grécia Antiga, saísse
de casa com um plano de aula formulado a partir de um currículo prescrito para educar seus
discípulos. Do mesmo modo, Paulo Freire não se dirigia aos cidadãos reunidos nos círculos de
cultura com um discurso pronto formulado na noite anterior.
32
“Se a igreja medieval tinha adotado a escolarização meramente para disciplinar seu quadro de professores e pregadores, os
calvinistas (e em alguma medida, os luteranos) começaram a usar a escolarização para um propósito político mais amplo – a
disciplinação da população em geral”. Idem, p.18.
33
David Hamilton. Sobre as origens... op. cit. p. 41.
34
Em suas origens os colégios eram casas que forneciam acomodações para escolares pobres e, embora desvinculados da igreja,
adotavam disciplina e regras comparáveis. Com o tempo passaram a oferecer ensino e admitir pensionistas e outros estudantes que
pagavam taxas. Com mais dinheiro e maior influência os colégios, entretanto, enfrentavam severas críticas quanto à disciplina, menos
rigorosa ou não aplicada aos novos clientes. Esta situação culmina com a perda de autonomia do chanceler, dos professores e dos
colégios para o controle de autoridades do governo e da igreja. Com mais organização, tornam-se grandes escolas diárias regimentadas
pela freqüência e progressão dos estudantes, e, onde havia “administração colegiada” surgia um “sistema autoritário”, onde havia
“comunidade de mestres e alunos” surgiam “gerências dos alunos pelos professores” (David Hamilton. Sobre as origens... op. cit. p. 38).
35
O consórcio entre alunos e professores da primária escola medieval, aos poucos, se transforma, em instituições a serviço do poder
constituído (governo e igreja) ao não resistir à pressão legal e às benesses concedidas pelo poder eclesiástico. “Após 1219 [por exemplo]
os mestres obtiveram um privilégio papal: o direito de conferir licenças de ensino que tinham validade eclesiástica e civil em todo o
domínio papal”, resultando ao final no “aumento da produção de administradores civis e eclesiásticos” (idem, p. 36-37).
36
A universidade medieval, em alguns casos resultantes do desenvolvimento e expansão das catedrais ou escolas eclesiásticas, era uma
extensão dos colégios para os estudantes maduros e perderam também, ao longo do tempo, sua independência: “A autonomia local [da
universidade] – permitida dentro de regras fornecidas por uma autoridade distante – foi substituída por formas hierárquicas de
controle concebidas para servir às necessidades do ‘estado’ nacional [no caso a França do sec. XIII, cuja universidade de Paris tinha
status internacional]” (idem, p. 37-39).
37
Tomaz Tadeu da Silva e Antonio Flávio B. Moreira. Sociologia e teoria crítica do currículo: uma introdução. In: Cultura, currículo e
sociedade. São Paulo: Cortez, 2001 (p. 11).
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Lucíola Licínio de C. P. Santos


Tomaz Tadeu da Silva
Antonio Flávio Barbosa Moreira
T. S. Popkewitz
Basil Bernstein
Jean-Claude Forquin
David Hamilton
Philippe Perrenoud
“Infelizmente, há um abismo entre o idealismo de Morin – do qual compartilho – e o estado de nosso planeta e as relações
de forças, tanto em escala mundial quanto no âmbito de cada país. Por isso, ainda que frisemos o vínculo entre a política e
as finalidades da educação, por um lado, e as competências dos professores, por outro, não nos parece útil ampliar a lista
das características de uma escola ideal até chegar a um no man’s land, onde a liberdade de expressão equivalha à
ausência de poder.
O que será colocado em prática depende da luta política e dos recursos econômicos. Mesmo no caso de nos dirigirmos a
uma sociedade planetária dominada por algumas grandes potências, as finalidades da educação continuam sendo uma
questão nacional. O pensamento e as idéias podem atravessar fronteiras, mas os brasileiros é que definirão as finalidades
da escola no Brasil e, conseqüentemente, formarão seus professores. A questão é saber se o farão de forma democrática
ou se a educação continuará sendo, como na maioria dos países, um instrumento de reprodução das desigualdades e de
sujeição das massas ao pensamento dominante”. (PERRENOUD, P. e THURLER, M. As competências para ensinar no
século XXI – A formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 13).

“As faculdades de medicina estão passando por uma revolução em diversos países. Tradicionalmente, nessa área, durante
anos os estudantes acumulavam conhecimentos teóricos, sem qualquer ligação com casos clínicos, e depois passavam
anos como médicos residentes em um hospital, com poucos aportes teóricos estruturados.
A aprendizagem por problemas induz a outro tipo de currículo totalmente diferente; desde o início, os estudantes são
confrontados com casos clínicos: primeiramente, simples e no papel, e, posteriormente, mais complexos e relativos a
casos reais. Diante desses problemas, eles tomam consciência dos limites de seus recursos metodológicos e teóricos, e
isto faz com que surjam as necessidades de formação. A partir daí, eles podem partir em busca de conceitos, teorias ou
ferramentas para retomar o problema a ser resolvido com mais recursos. Nesse caso, os aportes teóricos e metodológicos
passam a ser respostas, no sentido de John Dewey, o qual afirmava que seria ideal que toda aula fosse uma resposta”.
(PERRENOUD, P. e THURLER, M. As competências para ensinar no século XXI – A formação dos professores e o desafio
da avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 21).

“... O sistema de ensino está preso, desde o surgimento da forma escolar, a uma tensão entre os que querem transmitir a
cultura e os conhecimentos por si e os que querem, nem que seja em visões contraditórias, ligá-los muito rapidamente a
práticas sociais”. (PERRENOUD, P. Construir competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999. p. 14).

“Aceitar uma abordagem por competências é, portanto, uma questão ao mesmo tempo de continuidade – pois a escola
jamais pretendeu querer outra coisa – e de mudança, de ruptura até – pois as rotinas pedagógicas e didáticas, as
compartimentações disciplinares, a segmentação do currículo, o peso da avaliação e da seleção, as imposições da
organização escolar, a necessidade de tornar rotineiros o ofício de professor e o ofício de aluno têm levado a pedagogias e
didáticas que, às vezes, não contribuem muito para construir competências, mas apenas para obter aprovação em
exames... Desse modo, a inovação consistiria não em fazer emergir a idéia de competência na escola, mas sim em aceitar
‘todo programa orientado pelo desenvolvimento de competências, as quais têm um poder de gerenciamento sobre os
conhecimentos disciplinares’” (PERRENOUD, P. Construir competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999. p.
15).

“As competências, no sentido que será aqui utilizado, são aquisições, aprendizados construídos, e não virtualidades da
espécie” (idem, p. 21).

“Construir uma competência significa aprender a identificar e a encontrar os conhecimentos pertinentes. Estando já
presentes, organizados e designados pelo contexto, fica escamoteada essa parte essencial da transferência e da
mobilização” (idem, p. 22). Ou seja, os conhecimentos pertinentes não devem estar contidos na ação esperada para a
demonstração da competência, pois se assim for, os alunos não operarão uma mobilização e transferência dos
conhecimentos para exercer a competência (a citação acima evoca um caso de compreensão das trocas respiratórias
mediante exercício físico).

“É na possibilidade de relacionar, pertinentemente, os conhecimentos prévios e os problemas que se reconhece uma


competência” (idem, p. 32).

“Toda competência está, fundamentalmente, ligada a uma prática social de certa complexidade” (idem, p. 35).

“Se as competências serão formadas pela prática, isso deve ocorrer, necessariamente, em situações concretas, com
conteúdos, contextos e riscos identificados” (idem, p. 39).

Construir competências “não é uma simples questão de motivação ou de sentido, mas sim uma questão didática central:
aprender a explicar um texto ‘para aprender’ não é aprender, exceto para fins escolares, pois existem tantas maneiras de
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explicar ou de interpretar um texto quantas perspectivas gramaticais. Se esse aprendizado não for associado a uma ou
mais práticas sociais, suscetível de ter um sentido para os alunos, será rapidamente esquecido, considerado como um dos
obstáculos a serem vencidos para conseguir um diploma, e não como uma competência a ser assimilada para dominar
situações de vida” (idem, p. 45).

“O sistema educacional só pode formar em competências desde a escola se a maioria dos professores aderirem livremente
a essa concepção de sua tarefa. Mais do que nunca, os programas só podem conformar e acompanhar a evolução das
mentes” (idem, p. 52).

Nilson José Machado


“(...) A subversão das funções das disciplinas, com a transformação de meio em fim, é uma corrupção moderna da idéia
original.
De fato, é mais modernamente, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, que o entusiasmo pelas ciências
físicas e naturais e pelos seus frutos tecnológicos passou a sinalizar no sentido de estudar ciência, fazer ciência constituiria
um valor em si. Ocorre, então, um certo descolamento entre o conhecimento chamado de “científico” (o que,
rigorosamente, seria um pleonasmo vicioso) e o conhecimento em sentido amplo, com a conseqüente superestimação de
uma forma de conhecer, a “científica”. Aos poucos, o processo de fragmentação do conhecimento caminhou no sentido da
crescente subdivisão da própria ciência em múltiplas disciplinas e a supervalorização do conhecimento disciplinar. E, se a
palavra “cientista” foi utilizada pela primeira vez apenas na segunda metade do século XIX, associando-se a Da Vince,
Galileu, Newton, Leibniz ou a tantos estudiosos, à idéia de um conhecimento não-fragmentado, que não separava
nitidamente a arte da filosofia, ou do corpo da mente, a idéia de formação de ‘especialistas’ em disciplinas como a
matemática, a física, a biologia, ou mesmo subdisciplinas no interior de cada uma dessas é, com certeza, muito mais
recente”. (MACHAD0, N. Sobre a idéia de competência. in: PERRENOUD, P. e THURLER, M. As competências para
ensinar no século XXI – A formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 137).

“... a organização da escola é, e continuará a ser, marcadamente disciplinar; os professores são, e continuarão a ser,
professores de disciplinas, não havendo qualquer sentido na caracterização de um professor de ‘competências’. No
entanto, urge uma reorganização do trabalho escolar que reconfigure seus espaços e seus tempos, que revitalize os
significados dos currículos como mapas do conhecimento que se busca, da formação pessoal como a constituição de um
amplo espectro de competências e, sobretudo, do papel dos professores em um cenário onde as idéias de conhecimento e
de valor encontram-se definitivamente imbricadas”. (MACHAD0, N. Sobre a idéia de competência. In: PERRENOUD, P. e
THURLER, M. As competências para ensinar no século XXI – A formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto
Alegre: Artmed, 2002. p. 139).

“... competências representam potenciais desenvolvidos sempre em contextos de relações disciplinares significativas,
prefigurando ações a serem realizadas em determinado âmbito de atuação” (idem, p. 144).

“(...) As competências constituem, portanto, padrões de articulação do conhecimento a serviço da inteligência. Podem ser
associadas aos esquemas de ação, desde os mais simples até às formas mais elaboradas de mobilização do
conhecimento, como a capacidade de expressão nas diversas linguagens, a capacidade de argumentação na defesa de
um ponto de vista, a capacidade de tomar decisões, de enfrentar situações problema, de pensar sobre e elaborar
propostas de intervenção na realidade” (idem p. 146).

“... Os alunos precisam ser estimulados para estudar a matéria em função de seus interesses, de seus projetos. (...) Na
escola básica, portanto, nenhum conhecimento deveria justificar-se como um fim em si mesmo: as pessoas é que contam,
com seus anseios, com a diversidade de seus projetos. Assim como um dado nunca se transforma em informação se não
houver uma pessoa que se interesse por ele, que o interprete e que lhe atribua um significado, todo conhecimento do
mundo “não vale um tostão furado” se não estiver a serviço da inteligência, ou seja, dos projetos das pessoas”. (idem, p.
146).

“... Não é grave haver um aluno do ensino médio que não sabe calcular a área de um quadrado, se ele é competente para
aprender tal cálculo no momento em que o desejar; o que é grave é haver alunos que não sabem calcular a área de um
quadrado, nem querem saber.
A tarefa mais fundamental do professor, portanto, é semear desejos, estimular projetos, consolidar uma arquitetura de
valores que os sustentem e, sobretudo, fazer com que os alunos saibam articular seu projeto pessoal com os da
coletividade na qual se inserem, sabendo pedir junto com os outros, sendo, portanto, competentes” (idem, p. 154).

Rcanti (reflexão sobre o texto de Machado)


Existe um pequeno detalhe que se esquece quando se defende as competências curriculares; tal detalhe pode significar
muito: nós, que fomos formados sob regimes diversos e cumprindo currículos por objetivos, por conteúdos, por projetos,
alternativos, etc., conseguimos enxergar as competências, hoje, como significativo conceito capaz de mudar o ensino, mas
não precisamos ser formados pelo currículo das competências para enxergar assim.
O conceito original de cidadania é mais fecundo. Conjuga conhecimento com responsabilidade social; ação e ética. Isto
não é aprendido sob o foco da organização curricular, mas sob a orientação ética do ensino e da vivência sob valores
eticamente orientados.
Isto não significa uma derrogação do valor do ensino por competências, na medida em que este ensino se aproxima mais
do exercício da cidadania, entretanto, não é tudo.

A Educação Integral constitui ação estratégica para garantir atenção e desenvolvimento integral às crianças, adolescentes
e jovens, sujeitos de direitos que vivem uma contemporaneidade marcada por intensas transformações e exigência
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crescente de acesso ao conhecimento, nas relações sociais entre diferentes gerações e culturas, nas formas de
comunicação, na maior exposição aos efeitos das mudanças em nível local, regional e internacional. Ela se dará por meio
da ampliação de tempos, espaços e oportunidades educativas que qualifiquem o processo educacional e melhorem o
aprendizado dos alunos. Não se trata, portanto, da criação ou recriação da escola como instituição total, mas da implicação
e da articulação dos diversos atores sociais que já atuam na garantia de direitos de nossas crianças e jovens na co-
responsabilidade por sua formação integral.
Fica definido que as atividades a serem desenvolvidas para implementação da Educação Integral deverão ser
coordenadas por um professor comunitário, vinculado à escola e os custos dessa coordenação, com aumento da carga
horária de 20 para 40 horas semanais, refere-se à contrapartida a ser oferecida pela escola.

“o objetivo da política é o desafio de "criar instituições que, interiorizadas pelos indivíduos, facilitem ao máximo seu acesso
à sua autonomia individual e à sua possibilidade de participação efetiva em todo poder explícito existente na sociedade"
(CASTORIADIS, 1992:148 – Poder, Poítica, Autonomia. As Encruzilhadas do Labirinto 3 – o mundo fragmentado. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1992).

“a política é a ‘atividade coletiva explícita que pretende ser considerada lúcida (refletida e deliberada), tendo como objeto a
instituição como tal’ (idem, 1992:136 - Poder, Poítica, Autonomia. As Encruzilhadas do Labirinto 3 – o mundo fragmentado.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992).

“Aristóteles, como foi dito, ‘descobriu’ a economia; mas a economia não lhe interessa como tal e em si mesma. Nos dois
casos em que dela fala – o Quinto Livro da Ética a Nicômaco, o Primeiro Livro da Política – considera-a na perspectiva de
uma ‘ciência ou poder fazer’ (epistémé é dunamis) que a ultrapassa e a domina do alto: a política que é ‘a mais soberana e
a mais arquitetônica’, que visa ‘o bem e o bem supremo’, isto é, ‘esse fim (telos) do que há a fazer (tôn praktôn) que
queremos em si mesmo’ e não como meio de outra coisa. É à política que estão subordinados os mais preciosos poder-
fazer, como a estratégia, o econômico, a retórica; é ela que estabelece, mediante as leis, o que se deve fazer e não fazer.
Seu fim deve, pois, conter e a si subordinar todos os outros fins e é isso mesmo, ‘o bem humano’ (tanthropinon agathon).
Quaisquer que sejam as dificuldades que cercam a questão de saber se e em quais condições o bem para o indivíduo
coincide com o bem para a cidade, não há dúvida para Aristóteles de que a ética – e infinitamente mais o ‘econômico’ –
está contida na política e dela faz parte. A Ética a Nicômaco afirma de uma vez que a pesquisa que vai ser empreendida é,
em seu objetivo e em seu método, ‘de alguma forma política’ (politiké tis)” (CASTORIADIS, 1987-286: Valor, Igualdade,
justiça, política de Marx a Aristóteles e de Aristóteles até nós. As Encruzilhadas do Labirinto 1, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1987).

“Julgar e escolher, no seu sentido mais radical, foram atitudes criadas na Grécia; é este um dos sentidos da criação grega
da política e da filosofia. Entendo por política não intrigas de corte, nem lutas entre grupos sociais que defendem seus
interesses ou posições (coisas que ocorreram em outros lugares), mas uma atividade coletiva cujo objetivo é a instituição
da sociedade enquanto tal (...) Tal como a atividade política na Grécia rapidamente desemboca na quastão ‘o que é a
justiça em geral?’, e não apenas se ‘esta lei particular é boa ou má, justa ou injusta?’, também a interrogação filosófica
desemboca com igual rapidez na questão ‘o que é a verdade?’, e não simplesmente se ‘é verdadeira esta, ou aquela,
representação do mundo?’ E estas duas questões são questões autênticas – vale dizer, questões que devem permanecer
para sempre em aberto (...) ...Kant resumiu os interesses do homem. Quanto às duas primeiras: o que posso saber? o que
devo fazer?, a discussão (interminável) começa na Grécia, mas não existe nenhuma ‘resposta grega’. Contudo, para a
terceira questão – o que me é permitido esperar? – há uma resposta grega clara e precisa, e é um sólido e retumbante
nada. E há toda a evidência de que é essa a melhor resposta...” (CASTORIADIS, C. A polis grega e a criação da
democracia. As encruzilhadas do labirinto 2 – os domínios do homem. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, PP. 290-291).

“Política: o questionamento das instituições estabelecidas. Filosofia: o questionamento das idola tribus, das representações
coletivamente aceitas” (CASTORIADIS, C. A democracia como procedimento e como regime. As encruzilhadas do labirinto
4 – A ascensão da insignificância. São Paulo. Paz e Terra. 2002. p. 260).

“O objetivo da política não é a felicidade, e sim a liberdade. A liberdade efetiva (não discuto aqui a liberdade ‘filosófica’) é o
que denomino ‘autonomia’. A autonomia da coletividade, que só pode se realizar pela auto-intituição e pelo autogoverno
explícitos, é inconcebível sem a autonomia efetiva dos indivíduos que a compõem” (CASTORIADIS, C. A democracia como
procedimento e como regime. As encruzilhadas do labirinto 4 – A ascensão da insignificância. São Paulo. Paz e Terra.
2002. p. 262).

“Não pode haver sociedade democrática sem paidéia democrática” (CASTORIADIS, C. A democracia como procedimento
e como regime. As encruzilhadas do labirinto 4 – A ascensão da insignificância. São Paulo. Paz e Terra. 2002. p. 268).
“A idéia de que se pode separar o ‘direito positivo’, e seus procedimentos, dos valores substantivos é uma miragem. É
igualmente uma miragem a idéia de que um regime democrático poderia receber da história, ready made, indivíduos
democráticos que o fariam funcionar. Tais indivíduos não podem ser formados senão em e por uma paidéia democrática,
que não cresce como uma planta, mas deve ser o objeto central das preocupações políticas. (CASTORIADIS, C. A
democracia como procedimento e como regime. As encruzilhadas do labirinto 4 – A ascensão da insignificância. São
Paulo. Paz e Terra. 2002. p. 271).

“A política democrática é, nos fatos, a atividade que tenta reduzir, na medida do possível, o caráter contingente de nossa
existência sócio-histórica em suas determinações substantivas. Nem a política democrática através dos fatos nem a
filosofia através da idéia podem, evidentemente, suprimir o que, do ponto de vista do ser humano singular, e mesmo da
humanidade em geral, aparece como o acaso radical (...) Mas a política democrática e a filosofia, a práxis e o pensamento,
podem nos ajudar a limitar, ou melhor, a tranformar a parte imensa de contingência que determina a nossa vida pela ação
livre (...) A simples consciência da mistura infinita de contingência e de necessidade – de contingência necessária e de
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Secretaria de Educação e Desporto
Diretoria de Educação Física, Esporte e Lazer
necessidade ultimamente contingente – que condiciona o que somos, fazemos e pensamos, está longe de ser liberdade.
Mas ela é condição desta liberdade, condição requerida para empreender lucidamente as ações que podem nos levar à
autonomia efetiva tanto no plano individual como no plano coletivo” (CASTORIADIS, C. A democracia como procedimento
e como regime. As encruzilhadas do labirinto 4 – A ascensão da insignificância. São Paulo. Paz e Terra. 2002. pp. 278-79).

(Westphal e Mendes, 2000:50) 38

Cabe-nos, enquanto gestores da educação municipal, gestores da ponta do sistema, não


deixar passar ao largo este momento singular.

[fragmento de Projeto Festivais temáticos-CAIC2004]


A formação humana integral, transcende a questão do trabalho, da economia, ou qualquer outra setorização. A
formação integral não pode negar a realidade capitalista, os avanços científicos e tecnológicos, e este é um aspecto de
importância capital. Frei Betto (2002), refletindo o processo de democratização nos movimentos sociais adverte:

"Não é mais possível criar uma 'cortina de ferro' que torne os militantes imunes à ideologia neoliberal,
ao consumismo, aos encantos da globocolonização. A questão é como introduzir práticas sociais que
despertem neles uma consciência alternativa e uma experiência crítica frente ao sistema, de modo que
a nova sociedade possa ir sendo forjada nas entranhas da atual, como a criança no ventre materno". 39

No mesmo texto, este autor aponta "a reconstrução de uma metodologia capaz de partir do pessoal ao social, do local ao
nacional, do subjetivo ao objetivo, do espiritual ao político e ao ideológico"40, como o desafio que o movimento social terá
que enfrentar. Acrescenta, ainda, que o êxito deste empreendimento só será garantido se conseguir associar lazer e dever,
criatividade artística e formação estética e ética.
A retomada da noção de formação integral é fecunda para redimensionarmos nossas ações pedagógicas, pois
não se trata apenas de transmitir conteúdos nem transformar conteúdos; de "forçar a barra" por uma escola democrática
bem no centro de uma cultura antidemocrática, mas de propiciar o acesso aos conhecimentos num clima que possibilite um
pensar diferente, pensar o novo. Aqui, desembocamos num outro ponto básico de justificação do nosso projeto: a
criatividade.
O pensamento e a ação crítica não se gesta a partir do discurso crítico. "A ação educativa não se reduz a
transmissão de saberes, sejam eles alienados - alienantes ou críticos - conscientizadores " 41. A escola é educativa através
de um conjunto de práticas sociais e materiais. "Nestas práticas se produz a educação e socialização, os saberes e
valores, a formação ou deformação"42. Do mesmo modo, o pensamento e a ação crítica não pressupõem valores em tal ou
qual direção. Como em qualquer cultura, no interior da cultura capitalista, pensamento e ação crítica surgem tanto na
direção de sua manutenção, quanto na direção do seu questionamento e mudança.
Com a criatividade não é diferente. Aliás, tendo como pressuposto o pensamento crítico e tendo como resultado
a ação crítica, a criatividade é uma disposição humana que se expressa a partir da complexidade formativa de aspectos
objetivos e subjetivos da história de cada indivíduo. É uma expressão que tem em sua base conhecimentos, mas também
desejos e recusas, esperanças e decepções, amor e ódio enfim. Não tem, pois, direção certa. Não é manipulável em
absoluto, tal como é a intenção de muitos conservadores, e também impulso equivocado de muitos progressistas. O
sentido dos valores que impregnam o ato criativo ou a criação fica por conta do coletivo; destaca-se, em grande medida, do
sujeito criador. Também incerto, este sentido é legitimado ou descartado a partir dos valores hegemônicos vigentes; em tal
ou qual contexto, porquanto dependem igualmente das disposições coletivas.
Contudo, é a criatividade que desafia o velho e instaura o novo, novas formas, novos meios, novos objetos. Para
além do risco da direção moral e ética, a facilitação da criatividade deve ser um dos pilares metodológicos da escola. É um
instrumento para o enfrentamento do grande desafio da educação de prover a democratização social no interior de uma
sociedade antidemocrática. Lembrando Castoriadis,

"o objeto da pedagogia não é (apenas) ensinar matérias específicas, mas desenvolver a capacidade de
aprender do sujeito - aprender a aprender, aprender a descobrir, aprender a inventar. (...) ...do ponto de
vista social-histórico, a pedagogia deve educar o sujeito de tal modo que este interiorize, e faça muito
mais do que aceitar as instituições existentes, quaisquer que sejam.(...) ...ajudar os seres humanos a
aceder à autonomia, ao mesmo tempo que absorvem e interiorizam as instituições existentes, ou
apesar disso".43

Uma questão procedente é como, em termos práticos, é possível provocar, incentivar, facilitar a criatividade. Não
há fórmulas, mas, inscritos no mesmo desafio da educação em geral, há princípios fundamentais. "A pedagogia deve a
todo instante, desenvolver a atividade própria do sujeito, utilizando, por assim dizer, essa mesma atividade própria".44 De
fato, não é possível conquistar participação senão através da participação, democracia através da democracia, autonomia
38
Márcia Faria Westphal e Rosilda Mendes. Cidade Saudável: uma experiência de Interdisciplinaridade e intersetorialidade. Revista de
Administração Pública - Rio de Janeiro, FGV, 34 (6): 47-61, Nov./Dez. 2000
39
FREI BETTO. (2002). Práxis educativa dos movimentos sociais, in FÁVERO, O. e SEMERARO, G. Democracia
e construção do público no pensamento educacional brasileiro. Petrópolis. Vozes. (pp. 185).
40
Idem, p. 184.
41
ARROYO, op. cit. p. 158.
42
Idem, p.161.
43
CASTORIADIS, Cornelius. (1992). As encruzilhadas do labirinto III: o mundo fragmentado. Rio de Janeiro, Paz e
Terra. (pp. 156-158).
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através da autonomia. Isto não significa de forma alguma, ausência de regras. A participação pressupõe o coletivo e daí a
divergência, a oposição; a democracia é a instituição mesma das regras para o convívio incontornável com as diferenças.
Trata-se então de descobrir, no próprio fazer pedagógico, novos meios para ultrapassar a fronteira do discurso;
de encontrar formas de atingir a sensibilidade dos alunos com novas dinâmicas, novo visual, com mais alegria; de montar
estratégias para fazê-los sentir emoções positivas com a solidariedade; com a aplicação extracurricular ou fora da escola;
enfim, com a conjugação de formas tradicionalmente consideradas extra escolares com formas necessariamente escolares
dos procedimentos pedagógicos. Os festivais temáticos configuram-se como um “espaço” material para este fim. Trata-se,
pois, de tentar dar um sentido prático aos procedimentos escolares e à educação física em particular, pesquisando outras
linguagens. Arroyo (1998) chama atenção para o fato

"de pertencermos a uma tradição filosófico-religiosa que acredita que a formação do ser humano
acontece por inculcação e transmissão de idéias, saberes e valores. Quando nos colocamos a questão
de como acontece a educação, a resposta tem sido: pela palavra. O verbo, a palavra criou o mundo e
pesamos que cria e conforma os seres humanos... Os professores, os catequistas ou os pais dizem
suas lições e conselhos e as crianças vão se formando... O domínio desta tradição tem sido quase
absoluto na pedagogia..."45.

Sabemos que não é assim. Se quisermos compreender e agir de forma conseqüente sobre a educação, precisamos
descobrir novos meios, novas linguagens.

44
Idem.
45
ARROYO, op. cit. p. 158.

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