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O CURRÍCULO COMO POSSIBILIDADE DE DESENVOLVIMENTO


SÓCIO-CULTURAL DAS ESCOLAS RURAIS DE MANAUS.

Elizabete Camurça Góes da Cunha1

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar a influencia do currículo escolar para o
desenvolvimento sócio-cultural de escolas localizadas em áreas rurais do município de
Manaus. A relevância deste baseia-se no pressuposto de que a ausência de um currículo
escolar voltado para as particularidades das escolas rurais representa fator de perpetuação para
as dificuldades escolares existentes, como o baixo rendimento escolar e o abandono.

Palavras – chave: Currículo sócio-cultural, gestão escolar, zona rural.

1 INTRODUÇÃO

Muito se têm debatido sobre educação, suas dificuldades de gestão que se estende as
práticas de ensino. Tem-se a impressão de que as dificuldades apontadas são verdadeiras e
numerosas, se assim são nas escolas localizadas em áreas urbanas, até mesmo nos grandes
centros, pode-se afirmar que estas se multiplicam nas áreas rurais.
Ferreira (2005) utiliza-se do termo “discurso da denuncia” para fazer alusão às
dificuldades existentes no ensino e suas conseqüências ao ensino público no Brasil, a autora
denuncia fatos camuflados e poucos ou nada combatidas pelos programas de educação.
Assevera, ainda, a autora a falta de qualificação profissional dos educadores das áreas rurais,
o que é possível constatar através de observações preliminares, é a denuncia de que nas
escolas da zona rural ainda predominam as turmas multisseriadas. Classes onde um único
professor, preconceituosamente, rotulado com não-formado e desqualificado, leciona para
duas ou mais séries, em uma única sala de aula, sem infra-estrutura para o exercício docente.
A grande maioria das escolas localizadas em áreas rurais possui apenas duas salas de
aula. Subterfúgio para que seus dirigentes sejam apenas “responsáveis por escolas” assumindo
como o expresso na nomenclatura as responsabilidades pela instituição, e não são poucas,
sem, contudo poderem ser “gestores”, uma vez que suas escolas não possuem ato de criação,
em decorrência do número de sala de aulas. O tamanho das escolas é justificado pelo número
pequeno de alunos residentes nestas comunidades, sem, contudo, explicar o porquê então de

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Graduada em Pedagogia com habilitação em Supervisão Escolar e Orientação Educacional
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salas de aulas sediadas em casas de comunitários e até mesmo nas salas (das residências) dos
professores, que literalmente levam o trabalho para casa.
Constatou-se ainda que somente a partir de 2005, as escolas localizadas em áreas
rurais, sejam elas rodoviárias ou ribeirinhas, passaram a oferecer o ensino fundamental do 6°
ao 9° ano, através do projeto “itinerante”. Que constitui em um rodízio docente, onde as
disciplinas são realizadas em módulos trimestrais, a cada trimestre os professores das áreas de
exatas, humanas e biológicas trocam de escolas, que por sua vez são denominadas de escolas
pólos.
Mediante o exposto, que representa apenas algumas das dificuldades e especificidades
do ensino nas áreas rurais, aponta-se a necessidade de desenvolver um currículo diferenciado
para escolas localizadas em áreas rurais de Manaus. Acredita-se que o currículo constitui-se
em possibilidade de desenvolvimento sócio-cultural, favorecendo docentes, discentes,
gestores e comunidade escolar como um todo a compreender a realidade em que estão
inseridos como condição imprescindível para a realização de leituras presentes no currículo
oculto e de interesse ideológico que não promove a aprendizagem significativa, mas
perpetuam a falência do sistema atual, responsabilizando aqueles que diariamente tentam
superar todas as dificuldades postas em busca de conhecimento, como os responsáveis por sua
situação de desfavorecidos.

Como resultado dessa situação negligente, a educação transmitida aos alunos não
põe em evidência os problemas concretos enfrentados pelos rurícolas. Tais
problemas, advindos da interação com as novas relações sociais desiguais, são
sedimentados na pobreza, na marginalização e na luta pela terra (ARAÚJO, 2004, p.
22)

Acredita-se ainda que a construção do currículo coletivamente, buscando a


compreensão e contextualização com o meio em que a escola está inserida, representa ainda
possibilidades aos “responsáveis por escolas” de perceber que a administração escolar requer
participação de toda comunidade escolar. Este currículo poderá contemplar os aspectos
sociais, culturais, educativos e políticos, deste modo, se transformará em documento
representativo das necessidades desta comunidade, dando sentido as práticas de ensino e
desenvolvendo a consciência política e filosófica.
É importante conceituar o currículo escolar através de uma abordagem histórica,
revelando que as práticas de ensino estão vinculadas a ideologias políticas, econômicas e
sociais.
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2 CONTEXTO DA EDUCAÇÃO EM ESCOLAS RURAIS DO MUNICÍPIO DE


MANAUS

A Secretaria de Educação do município de Manaus - SEMED possui um total de


quatrocentas e vinte quatro (424) escolas da Educação Infantil ao Ensino Fundamental, com
um número de atendimento aproximado a duzentos e cinqüenta e cinco mil alunos (255.000).
Este total de escola envolve as que estão localizadas em áreas urbanas e rurais. Desse
quantitativo, setenta e sete (77) escolas estão localizadas em áreas rurais, onde vinte e sete
localizam-se nas áreas rodoviárias (Rodovia AM 010 e BR 174) e cinqüenta (50) estão
localizadas em comunidades ribeirinhas (Rio Negro e Rio Amazonas).
Mediante o exposto, observa-se que cada escola possui especificidades em razão de
suas localizações. Engano ao considerar que as escolas rodoviárias são de acesso fácil em
comparação com as escolas ribeirinhas, uma minoria destas escolas rodoviárias localiza-se a
margem da estrada, a maioria está a quilômetros da pista, sendo necessário, em alguns casos,
até uma hora de caminhada em ramais, quase todos, com pistas de barro escorregadio. Chegar
diariamente às escolas da zona rural já se constitui em desafio, conforme explicita o
depoimento abaixo:

Geralmente quando falo que trabalho em áreas rurais, a reação primeira das
pessoas é de falas como “Que legal!”, existe certo romantismo ilusório a
cerca das escolas rurais, a verdade é que muito pouco se tem de “legal”, a
tarefa de lecionar em áreas rurais é acima de tudo um desafio diário, os
ônibus que fazem o transporte escolar estão em condições precárias, os
ramais atolam nossos carros, geralmente nem dá pra entrar de carro. Alguns
ramais são tão ruins que o ônibus escolar tem que parar distante da escola,
então desce professores e alunos, atolam o pé no barro e seguem andando
para escola, legal? Legal é só quando alguém escorrega aí a meninada ri
mesmo. (professor de uma escola localizada no Ramal do Leão, entrevista
concedida em 03 de abril de 2010)

Esta realidade não é exclusiva dos docentes, no depoimento de alguns educando é


possível perceber as dificuldades que estes enfrentam para o direito a educação:

Agente acorda muito cedo para ir à escola, o ônibus passa às seis e trinta da
manhã, mas como a gente tem que andar até a pista, por que ele não entra no
ramal, agente tem que sair de casa às cinco horas da manhã, ainda escuro,
mas é o jeito. Estudar a tarde é pior ainda, agente tem que sair sem almoçar
pra não perder o ônibus, e chega ao ponto todo suado do sol. (Aluno de uma
escola localizada na AM 010 que reside no Ramal da Conceição, entrevista
concedida em 03 de abril de 2010)
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Mas a localização e as dificuldades de acesso as escolas rurais são os menores dos


problemas, percebe-se ainda que o tamanho do prédio físico das escolas constitui-se em um
problema primordial, em virtude dos fatores prejudiciais ao ensino nas escolas rurais, que
deste decorrem.
A quantidade de salas de aula das escolas rurais, geralmente, limita-se a quantidade de
apenas duas salas de aula, principalmente as localizadas em áreas ribeirinhas. Diante desta
realidade, a capacidade de oferta de modalidade de ensino também é limitada, conforme nos
expõe o depoimento de uma professora responsável por uma escola de apenas três salas de
aula: “temos conhecimento de que nas proximidades da escola existem muitas crianças em
idade pré-escolar fora da sala de aula, mas não temos condições de abrigar mais uma turma.
Ou oferecemos o fundamental de 1° ao 5° ano, ou oferecemos a Educação Infantil”.
Pode-se observar que inúmeras escolas possuem mais de dez anos de sua inauguração
sem terem sofrido quaisquer ampliações em suas estruturas físicas ao longo destes anos,
enquanto que as comunidades praticamente triplicaram em tamanho, número de moradores e,
por conseguinte, quantidade de crianças em idade escolar. De acordo com o Censo Escolar de
2002, 50% das escolas do país, localizam-se em áreas rurais, possuem apenas uma sala de
aula, e oferecem apenas o ensino fundamental do 1º ao 5º ano. Em função da dispersão
populacional, 64% das escolas em ambiente rural organizam suas turmas em classes
multisseriadas ou unidocentes. Esta organização escolar revela a fragilidade da educação no
meio rural conforme é exposto no Caderno de subsídios (2003):

Estudos mostram as dificuldades enfrentadas pelas escolas multisseriadas. De um


lado está à precariedade da estrutura física e, de outro, a falta de condições e a
sobrecarga de trabalho dos professores gerando alta rotatividade desses
profissionais, o que possivelmente interfere no processo de ensino/aprendizagem.
Geralmente aqueles com uma formação inadequada permanecem em escolas
isoladas e unidocentes até o momento que adquirem maior escolaridade, quando
pedem remoção para a cidade. (Referências para uma política Nacional de Educação
do Campo –– Brasília, outubro, 2003, p. 6).

Como condição para superar tais dificuldades, Araújo (2004) indica que,

[...] torna-se fundamental considerar que apesar de todas as dificuldades que


permeiam o trabalho docente, é conditio sine qua non, compreender a
necessidade de construção de uma nova postura em relação ao papel do
professor na sociedade, principalmente no interior do estado do Amazonas,
dando a devida importância na aquisição de componentes técnicos e
referenciais políticos que possam criar um compromisso mais sério, com os
outros, com o coletivo, com a sociedade e a educação. (ARAUJO, 2004, p.
21).
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Indica-se ainda como condições para o desenvolvimento de uma educação rural que
favoreça a compreensão da realidade e o desenvolvimento do rurícola de modo integrado a
saberes culturais, sociais, políticos e econômicos, a condição de superar a dicotomia entre o
rural e o urbano, e recriar os vínculos de pertencimento ao campo, como alicerces que
fundamentam a educação na zona rural, que exige para sua concretização a implementação de
políticas públicas específicas e a construção de um currículo escolar diferenciado e pertinente
a realidade dos que vivem nas áreas rurais.
Acredita-se que a construção de um currículo escolar especifico e direcionado para as
escolas localizadas em áreas rurais, represente a possibilidade de reconhecimento,
valorização, desenvolvimento e implementação de experiências acumuladas por iniciativas,
tais como a escola ativa e o ensino itinerante. Indica-se o currículo escolar como a
representação de um conjunto de experiências, das quais se tem recriado o conceito de
educação na zona rural: uma educação que respeite e se oriente na existência do espaço de
vida e de relações sociais, onde é ao mesmo tempo produto e produtor cultural. Assim
demarca-se a zona rural como espaço de cultura que abriga um conjunto de experiências,
conhecimentos e práticas fecundas na construção da cidadania plena e na reivindicação pelo
direito à educação.
Na perspectiva do respeito, da valorização e do reconhecimento das culturas rurais é
que se reivindica um olhar crítico quanto aos currículos que são trabalhados nas práticas
educativas na zona rural de Manaus, e também da importância da gestão na articulação para o
desenvolvimento de diretrizes que viabilizem o que proclama a Constituição de 1988 que a
educação é direito de todos e dever do Estado, apresentando-a como direito público subjetivo,
independente dos cidadãos residirem em áreas urbanas ou rurais.

3- O CURRÍCULO RURAL E SEU PROCESSO DE CONTEXTUALIZAÇÃO


HISTÓRICA.

Conforme Freire (2002, p.31) educação “é um ato amoroso” onde o “ato” é ação e o
“amoroso” é o bem-querer e a reciprocidade. Deste modo, a concepção curricular para
promover educação pode ser considerada como um ato ou ação que exige esforços,
mobilização, organizacional e capacidade de integração daqueles que se propõem a articular
os saberes em prol do desenvolvimento.
As literaturas consultadas (Barticelli (2001), Moreira (2001), Araújo (2004), Ferreira
(2004), entre outros) indicam que o currículo é a construção histórica situada no tempo e no
espaço, onde as formas que este assume, estão interligadas com os discursos que para
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Barticelli (2001, p. 159), habitam filosofias resultantes das intencionalidades que o produzem,
nos diversos tempos e nos mais diferentes lugares.
Os currículos foram pensados como um projeto de orientação para as atividades
educativas, que transita entre as intenções, os princípios e a prática pedagógica, abrangendo
todas as experiências que acontecem dentro da escola. Neste sentido dois outros conceitos
contidos no entendimento dos currículos: o plano de estudo, que é a lista de matérias básicas
comuns, e o programa de ensino, que é a relação dos conteúdos pertinentes a cada disciplina.
Os currículos são abrangentes e podem incluir as reais condições nas quais vai se concretizar.
Esta diretriz está consolidada no artigo 26 da LDB nº. 9394/96, que determina:

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional


comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento
escolar por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e
locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

O que a atual lei denomina como base nacional comum, é na verdade um


conjunto de disciplinas obrigatórias para todas as escolas de ensino fundamental, e
conseqüentemente para todos os alunos, sendo elas: Língua Portuguesa, Matemática,
Ciências, História e Geografia. Retrata-se assim, a compreensão dos estudos que, segundo a
visão do legislador, são necessários para a efetiva participação na vida social do discente
construindo possibilidades de acesso à educação superior. Constituem também disciplinas
obrigatórias dos currículos a Arte, a Educação Física, a Língua Estrangeira, sendo o Ensino
Religioso facultativo. Perguntamo-nos então, além das disciplinas obrigatórias, qual a parte e
atenção dada à diversificação e particularidades necessárias ao currículo? Neste sentido,
Piletti discorre:

[...] parece interessante que se possa reduzir a base nacional comum, em


benefício da parte diversificada, que talvez contribua mais para a formação
dos alunos, já que esta deve estar de acordo com as características próprias
do ambiente social em que se situa a escola. De acordo com o dispositivo
acima (artigo 26), pressupõe-se que o sistema de ensino deva incluir no
currículo matérias de interesse regional, ficando para o estabelecimento
escolar a inclusão de conteúdos de interesse regional (PILETTI, 2004, p.
VERIFICAR PÁGINA)

Este entendimento do artigo 26 constitui uma contradição entre discurso e prática


das políticas públicas educacionais, pois é possível percebe que no artigo 9º, IV, da mesma lei
de 1996, relata-se que compete ao Ministério da Educação e ao Conselho Nacional de
Educação, em colaboração com os Estados e Municípios, o estabelecimento de competências
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e diretrizes para a educação, que direcionarão os currículos e seus conteúdos de maneira a


garantir a formação básica comum. Esta redação nos mostra claramente que o currículo
comum é prioridade em detrimento ao diversificado, reforçando assim, a homogeneização a
que os currículos escolares estão subjugados, que as necessidades e os anseios que a
sociedade deposita na educação, estão submetidos primeiramente aos interesses daqueles que
desconhecem a realidade escolar, principalmente, tratando-se da realidade das escolas rurais.
Torna-se assim um desafio para a escola, que está em contato direto com o
educando, sua realidade e diversidade cultural, criar condições para a inserção da parte
diversificada, que pode constar dos saberes e as diversas culturas que circulam nos espaços
escolares e nas comunidades onde a escola está inserida. Assim, absorvê-los no cotidiano, no
fazer e no ser da escola, torna-se um instrumento de reflexão do contexto em que a escola está
inserida, partindo do regional para o global, rompendo com a ótica da homogeneização que
considera as os saberes das instituições de ensino rurais como subversivos ou cópias
inferiores dos saberes e ideais consolidados pela escola urbana.
Nesta ótica de inserção das especificidades de cada escola, Oliveira ressalta:

Mesmo que consideremos a sala de aula como cenário principal do trabalho


pedagógico, não podemos deixar de relacioná-la ao contexto que a envolve,
sob pena de esvaziarmos a relevância social da escola. Na verdade, a escola
não existe para si mesma, mas para a sociedade, para promover uma
formação acadêmica e política que seja capaz de influir nos rumos da
coletividade [...]. (Oliveira, appud Freire, 2008, p.47)

A identidade de uma escola é assim definida pelo vínculo que estabelece com sua
realidade, com a temporalidade e saberes dos estudantes, com a memória coletiva da
comunidade e a associação das ciências e as tecnologias disponíveis, então caberá ao
professor dirigir o processo de ensino-aprendizagem, inserindo e/ou modificando o currículo
de acordo com as aptidões, os interesses e as características culturais locais, para que se
garanta o alcance dos objetivos da escola, enquanto instituição social.
O pressuposto de currículo também é assim: a escola, o gestor e o professor podem
saber converter o “aluno epistêmico” da proposta no “aluno psicológico” da sala de aula.
Quando políticas públicas aprovam um currículo, só podem fazê-lo em sua perspectiva
genérica e abstrata. É certo que estão referindo-se à realidade brasileira, a uma dada seqüência
de conteúdos e expectativas de aprendizagem. É certo que estão considerando características e
condições sociais, afetivas e cognitivas dos alunos que serão beneficiários da proposta. (LINO
MACEDO, VERIFICAR O ANO, p.14)
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A educação no meio rural deve propiciar ao aluno situações de discussão e reflexão


do seu espaço, do mundo do qual ele faz parte, entendendo a realidade com seus problemas e
necessidades para que busque alternativas possíveis para a melhoria da vida na zona rural.
Conforme rege a Lei de Diretrizes e Base em seu artigo 28 “na oferta da educação
básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à
sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região especificamente”, inciso I
conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesse dos
alunos da zona rural.
Para cumprir sua função social a escola precisa desenvolver ensino e aprendizagem
que possibilite ao aluno aprender a pensar, a saber, construir sua própria linguagem, a se
comunicar, usar a informação e o conhecimento para ser capaz de viver e conviver em um
mundo em constante transformação. Para isso, é preciso que a formação e a atuação do
educador sejam necessariamente direcionadas para um paradigma, para que as crianças e suas
comunidades não sejam rotuladas como desinteressadas do ensino escolar, carregando a culpa
por seu processo de exclusão social e intelectual.
Therrien (1993) indica que,

A avaliação do sistema educacional vigente no campo tendem a associar a


professora rural ao fracasso da escola pública, desmerecendo o fato de que
em determinados contextos é ela que ainda salva a escola pública. A maioria
dessas análises partem de pressupostos pedagógicos que não contemplam a
totalidade do movimento social. Afinal, o fracasso generalizado da escola
pública na maioria das regiões brasileiras ocorre nas salas de aula em que
lecionam professoras formadas nos moldes pedagógicos que regem as
estruturas da escola tradicional. (THERRIN, 1993, p. 44)

Nesta obra de Therrien (1993) a referencia que o autor faz ao docente rural é
predominantemente feminina, indicando que

A professora rural como mulher trabalhadora do campo é encontrada nas


frentes de luta dos movimentos sociais. Nas suas relações com o mundo
natural e social ela elabora e desenvolve uma práxis que se dá em várias
dimensões: produtiva, política e educativa. São os espaços nos quais como
sujeito criador envolvido em atividade prática ela elabora um saber
socialmente relevante. (THERRIEN, 1993, p. 45-46)

Compreendemos, desta forma, que o currículo é elaborado numa cultura e a partir


desta. Parafrasendo SILVA (2001), pensar na formação do currículo é refletir criticamente
sobre condições históricas e culturais, onde este está sendo inserido.
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Desta forma, indicamos a importância da construção de um currículo que viabilize o


desenvolvimento do ser integral, onde os conteúdos privilegiados sejam aqueles capazes de
propiciar a capacidade de reflexão, contribuindo para que os indivíduos pensem a cerca de
suas condições de vida na busca de superação as dificuldades postas.
Aos gestores e docentes de escolas rurais, cabe a importante tarefa de questionar antes
de se executar conteúdos curriculares pré-definidos por uma cultura política, social e
econômica externa a sua realidade. Sob a condição de romper com os subterfúgios que
camuflados ideologias de uma cultura dominante, que ao ditar o que é necessário aprender,
estabelece que o conhecimento do rurícola seja desnecessário e inferior.
Conforme Araújo (2004),

A educação no meio rural precisa abolir as práticas educativas conservadoras


que articulam “saberes” diametralmente opostos aos problemas concretos
das comunidades rurais. Não tem sentido castrar os interesses dos
professores das áreas rurais, pois é certo que suas relações sociais conflitivas
com o capitalismo, eles criam princípios de uma nova pedagogia. Uma
pedagogia que valoriza os princípios existenciais, as relações e os aspectos
constitutivos de implemento de uma prática integradora da realidade rural.
(ARAUJO, 2004, p. 26)

Desta forma, indica-se que o desenvolvimento da consciência critica, através de


práticas docentes que conduzam a compreensão dialógica da realidade, represente o caminho
necessário para construção de um currículo escolar propicio ao desenvolvimento integral do
aluno.

Considerações Finais

Vislumbramos a concepção de currículo escolar numa perspectiva sócio-cultural e


critica da realidade. O currículo é preciso ser visto pela instituição escolar como uma questão
central das práticas pedagógicas, sendo construídas a partir da realidade em que se encontra a
escola, suas necessidades de formação e representação social.
A aceitação de um currículo externo a realidade escolar constituísse em passividade,
submissão e manutenção de uma ideologia dominante que traz em seu bojo os interesses
culturais, sociais e econômicos daqueles que o constituíram.
O currículo deve representar para escola, não apenas um documento sistematizador
dos conteúdos programáticos, mas sim, a representação cultural e de identidade de um grupo
social. Constituindo-se ainda, através da soma de esforços, em uma possibilidade de lutar e
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ruptura com práticas escolares seculares que se limitam a repassar saberes ideologicamente
construídos.
É preciso compreender ainda que a relação entre currículo e sociedade seja
indissociável, uma vez que este parte de uma determinada cultura. Ou construímos um
currículo que valorize nossa cultura, no que se refere às escolas rurais, que valorize a cultura
dos rurícolas, ou estaremos não apenas aceitando os valores culturais e ideológicos do grupo
que o constituiu como também estaremos desprestigiando nossa própria cultura e valores,
reforçando que o conhecimento que o docente rural possui não se constitui em saber
produzido.
Concluímos com o pensamento de Araújo (2004),

As práticas pedagógicas devem inovar, dando ênfase à educação


enquanto um processo que transcenda a coerção ou frustração advinda
da exploração do homem. Tais práticas assumem, assim, um
compromisso para superar os conceitos positivistas que consideram a
cultura do rurícola como patológica, [...]. A inovação só será possível
no momento em que as práticas pedagógicas forem norteadas pela
analise das condições histórico-politicas, configuradas em um
contexto conflitivo e espoliativo em que as camadas populares forem
submetidas, resultado da modernização do mercado. (ARAÚJO, 2004,
p. 33)

Referencial

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