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Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar a influencia do currículo escolar para o
desenvolvimento sócio-cultural de escolas localizadas em áreas rurais do município de
Manaus. A relevância deste baseia-se no pressuposto de que a ausência de um currículo
escolar voltado para as particularidades das escolas rurais representa fator de perpetuação para
as dificuldades escolares existentes, como o baixo rendimento escolar e o abandono.
1 INTRODUÇÃO
Muito se têm debatido sobre educação, suas dificuldades de gestão que se estende as
práticas de ensino. Tem-se a impressão de que as dificuldades apontadas são verdadeiras e
numerosas, se assim são nas escolas localizadas em áreas urbanas, até mesmo nos grandes
centros, pode-se afirmar que estas se multiplicam nas áreas rurais.
Ferreira (2005) utiliza-se do termo “discurso da denuncia” para fazer alusão às
dificuldades existentes no ensino e suas conseqüências ao ensino público no Brasil, a autora
denuncia fatos camuflados e poucos ou nada combatidas pelos programas de educação.
Assevera, ainda, a autora a falta de qualificação profissional dos educadores das áreas rurais,
o que é possível constatar através de observações preliminares, é a denuncia de que nas
escolas da zona rural ainda predominam as turmas multisseriadas. Classes onde um único
professor, preconceituosamente, rotulado com não-formado e desqualificado, leciona para
duas ou mais séries, em uma única sala de aula, sem infra-estrutura para o exercício docente.
A grande maioria das escolas localizadas em áreas rurais possui apenas duas salas de
aula. Subterfúgio para que seus dirigentes sejam apenas “responsáveis por escolas” assumindo
como o expresso na nomenclatura as responsabilidades pela instituição, e não são poucas,
sem, contudo poderem ser “gestores”, uma vez que suas escolas não possuem ato de criação,
em decorrência do número de sala de aulas. O tamanho das escolas é justificado pelo número
pequeno de alunos residentes nestas comunidades, sem, contudo, explicar o porquê então de
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Graduada em Pedagogia com habilitação em Supervisão Escolar e Orientação Educacional
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salas de aulas sediadas em casas de comunitários e até mesmo nas salas (das residências) dos
professores, que literalmente levam o trabalho para casa.
Constatou-se ainda que somente a partir de 2005, as escolas localizadas em áreas
rurais, sejam elas rodoviárias ou ribeirinhas, passaram a oferecer o ensino fundamental do 6°
ao 9° ano, através do projeto “itinerante”. Que constitui em um rodízio docente, onde as
disciplinas são realizadas em módulos trimestrais, a cada trimestre os professores das áreas de
exatas, humanas e biológicas trocam de escolas, que por sua vez são denominadas de escolas
pólos.
Mediante o exposto, que representa apenas algumas das dificuldades e especificidades
do ensino nas áreas rurais, aponta-se a necessidade de desenvolver um currículo diferenciado
para escolas localizadas em áreas rurais de Manaus. Acredita-se que o currículo constitui-se
em possibilidade de desenvolvimento sócio-cultural, favorecendo docentes, discentes,
gestores e comunidade escolar como um todo a compreender a realidade em que estão
inseridos como condição imprescindível para a realização de leituras presentes no currículo
oculto e de interesse ideológico que não promove a aprendizagem significativa, mas
perpetuam a falência do sistema atual, responsabilizando aqueles que diariamente tentam
superar todas as dificuldades postas em busca de conhecimento, como os responsáveis por sua
situação de desfavorecidos.
Como resultado dessa situação negligente, a educação transmitida aos alunos não
põe em evidência os problemas concretos enfrentados pelos rurícolas. Tais
problemas, advindos da interação com as novas relações sociais desiguais, são
sedimentados na pobreza, na marginalização e na luta pela terra (ARAÚJO, 2004, p.
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Geralmente quando falo que trabalho em áreas rurais, a reação primeira das
pessoas é de falas como “Que legal!”, existe certo romantismo ilusório a
cerca das escolas rurais, a verdade é que muito pouco se tem de “legal”, a
tarefa de lecionar em áreas rurais é acima de tudo um desafio diário, os
ônibus que fazem o transporte escolar estão em condições precárias, os
ramais atolam nossos carros, geralmente nem dá pra entrar de carro. Alguns
ramais são tão ruins que o ônibus escolar tem que parar distante da escola,
então desce professores e alunos, atolam o pé no barro e seguem andando
para escola, legal? Legal é só quando alguém escorrega aí a meninada ri
mesmo. (professor de uma escola localizada no Ramal do Leão, entrevista
concedida em 03 de abril de 2010)
Agente acorda muito cedo para ir à escola, o ônibus passa às seis e trinta da
manhã, mas como a gente tem que andar até a pista, por que ele não entra no
ramal, agente tem que sair de casa às cinco horas da manhã, ainda escuro,
mas é o jeito. Estudar a tarde é pior ainda, agente tem que sair sem almoçar
pra não perder o ônibus, e chega ao ponto todo suado do sol. (Aluno de uma
escola localizada na AM 010 que reside no Ramal da Conceição, entrevista
concedida em 03 de abril de 2010)
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Como condição para superar tais dificuldades, Araújo (2004) indica que,
Indica-se ainda como condições para o desenvolvimento de uma educação rural que
favoreça a compreensão da realidade e o desenvolvimento do rurícola de modo integrado a
saberes culturais, sociais, políticos e econômicos, a condição de superar a dicotomia entre o
rural e o urbano, e recriar os vínculos de pertencimento ao campo, como alicerces que
fundamentam a educação na zona rural, que exige para sua concretização a implementação de
políticas públicas específicas e a construção de um currículo escolar diferenciado e pertinente
a realidade dos que vivem nas áreas rurais.
Acredita-se que a construção de um currículo escolar especifico e direcionado para as
escolas localizadas em áreas rurais, represente a possibilidade de reconhecimento,
valorização, desenvolvimento e implementação de experiências acumuladas por iniciativas,
tais como a escola ativa e o ensino itinerante. Indica-se o currículo escolar como a
representação de um conjunto de experiências, das quais se tem recriado o conceito de
educação na zona rural: uma educação que respeite e se oriente na existência do espaço de
vida e de relações sociais, onde é ao mesmo tempo produto e produtor cultural. Assim
demarca-se a zona rural como espaço de cultura que abriga um conjunto de experiências,
conhecimentos e práticas fecundas na construção da cidadania plena e na reivindicação pelo
direito à educação.
Na perspectiva do respeito, da valorização e do reconhecimento das culturas rurais é
que se reivindica um olhar crítico quanto aos currículos que são trabalhados nas práticas
educativas na zona rural de Manaus, e também da importância da gestão na articulação para o
desenvolvimento de diretrizes que viabilizem o que proclama a Constituição de 1988 que a
educação é direito de todos e dever do Estado, apresentando-a como direito público subjetivo,
independente dos cidadãos residirem em áreas urbanas ou rurais.
Conforme Freire (2002, p.31) educação “é um ato amoroso” onde o “ato” é ação e o
“amoroso” é o bem-querer e a reciprocidade. Deste modo, a concepção curricular para
promover educação pode ser considerada como um ato ou ação que exige esforços,
mobilização, organizacional e capacidade de integração daqueles que se propõem a articular
os saberes em prol do desenvolvimento.
As literaturas consultadas (Barticelli (2001), Moreira (2001), Araújo (2004), Ferreira
(2004), entre outros) indicam que o currículo é a construção histórica situada no tempo e no
espaço, onde as formas que este assume, estão interligadas com os discursos que para
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Barticelli (2001, p. 159), habitam filosofias resultantes das intencionalidades que o produzem,
nos diversos tempos e nos mais diferentes lugares.
Os currículos foram pensados como um projeto de orientação para as atividades
educativas, que transita entre as intenções, os princípios e a prática pedagógica, abrangendo
todas as experiências que acontecem dentro da escola. Neste sentido dois outros conceitos
contidos no entendimento dos currículos: o plano de estudo, que é a lista de matérias básicas
comuns, e o programa de ensino, que é a relação dos conteúdos pertinentes a cada disciplina.
Os currículos são abrangentes e podem incluir as reais condições nas quais vai se concretizar.
Esta diretriz está consolidada no artigo 26 da LDB nº. 9394/96, que determina:
A identidade de uma escola é assim definida pelo vínculo que estabelece com sua
realidade, com a temporalidade e saberes dos estudantes, com a memória coletiva da
comunidade e a associação das ciências e as tecnologias disponíveis, então caberá ao
professor dirigir o processo de ensino-aprendizagem, inserindo e/ou modificando o currículo
de acordo com as aptidões, os interesses e as características culturais locais, para que se
garanta o alcance dos objetivos da escola, enquanto instituição social.
O pressuposto de currículo também é assim: a escola, o gestor e o professor podem
saber converter o “aluno epistêmico” da proposta no “aluno psicológico” da sala de aula.
Quando políticas públicas aprovam um currículo, só podem fazê-lo em sua perspectiva
genérica e abstrata. É certo que estão referindo-se à realidade brasileira, a uma dada seqüência
de conteúdos e expectativas de aprendizagem. É certo que estão considerando características e
condições sociais, afetivas e cognitivas dos alunos que serão beneficiários da proposta. (LINO
MACEDO, VERIFICAR O ANO, p.14)
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Nesta obra de Therrien (1993) a referencia que o autor faz ao docente rural é
predominantemente feminina, indicando que
Considerações Finais
ruptura com práticas escolares seculares que se limitam a repassar saberes ideologicamente
construídos.
É preciso compreender ainda que a relação entre currículo e sociedade seja
indissociável, uma vez que este parte de uma determinada cultura. Ou construímos um
currículo que valorize nossa cultura, no que se refere às escolas rurais, que valorize a cultura
dos rurícolas, ou estaremos não apenas aceitando os valores culturais e ideológicos do grupo
que o constituiu como também estaremos desprestigiando nossa própria cultura e valores,
reforçando que o conhecimento que o docente rural possui não se constitui em saber
produzido.
Concluímos com o pensamento de Araújo (2004),
Referencial