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1.

Alcoolismo

Álcool é o fármaco de uso não-médico cuja utilização tem o maior impacto no


Brasil, tanto pela alta frequencia de emprego como pelos inúmeros problemas
médico-sociais a ele associados. Álcool admite várias formas de uso. A maioria dos
adultos em sociedades ocidentais já foi usuária experimental de álcool ou é usuária
ocasional. Os dados do inquérito domiciliar nacional são similares aos de
levantamento populacional realizado em Porto Alegre.
Além da alta prevalência na comunidade, em inquéritos realizados em hospitais
gerais a prevalência de pacientes masculinos com indicadores de alcoolismo pode
chegar a 58%, dependendo do critério diagnóstico utilizado.[13]

2. Farmacocinética do álcool
Quando o álcool é consumido passa pelo estômago e começa a ser absorvido
no intestino caindo na corrente sanguínea. Ao passar pelo fígado começa a ser
metabolizado, ou seja, a ser transformado em substâncias diferentes do álcool e que
não possuem os seus efeitos. A primeira substância formada pelo álcool chama-se
acetaldeído, que é depois convertido em acetado por outras enzimas. Essas
substâncias assim como o álcool excedente são eliminadas pelos rins; as que
eventualmente voltam ao fígado acabam sendo transformadas em água e gás
carbônico expelido pelos pulmões. A passagem do intestino para o sangue se dá de
acordo com a velocidade com que o álcool é ingerido, já o processo de degradação
do álcool pelo fígado obedece a um ritmo fixo podendo ser ultrapassado pela
quantidade consumida. Quando isso acontece temos a intoxicação pelo álcool, o
estado de embriaguez. Isto significa que há muito álcool circulando e agindo sobre o
sistema nervoso além dos outros órgãos. Como a quantidade de enzimas é
regulável, um indivíduo com uso contínuo de álcool acima das necessidades estará
produzindo mais enzimas metabolizadoras do álcool, tornando-se assim mais
"resistente" ao álcool
O álcool não metabolizado pode por mecanismos variados, afetar alguns
órgãos do corpo humano. Essa agressão irá depender de vários fatores:
• da quantidade ingerida;
• do teor alcoólico da bebida;

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• da facilidade de absorção (se é ingerido em jejum, o teor de álcool no sangue
é um terço mais elevado);
• da velocidade com que se dá absorção,
• da pessoa (cada organismo reage de maneira diferente ao álcool. É difícil
estabelecer limites certos para a quantidade que pode ser prejudicial).
A presença de alimentos no intestino letífica a absorção do álcool. Quanto
mais gordura houver no intestino mais lenta se tornará a absorção do álcool. Apesar
de o álcool ser altamente calórico (um grama de álcool tem 7,1 calorias; o açúcar
tem 4,5), ele não fornece material estocável; assim a energia oferecida pelo álcool é
utilizada enquanto ele circula ou é perdida.
Os sintomas que se observam são:
• Doses até 99mg/dl: sensação de calor/rubor facial, prejuízo de julgamento,
diminuição da inibição, coordenação reduzida e euforia;
• Doses entre 100 e 199mg/dl: aumento do prejuízo do julgamento, humor
instável, diminuição da atenção, diminuição dos reflexos e incoordenação
motora;
• Doses entre 200 e 299mg/dl: fala arrastada, visão dupla, prejuízo de memória
e da capacidade de concentração, diminuição de resposta a estímulos,
vômitos;
• Doses entre 300 e 399mg/dl: anestesia, lapsos de memória, sonolência,
• Doses maiores de 400mg/dl: insuficiência respiratória, coma, morte.

3. Psicofarmacologia do álcool
Questões freqüentes relacionadas ao uso de álcool e drogas incluem os
mecanismos de ação dessas substâncias, se o uso traz piores conseqüências na
população jovem e se existem drogas mais fortes ou piores que outras.
As pesquisas neurofisiológicas sugerem que as drogas psicotrópicas usadas de
forma abusiva estimulam a ação dopaminérgica em vias mesolímbicas localizadas
na área tegumentar ventral e no núcleo accumbens, o que teria papel determinante
no estabelecimento de dependência. Além de agir sobre vias dopaminérgicas, cada
substância age também em outros neurotransmissores, o que faz com que os vários
tipos de drogas tenham efeitos diferentes. Assim, o álcool e outros depressores do
sistema nervoso central, como os benzodiazepínicos, agem estimulando a

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neurotransmissão gabaérgica, provocando um efeito inicialmente desinibidor e
posteriormente depressor. O álcool age também em receptores de glicina, glutamato
(NMDA, AMPA e kainatos), acetilcolina (nicotínicos), proteína G, AMP cíclico e
canais de cálcio. Os efeitos crônicos incluem uma ação na adenil ciclase e
interferem na expressão genética e de fatores neurotrópicos. Não se sabe se esses
efeitos teriam relação com o desenvolvimento de quadros como a síndrome
alcoólica fetal e a neurotoxicidade no cérebro do adulto.
Os prejuízos provocados pelas drogas podem ser agudos (durante a
intoxicação ou "overdose") ou crônicos, produzindo alterações mais duradouras e
até irreversíveis. O uso de drogas por adolescentes traz riscos adicionais aos que
ocorrem com adultos em função de sua vulnerabilidade. Todas as substâncias
psicoativas usadas de forma abusiva produzem aumento do risco de acidentes e da
violência, por tornar mais frágeis os cuidados de autopreservação, já enfraquecidos
entre adolescentes. Esses riscos ocorrem especialmente com o uso do álcool, a
droga mais utilizada nessa faixa etária. O álcool pode causar intoxicações graves,
além de hepatite e crises convulsivas.
O aparecimento do quadro clínico no etilismo agudo na criança difere da do
adulto: ausência de embriaguez e predominância de agitação, astenia, hipotonia
muscular, palidez, logorréia e, posteriormente, hipoglicemia, hipotermia,
cetoacidose, turvação sensorial e, por fim, coma profundo.
O uso abusivo de benzodiazepínicos pode potencializar os efeitos do álcool e,
em altas doses, provocar depressão respiratória. O uso crônico de
benzodiazepínicos produz dependência e sua retirada abrupta pode provocar
síndrome de abstinência. O risco do desenvolvimento desses quadros não deve ser
negligenciado pelos médicos.
Efeitos do álcool sobre o esôfago, o estômago e os intestinos - o álcool
provoca irritações na mucosa gástrica e nas paredes do intestino, prejudicando a
digestão e diminuindo o apetite. Além disso, o câncer no estômago é mais freqüente
nos alcoólatras que nos abstinentes e, 90% dos casos de câncer do esôfago são
devidos ao abuso do álcool.
Efeitos do álcool sobre o fígado - autoridades competentes reconhecem que
90 % dos casos de cirrose hepática têm como causa o alcoolismo. Quando o fígado
sofre engrossamento pela cirrose as veias procedentes do intestino são
constringidas e o sangue é obrigado a deixar escapar, por escoamento, a parte

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líquida, reunindo muito líquido no ventre. Daí, a ascite, vulgarmente conhecida como
“barriga d’água”.
Efeitos do álcool sobre os rins - o álcool provoca irritação nos rins,
prejudicando seu funcionamento normal, acarretando a hidropisia (infiltração da
água da urina nos tecidos) e, posteriormente, a uremia (presença de grande
quantidade de substâncias tóxicas no sangue).
Efeitos do álcool sobre os brônquios e os pulmões - parte do álcool é
eliminada pelos pulmões e pelos brônquios, provocando irritações nesses órgãos.
Os alcoólatras são muito sujeitos às bronquites, e também às afecções pulmonares,
especialmente à tuberculose.
Efeitos do álcool sobre o coração - o álcool, a princípio, acelera as contrações
cardíacas. Em seguida, o coração diminui seus batimentos e a circulação sanguínea
se torna mais lenta, acarretando má circulação do sangue. Além disso, o álcool
provoca lesões nas fibras nervosas e nos vasos do próprio coração.
Efeitos do álcool sobre o sistema vascular - o álcool é responsável por cerca
de 25% dos casos de arteriosclerose. Ele também atua aumentando a pressão
arterial e maximizando os riscos de acidente vascular cerebral (AVC).
Efeitos do álcool sobre o sistema nervoso - o álcool prejudica o
funcionamento dos centros de coordenação motora e o sistema nervoso sensitivo.
Ao agir sobre os centros superiores do cérebro, priva o indivíduo,
momentaneamente, do uso da razão. Esse estado de loucura passageira é um fator
muito importante na produção de crimes. É também um fator de risco para uma
diversidade de doenças mentais.
Efeitos do álcool na boca – quase a metade dos casos de câncer na boca,
laringe e amídalas são causadas pelo álcool.
Efeitos do álcool no cérebro – acredita-se que cerca de um terço dos casos
de internação por demência seja causada pelo excesso de consumo de álcool.
Efeitos do álcool no coração – inflamação, lesões, arritmia, palpitação,
batimento irregular.
Efeitos do álcool nos seios – o excesso de álcool aumenta o risco do câncer
de mama em 9%.
Efeitos do álcool no pâncreas – causa inflamação fatal.
Efeitos do álcool no cólon – o álcool reduz os níveis de ácido fólico, o que
leva ao câncer do cólon.

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Efeitos do álcool nos dentes – o álcool aumento o risco de doenças da
gengiva.
Efeitos do álcool nos cabelos – grande consumo de álcool desidrata os
cabelos, tornando-os quebradiços e, em casos extremos, provocando sua queda.
Efeitos do álcool no sistema imune – dobra o risco de pneumonia, tuberculose
e outras doenças infecciosas.
Efeitos do álcool na pele – ocorre a desidratação e aumenta o risco de
psoríase.
Efeitos do álcool nas articulações – o álcool piora os casos de gota.
Efeitos do álcool na fertilidade – reduz o desempenho sexual e também a
fertilidade dos espermatozóides e dos óvulos.
Efeitos do álcool nas unhas – elas dependem da boa hidratação e do
equilíbrio de nutrientes, ambos prejudicados pelo álcool.
Efeitos do álcool nos nervos – o consumo abusivo prolongado do álcool pode
causar inflamação dos nervos, ocasionando formigamento e dor.
Efeitos do álcool nos músculos – a miosite (inflamação dos músculos) é
comum e dolorosa para os alcoólatras.

4. Sinais e sintomas do uso abusivo de bebidas alcoólicas


O uso abusivo de bebida alcoólica pode provocar tolerância, caracterizada
pela necessidade de doses cada vez maiores de álcool para que exerça o mesmo
efeito, ou diminuição do efeito do álcool com as doses anteriormente tomadas; e por
síndrome de abstinência um quadro de desconforto físico e/ou psíquico quando da
diminuição ou suspensão do consumo etílico. Nesta situação já se trata de
dependência. Muitos jovens consomem a bebida alcoólica em busca de uma
sensação de desinibição que ela provoca num primeiro instante, uma sensação de
que tudo pode e nada o atinge. Porém logo depois vem a sonolência, a visão turva,
diminuição das capacidades de reação e atenção, problemas estomacais, vesicais e
intestinais. E se o consumo for em excesso o álcool pode provocar intoxicação
podendo levar à morte. Revelam que um dos efeitos imediatos do álcool é o de
tranqüilizante ou de causador de euforia e bem-estar. Um indivíduo que esteja
enfrentando momentos de tensão, nervosismo, conflitos com a família, com amigos
ou dificuldades no relacionamento pode entregar-se ao álcool para suprimir
temporariamente a depressão, a ansiedade e os sentimentos de medo.

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Estudos e trabalhos no campo da psicologia confirmam a afirmativa acima,
onde mostra que os adolescentes de hoje fazem uso das drogas para escapar das
terríveis realidades de seu mundo e, desta forma, alcançar uma sensação de bem-
estar. O abuso de álcool pode evoluir para outras manifestações clínicas, por isso se
constitui como um problema clínico importante, pelos danos que traz à vida do
paciente e de seu círculo socioeconômico familiar.
As manifestações clínicas que podem estar presentes no uso abusivo de
bebida alcoólica são:
a) Transtornos mentais agudos e sub-agudos:
Intoxicação alcoólica - é simplesmente a conhecida embriaguez, que
normalmente é obtida voluntariamente. No estado de intoxicação a pessoa tem
alteração da fala (fala arrastada), descoordenação motora, instabilidade no andar,
nistagmo (ficar com olhos oscilando no plano horizontal como se estivesse lendo
muito rápido), prejuízos na memória e na atenção, estupor ou coma nos casos mais
extremos. Normalmente junto a essas alterações neurológicas apresenta-se um
comportamento inadequado ou impróprio da pessoa que está intoxicada. Uma
pessoa muito embriagada geralmente encontra-se nessa situação porque quis, uma
leve intoxicação em alguém que não está habituado é aceitável por inexperiência
mas não no caso de alguém que conhece seus limites.
Síndrome de abstinência alcoólica - conjunto de sinais e sintomas observado
nas pessoas que interrompem o uso de álcool após longo e intenso uso. As formas
mais leves de abstinência se apresentam com tremores, aumento da sudorese,
aceleração do pulso, insônia, náuseas e vômitos, ansiedade depois de 6 a 48 horas
desde a última bebida. A síndrome de abstinência leve não precisa necessariamente
surgir com todos esses sintomas, na maioria das vezes, inclusive, limita-se aos
tremores, insônia e irritabilidade. A síndrome de abstinência torna-se mais perigosa
com o surgimento do delirium tremens. Nesse estado o paciente apresenta confusão
mental, alucinações, convulsões. Geralmente começa dentro de 48 a 96 horas a
partir da ultima dose de bebida. Dada a potencial gravidade dos casos é
recomendável tratar preventivamente todos os pacientes dependentes de álcool
para se evitar que tais síndromes surjam. Para se fazer o diagnóstico de abstinência,
é necessário que o paciente tenha pelo menos diminuído o volume de ingestão
alcoólica, ou seja, mesmo não interrompendo completamente é possível surgir a
abstinência. Alguns pesquisadores afirmam que as abstinências tornam-se mais

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graves na medida em que se repetem, ou seja, um dependente que esteja passando
pela quinta ou sexta abstinência estará sofrendo os sintomas mencionados com
mais intensidade, até que surja um quadro convulsivo ou de delirium tremens. As
primeiras abstinências são menos intensas e perigosas.
Delirium tremens - é uma forma mais intensa e complicada da abstinência.
Delirium é um diagnóstico inespecífico em psiquiatria que designa estado de
confusão mental: a pessoa não sabe onde está, em que dia está, não consegue
prestar atenção em nada, tem um comportamento desorganizado, sua fala é
desorganizada ou ininteligível, a noite pode ficar mais agitado do que de dia. A
abstinência e várias outras condições médicas não relacionadas ao alcoolismo
podem causar esse problema. Como dentro do estado de delirium da abstinência
alcoólica são comuns os tremores intensos ou mesmo convulsão, o nome ficou
como Delirium Tremens. Um traço comum no delírio tremens, mas nem sempre
presente são as alucinações táteis e visuais em que o paciente "vê" insetos ou
animais asquerosos próximos ou pelo seu corpo. Esse tipo de alucinação pode levar
o paciente a um estado de agitação violenta para tentar livrar-se dos animais que o
atacam. Pode ocorrer também uma forma de alucinação induzida, por exemplo, o
entrevistador pergunta ao paciente se está vendo as formigas andando em cima da
mesa sem que nada exista e o paciente passa a ver os insetos sugeridos. O Delirim
Tremens é uma condição potencialmente fatal, principalmente nos dias quentes e
nos pacientes debilitados. A fatalidade quando ocorre é devida ao desequilíbrio
hidro-eletrolítico do corpo.
Alucinose alcoólica - um quadro dramático de alcoolismo, onde o indivíduo em
estado e consciência lúcida experimenta alucinações auditivas que se caracterizam
por vozes que lhe falam nos ouvidos, as vezes comandando suas ações. Muitas
vezes as vozes xingam o indivíduo, mas o que chama-se de dramático é quando tais
vozes ordenam que o indivíduo cometa algum tipo de ato como matar alguém ou se
suicidar. O tratamento nesses casos é feito com neurolépticos e, se necessário,
hospitalização.
b) Transtornos amnésticos:
Sindrome de Wernicke-Korsakoff (síndrome amnéstica) - Os alcoólatras
"pesados" em parte (10%) desenvolvem algum problema grave de memória. Há dois
desses tipos: a primeira é a chamada Síndrome Wernicke-Korsakoff (SWK) e a outra
a demência alcoólica. A SWK é caracterizada por descoordenação motora,

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movimentos oculares rítmicos como se estivesse lendo (nistagmo) e paralisia de
certos músculos oculares, provocando algo parecido ao estrabismo para quem antes
não tinha nada. Além desses sinais neurológicos o paciente pode estar em confusão
mental, ou se com a consciência clara, pode apresentar prejuízos evidentes na
memória recente (não consegue gravar o que o examinador falou 5 minutos antes) e
muitas vezes para preencher as lacunas da memória o paciente inventa histórias, a
isto chamamos fabulações. Este quadro deve ser considerado uma emergência, pois
requer imediata reposição da vitamina B1(tiamina) para evitar um agravamento do
quadro. Os sintomas neurológicos acima citados são rapidamente revertidos com a
reposição da tiamina, mas o déficit da memória pode se tornar permanente. Quando
isso acontece o paciente apesar de ter a mente clara e várias outras funções
mentais preservadas, torna-se uma pessoa incapaz de manter suas funções sociais
e pessoais. Muitos autores referem-se a SWK como uma forma de demência, o que
não está errado, mas a demência é um quadro mais abrangente, por isso preferimos
o modelo americano que diferencia a SWK da demência alcoólica.

5. Álcool e Gravidez
A bebida alcoólica ingerida pela gestante atravessa a barreira placentária, o
que faz com que o feto esteja exposto às mesmas concentrações de álcool do
sangue materno. Porém, a exposição fetal é maior, devido ao metabolismo e
eliminação serem mais lentos, fazendo com que o líquido amniótico permaneça
impregnado de álcool. Isso tem efeitos diretos sobre vários fatores de crescimento
celular, inibindo a proliferação de certos tecidos. Entretanto, a suscetibilidade fetal
ao álcool depende da quantidade ingerida, época da exposição, estado nutricional e
capacidade de metabolização materna e fetal. A quantidade segura de álcool que
uma gestante pode consumir não está definida, por isto recomenda-se abstinência
total durante toda a gravidez.
Calcula-se que 10% das crianças nascidas com restrição de crescimento
intra-uterino nos Estados Unidos tenham como causa a exposição fetal ao álcool, e
ainda, que 11% dos pacientes institucionalizados por deficiência mental naquele
país sofram dos efeitos teratógenos do álcool. No Brasil existem poucos dados
sobre a incidência de efeitos teratógenos do álcool. Estima-se incidência de
alcoolismo materno em 6 de cada 1.000 gestantes, e a incidência de SAF em 1 de

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cada 1.000 recém-nascidos. No entanto, calcula-se que um quarto das grávidas
deste país faça uso esporádico de bebida alcoólica.
Estudo publicado na Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia tiveram
como objetivo verificar o consumo de álcool na gravidez e avaliar os possíveis
efeitos teratógenos desta substância sobre os fetos.
Para o estudo, foram entrevistadas 150 parturientes (mulheres em trabalho de
parto) de uma maternidade de Ribeirão Preto-SP. Elas foram divididas em
consumidoras e não-consumidoras de álcool durante a gestação. Os recém-
nascidos destas mulheres foram avaliados em relação ao peso, comprimento e
perímetro cefálico (tamanho do crânio) no nascimento. Estes parâmetros foram
comparados com o consumo de bebida alcoólica pelas mulheres.
Os resultados mostraram que, das mulheres entrevistadas, 79,3% (119) não
foram identificadas como consumidoras de álcool pelo questionário, ao passo que
20,7% (31) foram consideradas consumidoras. A média de comprimento dos recém-
nascidos cujas mães não consumiram álcool foi de 48,2 cm, e naqueles cujas mães
ingeriram bebida alcoólica foi de 46,7 cm e esta diferença foi significante. Também
se observou redução média de 109g no peso e de 0,42cm no perímetro cefálico nos
filhos de mães consumidoras de álcool, sendo que nos fetos do sexo feminino a
redução de peso foi mais acentuada: 186g. A pesquisa concluiu que o uso de álcool
na gravidez está associado à restrição do crescimento fetal, sendo os fetos do sexo
feminino aparentemente mais suscetíveis aos efeitos do álcool.
O uso de álcool durante a gravidez pode trazer inúmeros problemas para a
criança, incluindo hiperatividade, déficits de atenção, aprendizado e memória.
Diversos fatores podem contribuir para o surgimento de problemas no feto:
padrão de consumo de álcool, metabolismo materno, suscetibilidade genética,
período da gestação em que o álcool foi consumido e vulnerabilidade das diferentes
regiões cerebrais da criança. Atualmente sabe-se que os riscos para o feto
aumentam com o nível de consumo e a freqüência de uso.
A mais grave das conseqüências relacionadas ao consumo de álcool durante
a gestação é a Síndrome Fetal Alcoólica (SFA) que foi descrita pela primeira vez por
Jones e Smith em 1973. A criança com SFA apresenta algumas anormalidades
faciais e exibe déficit intelectual, problemas cognitivos e problemas
comportamentais, baixo peso ao nascer, atraso no crescimento e no
desenvolvimento, anormalidades neurológicas, más formações do esqueleto e

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sistema nervoso, comportamento perturbado, modificações na pálpebra deixando os
olhos mais abertos que o comum, lábio superior fino e alongado. O retardo mental e
a hiperatividade são os problemas mais significativos da SAF. Mesmo não havendo
retardo é comum ainda o prejuízo no aprendizado, na atenção e na memória; e
também descoordenação motora, impulsividade, problemas para falar e ouvir. O
déficit de aprendizado pode persistir até a idade adulta
Apesar de apresentar inúmeras limitações intelectuais, a criança com SFA
apresenta bom desempenho nos testes de linguagem, mas ainda assim apresenta
dificuldades nos testes de aritmética e em seu desenvolvimento sócio-emocional.
Para que o diagnóstico de síndrome fetal alcoólica seja feito é necessário que
o paciente seja avaliado por um pediatra. Isto porque outras doenças que promovem
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor da criança podem estar presentes ou
se confundir com a SFA. Não há uma abordagem terapêutica desenvolvida
diretamente para SFA. Complicações clínicas, tais como convulsões ou cardiopatias,
requerem tratamentos específicos. O mesmo se aplica à presença de transtornos
psiquiátricos associados. Alguns fatores protetores contra complicações sociais e
psicológicas já foram identificados como, por exemplo:
• Relacionamentos familiares estáveis;
• Diagnóstico da síndrome antes dos seis anos de idade;
• Ausência de violência física;
• Rotina estável e imune a mudanças periódicas de residência ou cidade;
• Ausência de privações sociais,
• Presença de acompanhamento especializado.
O retardo mental, uma vez estabelecida sua gravidade, deve receber a
atenção necessária em serviços especializados. Problemas motores, tais como falta
de coordenação e déficits parecem ter boa resposta a tratamentos fisioterápicos.
Não se deve, no entanto, abordar o problema de modo restrito. Medicar um
transtorno psiquiátrico, cuidar de alterações oftalmológicas, procurar uma escola
especial ou proporcionar a criança atendimento psicológico ou fisioterápico são
fundamentais, mas somente eficazes se associados e concomitantes. Deve haver
um plano de tratamento e comunicação constante entre todos os profissionais e
familiares envolvidos.

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Outra grave conseqüência do uso de álcool durante a gravidez é o chamado
Efeitos Relacionados ao Álcool (ERA). Crianças que apresentam ERA apresentam
algumas das características dos pacientes com Síndrome Fetal Alcoólica, mas
geralmente exibem melhor performance nos testes de inteligência.
Existem três formas de efeitos relacionados ao álcool (ERA):
Parcial - crianças que apresentam algumas alterações faciais e
comprometimentos neurológicos.
Malformações Congênitas - crianças que apresentam uma ou mais
anormalidades congênitas, incluindo anormalidades cardíacas, auditivas, renais e
esqueléticas.
Desordem Neuropsicomotoras - crianças que apresentam déficits em sua
capacidade de aprendizado, especialmente em aritmética e em seu desenvolvimento
sócio-emocional. Em comparação com a Síndrome do Alcoolismo Fetal, a Desordem
Neuropsicomotora Relacionada ao Álcool atinge um número maior de crianças e
seus sintomas (incluindo déficit cognitivo) são menos severos do que os sintomas
apresentados por crianças com SFA.

5.1 Critérios diagnósticos da teratogenia do álcool


Havendo exposição pré-natal ao álcool, e com base nos estudos realizados
até o momento, a SAF e suas variações clínicas, como as desordens do espectro
alcoólico fetal (DEAF) e outras anteriormente denominadas efeito alcoólico fetal,
podem apresentar:
• Dismorfologia facial, com variações de traços raciais na face com três
características mais evidentes:
• filtro nasal ausente ou indistinto, narinas antevertidas e aumento da
distância entre o nariz e o lábio superior que, comparado ao inferior, está afilado, ao
contrário de uma criança com traços normais;
• hemangiomas sem predominância de localização e estrabismo, sendo
o mais comum o convergente;
• fendas palpebrais pequenas, no 10º percentil ou menos, podendo
haver, também, nariz pequeno, prega do epicanto, retrognatia, microcefalia e face
aplanada;

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• Deficiência no crescimento pré ou pós-natal, no peso e/ou na altura, no 10º
percentil ou menos, referido em qualquer idade e ajustado para sexo, idade
gestacional e etnia.
• Anormalidades no sistema nervoso central, como:
• estruturais, perímetro cefálico no 10º percentil ou menos e ajustado
para sexo e idade e, clinicamente, com a observação de anormalidades cerebrais
por meio de imagem;
• neurológicas: desde que não sejam decorrentes de agressão perinatal
ou febre, com atividade funcional abaixo da expectativa para a idade, como
dificuldades no aprendizado, na linguagem, na atenção e na memória;
• outras intelectivas, com atraso no desenvolvimento de grau variado
nas funções sociais, no comportamento e na execução motora, e hiperatividade.
5.2 Amamentação
O leite materno é o alimento mais adequado para o bebê e deveria ser se
possível consumido pelo menos até aos seis meses de idade. Durante o aleitamento
a mãe deve utilizar bebidas saudáveis como, por exemplo, a água, leite e sumos
naturais, dispensando totalmente as bebidas alcoólicas. Se assim não o fizer, o leite
que o filho beber conterá álcool. O álcool difunde-se muito bem nos líquidos
orgânicos ricos em água pelo que se mistura com imensa facilidade no leite
materno, sendo a sua quantidade igual à quantidade de álcool que existe no sangue.

6. O abuso precoce da bebida


Pesquisas recentes sobre os efeitos do álcool no cérebro de adolescentes
mostram que essa substância, consumida num padrão considerado nocivo, afeta as
regiões responsáveis por habilidades como memória, aprendizado, autocontrole e
principalmente a motivação.
Efeitos sobre o Hipocampo - o hipocampo está ligado aos processos de
memorização e aprendizado. Experimentos com ratos realizados na Universidade
Duke, nos EUA, mostraram que, em cobaias adolescentes, o álcool tornou mais
lenta do que em espécimes adultos a atividade dos neurônios envolvidos na
formação de novas memórias. Conforme foi aumentada a dosagem de álcool, a
atividade cessou completamente.

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Em adolescentes humanos, isso pode ser a explicação para os lapsos de
memória durante o abuso do álcool. Antigamente, pensava-se que essa situação
ocorria apenas em adultos.
Efeitos sobre o Lobo frontal - O lobo frontal está ligado à concentração, ao
planejamento e à iniciativa; essa área é essencial para qualquer pessoa controlar o
impulso e medir as consequências de seus próprios atos.
Um estudo realizado na Universidade da Carolina do Norte submeteu ratos ao
equivalente a quatro dias de intensa bebedeira. O dano cerebral nas cobaias
adolescentes foi duas vezes maior do que nas adultas. Com base nisso, conclui-se
que o consumo de álcool em larga escala na adolescência pode levar o adolescente,
na fase adulta, a ter dificuldades para, entre outras coisas, tomar decisões e definir o
que é certo ou errado para si.

7. Alcoolismo infantil no Brasil


O alcoolismo já atinge milhões de crianças e adolescentes no Brasil, onde as
bebidas alcoólicas são vendidas a preço de banana, principalmente a pinga e a
cerveja, muito consumidas. Uma garrafa de pinga custa menos que um litro de leite,
pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas e
Psicotrópicos, órgão ligado à Escola Paulista de Medicina, entre estudantes da rede
estadual de primeiro e segundo graus da cidade de São Paulo, revelou que 70,04%
dos jovens começam a beber entre os 10 e os 12 anos de idade (nos Estados
Unidos o índice é de 50,02%).
Em um país como o Brasil, a indústria da bebida não apenas promove como
estimula o consumo precoce de cerveja entre crianças e adolescentes. A publicidade
passa uma imagem de festa, de diversão e de sexualidade associada à cerveja. E
também passa uma idéia de um produto que poderia ser consumido de forma
indefinida sem causar problemas. A mensagem é sempre a do “experimente,
experimente, experimente”. Essa foi uma publicidade veiculada em todo o país que,
a meu ver, foi à pior do ponto de vista de saúde pública. Mas, de alguma forma, ela
sintetiza as mensagens de todas as outras marcas de cerveja.
A sociedade brasileira permite que se divulgue a mensagem de que a
experimentação farmacológica – que também envolve o consumo de cerveja – é
algo que todo jovem deve fazer. A publicidade de cerveja, da maneira como ela é

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feita hoje, inviabiliza qualquer programa de prevenção ao consumo de qualquer tipo
de droga. Porque você deixa que o “experimente, experimente, experimente”
bombardeie a cabeça das crianças em qualquer hora do dia.

8. Uso de álcool entre adolescentes: conceitos, características


epidemiológicas e fatores etiopatogênicos
O álcool é a substância mais consumida entre os jovens, sendo que a idade
de início de uso tem sido cada vez menor, aumentando o risco de dependência
futura. O uso de álcool na adolescência está associado a uma série de
comportamentos de risco, além de aumentar a chance de envolvimento em
acidentes, violência sexual e participação em gangues. O uso de álcool por
adolescentes está fortemente associado à morte violenta, queda no desempenho
escolar, dificuldades de aprendizado, prejuízo no desenvolvimento e estruturação
das habilidades cognitivo-comportamentais e emocionais do jovem. O consumo de
álcool causa modificações neuroquímicas, com prejuízos na memória, aprendizado e
controle dos impulsos. Os profissionais que lidam com adolescentes devem estar
preparados para uma avaliação adequada quanto ao possível uso abusivo ou
dependência de álcool nesta faixa etária. Entretanto, é importante destacar que os
critérios empregados por alguns instrumentos para o diagnóstico de abuso e
dependência de álcool foram desenvolvidos para adultos e devem ser aplicados com
ressalvas para adolescentes. Assim, é fundamental que os profissionais conheçam
as características da adolescência e as particularidades da dependência química
nesta faixa etária.

8.1 Problemas relacionados a diagnóstico e classificação


Um dos primeiros obstáculos relacionados ao tema do uso problemático de
álcool entre adolescentes é a própria definição do que é o uso normal. Os sistemas
classificatórios apresentam discordâncias e necessidades de aprimoramento
bastante comentadas na literatura.
De acordo com a American Academy of Pediatrics, haveria seis estágios no
envolvimento do adolescente com SPA (substância psicoativas): abstinência, uso
experimental/recreacional (em geral limitado ao álcool), abuso inicial, abuso,
dependência e recuperação. Esta classificação é interessante, pois contempla
características da adolescência: a experimentação de SPA, dentro de certos

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padrões, pode ser considerada uma conduta normal neste período de
desenvolvimento, no qual o jovem percorre outras experimentações, como a da
sexualidade. Sabe-se, por exemplo, que a maioria dos adolescentes que
experimentam uma substância de abuso não se tornará um usuário regular da
mesma. Também, esta classificação permite o diagnóstico de abuso inicial quando
pequenos prejuízos começam a emergir, como um pior desempenho escolar por
estar sofrendo dos efeitos posteriores a um abuso de álcool.
A maioria dos instrumentos para avaliação de uso de SPA deriva, entretanto,
do DSM (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais). Por este
sistema, os principais diagnósticos seriam de abuso e de dependência.
Para o diagnóstico de abuso, o adolescente precisaria apresentar, ao longo
de um ano, um dentre quatro sintomas ancorados, sobretudo, no uso recorrente da
substância, apesar de algum prejuízo social, pessoal ou legal. Para o diagnóstico de
dependência, o adolescente deveria apresentar, ao longo de um ano, três dentre
sete sintomas que não se sobrepõem aos sintomas de abuso. O DSM-IV apresenta
uma série de vantagens, como a listagem de critérios operacionais claros. O seu
uso, porém, requer cautela, por vários motivos. Não há critérios para crianças e
adolescentes distintos de critérios para adultos, como já ocorre, por exemplo, para a
distinção entre Transtorno de Conduta e Personalidade Anti-Social. Também há uma
série de outras ressalvas, tanto para o abuso quanto para a dependência. Ao menos
dois dos sete sintomas de dependência são de base predominantemente biológica
(tolerância e abstinência), mas a resposta física ao álcool difere de acordo com a
etapa do desenvolvimento. O que significa dizer que, para uma doença de
desenvolvimento lento como o alcoolismo, seria improvável que estes elementos –
em particular os sintomas de abstinência – já se encontrassem evidentes com
poucos anos de uso na adolescência.
Além disso, clinicamente, há dados que sugerem que a evolução da
dependência de álcool em adolescentes não segue a transição de abuso para
dependência do DSM-IV, mas sim uma seqüência composta por sintomas de ambos
diagnósticos desde estágios mais iniciais, talvez mais parecida ao que propõe a
American Academy of Pediatrics. Primeiramente, haveria três sintomas de
dependência (tolerância, beber mais tempo ou quantia maior do que o desejado e
muito tempo em torno de álcool) e dois de abuso (prejuízos pessoais e sociais); em
um segundo estágio, haveria três sintomas de dependência (tentativas frustradas ou

15
desejos de diminuir ou interromper o consumo; escassez do repertório; e uso
continuado, apesar de problemas físicos ou emocionais) e dois de abuso (uso em
situações com risco físico e problemas legais) e, por fim, um terceiro estágio,
caracterizado pelos sintomas físicos de abstinência. Com base nestes dados,
parece-nos fundamental que, para avaliar o uso de álcool entre adolescentes,
sobretudo no intuito de diagnosticar alguma patologia –, o profissional tenha
conhecimento sobre a adolescência e sobre as particularidades da dependência
química nesta etapa da vida. Não há sustentação para simplesmente transpor o
modelo de adultos para esta faixa etária.

8.2 A Situação do problema: prevalência de experimentação, consumo regular,


abuso e dependência de álcool entre adolescentes
Os estudos epidemiológicos sugerem que 19% dos adolescentes norte-
americanos apresentam abuso de álcool. Os dados brasileiros são mais escassos e
indicam haver características regionais quanto ao uso de álcool e outras SPA.
Considerando-se o uso na vida, de acordo com o I Levantamento Domiciliar sobre o
Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil (2001), a prevalência é de 48,3% entre
jovens de 12 a 17 anos, em 107 grandes cidades brasileiras. Neste estudo, ainda na
análise das 107 cidades em conjunto e para esta mesma faixa etária, a prevalência
de dependência de álcool foi 5,2%. Analisando-se os dados de acordo com a região
brasileira, encontramos a maior prevalência de uso na vida de álcool na região Sul
(54,5%) e maior prevalência de dependência de álcool nas regiões Norte e Nordeste
(9,2 e 9,3%, respectivamente). Entretanto, de acordo com a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) (2002), a cidade
de Porto Alegre, RS, lidera o ranking dos usuários regulares de SPA lícitas e ilícitas,
com 14,4% de usuários de álcool. Apesar da relativa escassez de dados nacionais,
estes estão de acordo com a literatura internacional, no sentido de a dependência
química ser o problema de saúde mental mais prevalente entre adolescentes, com o
álcool em primeiro lugar. Estes dados tornam-se mais alarmantes à medida que
consideramos o forte impacto negativo do uso regular de álcool na adolescência,
como será detalhado adiante.

8.3 Fatores de risco para o uso de álcool em adolescentes

16
O álcool é uma das substâncias psicoativas mais precocemente consumidas
pelos jovens. Diferentes estudos, nacionais e estrangeiros, sistematicamente
confirmam a impressão genérica de que, se o álcool é facilmente obtenível e
fartamente propagandeado, isto se reflete em seu consumo precoce e disseminado.
Em um levantamento realizado com uma amostra de adolescentes
representativa da população de Porto Alegre, coletaram dados de 950 jovens entre
10 e 18 anos. Os achados indicavam ser freqüente (71%) a experimentação das
bebidas alcoólicas mais comuns na faixa etária estudada, chegando a quase 100%
na idade de 18 anos. Um dos achados importantes do estudo foi o de que havia
mudanças na forma, local de consumo e volume de etanol ingerido de acordo com a
idade dos entrevistados, assim como com relação ao gênero: os meninos
começavam a beber fora de casa e com amigos mais precocemente, enquanto as
meninas eram mais conservadoras, mantendo o hábito de consumo familiar e
doméstico por mais tempo.
Genericamente, há informações consistentes sobre elementos que
influenciam o início ou mantêm o uso de substâncias por parte dos adolescentes.
Alguns deles se encontram abaixo:
1) A experimentação inicial se dá pelo fato de o adolescente ter amigos que
usam drogas, gerando uma pressão de grupo na direção do uso. Ao mesmo tempo,
ressaltam que valores, calor humano e desempenho escolar dos pares também
pode ser um importante elemento na prevenção do uso de drogas. Os autores
também descrevem o efeito de "loops", ou seja, a potencialidade de que
retroalimentações possam acontecer entre uso de drogas pelos pares e o uso
pessoal de drogas: adolescentes que estão usando drogas têm mais chance de
estarem associados a pares que usam drogas e, essa associação, por sua vez,
aumenta a chance de que eles mantenham ou incrementem o seu envolvimento com
drogas.
2) Elementos relacionados à estrutura de vida do adolescente
desencadeiam um papel fundamental na gênese da dependência de
drogas.Estudando uma amostra de 213 adolescentes brasileiros classificados em
três grupos de intensidade crescente de abuso/dependência, identificaram que a
classe social média-baixa aumentava em 3,5 vezes a probabilidade destes
indivíduos se tornarem dependentes de drogas e a defasagem escolar, de no
mínimo um ano, aumentava em 4,4 vezes a chance destes desenvolverem uma

17
dependência grave. No que compete à situação familiar, a presença somente da
mãe no domicílio do adolescente estava associada a um aumento de 22 vezes na
chance deste ser dependente de drogas, quando comparado com adolescentes que
viviam com ambos os pais. Corroborando estes achados, todo o corolário de trauma
familiar, separação, brigas e agressões estavam francamente associadas ao grupo
de adolescentes com maior intensidade de dependência. O papel dos pais e do
ambiente familiar é marcante no desenvolvimento do adolescente e,
conseqüentemente, na sua relação com álcool e outras drogas. Falta de suporte
parental, uso de drogas pelos próprios pais, atitudes permissivas dos pais perante o
uso de drogas, incapacidade de controle dos filhos pelos pais, indisciplina e uso de
drogas pelos irmãos são todos fatores predisponentes à maior iniciação ou
continuação de uso de drogas por parte dos adolescentes. Outro ponto de estudo na
etiopatogenia do abuso de substâncias é o impacto de uma predisposição co-
mórbida psiquiátrica no desenvolvimento do uso de drogas por adolescentes. Dentre
os dependentes de drogas, estima-se que entre 30 e 80% tenham alguma outra
comorbidade, sendo as mais freqüentes o Transtorno de Conduta, Depressão,
Déficit de Atenção com Hiperatividade e Ansiedade. Os mais potentes preditores de
uso freqüente de drogas são as variáveis relacionadas a um estilo de vida não
convencional, dentre elas a busca de sensações, rebeldia, tolerância a
comportamentos desviantes e baixa escolaridade.

8.4 Adolescentes Brasileiros bebem demais


Em entrevista exclusiva, o psiquiatra Dartiu Xavier, professor da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp), orienta sobre como manter o consumo dos nossos
filhos sob controle.
Em uma mesa de bar ou em uma balada, amigos se reúnem para conversar e
beber. Grande parte ainda não completou dezoito anos. Às vezes, exageram. Esse
cenário é cada vez mais freqüente no Brasil, onde 46% dos adolescentes entre 14 e
17 anos consomem bebidas alcoólicas.
O dado é de um estudo recente da ONU, que mapeou a ingestão de álcool
entre os jovens de nove países da América Latina. O resultado foi trágico: ficamos
atrás apenas da Colômbia, com 51,9%, e do Uruguai, com 50,1%.

18
Antes que os pais se perguntem onde estão errando, o psiquiatra Dartiu
Xavier, professor da Universidade Paulista de Medicina, Unifesp, observa: uma
conjunção de fatores é responsável por esse comportamento.
"A adolescência é uma fase de curiosidade identificada com a procura de
sensações, pela experimentação, e, muitas vezes, pela falta de limites", diz.
O consumo cresce significativamente a partir dos 16 anos, principalmente
entre os meninos. "Quando bebem, eles são motivo de aplausos", afirma o médico.
Apesar das meninas serem minoria nas estatísticas, elas também sofrem com
o abuso de álcool de forma direta e indireta. Em busca de liberdade e diversão, as
garotas engrossam os atendimentos em prontos-socorros por causa de bebedeira.
Quando não estão embriagadas, se acidentam porque pegaram carona com um
motorista alcoolizado.
Em um momento de transformações intensas, os jovens encontram
dificuldades que, em algumas circunstâncias, procuram manejar com a bebida. “Eles
bebem para adquirir a coragem que falta, para diminuir a ansiedade, ou mesmo para
aliviar a depressão, que pode não ser diagnosticada corretamente porque é
confundida com a rebeldia da idade”, explica Dartiu.
A banalização do uso de álcool, que atinge 15% da população geral, faz com
que os pais se preocupem com as drogas ilícitas e se esqueçam da prevenção em
relação as droga legalizadas, como a bebida e o fumo.
"Sempre chega ao meu consultório uma família que pegou o filho fumando
maconha. Em geral, ele fuma maconha uma vez por mês. Mas bebe, até cair, três
vezes por semana. O álcool não costuma mobilizar os pais da mesma forma", alerta
o psiquiatra.
A conversa franca e aberta é sempre a melhor saída para impedir que a
característica de experimentação, típica da adolescência, acabe por promover a
irresponsabilidade. Mas para que isso dê certo, vale mais alertar para os riscos do
que proibir. "Explique que não podem beber todos os dias, não podem ir para o bar
quando têm aula e os oriente quanto à dosagem", aconselha.
Acima de tudo, é importante estabelecer uma relação de confiança e apontar
alternativas. Um exemplo: se um dia, o filho exagerar, ele precisa ter a certeza de
que pode ligar para a família. Os pais devem deixar claro que irão buscá-lo. Melhor
isso do que o jovem dirigir embriagado ou pegar carona com qualquer um.

19
Procure mostrar que não se deve misturar bebidas e que, quando bebemos
álcool para matar a sede, as chances de exagerar são ainda maiores. "Mas não se
trata de propor uma lei seca. É comum e normal que um adolescente erre a mão e
extrapole vez ou outra. O que não pode acontecer é isso se tornar uma regra",
afirma Dartiu.

8.5 Efeitos do Álcool na Adolescência


Durante a adolescência, muitas pessoas começam a experimentar álcool,
ainda que relativamente pouco seja conhecido sobre os efeitos do álcool está em
fase crítica do desenvolvimento. Sabemos que o início precoce do consumo de
álcool continua sendo um dos indicadores mais poderosos do abuso do álcool
depois. Sabemos também que durante as mudanças da adolescência ocorrem em
regiões do cérebro envolvidas na modulação de reforço de drogas, por isso não se
pode presumir que fatores precipitantes uso ou abuso de álcool são os mesmos na
adolescência como na idade adulta. Em rápida mutação dos sistemas do corpo,
muitas vezes são particularmente vulneráveis às rupturas e, portanto, as
conseqüências a longo prazo podem resultar da exposição de álcool durante este
tempo de maturação do sistema endócrino e neural acelerado. Por todas estas
razões, a adolescência é uma fase crítica do desenvolvimento e pesquisas
adicionais são necessárias para os efeitos do consumo durante este período de
transição importante. Esta barra lateral brevemente opiniões descobertas sobre
como o álcool afeta os adolescentes, com ênfase especial sobre o impacto do álcool
sobre o desenvolvimento neural e endócrino. Embora a pesquisa nesta área seja
escassa, os efeitos específicos de gênero são destaque sempre que possível.

8.6 Impacto do uso de álcool em adolescentes


O uso problemático de álcool por adolescentes está associado a uma série
de prejuízos no desenvolvimento da própria adolescência e em seus resultados
posteriores, como será detalhado. Os prejuízos decorrentes do uso de álcool em um
adolescente são diferentes dos prejuízos evidenciados em um adulto, seja por
especificidades existenciais desta etapa da vida, seja por questões neuroquímicas
deste momento do amadurecimento cerebral. Alguns riscos são mais freqüentes
nesta etapa do desenvolvimento, pois expressa características próprias desta etapa,

20
como o desafio a regras e à onipotência. O adolescente acredita estar magicamente
protegido de acidentes, por exemplo, e também se sente mais autônomo na
transgressão, envolvendo-se, assim, em situações de maior risco, por muitas vezes
com conseqüências mais graves.
Abaixo, alguns prejuízos associados à intoxicação e ao beber regularmente
nesta fase:
1) O uso de álcool por menores de idade está mais associado à morte do
que todas as substâncias psicoativas ilícitas em conjunto. Sabe-se, por exemplo,
que os acidentes automobilísticos são a principal causa de morte entre jovens dos
16 aos 20 anos. Estima-se que 18% dos adolescentes norte-americanos com idade
entre 16 e 20 anos dirijam alcoolizados, dado de extrema importância ao sabermos
que os comportamentos de risco, como os que resultam em acidentes
automobilísticos, respondem por 29% das mortes de adolescentes. Este
comportamento é mais característico de adolescentes do que adultos, pois a
prevalência de acidentes automobilísticos fatais associados com álcool, entre jovens
de 16 a 20 anos, é mais do que o dobro da prevalência encontrada nos maiores de
21 anos. Em recente estudo realizado na fronteira EUA/México, o consumo de
bebidas alcoólicas entre adolescentes mostrou-se associado com dirigir alcoolizado
(OR=5,39) e com pegar carona com motorista alcoolizado (OR=3,12).
2) Estar alcoolizado aumenta a chance de violência sexual, tanto para o
agressor quando para a vítima. Da mesma forma, estando intoxicado, o adolescente
envolve-se mais em atividades sexuais sem proteção, com maior exposição às
doenças sexualmente transmissíveis, como ao vírus HIV, e maior exposição à
gravidez. A ligação entre sexo desprotegido e uso de álcool parece ser afetada pela
quantidade de álcool consumida, interferindo na elaboração do juízo crítico. Dados
nacionais apontam para uma associação entre uso de álcool, maconha e
comportamentos sexuais de risco – como início precoce de atividade sexual, não
uso de preservativos, pagamento por sexo e prostituição.
3) O consumo de álcool na adolescência também está associado a uma
série de prejuízos acadêmicos. Esses podem decorrer do déficit de memória:
adolescentes com dependência de álcool apresentam mais dificuldade em recordar
palavras e desenhos geométricos simples após um intervalo de 10 minutos, em
comparação a adolescente sem dependência alcoólica. Sabendo-se que a memória
é função fundamental no processo de aprendizagem e que esta se altera com o

21
consumo de álcool, é natural que este também comprometa o processo de
aprendizagem. A queda no rendimento escolar, por sua vez, pode diminuir a auto-
estima do jovem, o que representa um conhecido fator de risco para maior
envolvimento com experimentação, consumo e abuso de substâncias psicoativas.
Assim, a conseqüência do uso abusivo de álcool para o adolescente poderia levá-lo
a aumentar o consumo em uma cadeia de retroalimentação, ao invés de motivá-lo a
diminuir ou interromper o uso.
4) A percepção que o adolescente tem sobre os problemas decorrentes do
consumo de álcool não acompanha, necessariamente, a hierarquia dos prejuízos
considerados mais graves. Sabe-se, por exemplo, que 50% dos jovens que bebem
regularmente apontam como a principal conseqüência negativa o fato de terem se
comportado de uma forma imprópria durante ou após o consumo. Da mesma forma,
33% destes adolescentes queixam-se de prejuízo no pensamento. Apenas 20%
descrevem o ato de dirigir alcoolizado como um dos problemas decorrentes, em
contraste com o fato de os acidentes automobilísticos com motorista alcoolizado
serem a principal causa de mortes nesta faixa etária. Além disso, outros "freios
sociais" presentes entre os adultos (problemas familiares, perda de emprego,
prejuízo financeiro) – e que muitas vezes são vistos como alertas para a diminuição
do consumo – estão ausentes entre os adolescentes. Esta seria uma possível
explicação para jovens evoluírem mais rapidamente do abuso para a dependência,
quando comparados com os adultos.
Os prejuízos associados ao uso de álcool estendem-se ao longo da vida. Os
seus efeitos repercutem na neuroquímica cerebral, em pior ajustamento social e no
retardo do desenvolvimento de suas habilidades, já que um adolescente ainda está
se estruturando em termos biológicos, sociais, pessoais e emocionais.
Abaixo, alguns dos efeitos do uso de álcool na adolescência ao longo da
vida:
1) O uso de álcool na adolescência expõe o indivíduo a um maior risco de
dependência química na idade adulta, sendo um dos principais preditores de uso de
álcool nesta etapa da vida. A manutenção do consumo em idade adulta pode ocorrer
por diferentes fatores. O uso de álcool na adolescência pode ser apenas um
marcador do uso de álcool na idade adulta ou, então, pode interferir na
neuroquímica cerebral, ainda em desenvolvimento na adolescência.

22
2) O uso de álcool em adolescentes está associado a uma série de prejuízos
neuropsicológicos, como na memória. Outros danos cerebrais incluem modificações
no sistema dopaminérgico, como nas vias do córtex pré-frontal e do sistema límbico.
Alterações nestes sistemas acarretam efeitos significativos em termos
comportamentais e emocionais em adolescentes. É importante destacar que,
durante a adolescência, o córtex pré-frontal ainda está em desenvolvimento. Como
ele pode ser afetado pelo uso de álcool, uma série de habilidades que o adolescente
necessita desenvolver e que são mediadas por este circuito – como o aprendizado
de regras e tarefas focalizadas – ficará prejudicada. O hipocampo, associado à
memória e ao aprendizado, é afetado pelo uso de álcool por adolescentes,
apresentando-se com menor volume em usuários de álcool do que em controles e
tendo sua característica funcional afetada pela idade de início do uso de álcool e
pela duração do transtorno. Estes dados são importantes, pois demonstram haver
um efeito cerebral conseqüente ao consumo de álcool em adolescentes; os efeitos
ocorrem em áreas cerebrais ainda em desenvolvimento e associadas a habilidades
cognitivo-comportamentais que deveriam iniciar ou se firmar na adolescência.
O adolescente ainda está construindo a sua identidade. Mesmo sem um
diagnóstico de abuso ou dependência de álcool, pode se prejudicar com o seu
consumo, à medida que se habitua a passar por uma série de situações apenas sob
efeito de álcool. Vários adolescentes costumam, por exemplo, associar o lazer ao
consumo de álcool, ou só consegue tomar iniciativas em experiências afetivas e
sexuais se beberem. Assim, aprendem a desenvolver habilidades apenas possíveis
com o uso de álcool e, quando este não se encontra disponível, sentem-se
incapazes de desempenhar estas atividades, evidenciando outra forma de
dependência.
Estima-se que o álcool é uma das substâncias psicoativas mais
precocemente consumidas pela população jovem. Vários estudos, tanto nacionais
quanto estrangeiros, confirmam que, se o álcool é facilmente obtido e possui uma 18
farta propaganda em torno de seu consumo, isto se reflete em seu uso precoce e
disseminado.

8.7 Consumo de álcool entre os jovens está na mira do Governo

23
Restrição e controle da propaganda de bebidas alcoólicas, segundo o veículo
de comunicação, incentivo a medidas restritivas de venda e uma política fiscal que
desestimule o consumo, elevando impostos. Essas são as diretrizes gerais definidas
pelo grupo de trabalho interministerial criado para traçar a política nacional de
redução de danos causados por bebidas alcoólicas. Para isso o conceito de bebida
também muda. Serão consideradas alcoólicas aquelas que tiverem 0,5 grau Gay
Lussac ou mais de álcool na sua composição.
Alterando o conceito, ficam sujeitas às novas regras bebidas destiladas,
fermentadas e outra preparação como mistura de refrigerantes ou de destilados.
Pedro Gabriel Godinho Delgado, coordenador do grupo e representante do
Ministério da Saúde, defende também a restrição de propaganda para os chamados
grupos vulneráveis, além de crianças e adolescentes.

9. Diagnóstico
Outro aspecto muito importante desse tema é como realizar a identificação do
jovem que usa drogas e tem problemas relacionados, o "adolescente de risco".
O uso de drogas é um fenômeno multidimensional, que pode acontecer
durante a adolescência, quando também podem surgir outros transtornos
psicológicos, comportamental e social. Entre as psicopatologias que mais incidem na
puberdade (depressão maior, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e do
comportamento disruptivo) detectam-se sinais e sintomas semelhantes àqueles
também observados com o uso dessas substâncias, dificultando o diagnóstico
diferencial. Assim, uma avaliação inicial cuidadosa do jovem que procura tratamento
pode auxiliar o diagnóstico e melhorar o prognóstico, pois essa população não busca
ajuda por conta própria, principalmente quando estão em dificuldades relacionadas
ao uso de drogas. Eles pouco relacionam possíveis alterações de seu
comportamento, pensamento e mesmo de seu funcionamento orgânico com o uso
dessas substâncias, pois essas mudanças muitas vezes decorrem também da
adolescência normal. Quando o fazem, minimizam ou negam as evidências e, dentro
de uma postura ainda ambivalente, dizem que "isso não é nada" e que poderão
resolver tudo sozinhos.
Portanto, esse momento é muito especial e, dependendo da forma de abordar
o problema pelos familiares, amigos ou mesmo pelo profissional, a resistência pode

24
aumentar e a chance de intervir diminuir. Portanto, o primeiro passo da intervenção
com um jovem é adequar esse contato, por meio de uma entrevista afetiva, ativa,
objetiva e clara, buscando a cooperação do paciente e reforçando o sigilo das
informações.
Deve-se propiciar uma anamnese livre, na qual o jovem responda a duas
questões básicas: por que ele veio para a consulta e o que ele pensa que está
errado com ele. O profissional deve conduzir esse contato tentando vencer a
resistência do jovem e obtendo as informações necessárias para um diagnóstico
mais preciso.
A confidencialidade e a importância da percepção por parte do adolescente
de que tem um papel a assumir no processo de mudança que ali se inicia são
amplamente debatidos e garantidos. Esses cuidados são imprescindíveis para
desenvolver um bom rapport (“Relação, especialmente única de confiança mútua ou
afinidade emocional”), o objetivo principal dessa primeira entrevista.
São objetivos dessa avaliação: estabelecer o vínculo; investigar sobre a
saúde física e mental; sobre o comportamento e o relacionamento social e familiar; o
ajustamento escolar ou profissional; sobre seu lazer; e, finalmente, sobre o uso de
drogas e os problemas a ele associados, estabelecendo uma história sobre o uso de
drogas na vida. Após essa avaliação global do adolescente, por meio da
investigação das diversas áreas de sua vida, realiza-se o exame físico e solicitam-se
exames laboratoriais, se necessário. O jovem deve receber todos os resultados
dessa investigação.
Em função da complexidade da questão, é muito importante que se utilize
questionários, inventários e escalas desenvolvidos para o jovem, com o objetivo de
fundamentar o diagnóstico e o encaminhamento do caso. Para o diagnóstico,
recomenda-se a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da
Organização Mundial da Saúde. No capítulo sobre transtornos mentais e de
comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas, encontram-se os
critérios diagnósticos para vários estados, sendo os mais importantes: intoxicação
aguda, uso nocivo, síndrome de dependência, estado de abstinência, entre outros.
Um diagnóstico de síndrome de dependência usualmente só deve ser feito se
três ou mais dos seguintes requisitos estiveram presentes durante o último ano:
• Um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância;

25
• Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em
termos de seu início, término ou níveis de consumo;
• Um estado de abstinência fisiológico quando o uso da substância cessou ou
foi reduzido, como evidenciado por: a síndrome de abstinência característica
para a substância ou o uso a mesma substância (ou de uma substância
intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de
abstinência;
• Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância
psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por
doses mais baixas (exemplos claros disso são encontrados em indivíduos
dependentes de álcool e de opiáceos, que podem tomar doses diárias
suficientes para matar ou incapacitar usuários não tolerantes);
• Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso
da substância psicoativa, aumento da quantidade de tempo necessária para
obter ou tomar a substância ou para se recuperar de seus efeitos;
• Persistência do uso da substância, a despeito da evidência clara de
conseqüências manifestamente nocivas. Devem-se fazer esforços para
determinar se o usuário estava realmente (ou se poderia esperar que
estivesse) consciente da natureza e extensão do dano.

10. Tratamento
O alcoolismo não tem propriamente cura, mas tem controle a partir da
abstinência, ou seja, de simplesmente não se tomar nenhum gole. Para isso, muitas
vezes é necessário o tratamento psiquiátrico e já existem substâncias que facilitam o
combate à doença. A naltrexona funciona como inibidor das sensações de prazer
proporcionadas pela bebida. O acamprosato reduz os sintomas desagradáveis
provocados pela abstinência. Mas sempre convém lembrar que cada caso é um
caso e só um profissional da área é capaz de determinar o tratamento mais
adequado para cada um. Em geral, o tratamento medicamentoso deve ser
acompanhado de psicoterapia.
Finalmente, não se pode deixar de lembrar que a terapia dos Alcoólicos
Anônimos também tem ajudado muita gente a se livrar do alcoolismo há muito

26
tempo, mesmo sem o uso de medicamentos. Nesse caso, o que conta é o apoio do
grupo ao indivíduo e a influência que um exerce sobre o outro.
Tratamentos psicossociais
As psicoterapias descritas mais adiante têm sido usadas no tratamento dos
transtornos causados pelo uso do álcool. Vários autores fizeram revisões da eficácia
das várias psicoterapias para tais transtornos. Este tópico faz revisões dos
resultados na literatura sobre terapias comportamentais cognitivas, terapias
comportamentais, terapias psicodinâmicas/interpessoais, intervenções breves,
terapia conjugal e familiar, terapia de grupo, aftercare e grupos de auto-ajuda.
Terapias comportamentais cognitivas
Existem muitas evidências de que os tratamentos comportamentais cognitivos
que objetivam a melhora do autocontrole e das habilidades sociais levam
consistentemente à redução do alcoolismo. Estratégias de autocontrole incluem
estabelecimento de metas, automonitorização, análise funcional dos antecedentes
do alcoolismo e possibilidades de aprendizagem de alternativas para enfrentamento
de situações conflitivas.
O treinamento das capacidades sociais concentra-se em desenvolver
habilidades para formar e manter relações interpessoais mais estáveis, positividade
e recusa para aceitar bebidas. Relataram que as intervenções comportamentais
para tratamento do estresse foram efetivas em seis dos dez estudos revistos.
Descobriram que pacientes internados que receberam tratamento de
exposição a insinuações pareadas a treinamento das habilidades de enfrentamento
tiveram melhores resultados que aqueles que receberam somente tratamento
padronizado quando internados. Intervenções em terapia cognitiva concentradas em
identificar e modificar pensamentos mal-adaptativos e que não incluam um
componente comportamental não tem sido tão efetivo quanto os tratamentos
comportamentais cognitivos.
O treinamento do autocontrole consiste em estratégias cognitivas e
comportamentais, inclusive automonitorização, estabelecimento de metas,
recompensas para obtenção de metas, análise funcional de situações propícias para
beber e aprendizagem das habilidades alternativas para enfrentamento do problema
com bebidas.
Embora alguns estudos de treinamento de autocontrole comportamental
tenham incluído alcoolismo controlado, bem como abstinência, como objetivo do

27
tratamento, as técnicas comportamentais de autocontrole devem ser utilizadas com
o objetivo explícito a longo prazo de abstinência.
Em vários estudos, o aumento das respostas de enfrentamento ou "auto-
eficácia" ao final do tratamento predisseram melhores resultados com a bebida
durante o acompanhamento. Os indivíduos que relatam uso mais freqüente de
estratégias cognitivas ou comportamentais com intuito de resolver ou dominar o
problema ("enfrentamento por aproximação") tipicamente têm melhores resultados
que aqueles que dependem de ficar distantes das situações de alto risco
("enfrentamento por evitar").
Terapias comportamentais
A terapia comportamental individual e a conjugal têm demonstrado efetividade
para pacientes com transtornos causados pelo uso do álcool. A abordagem mais
estudada do tratamento de pacientes com transtornos causados pelo uso do álcool é
a abordagem do reforço da comunidade, que utiliza princípios comportamentais e,
geralmente, inclui terapia conjunta, treinamento para encontrar trabalho,
aconselhamento enfocado em atividades sociais e recreacionais livres de álcool,
monitorização do dissulfiram (a expressão "efeito dissulfiram" ou "efeito antabuse" se
refere à hipersensibilidade ao álcool que ocorre como uma reação adversa a
medicação específica, como o dissulfiram. Os sintomas são depressão respiratória,
arritmias cardíacas e convulsões, o que pode levar ao óbito) e clube social livre de
álcool. Usando designação aleatória para reforço da comunidade ou tratamentos
hospitalares padronizados, observou que os pacientes no grupo de reforço da
comunidade bebiam menos, passavam menos dias longe de casa, trabalhavam mais
dias e eram menos institucionalizados durante um acompanhamento de 24 meses.
Terapias psicodinâmicas/interpessoais
Concluíram que houve poucas evidências empíricas de estudos controlados
de que a psicoterapia orientada pelo insight ou aconselhamento são tratamentos
efetivos para o alcoolismo. A psicoterapia individual produziu melhores resultados
que uma condição de controle em dois dos oito estudos revistos, e a terapia de
grupo orientada psicodinamicamente produziu melhores resultados em dois de onze
estudos. Abordagens genéricas de aconselhamento (caracterizadas como
primariamente diretivas e de apoio) produziram melhores resultados que os
controles em um de oito estudos revistos. Estudos existentes sobre essa modalidade
podem ser limitados por suas abordagens a curto prazo.

28
Terapia conjugal e familiar
O estado do relacionamento do paciente com familiares ou outras pessoas
igualmente significativas pode ser fator crítico no ambiente pós-tratamento para
pacientes que sejam casados ou que vivam com a família. Contrastaram a terapia
conjugal comportamental e a terapia conjugal interacional com um grupo-controle
sem tratamento. Ambos os grupos de tratamento mostraram melhor evolução no
ajuste conjugal, e os grupos de terapia conjugal mostraram maior grau de
sobriedade no decorrer de um período de acompanhamento a curto prazo.
Dois outros estudos mostraram que os pacientes que receberam terapia
conjugal comportamental começaram a ter melhores resultados com relação ao
alcoolismo que aqueles que não a tiveram após um ano de acompanhamento.
Estudos também indicaram que o envolvimento do cônjuge no tratamento leva à
melhora dos resultados conjugais e do uso do álcool precocemente no período pós-
tratamento, que os pacientes em terapia conjunta têm menor probabilidade de
abandonar o tratamento, e que a terapia com o intuito de melhorar o casamento
como um todo parece funcionar melhor que a terapia de casais concentrada
rigidamente nos problemas relacionados ao álcool (terapia com envolvimento
mínimo do cônjuge ou apenas concentrado no álcool).
Intervenções Breves
As intervenções breves, em geral, são oferecidas por uma a três sessões e
incluem uma avaliação abreviada da gravidade do alcoolismo e de problemas
relacionados e fornecimento de feedback motivacional, além de aconselhamento.
Em oito das nove experiências de tratamento controladas as intervenções breves
demonstraram ser efetivas, relatassem resultados negativos.
Concluíram que intervenções breves:
a) são tipicamente mais efetivas (em termos de uso do álcool, saúde geral ou
funcionamento social);
b) muitas vezes têm eficácia comparável à de programas tradicionais mais intensos
e em longo prazo;
c) aumentam a efetividade do tratamento posterior. Mesmo as intervenções que
sejam muito breves (isto é, de algumas horas) podem ter algum efeito positivo.
Intervenções breves são utilizadas tipicamente (e têm mais sucesso) para pacientes
afetados menos gravemente e que não tenham recebido tratamento anterior para
um transtorno com o álcool.

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11. Considerações finais
A adolescência é uma fase de transição difícil para o indivíduo, pois o mesmo
sai de uma situação de segurança e passa a tomar suas próprias decisões. Porém,
não se encontra preparado para tal atitude, o que pode levá-lo a tomar decisões
erradas e desviar-se por caminhos incorretos, principalmente devido a pressões nos
grupos sociais. É nesta fase que o adolescente se envolve com drogas e com o
consumo abusivo e precoce de bebidas alcoólicas. A literatura mostra que o
consumo de álcool transformou-se em uma preocupação mundial nos últimos anos,
em função de sua alta incidência e uso cada vez mais precoce, de forma cada vez
mais freqüente, e dos riscos relacionados à saúde. Dentre os fatores que induzem
os adolescentes a iniciar o consumo de bebidas alcoólicas está o seu fácil acesso
nos estabelecimentos comerciais e às vastas propagandas que incentivam o
consumo do álcool. Cabe ao poder público, a aplicação de políticas voltadas ao
controle de venda de bebidas alcoólicas com mais rigor.
Outro fator que está relacionado é a desestruturação das famílias, conflitos,
separação, falta impor limites aos filhos, controlar consumo social dentro da própria
organização familiar.
Devido à falta de maturidade emocional, o convívio com grupos, amigos
também podem induzir a iniciação precoce do uso de bebidas alcoólicas. Muitos
adolescentes bebem porque os colegas bebem e exercem pressão sobre eles para
que se junte ao grupo. Como conseqüência desse uso abusivo de bebidas alcoólicas
observa-se no adolescente diminuição do rendimento escolar e presença de
comportamentos de risco para a saúde, como comportamentos sexuais
inadequados, condução de veículos motorizados, violência, agressividade, aumento
do uso de outras drogas, levando o indivíduo a conviver com um mundo de crimes,
causando a marginalidade, desarmonia familiar e social.
Assim pode-se perceber que o uso de álcool por adolescentes está associado
a uma série de prejuízos no desenvolvimento da própria adolescência e em seus
resultados posteriores. Acredita-se que todos estes problemas apresentados tornam
o consumo de álcool entre os jovens uma questão de saúde pública. E por ser
público, compete a toda a sociedade a busca para a solução deste problema. Os
estudos nessa área ainda precisam ser aprofundados, mas as descobertas feitas até
agora são alarmantes. As pesquisas são unânimes em apontar que o uso exagerado

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de álcool na adolescência afeta principalmente a habilidade cognitiva do cérebro,
como memória e aprendizado.
Infelizmente neste mundo tão globalizado, tão distante dos “valores”,
passasse a seguir um caminho muito conturbado e no meio dele estão às drogas. É
difícil imaginar uma sociedade livre do uso destas substâncias. Muito se é feito
nacional e internacionalmente falando, para diminuir a distribuição e comercialização
e acima de tudo o consumo de drogas, visto que, o maior prejudicado é o usuário.
Além de tudo acontece o enriquecimento ilícito e o fortalecimento e organização do
crime que vem crescendo a cada dia. Melhor seria que todos entendessem que não
há uma sociedade livre do uso de drogas, talvez assim os danos fossem menores.

Conclusão
Como se procurou demonstrar ao longo deste artigo, o consumo de álcool
por adolescentes ainda tem elementos controversos para sua compreensão. Apesar
de trazer claras conseqüências orgânicas, comportamentais e na estrutura de
desenvolvimento da personalidade do jovem, o uso de álcool nesta faixa etária
paradoxalmente ainda é combatido e valorizado, dependendo do ângulo em que o
fenômeno seja observado: para a mídia e para os pares, o consumo de álcool é
favorecido. Para a lei e para os programas de saúde pública, ele é combatido. Neste
embate entre forças freqüentemente desiguais, encontra-se um indivíduo com a
personalidade em formação, como que navegando entre marés com correntezas
opostas. Entretanto, independentemente das forças em questão, um ponto é
inquestionável no que compete ao consumo de álcool por adolescentes: quanto mais
precoce o início de uso, maior o risco de surgirem conseqüências graves. Os
profissionais que lidam com este tema devem estar atentos a esta questão. Para
tanto, devem conhecer as particularidades da adolescência e da dependência
química nesta faixa etária.

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