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Universidade Federal de Mato Grosso

Faculdade de Direito

Especialização em Direito Ambiental À Distância


NEPA\UAB

O MEIO AMBIENTE E O NOVO INDICADOR


DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL (FIB)

Tiago de Sousa Afonso da Silva

Cuiabá-MT
2010
II

“O que mais surpreende é que o homem, pois, perde


a saúde para juntar dinheiro, depois perde o
dinheiro para recuperar a saúde. Vive pensando
ansiosamente no futuro, de tal forma que acaba por
não viver nem o presente nem o futuro. Vive como
se nunca fosse morrer e morre como se nunca
tivesse vivido.” (Dalai Lama)
III

Para Larissa, João Paulo e Gabriel


IV

AGRADECIMENTOS

Diante da iminência da conclusão deste Curso de


Especialização À Distância, o presente trabalho nada mais representa do que
um extrato das experiências vivenciadas por este acadêmico com outros alunos,
professores, tutores e orientadores em ambiente físico e virtual, desde o mês de
agosto de 2009.
O muito que se pôde assimilar com essa
interação e a congregação de ideais sobre os mais variados ramos da ciência
que guardam pertinência com o Meio Ambiente, e o pouco que se conseguiu
aqui externar através da presente peça monográfica é forçosamente, pois, um
resultado do esforço envidado por todos: docentes e discentes.

É absolutamente oportuno e justo, portanto, que


se rendam louvores, inclusive, a toda equipe de apoio técnico e científico
provida pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso,
com apoio da Universidade Aberta do Brasil (UAB), sem cuja dedicação, por
certo, as valorosas lições aplicadas ao longo do curso restariam
incompreendidas em toda a sua plenitude.

À tutora Kátia Gobatti Calça e ao orientador


Luiz Alberto Esteves Scaloppe, com quem mais se teve contato durante toda
essa trajetória acadêmica, são prestados aqui sinceros agradecimentos, e
através deles também se homenageiam todos os profissionais de ensino, por
terem, em cada módulo do curso, optado por compartilhar abnegadamente seus
vastos conhecimentos, com paciência e didática irreparáveis.
V

Por óbvio, teve a Família papel igualmente


essencial para que esse curso fosse concluído a bom termo. Desde as fases pré-
monográficas momentos eram rotineiramente reservados para que as leituras e
atividades de aprendizagem propostas pudessem ser realizadas a contento, não
faltando compreensão por parte dos familiares para que esse tempo pudesse ser
investido em prol do aprimoramento do conhecimento.

Nesse particular, menção especial merecer ser


feita em relação à minha esposa, pois não foi senão em virtude de seu próprio
incentivo que a temática explorada neste trabalho foi escolhida, tendo sido
justamente ela, em razão do ineditismo da matéria, quem mais trouxe
esclarecimentos sobre como e onde informações relevantes poderiam ser
acessadas.
Em meio a alívio e satisfação por finalmente
concluir em tempo hábil este trabalho, já que é sabidamente difícil conciliar as
rotinas profissionais e pessoais diárias com o afã de buscar novos
aprendizados, agradece-se a todos, enfim, imensamente!
VI

ÍNDICE

-Epígrafe ......................................................................................................... II
-Dedicatória.................................................................................................... III
-Agradecimentos ............................................................................................ IV
-Introdução .................................................................................................... 01
1. O FIB (Conceito, Origem e Princípios Doutrinários) ............................ 04
2. O FIB e o rompimento de paradigmas .................................................... 06
3. As bases filosóficas do FIB (a interdependência e o pensamento
sistêmico) ........................................................................................................ 09
4. O FIB no Ocidente e a falência dos indicadores de desenvolvimento . 12
5. O indicador FIB no Brasil ........................................................................ 15
6. Fatores que importam ao FIB .................................................................. 18
7. A Resiliência Ecológica (fator preponderante ao FIB) e o Tratamento
dos Recursos Naturais................................................................................... 21
8. FIB e sustentabilidade (ponto nodal de divergência com a maioria dos
indicadores socioeconômicos) ....................................................................... 28
9. Sustentabilidade ambiental: um caminho à felicidade? ........................ 31
10. O FIB em Mato Grosso e a sustentabilidade ambiental
(entrevista) ..................................................................................................... 35
Considerações finais ...................................................................................... 40
Bibliografia .................................................................................................... 43
1

INTRODUÇÃO

Desde o momento em que os povos passaram a


delegar a terceiros a incumbência de disciplinarem as suas relações sociais e
atenderem aos seus interesses mais caros, consubstanciou-se o que
modernamente se convencionou denominar de Estado, permanecendo
concentrada nesse ente uma série de poderes e prerrogativas que, em regra,
somente poderiam existir enquanto meio de promover o bem-estar comum.

De acordo com o sistema que compõe hoje a


maioria desses entes políticos, em que há a participação democrática nas
escolhas de suas lideranças, as finalidades do Estado somente podem ser
consideradas legítimas se estiverem em sintonia com os anseios gerais, não
merecendo censura, portanto, a assertiva de que ele (Estado), em termos
teóricos, nada mais deve ser do que a representação daquilo a que aspira a
coletividade.
E tomando-se por base a premissa de que o ser
humano, ainda que não conscientemente, sempre age de modo tendente a
conquistar a satisfação interior, é absolutamente lícito ilacionar que nossos
governantes têm por missão estabelecerem políticas públicas que jamais se
afastem desse propósito. No entanto, mesmo naqueles países onde os
detentores dos poderes políticos pautam as suas ações pelo bem-estar geral, o
que se tem percebido mundialmente, há décadas, é a impotência dos gestores
de estabelecerem diretrizes que efetivamente alcancem os resultados
desejados.
É obrigação do Estado, portanto, zelar também
pela aplicação qualitativa dos recursos públicos, na medida em que o
investimento de somas vultosas em setores que desimportam à satisfação da
2

coletividade representará o fracasso da função precípua do Estado de


viabilizador de condições capazes de conferir ao indivíduo a tão pretendida
qualidade de vida.
Não é de hoje que os governos, em todo o
mundo, têm lançado mão de medidores de ordem puramente econômica para
avaliar o nível de desenvolvimento de suas nações. E alicerçados na falsa
premissa de que o progresso econômico traz consigo o bem-estar social,
permanecem eles alheios ao fato de seus próprios administrados são ainda
indivíduos infelizes, notadamente porque a boa performance do setor
produtivo advém, não raras vezes, justamente da exploração da mão de obra,
da degradação ambiental e de toda sorte de iniquidades com a quais a
qualidade de vida se torna meta absolutamente inatingível.

Nesse contexto, em que a maioria dos


medidores socioeconômicos mostra-se incapaz de avaliar com eficácia o grau
de satisfação do indivíduo, surge o indicador FIB (Felicidade Interna Bruta)
com uma proposta absolutamente inovadora, sustentando o entendimento de
que muitos dos fatores que fazem alavancar os índices de desempenho
produtivos dos países são, em verdade, os que mais distanciam as pessoas de
uma condição efetiva de bem-estar.

Este singelo trabalho se propõe a expor, em


poucas páginas, os princípios que informam o FIB, bem como a sua origem e
as suas bases filosóficas, sendo apresentado também um breve histórico da
civilização moderna ocidental desde que passou a emprestar acentuada
importância aos níveis do PIB (Produto Interno Produto) para aferir seu
desenvolvimento socioeconômico e ordenar as suas políticas públicas.
3

Pouco adiante, serão relatadas algumas das


principais experiências realizadas no Brasil visando à implantação do ideário
sustentado pelo FIB e os esforços que entidades não governamentais têm
encetado para convencer os Poder Públicos da premência de se
institucionalizar medidores socioeconômicos mais humanizados em território
nacional.
A seguir, serão apresentados os principais
pontos de dissonância entre o FIB e a maior parte dos indicadores que se
propõem a mensurar o progresso social das nações, chamando especial
atenção para os fatores que são tomados positivamente pelo PIB e por outros
índices largamente utilizados e que, entretanto, são os que mais comprometem
a satisfação do ser humano.

Nesse cenário, apresenta-se o meio ambiente


como um dos mais prejudicados pela adoção indiscriminada desses
indicadores pelos governantes, na medida em que as degradações impostas a
ele em nome da assunção de uma posição destacada no contexto econômico
são totalmente relevadas na elaboração de seus cálculos, em que pese a
qualidade de vida do homem esteja a depender necessariamente de sua
relação harmoniosa com a própria natureza.
4

1. O FIB (CONCEITO, ORIGEM E PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS)

1
O FIB (Felicidade Interna Bruta ), em
poucas palavras, nada mais representa do que um programa de mudança
social e econômica baseado na assertiva de que o desenvolvimento da
população deve exprimir, necessariamente, o seu próprio estado de felicidade.

Passível de ser mensurado e apresentado


através de índice, como assim o são o PIB (Produto Interno Bruto), IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) e o IOPDH (Iniciativa de Oxford sobre
a Pobreza e Desenvolvimento Humano), o FIB é considerado
consequentemente como um indicador que visa primordialmente a avaliar o
nível de bem-estar social, pois esta condição, segundo seus princípios, deve
ser sempre o mais importante objetivo a ser perseguido pelas nações e seus
governantes.
O FIB, conforme se pode depreender,
distingue-se da maioria dos indicadores exatamente por apresentar uma
proposta mais humanizada e menos voltada a questões negociais como
produtividade e economia, na medida em que tenciona valorizar o indivíduo
em sua essência, buscando efetivamente avaliar seu nível de satisfação
consigo mesmo, seus afins e com o ambiente onde vive.

No início do século XX, como é consabido,


alastrou-se mundialmente algumas ideologias contrárias às sustentadas pelo
homem durante a Idade Moderna. Nessa época, os pensamentos que se
opuseram aos princípios capitalistas, capitaneados especialmente por países
do Leste Europeu, iam de encontro com os advindos da Revolução Industrial

1
Em inglês: Gross National Happiness (GNH).
5

e da sociedade burguesa, instituidores do ideário de que a satisfação dos


anseios do homem decorria da incrementação de suas atividades de consumo.
Eles apregoavam, ao revés, que o efetivo bem-estar do indivíduo somente
seria alcançado se lhes fossem oferecidas condições iguais de existência, o
que somente poderia ser alcançado por intermédio da ingerência efetiva do
Estado nas relações sociais e econômicas.

No entanto, as ideias socialistas e comunistas,


conquanto sedutoras em seus aspectos teóricos, mostrarem-se igualmente
incapazes de proporcionar a satisfação do ser humano, tamanhas que eram as
restrições impostas pelo poder estatal às atividades exercidas pelas pessoas,
sendo igualmente enormes as dificuldades encontradas por elas para
compatibilizarem a sua tarefa produtiva com o desejo de agregação própria de
riquezas.
A derrocada da filosofia comunista/socialista
propiciou que houvesse, bem ou mal, a reafirmação dos pensamentos
sufragados pelo sistema econômico capitalista, por cujas bases, contudo,
ainda não conseguiu o homem atingir a sua missão de prover seu próprio
bem-estar. E não tardou muito para que alguns pensadores percebessem que a
produção de riquezas e o crescimento econômico, comumente mensurados
pelo PIB (Produto Interno Bruto), não traziam a reboque a efetiva felicidade
(assim compreendida como a sensação íntima de prazer consigo mesmo e
com o seu meio).
A par disso e consciente da incumbência
cometida aos governantes de auxiliar na promoção do bem-estar de seus
administrados, tratou então um pequeno do sul do continente asiático de por
em prática estudos tendentes a elaborar um indicador que verdadeiramente
tivesse o condão de avaliar o nível de felicidade do indivíduo.
6

Até então, os índices pelos quais se pautavam


as administrações nacionais para o estabelecimento de suas políticas públicas
eram arraigados basicamente nos mesmos princípios econômicos e
produtivistas que norteavam os pensamentos da sociedade a partir da
Revolução Industrial Inglesa do século XVIII, sendo frequentes as
discrepâncias anotadas entre as indicações do PIB e o grau de satisfação da
população com sua própria vida. Por vezes, altos índices do PIB contrastavam
com uma sociedade pouco feliz consigo mesma e, por outras tantas, baixos
índices de avaliação socioeconômica trazia apenas uma falsa impressão de
que o bem-estar dessas pessoas era completamente inexistente.

Exsurge o FIB, então, como um mecanismo de


avaliação mais precisa do nível de desenvolvimento humano, instituído tendo
sido ele, pela primeira vez em 1972 no Reino do Butão, localizado entre a
China e a Índia: consequência justamente da inquietante preocupação de seu
monarca Jigme Singye Wangchuck com a felicidade de seus súditos e com a
sua tarefa de cooperar com a melhoria da qualidade de vida de cada um deles.

2. O FIB E O ROMPIMENTO DE PARADIGMAS

Nenhuma surpresa causa o fato de o PIB, como


a maioria dos indicadores econômicos, ser incapaz de mensurar o nível de
bem-estar da população.
O PIB, em verdade, desde quando passou a ser
largamente utilizado pelas nações como um indicador de prosperidade da
sociedade, alguns estudiosos da economia, inclusive o seu principal
7

idealizador, o ucraniano Simon Kuznets, vencedor em 1971 do Prêmio de


Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, já tratava de advertir os
governantes de que esse indicador, apesar de importante, não se prestava para
medir a qualidade de vida do indivíduo 2.

Outros economistas de capacidade igualmente


reconhecida também se pronunciaram, depois, a respeito da utilização de
indicadores como o PIB para a avaliação do bem-estar social, havendo entre
eles o consenso, desde o final do século passado, de que “os seus números não
são uma boa métrica, já que não medem as mudanças em bem-estar; e se os líderes
estão tentando maximizar o PIB, e o PIB não é uma boa métrica, estamos
3
maximizando a coisa errada.” Segundo os critérios de mensuração do PIB -
índice de progresso que soma todas as transações econômicas de uma nação -
até mesmo as atividades que sabidamente comprometem o bem-estar do
indivíduo, como a criminalidade, o divórcio, jogatina, obesidade, acidentes
automobilísticos, são fatores que alavancam o progresso da economia, e
consequentemente para a maioria dos líderes políticos, o tão desejado
desenvolvimento social.
Àquela ocasião, os próprios profissionais da
Economia nos Estados Unidos da América punham em xeque a confiabilidade
do PIB para a medição da intensidade de qualidade de vida de seu povo. E
com o advento da gravíssima crise financeira que fulminou há poucos anos a
nação norte-americana e estabeleceu um colapso econômico de proporções
mundiais, vários desses estudiosos disseram que não foram realmente
colhidos de surpresa. Essa ruína, segundo eles, apenas teria demonstrado “que
os números do PIB estavam totalmente errados. O crescimento era baseado numa
2
Segundo ele o bem-estar de uma nação poderia apenas ser levemente inferido a partir da mensuração da
renda nacional (...) Metas para “mais” crescimento deveriam ser especificadas do quê e para quê
(Relatório ao Congresso Americano de 1934).
3
Ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2001 e Professor da Unidade de Columbia/NY, o
estadunidense Joseph Stiglitiz.
8

miragem. Muitas pessoas olharam para o crescimento do PIB nos EUA na década
de 2000 e diziam: „Como vocês estão crescendo! Precisamos imitar vocês!‟ Mas
não era crescimento sustentável ou equitativo. Mesmo antes do crash, a maioria
das pessoas estava pior do que estavam em 2000. Foi uma década de declínio para
a maioria dos americanos.” 4

Movimentos estimulados pela própria classe de


socioeconomistas têm agora chamado a atenção dos países para a
imprestabilidade do PIB como ferramenta de medição da felicidade e dos
custos sociais e ambientais implícitos decorrentes das atividades produtivas.
Reafirmam esses profissionais que a verdadeira prosperidade somente será
factível a partir do instante em que for cessada a utilização indiscriminada de
indicadores como esses, que aferem apenas quantitativa e não
qualitativamente o desenvolvimento social e econômico. Daí se segue a
premente necessidade da instituição de novos indicadores para melhor balizar
as políticas públicas, proposta esta que é justamente a do FIB.

Resultados já podem hoje ser percebidos no


cenário político mundial decorrentes dos esforços dessa corrente
socioeconomista que sustenta a necessidade de revisão dos critérios de
avaliação do bem-estar da população por parte dos governantes. O Reino da
Tailândia, por exemplo, também localizado na porção sul da Ásia, fez
implantar recentemente um novo indicador do nível de satisfação de sua
população – o denominado Índice de Progresso Nacional (IPN), com
critérios de avaliação bem similares aos utilizados pelo FIB.

Entretanto, um caminho longo ainda precisa ser


trilhado a fim de que medidores mais eficazes da qualidade de vida sejam
4
Idem, em pronunciamento a acadêmicos. Revista Financial Times, 2009.
9

utilizados em larga escala, aceitos e institucionalizados na maioria dos países,


tanto o Oriente quanto do Ocidente.

Apesar da tentativa da Organização das Nações


Unidas de humanizar esses indicadores econômicos com a implantação do
IDH (Indicador de Desenvolvimento Humano), é forçoso admitir que os
relatórios contendo as classificações das nações segundo os seus critérios de
apuração de bem-estar, publicados anualmente desde o ano de 1993,
demonstram ser ainda incapazes de espelhar a grau de satisfação pessoal de
seus habitantes, já que ainda considera como fatores benéficos algumas
situações indesejadas decorrentes do progresso econômico (poluição,
desagregação familiar e criminalidade). Peca o IDH, também, por considerar
como fatores unicamente representativos da qualidade de vida a renda
econômica, a educação e a longevidade, ignorando, por completo, dentre
outras coisas, a qualidade da relação que as pessoas mantêm com o meio
ambiente.

3. AS BASES FILOSÓFICAS DO FIB (A INTERDEPENDÊNCIA E O


PENSAMENTO SISTÊMICO)

Consectário da lei física universal da Ação e


Reação, a interdependência é um ditame lógico e intuitivamente assimilável,
pois é justamente em decorrência dela que as ações, reações e omissões
praticadas pelo homem se manifestam perante ele mesmo e suas gerações
vindouras, a depender de quão bem ou mal esteja se portando em relação aos
seus pensamentos e atos.
10

A interdependência decorre da conclusão


insofismável de que todo fato, seja ele natural (fenômeno) ou provocada pela
ação do indivíduo, repercute em tudo o mais que o circunda, assim como
todas as alterações no ambiente natural ou artificial que o cerca, sejam elas
espontâneas ou provocadas, haverão de influir em sua própria vida cedo ou
tarde. “Os fenômenos existem não de um modo autônomo por si, mas numa
relação de dependência com outros fenômenos” 5.

Logo, é impositiva a conclusão de que a


interdependência pode acontecer estritamente entre dois ou mais fenômenos,
entre fatos naturais e o homem, ou, por que não, entre o homem e o seu
semelhante. Como consequência, ao se internalizar essa noção de inter-
relação, nós – indivíduos – temos a chance e a sabedoria necessárias para
passarmos a partir de então a pautar as nossas condutas não apenas pelos
nossos próprios desejos, mas também pelos anseios daqueles que nos estão
próximos, visando, inclusive, à qualidade e a sustentabilidade do próprio meio
ambiente onde vivemos.

Por força dessa teia na qual estão naturalmente


conectadas as nossas ações e reações (as causas e efeitos), é fácil também
depreender que a conquista da felicidade verdadeira passa, inexoravelmente,
pela aceitação por parte do homem de seu papel de corresponsável pelo bem-
estar e equilíbrio de todos e de tudo aquilo com que(m) coabitamos 6.

Corolário da noção de interdependência, o que


se entende por Pensamento Sistêmico não é senão o entendimento de que as
5
Monge e Líder Oficial do Governo Tibetano, S.S. Dalai Lama.
6
CAPRA, Fritjof, As Conexões Ocultas – Ciência para uma Vida Sustentável (2005).
11

modificações realizadas em locais, coisas ou objetos aparentemente isolados,


afetam invariavelmente o universo circunvizinho.

A partir dessa compreensão, os problemas que


afligem a sociedade, manifestem-se eles em qualquer sistema (natural,
científico, humano, engenhado ou conceitual), somente podem ser
solucionados se primeiramente for compreendido o que o foco da
problemática representa para toda a estrutura que o abriga ou que com ele se
inter-relaciona (é necessária a compreensão da parte defeituosa em relação ao
todo). A análise isolada de uma situação ou a sua avaliação puramente
mecanicista, derivada do pensamento cartesiano, é fator que dificulta o seu
entendimento, enquanto que a sua compreensão contextual, segundo a
filosofia sistêmica, tende a favorecer a sua compreensão e resolução.

Em suma, segundo Fritjof Capra, físico


austríaco Diretor da unidade de educação ecológica Center for Ecoliteracy,
em Berkeley/CA (EUA), a explicação de coisas considerando o seu contexto
implica esclarecê-las considerando o seu meio ambiente; daí se pode afirmar,
assim, que todo pensamento sistêmico nada mais é do que um pensamento
ambientalista. A rigor, como a física quântica mostrou de maneira tão dramática
– não há partes, em absoluto. Aquilo que denominamos parte é apenas um padrão
numa teia inseparável de relações. Portanto, a mudança das partes para o todo
também pode ser vista como uma mudança de objetos para relações (...) Para o
pensador sistêmico, as relações são fundamentais e as fronteiras dos padrões
discerníveis („objetos‟) são secundárias 7.

7
A Teia da Vida (The Web of Life), Editoras Cultrix e Amana-key, São Paulo: 1996.
12

4. O FIB NO OCIDENTE E A FALÊNCIA DE SEUS INDICADORES


DE DESENVOLVIMENTO

A cultura ocidental tradicionalmente ainda


mantém arraigada uma noção de felicidade e bem-estar deturpada,
umbilicalmente ligada à satisfação de seus interesses precipuamente
econômicos e patrimoniais. Não causa estranheza, portanto, o fato de a base
filosófica implantada pelo FIB ter tardado bastante para arregimentar adeptos
nessa porção do planeta, onde prevalece a falsa percepção de que a conquista
da felicidade depende invariavelmente da acumulação de riquezas materiais.

Concebido e implementado mundialmente pela


primeira vez no Butão, somente a partir do final do século passado é que o
indicador FIB passou a ser estudado e vistos com bons olhos por psicólogos,
sociológicos e socioeconomistas da Europa e das Américas.

Esses estudiosos pertencentes a países cujos


indicadores econômicos eram dos mais elevados, de tanto observarem os
baixos índices de bem-estar da sua população, finalmente concluíram que o
crescimento da produção nacional e a assunção de uma posição de destaque
na economia não revelavam a satisfação íntima de seus indivíduos: infelizes,
frustrados, estressados e acometidos por toda gama de doenças
psicossomáticas exatamente decorrentes da adoção de um padrão de
pensamento contaminado pelo ideário consumista.

Economistas dos Estados Unidos, por exemplo,


país onde mais a prosperidade está conectada à ideia de posse e riqueza, cada
vez mais se puseram a observar a partir de 1990 como o apogeu econômico de
13

seu país, evidenciado por indicadores como o PIB, não expressava


verdadeiramente o grau de bem-estar de seus cidadãos.

Por consequência, notaram muitos desses


pensadores quão imprópria era a adoção de indicadores essencialmente
econômicos para a implantação de políticas públicas visando à qualidade de
vida da sociedade. Com isso, despertaram-se para o fato de que os fatores que
normalmente eram levados em conta para qualificar uma nação como
economicamente pujante eram justamente os que mais comprometiam o bem-
estar da coletividade.
A reparação de danos causados pela natureza
ou pela ação antrópica, por exemplo, por mais absurdo que pareça, é situação
considerada de maneira positiva nos cálculos do PIB. A reconstituição de um
hábitat em virtude de um desastre ecológico, do mesmo modo, tem o
potencial de gerar o aumento das atividades econômicas nessa região,
ajudando, portanto, a alavancar os índices do PIB. Os gastos realizados pelo
Poder Público com a conservação de seu sistema prisional, pelos critérios
utilizados na determinação desse indicador, têm também o mesmo impacto
positivo que os investimentos efetuados pelo governo em áreas tidas, estas
sim, como essenciais ao bem-estar coletivo, como as do ensino e da saúde.

Segundo defende o advogado e escritor


estadunidense Jonathan Rowe, com um quê de ironia, “o „herói‟ econômico
das estatísticas do PIB seria um paciente em estado terminal que precisa usar
medicamentos muito caros e passa por um divórcio custoso” e dispendioso. E
arremata, com propriedade: “para estimular a economia, teremos que
encorajar as pessoas a ficarem doentes para que a economia possa ficar
saudável.”
14

Entretanto, apesar de tudo isso, não veio da


nação norte-americana a demonstração de que já era momento de serem
revistos no Ocidente os critérios de avaliação de desenvolvimento social. Há
pouco tempo, a República da França, integrante do grupo de nações mais
ricas, industrializadas e influentes que se propõe a discutir os problemas
mundiais (o denominado G8 8), deu evidentes mostras de sua preocupação
com o efetivo desenvolvimento e bem-estar de sua população.

O presidente francês Nicolas Sarkozy, no


início do ano de 2008, convidou uma série de renomados economistas,
liderados pelos vencedores do Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz e
Amartya Sen 9, para elaborarem um novo método de avaliação da evolução
social de sua nação, tamanha que era a disparidade verificada entre o que era
apresentado em seus indicadores econômicos tradicionais e a realidade
cotidiana de seus governados.

Esse grupo, intitulado Commission sur la


Mesure de la Performance Économique et du Progrès Social 10, realizou a sua
primeira reunião plenária em 22 de abril de 2008, em Paris, tendo após
sucessivos encontros e estudos, em setembro de 2009, apresentado ao
presidente francês um minucioso relatório contendo várias recomendações e a
conclusão, à qual muitos povos do Oriente já haviam chegado, de que “a
qualidade de vida inclui uma série de fatores que fazem a vida satisfatória,

8
Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha, Itália, Japão e Rússia.
9
Economista indiano, atual Reitor da Faculdade de Cambridge, no Reino Unido, e autor do livro
Desenvolvimento como Liberdade, editora Companhia das Letras (2000).
10
Comissão de Medição do Desempenho Econômico e do Progresso Social
15

incluindo aqueles que não podem ser negociados no mercado ou mensurados


através de indicadores monetários” 11.

5. O INDICADOR FIB NO BRASIL

Obviamente não é necessário ter conhecimento


aprofundado em sociologia ou economia para concluir que em poucos países
a revisão dos critérios de direcionamento das políticas públicas se faz tão
premente quanto no Brasil.
Ressalvadas as situações em que a aplicação de
recursos públicos é comprometida em virtude de desvios criminosos e da
corrupção, a inoperância dos atos da Administração Pública que visam ao
bem-estar da coletividade comumente decorre da ausência de diretrizes
capazes de informar de maneira precisa quais são (e onde estão) as principais
demandas sociais.
As tentativas de implantação das bases
filosóficas do FIB no Brasil tiveram início somente a partir do início deste
século, capitaneadas pela psicóloga e antropóloga estadunidense Susan
Andrews - residente no país há mais de dez anos e que exerce a coordenação
da organização de caráter social intitulada Instituto Visão Futuro, sediada no
município de Porangaba/SP.

O primeiro desafio dessa entidade é elaborar


um aprofundado questionário dirigido à população que tenha o condão de
efetivamente avaliar o nível de bem-estar de cada indivíduo, já que os
instrumentos de medição da qualidade de vida dos cidadãos adotados pelos

11
Tradução livre para o português. Fonte: Sítio Eletrônico da Comissão de Medição do Desempenho
Econômico e do Progresso Social (http://www.stiglitz-sen-fitoussi.fr/documents/rapport_anglais.pdf).
16

governos brasileiros, a toda prova, não têm conseguido estabelecer políticas


que diminuam tantas iniquidades sociais.

O Instituto Visão Futuro, por meio da


celebração de parcerias com entes públicos, já implementou projetos-piloto
em alguns municípios do Estado de São Paulo.

No Bairro de Campo Belo I, setor periférico


localizado na cidade de Campinas, por exemplo, pesquisas realizadas com
mais de quatrocentas pessoas, com o apoio da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), trouxeram algumas informações surpreendentes e
notadamente valiosas, pois os seus moradores, apesar de viverem em
condições de miséria e cercados de pouquíssima infraestrutura, apresentaram
níveis de felicidade iguais ou superiores aos da própria população mais
abastada.
Concluiu-se que fatores outros como o
exercício da solidariedade, o apoio familiar e a religiosidade são diretamente
responsáveis pela felicidade desses indivíduos; é uma constatação empírica
que bem evidencia que a riqueza, tal qual considerada pela sociedade
ocidental-capitalista, não conduz necessariamente à conquista da satisfação
íntima.
Já em Itapetininga o projeto do FIB conseguiu,
ainda em 2009, estabelecer uma importante aliança com o próprio Poder
Executivo, graças ao interesse de seu gestor de obter informações mais fiéis
sobre a qualidade de vida de seus munícipes e de aplicar mais eficazmente os
recursos de que dispunha. Dessa feita, outras centenas de pessoas foram
indagadas sobre situações relativas a seu cotidiano, tendo os seus resultados já
17

se servido para balizar as decisões tomadas pelo governo em prol do bem


comum 12.
Outra entusiasta dos pensamentos propagados
pelo FIB, a Senadora Marina Silva já manifestou publicamente em palestras
realizadas em diversos lugares, inclusive na 5ª Conferência Internacional
sobre Felicidade Interna Bruta (FIB), realizada em novembro de 2009 em
Foz do Iguaçu/PR, a sua pretensão de institucionalizar os seus princípios,
tornando-o um dos indicadores oficiais no país com vistas ao direcionamento
das decisões administrativas.

Mais recentemente, em setembro de 2010,


ainda foi celebrada uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Goiânia/GO
a e o Instituto Visão Futuro com a qual o poder público pretende ali também
oficializar o FIB como medidor da qualidade de vida dos cidadãos. Um
projeto ainda embrionário será implantado num dos bairros da Capital e, a
depender de seus resultados, serão estendidos gradativamente a todos os
setores da cidade 13.
Já em território mato-grossense, agora em 2010
algumas iniciativas têm sido tomadas aos poucos também objetivando a
propagação do ideário do FIB, inicialmente com foco na iniciativa privada. O
SEBRAE (Serviço Nacional de Apoio à Empresa), encarregado que é de
prestar auxílio técnico ao empresariado de médio e pequeno porte, já deu
início ao estabelecimento de uma aliança com a mencionada organização

12
Na rede mundial de computadores estão disponíveis nos sítios do Instituto Visão Futuro e da empresa Icatu
Seguros questionários mais simplificados que visam a avaliar o nível de felicidade pessoal
(http://www.felicidadeinternabruta.com.br/teste_felicidade.php; e http://www.felicidadeinternabruta.org.br/).
O primeiro questionário foi reproduzido recentemente em âmbito nacional em matéria de capa publicada pela
Revista IstoÉ, intitulada “Qual é o seu Índice de Felicidade?”
(http://www.istoe.com.br/reportagens/14228_QUAL+O+SEU+INDICE+DE+FELICIDADE+).
13
Segundo noticiado pelo sítio da Prefeitura Municipal de Goiânia
(http://www.prefeituragoiania.stiloweb.com.br/site/goianianoticias.php?tla=2&cod=1630&pag=).
18

paulista com a qual pretende levar noções de qualidade de vida e de


sustentabilidade ambiental ao empresariado local.

6. FATORES QUE IMPORTAM AO FIB

Por se tratar de um indicador que se propõe a


medir com uma precisão até então inexistente o nível de qualidade de vida da
coletividade, as situações que são capazes de interferir em seu cálculo, por
óbvio, diferem-se em muito daquelas usualmente empregadas hoje pelo Poder
Público para conhecer melhor a sua população.

Sendo o objetivo basilar desse indicador a


disponibilização de meios aos gestores estatais para promoverem o bem-estar
do cidadão (propósito que o distingue radicalmente da maioria dos outros), o
FIB se apega a fatores que se acredita estarem intimamente relacionados com
o prazer que o indivíduo sente com a sua própria existência.

Para o socioeconomista butanês Dasho Karma


14
Ura , a felicidade, apesar da abstratividade de seu conceito e da
subjetividade de sua percepção, jamais pode deixar de ser classificada como
um autêntico bem público, já que é inegável que todos os homens, de uma
maneira ou outra, almejam alcançá-la. E, como tal, a responsabilidade pela
aquisição dessa riqueza não pode ser transferida toda ao próprio indivíduo ou
à iniciativa privada, pois se o planejamento governamental e as condições
macroeconômicas do país forem adversos à felicidade, esse planejamento

14
Mestre em Política, Filosofia e Economia pela Universidade de Oxford, Inglaterra, Vice-Presidente do
Conselho Nacional do Butão, e Presidente do Centro para os Estudos do Butão fundado pelo Programa de
Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) para formular as análises estatísticas do FIB.
19

fracassará enquanto uma meta coletiva. “Daí a necessidade de os governos


criarem condições conducentes à felicidade, na qual os esforços individuais possam
ser bem sucedidos; as políticas públicas nascem justamente dos anseios da
população e é orquestrada pelo poder executivo, sendo necessária para educar os
cidadãos sobre a felicidade coletiva” 15.

Ainda segundo esse economista, são vários os


fatores primordialmente levados em conta por esse indicador de felicidade
para determinar a sua gradação, quais sejam: (1) Estado de Saúde; (2)
Educação; (3) Padrão de Vida; (4) Condição de Governança; (5) Diversidade
Cultural; (6) Vitalidade Comunitária; (7) Uso Equilibrado do Tempo; (8)
Bem-Estar Psicológico; e, por último, mas não menos importante, (9) a
Resiliência Ecológica.

Antes de se aprofundar na análise do fator que


mais guarda pertinência com o curso que ora se realiza, impõe-se a realização
de uma explanação sintética acerca dos outros elementos que auxiliam na
determinação do índice FIB:

Segundo os preceitos dos FIB, ao se avaliar o


Estado de Saúde de um determinado agrupamento deve ser objeto de especial
consideração o seu status, ou seja, os fatores demonstrativos da condição
sanitária do indivíduo e do nível de qualidade do próprio sistema encarregado
da prestação desse serviço. Lamentavelmente, já tivessem sido
institucionalizadas as bases do FIB no Brasil, esse seria um fator que
certamente preponderaria negativamente sobre os demais, tamanha a
desqualificação das atividades executadas pelo Poder Público e a condição de
insalubridade em que se insere boa parte da população brasileira.
15
URA, Dasho Karma, palestra realizada no Japão (2007).
20

Como não poderia deixar de ser, a avaliação do


Padrão de Vida é, de igual forma, primordial para se determinar quão
satisfatória é a qualidade de vida do ser humano. Quanto mais estável for a
vida financeira do indivíduo e melhores forem as condições de sua própria
moradia, mais condições terá ele consequentemente de alcançar uma condição
de bem-estar. A se tomar como base a realidade da maioria dos brasileiros,
este também seria um fator que muito contribuiria para fazer despencar os
níveis de felicidade no país.

A Vitalidade Comunitária, por sua vez, nada


mais é do que a análise das forças e das fraquezas dos relacionamentos e
interações dentro das próprias comunidades. Acredita-se que, quanto maiores
forem a confiança, a sensação de adequação social, a vitalidade das relações
afetivas e a prática do voluntariado no seio da coletividade, maior tende a ser
o grau de satisfação de seus integrantes. A Administração Pública, portanto,
de posse de informações como essa, teria plenas condições de alocar seus
recursos de modo a proporcionar a expansão dessas ações comunitárias,
ciente podendo estar seu gestor de que, por assim agir, estaria contribuindo
para a felicidade de seus administrados.

Além disso, a Condição de Governança, assim


compreendida como a avaliação que a coletividade faz dos níveis de
honestidade e eficiência de seus líderes políticos, também é fator que
influencia diretamente na satisfação íntima do indivíduo. Disso se segue que a
corrupção e a impunidade que campeiam Brasil a fora, além de ser prejudicial
financeiramente ao cidadão enquanto contribuinte e financiador das políticas
públicas, têm também indiretamente o condão de prejudicar o seu próprio
21

bem-estar, pelo que informam os estudos que tem sido realizados há anos por
socioeconomistas. Mais um motivo, portanto, para que a Justiça e os órgãos
administrativos de controle interno e externo ajam com absoluto rigor contra
todos os servidores e administradores ímpios.

Certamente, mais satisfeito também estará o


indivíduo quanto mais conseguir ele empregar o seu Tempo de maneira a
alternar o cumprimento de seus afazeres com momentos de descontração e
lazer: a utilização do tempo de que se dispõe, ainda que pouco, para a prática
de atividades de socialização com seus familiares e amigos, conforme os
estudos, tem o poder de aumentar significativamente o grau de contentamento
do ser humano.
A Cultura, como sói acontecer, também exerce
papel importante na determinação do nível de satisfação do indivíduo, na
medida em que, através da preservação de suas tradições, consegue o homem
melhor formar a sua própria identidade, valores e a base criativa, tão
necessária para o direcionamento satisfatório de seu próprio futuro.

7. A RESILIÊNCIA ECOLÓGICA (FATOR PREPONDERANTE AO


FIB) E A RELAÇÃO COM OS RECURSOS NATURAIS

A expressão resiliência pode ser compreendida


como a capacidade de um sistema (ecológico, econômico, social) de absorver
as tensões criadas por perturbações externas, sem que haja alterações
(MUNN, 1979).
Transportando esse conceito para a seara
ecológica, o termo é comumente definido como a capacidade de um sistema
22

suportar perturbações ambientais, de manter sua estrutura e seu padrão geral


de comportamento, mesmo quando modificada sua condição de equilíbrio.
(CNPq/ACIESP, 1987).
Conforme sustenta o socioeconomista brasileiro
Marcos Arruda 16, os problemas vivenciados hoje pela comunidade mundial,
devido aos riscos de catástrofes ambientais de dimensões cada vez maiores,
representam apenas o resultado da visão equivocada que ainda impera em
nossa sociedade de que o desenvolvimento social seria uma decorrência
natural do crescimento econômico e da produtividade.

Sob essa ótica distorcida que pretende justificar


o aumento da produção de riquezas com a conquista da qualidade de vida, tem
o meio ambiente padecido cada vez mais, já que as atividades
economicamente importantes passaram a assumir papel essencial no
direcionamento dos regramentos jurídico-sociais, acabando a sociedade e os
poderes constituídos por agirem de maneira bastante licenciosa em relação
aos autores das ações que ofendem o ecossistema. Com base nessa noção, que
alguns economistas, juristas e ambientalistas têm pelejado em extirpar
atualmente da consciência coletiva, praticamente todo ato que visa ao
progresso da economia é sócio e institucionalmente aceito, mesmo que
cometido em detrimento do ambiente natural.

Esse pensamento tende, inclusive, a refletir na


própria formação de preço dos produtos que são entregues a consumo a partir
dessas atividades produtivas degradadoras. Evidentemente, no cômputo dos
custos de produção comumente são levados em consideração apenas os gastos

16
Colaborador da Universidade da Paz (Unipaz), do Instituto Visão Futuro e da Rede Brasileira de Justiça
Ambiental, e sócio do Instituto Transnacional (Amsterdam), em palestra realizada no Instituto Políticas
Alternativas para o Cone Sul (PACS), no Rio de Janeiro (2009).
23

materiais (imediatamente perceptíveis), tais como a aquisição de matéria-


prima, insumos, energia, maquinário, equipamentos e a força de trabalho.
Permanecem excluídos desse cálculo, por conseguinte, os custos ambientais e
17
sociais desse investimento (cuja percepção é mediata) ; “estes ficam
descartados como „externalidades‟, a serem bancadas pela população, pelos
consumidores ou pelo Estado. Entre eles está a destruição de mananciais de água
doce, o desmatamento, a erosão e a poluição dos solos, das águas e do ar, as
emissões de gases de efeito-estufa e o aquecimento global, a produção desenfreada
de lixos tóxicos e a sua exportação para países e comunidades mais débeis e
vulneráveis.” 18
Alguns poderiam ponderar, e com boa dose de
razão, que a elevação dos encargos sobre as atividades produtivas
potencialmente ofensivas ao meio ambiente também causaria, em curto prazo,
o aumento dos preços dos produtos postos à disposição do consumidor final.

Entretanto, não podemos perder de vista que,


diante das catástrofes climáticas perceptíveis hoje em decorrência de séculos
de práticas exploratórias irresponsáveis, é mais do que hora de a população e
o próprio consumidor perceberem os efeitos que essas atividades causam em
seu próprio bolso. Além disso, o aumento dos preços dos produtos,
notadamente os provenientes de fontes naturais não renováveis, teria o condão
de estimular as pessoas a reverem seus próprios hábitos de consumo, seja
optando pelo uso de outras mercadorias seja por continuar a utilizar elas
mesmas, porém de maneira mais racionalizada.

17
Vide o conteúdo audiovisual do Projeto “Estória das Coisas”, promovido pela organização social
estadunidense, sediada em Berkeley, Califórnia, denominada The Story of Stuffs Project:
http://www.storyofstuff.org/international/.
18
ARRUDA, Marcos, Texto da apresentação do autor no Curso para Comunicadores “PIB ou FIB?
Felicidade Interna Bruta”, Instituto Visão Futuro Parque Ecológico, Porangaba, SP, 28-29/3/2009.
24

Por outro lado, em relação ao empresariado os


resultados da majoração dos encargos sobre a sua atividade se afigurariam
ainda mais benéficos em médio e longo prazo, já que esses empreendedores,
especialmente aqueles cujos lucros são auferidos à custa da devastação da
natureza, se veriam obrigados a investir constantemente na busca de novas
tecnologias que lhe permitissem obter a matéria-prima com cada vez menos
impactos ao meio ambiente. Com o passar do tempo, a tendência seria de que
esses empresários alterassem o seu próprio ramo de exploração econômica,
passando a atender a outras demandas dos consumidores, podendo ainda
conceber produtos ecologicamente mais amigáveis, que menos dependessem
de recursos naturais em seu processo de produção ou cujos materiais fossem
mais facilmente reciclados ou biodegradados.

Nos Estados Unidos, um dos países onde mais


as atividades produtivas apresentaram reflexos negativos no bem-estar geral,
há atualmente, inclusive, um franco processo de revisão de suas fontes
geradoras de energia. Somente a partir do anúncio do esgotamento das
reservas de petróleo em todo o mundo e inclusive em seu próprio território, é
que o governo estadunidense se pôs a questionar a qualidade do combustível
que era utilizado por sua frota automobilística (com substância basicamente
composta por hidrocarbonetos).

São absolutamente consabidos os efeitos


deletérios que provocam o processamento dessas substâncias por máquinas e
veículos, devido à eliminação de dióxido e monóxido de carbono na
atmosfera. Os resultados imediatos da utilização descomedida desses recursos
energéticos são a queda da qualidade do ar e, por conseguinte, o aumento da
incidência de distúrbios respiratórios e alérgicos, notadamente em idosos e
25

crianças. Afora isso, em decorrência justamente do lançamento exacerbado


desses combustíveis fósseis, sucedem-se também as chuvas ácidas e o
agravamento do efeito estufa, o que contribui gradativamente para o
superaquecimento global.
Assim, com o receio de que as indústrias e as
famílias se vissem absolutamente privadas dos combustíveis derivados do
petróleo para poder desenvolver normalmente os seus afazeres, finalmente
tem o país dado mostras de que pretende aderir aos protocolos internacionais
assinados em favor do meio ambiente, arrefecendo a emissão de gases
poluentes e instituindo mecanismos que lhe permitirão a disponibilização de
fontes enérgicas limpas e renováveis (biodiesel e o etanol), inclusive à base
de tecnologia oriunda do Brasil.

Não por obra do acaso, foi desse país norte-


americano (um dos que mais produzem e degradam) que provieram
entendimentos jurídicos que contribuíram bastante para a mudança dos
conceitos de nexo causal para fins de determinação da responsabilidade civil
por danos ambientais.

Consolidada pela jurisprudência emanada de


19
vários Estados a partir do ano de 1980 , hoje é bem aceito na maioria das
cortes de justiça norte-americanas o argumento de que empresas exercentes de
atividades capazes de gerar poluição devem se responsabilizar solidariamente
por eventuais prejuízos causados por produtos oriundos do setor econômico
onde ela atua, de acordo com a quota que possuem no mercado, mesmo que

19
Caso Sindell v. Laboratórios Abbott, julgado pela Suprema Corte da Califórnia em 20 de março de 1980.
26

não tenha sido exatamente a mercadoria que ela pôs em circulação a causa da
lesão experimentada 20.
Entretanto, a economia brasileira também tem
deixado muito a desejar no que diz respeito à forma como o setor produtivo
lida com as fontes naturais, inclusive as consideradas renováveis. Apenas a
título de ilustração, a própria água, bem coletivo da máxima valia à saúde e
ao bem-estar, até há pouco tempo não era sequer reconhecida como bem de
natureza econômica, sendo até então disponibilizada indiscriminadamente à
coletividade, mesmo à de renda mais elevada, de maneira gratuita ou a preço
vil.
Apenas com o advento de diploma legal
instituindo a Polícia Nacional de Recursos Hídricos (Lei Federal n.º
9.433/97), é que efetivamente foi outorgada ao Poder Público a função de
exigir contraprestação pecuniária daqueles que usam ou poluem quantidades
significativas de água para o desenvolvimento de seu próprio
empreendimento.
Ainda assim, atualmente em muitas localidades
a perfuração de poços artesianos e semiartesianos demandam aos seus
beneficiados apenas o pagamento de taxas de licenciamento aos órgãos de
fiscalização ambiental, nenhum custo havendo, a partir daí, com a fruição da
água. Comumente os muitos empresários que se valem de enormes volumes
de água diariamente (ou que os polui) visando o seu próprio lucro, nos dias de
hoje, também estão isentos do pagamento periódico de quaisquer espécies de
taxas.
Assim ainda ocorre no Estado de Mato Grosso
e na maioria do território nacional, sendo poucas ainda as unidades da
Federação que se deram o trabalho de estabelecer normas tendentes a
20
É o que ali se convencionou denominar Theory of Market Share Liability (Teoria da Responsabilidade por
Quota de Mercado).
27

finalmente instituir essa espécie de tributação, merecendo destaque apenas


São Paulo (em 2007) e Minas Gerais (2009).

De qualquer modo, foi preciso que cientistas e


ambientalistas, nos últimos anos, alertassem sobre a iminência da escassez de
água potável no mundo para que alguns gestores públicos finalmente
repensassem as suas políticas de abastecimento e licenciamento, passando a
onerar mais aqueles que dela economicamente se beneficiam.

De tudo isso se pode concluir, à evidência, que


a mudança do modo com que classificamos os bens naturais se faz
absolutamente premente nos dias de hoje, sendo altamente prejudicial à
sustentabilidade e à própria qualidade de vida do indivíduo todo e qualquer
pensamento ainda persistente que pretenda colocar os recursos ambientais
numa situação de subserviência em relação às metas de crescimento
econômico.
Quanto mais a sociedade se afastar da noção
imediatista e irrefletida de que os recursos naturais somente são importantes
para (e enquanto) nos servir, menos estará ela contribuindo para que se
persevere a premissa inválida de que o progresso econômico da nação induz
ao bem-estar coletivo.
Portanto, de acordo com os princípios que
informam o FIB, os bens de consumo disponibilizados pela natureza,
inclusive os tidos como infinitos, são passíveis, sim, de valoração econômica,
muito embora sejam reconhecidamente de enorme relevância social e devam
ser acessados indistintamente por todos os indivíduos. Além do mais, a
cobrança pela fruição ou pelo comprometimento da qualidade do recurso
natural, ao que tudo faz crer, constitui-se um mal necessário e inevitável à
28

humanidade, sem o qual a sustentabilidade ambiental e a verdadeira qualidade


de vida se tornarão objetivos praticamente inalcançáveis.

8. FIB E SUSTENTABILIDADE (PONTO NODAL DE DIVERGÊNCIA


COM A MAIORIA DOS INDICADORES SOCIOECONÔMICOS)

Conforme se expôs alhures, a utilização de


indicadores como o PIB para estabelecer diretrizes governamentais, ao
contrário do que imaginam muitos gestores, apenas estará a contribuir para
que haja o incremento de injustiças sociais e a insustentabilidade de seu
progresso econômico.
E é justamente no tocante ao meio ambiente
que esse indicador mais se diverge do FIB, vez que o Produto Interno
Bruto, para determinar os índices de crescimento econômico de uma região,
toma como vantajosas várias situações comumente consideradas pelo FIB
como severamente nocivas ao bem-estar humano.

Se tomarmos como exemplo a República


Popular da China, é indiscutível a condição de opulência econômica
atualmente experimentada pelo país, concentradas que estão nela quase todas
as atividades produtivas de bens de consumo duráveis comercializadas
mundialmente e desenvolvidas pelos grandes conglomerados empresariais,
principalmente os oriundos das nações mais ricas europeias e norte-
americanas.
Atraídas pela flexibilidade da legislação
trabalhista e pelo baixo custo de mão de obra em relação a seus países de
origem, várias dessas empresas migraram suas linhas de produção para China,
onde ainda se beneficiam da permissividade de seus governantes em relação
29

ao trato com o meio ambiente para conseguirem os mesmos resultados


obtidos em âmbito doméstico, porém, com muito menos gastos. O resultado
disso: a introdução de seus produtos nos mercados internacionais com preços
mais competitivos e com enorme aumento de suas margens de lucro.

Em que pese as reformas normativas realizadas


em favor dos trabalhadores em 2008, o governo chinês ainda continua a tratar
com menoscabo as situações que comprometem a proteção e a
sustentabilidade ambientais, tudo em prol da conquista de uma posição de
destaque econômico no cenário mundial – de crescimento anual, desde 1991,
que oscila entre 9% e 10% 21.

Se a China, até mesmo por estar


geograficamente próximo do país onde o FIB foi inicialmente concebido, já
houvesse institucionalizado esse indicador socioeconômico em seu próprio
território, o contraste entre a realidade exteriorizada pelo FIB e pelo PIB seria
fatalmente indisfarçável.

Pelo primeiro indicador (PIB), altíssimo, seria


lícito presumir que a China é um país econômica e socialmente próspero, com
baixos índices de desigualdades sociais, patamar elevado de qualidade de vida
e alto grau de resiliência ambiental; já em conformidade com segundo (FIB),
provavelmente baixíssimo, a maioria maciça da população chinesa seria
composta por trabalhadores explorados por seus empregadores, cumpridores
de jornadas em muito superiores às estabelecidas em lei, incapazes de
desfrutar de ocasiões de descanso e lazer, insatisfeitos com sua rotina diária e,

21
Fonte: Asian Development Bank (http://www.adb.org/Documents/Books/Key_Indicators).
30

além de tudo, vítimas de uma política governamental que não preza pela
preservação de suas próprias riquezas naturais.

Então, a partir disso se indagaria: em qual dos


locais a maioria da humanidade optaria por viver, partindo-se do princípio
comezinho de que o objetivo maior do ser humano é a conquista de seu bem-
22
estar, na China ou em território butanês ? Sem dúvida, embora o Butão
ainda esteja longe de erradicar todas as suas mazelas sociais, a sua inédita e
louvável iniciativa governamental de implantação do FIB como orientador de
suas políticas públicas implica conduzir a nação, a passos largos, a uma
situação bem próxima à ideal, em que exista qualidade de vida satisfatória a
todos os seus cidadãos.

É bem verdade que, para o cômputo do PIB,


são também levados em conta pelos economistas gastos que evidenciam
investimento no bem-estar da população: despesas com ensino público e com
o sistema preventivo de saúde, por exemplo, recrudescem os níveis do PIB.
No entanto, falha clamorosamente esse sinalizador socioeconômico ao
considerar positivamente despesas que demonstram justamente o insucesso
das políticas estatais que visam ao bem comum.

Por conta disso, os custos da reparação de uma


área dizimada por um vazamento de uma usina nuclear ou de um navio
petrolífero, a título de exemplo, teria o mesmo peso que os aplicados para o
custeio de fontes de energia ecologicamente sustentáveis, como a solar e a
eólica. Ademais, a aquisição de armamentos e veículos para intensificar a
repressão da criminalidade, igualmente elevaria os níveis do PIB de uma
22
onde o PIB é um dos menores do mundo, segundo dados fornecidos pelo Banco Mundial
(http://data.worldbank.org/country/bhutan).
31

determinada nação, à mesma medida que seriam especialmente valorizadas as


despesas realizadas pelo Poder Público com seu sistema penitenciário, mesmo
anacrônico e ineficaz.

9. SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL: UM CAMINHO À


FELICIDADE?

Como restou afirmado anteriormente, embora


não conscientemente a busca do ser humano desde seus anos iniciais de vida é
pela conquista de seu próprio bem-estar; e, em verdade, nada há de
condenável nesse desejo.
A rigor, o cerne do problema reside no fato de
que o homem, em nome de suprir essa necessidade, no mais das vezes envida
todo o seu tempo e a sua energia física e mental em busca de conquistar algo
que nada mais constitui do que um instrumento (ou caminho) para que seja
obtida eventualmente uma condição de bem-estar. É cediço que a busca
desenfreada pelo acúmulo de riquezas e o consequentemente desenvolvimento
das atividades econômicas, embora comumente propiciem conforto ao
indivíduo, necessariamente não lhe proporcionam a satisfação íntima.

Os bens que o homem se conquista ao longo de


sua jornada de existência, de fato, constituem-se meros instrumentos que
poderão viabilizar ou não a conquista da felicidade, a depender, é claro, da
forma com que ele os empregará em sua rotina diária, em benefício de si
mesmo e do seu meio.
Os indivíduos catalogados como vencedores e
bem sucedidos nos países mais avançados e ricos são, paradoxalmente, os que
32

mais se utilizam da medicina psiquiátrica, por exemplo. Formam eles uma


categoria de pessoas impecáveis segundo os padrões socialmente
estabelecidos, entretanto são muitas vezes obcecados com a ideia de sucesso;
são indivíduos que costumam pautar as suas atitudes por um incessante
interesse de serem bem sucedidos aos olhos da coletividade, entretanto,
embora aparentem ser a representação perfeita da felicidade, geralmente são
homens e mulheres insatisfeitos.

Segundo relatório elaborado pela Organização


Mundial de Saúde, distúrbios psiquiátricos como a depressão, ansiedade e a
dependência alcoólica acometem tão severamente países ricos e dotados de
satisfatória infraestrutura básica, como a Inglaterra, Alemanha e Holanda,
quanto países reconhecidamente menos desenvolvidos econômica e
socialmente 23.
O equívoco maior ocorre, sobretudo, quando o
desejo de obtenção dessas ferramentas capazes de proporcionar a qualidade de
vida passa a ser perseguido pelo homem como se elas bastassem por si
mesmas. Quantos indivíduos em todos os lugares do globo estão cercados de
bens materiais em quantidade mais do que suficiente para lhe conferir
conforto e estabilidade emocional, e ainda assim se mostram incapazes de
canalizá-los para obter a sua plena satisfação interior? Por outro lado, quantos
outros conseguem fazer do menor suporte material de que dispõem uma vida
de gozo e felicidade verdadeira?

23
Fonte: Goldberg, DP e Lecrubier, Y – 1995, Form and Frequency of Mental Disorders Across Centres. In
Üstün TB, Santorius N, Orgs Mental Ilness in General Care: International Study. Chichester, John Wiley &
Sons, para a OMS: 332-334 (http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?art=339&sec=29).
33

A partir dessas assertivas, quer parecer que


outras duas verdades podem ser extraídas e que muito valem àqueles a quem
incumbe o direcionamento das políticas estatais:

(I) A boa aplicação de recursos públicos não


acontece quando se investe muito, mas com qualidade: a efetuação de gastos
bem alocados com educação, cultura, saúde preventiva e infraestrutura básica,
ainda que em quantias moderadas, implica, em médio e longo prazo, a
diminuição sensível de despesas com segurança pública, sistemas prisionais e
com tratamentos de doenças crônicas e de distúrbios decorrentes da
dependência química.
Afora isso, (II) a se tomar como parâmetro
principalmente os resultados obtidos pelo Instituto Visão Futuro e pela
Unicamp em suas pesquisas realizadas recentemente em Campinas, não se
faz necessária a aplicação de recursos em patamares exorbitantes para a
coletividade adquirir uma condição razoável de bem-estar, desde que se
saibam quais fatores verdadeiramente importam para o alcance de sua
qualidade de vida. É possível daí se inferir que o exercício de políticas
eminentemente assistencialistas pelo Estado, além de dispendioso,
comumente não trará com consequência a efetiva satisfação de seus
beneficiários.
Se a conquista do conforto material não induz,
em regra, o bem-estar psíquico, isso se dá comumente pelo desconhecimento
que a população geral tem de fatores que constituem exatamente a base
filosófica do FIB, em especial o conceito de interdependência.

Enquanto os indivíduos, mesmos os mais


abastados financeiramente, continuarem a vivenciar as suas experiências
34

emprestando pouca importância para a satisfação e o bem-estar do próprio


meio que o envolve, a sua qualidade de vida continuará absolutamente
comprometida, apesar da falsa impressão de felicidade causada pelo excesso
de bens materiais, conforto e estabilidade econômica.

E ao se afastar a sociedade da noção imprópria


de que o ambiente natural apenas tem razão de existir para atender às nossas
(vis) necessidades, estar-se-á compreendendo finalmente o meio ambiente não
como mero objeto de direito, mas como autêntico sujeito de direitos,
merecendo tanto o cuidado dos indivíduos em suas ações cotidianas quanto
merece cada ser humano.

Isso implica afirmar que, por mais rodeado que


esteja de boa infraestrutura e recursos aptos a lhe proporcionar sua satisfação
íntima, o homem dificilmente a obterá se não passar a adotar diariamente
posturas favoráveis à preservação ambiental e à sustentabilidade. É
exatamente por conta dessa premissa que o FIB apregoa ser a boa relação com
o meio ambiente fator primordial para o alcance do efetivo bem-estar: o
cuidado com a natureza representa zelar de si mesmo.

Logo, é fundamental que governantes e


governados se engajem num processo de reaprendizagem dos princípios
elementares da natureza, sobretudo para que se conscientizem todos da
relevância de bem zelar do meio ambiente.

Esse processo, nominado por alguns de


alfabetização ecológica, proporcionará à humanidade a capacidade de viver
de acordo com esses primados, o que inegavelmente possui uma relação direta
35

com a sua saúde e o seu bem-estar. Em virtude de suas próprias necessidades


básicas de respirar, comer e beber, as pessoas estão sempre inseridas nos
processos cíclicos da natureza: sua saúde depende da pureza do ar que se
respira e da água que se bebe, à mesma medida que a qualidade de nossa
alimentação imprescinde da saúde do solo gerador dos alimentos que se
ingere 24.

O Capitalismo global, embora pareça ser o


sistema produtivo que melhor atende aos anseios individuais, tal qual
praticado hodiernamente é absolutamente insustentável sob o ponto de vista
social e ecológico, não apenas por excluir determinados setores da sociedade
do acesso a recursos materiais básicos, mas também por permitir que se
explorem inconsequentemente as riquezas coletivas naturais. Trata-se, pois,
comprovadamente, de um sistema econômico que, a perdurar assim, tornar-
se-á algo inviável em curto prazo, tamanha a rejeição social, cultural e política
que insuflará na maioria das pessoas mundialmente, por ser um mecanismo
cuja lógica ainda ignora ou desvaloriza a humanidade dos indivíduos 25.

10. O FIB EM MATO GROSSO E A SUSTENTABILIDADE


AMBIENTAL

Em seção anterior deste trabalho, quando foram


abordados os meios pelos quais o FIB tem sido introduzido em território
brasileiro, foi feita menção ao auspicioso trabalho de aproximação
desenvolvido recentemente aqui em Mato Grosso entre o FIB e o Serviço
Nacional de Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE-MT).
24
CAPRA (2005).
25
CASTELLS, Manuel, A Era da Informação (1998).
36

Surgido no país em 1972, essa entidade privada


de interesse público sempre teve como missão estimular o empreendedorismo
e o desenvolvimento no Brasil, considerando como pilares básicos da
economia o comércio, a indústria e o agronegócio. São sobre esses dois
últimos segmentos da economia, por óbvio, que mais devem incidir os
princípios de sustentabilidade do FIB, pois se os nossos recursos naturais
forem irresponsavelmente explorados, tendo em mente tão somente o
progresso produtivo, serão provocados efeitos ainda mais devastadores ao
meio ambiente, comprometendo em escalas ainda maiores, por corolário, o
bem-estar geral.
Muito embora essa entidade sem fins lucrativos
tenha o propósito de promover o desenvolvimento nacional através da geração
de emprego e renda, especialmente pela via do empreendedorismo, esclarece
Fábio Rogério Apolinário da Silva, Consultor e Instrutor do SEBRAE em
26
Mato Grosso que a conquista desses objetivos advém necessariamente do
estabelecimento de uma relação de sustentabilidade entre as atividades
desempenhadas por esses empreendimentos e os recursos naturais.
Entrevistado em 03 de novembro de 2010, em Cuiabá, respondeu a algumas
indagações o Consultor dessa entidade.

Inicialmente, perguntou-se ao entrevistado o


que teria levado o SEBRAE a realizar parceria com o Instituto Visão Futuro
e, ainda, de que maneira a filosofia do FIB poderia auxiliar a entidade na
realização de seus objetivos. Soube-se, então, que o SEBRAE decidiu
26
Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Mato Grosso e pós-graduado em
Controladoria e Finanças (UFMT). Atua na área de consultoria e acesso a serviços financeiros do SEBRAE
em Mato Grosso desde 2001 e na formatação de novas metodologias, ministra cursos e palestras e elabora
projetos de viabilidade econômico-financeira. É professor da disciplina de Administração Financeira e
Orçamentária do Curso de Ciências Contábeis no ICE (Instituto Cuiabano de Educação) e tem experiência na
área de Economia, com ênfase em Teoria Monetária e Financeira.
37

inaugurar em 20 de outubro de 2010 o Espaço SEBRAE de Conhecimento,


tendente justamente a atuar exclusivamente com negócios sustentáveis e
inovadores, criando e disseminando ideias sustentáveis.

Segundo o entrevistado, ainda no ano de 2009,


como parte dos trabalhos da equipe vinculada ao Espaço SEBRAE de
Conhecimento, a entidade instituiu um grupo de trabalho tendente a tratar
exclusivamente de ferramentas de medição de resultados não econômicos. E
foi assim que aconteceu pela primeira vez a aplicação dos princípios do FIB
dentro do SEBRAE, o qual tem necessariamente duas vertentes: uma, de
ordem interna, buscando atuar perante os colaboradores da entidade
promovendo o equilíbrio das nove dimensões do FIB; e outra, de ordem
externa, promovendo o desenvolvimento local em comunidades onde já
normalmente atua o SEBRAE, com o objetivo de atingir resultados focados
na felicidade e não apenas no aumento de renda das pessoas.

Além disso, considerando que a convivência


harmônica entre o homem e o meio ambiente é uma das principais metas
perseguidas pelo FIB, necessário era saber do entrevistado como ele avaliaria
a qualidade dessa relação (homem x natureza) existente hoje no setor
produtivo do Estado de Mato Grosso.

E pelo que foi respondido pelo Consultor do


SEBRAE, o setor produtivo em Mato Grosso, como ocorre em todo o Brasil,
ainda se baseia nos princípios da economia desenvolvida no século XX, a
qual considera a proteção ambiental um verdadeiro empecilho ao
desenvolvimento. Contudo, sob a ótica do entrevistado, tem se notado o
crescimento da preocupação ambiental no meio empresarial e um aumento na
38

promoção de negócios sustentáveis no Estado desde o ano de 2005, sobretudo


por causa da realização de eventos que defendem a sustentabilidade e da
pressão que esses homens de negócio têm sofrido ultimamente da própria
sociedade e do Poder Público.

Foi citado, a título de exemplificação, o que


tem acontecido com o setor madeireiro, que já tem experimentado
importantes transformações que lhe tem permitido a utilização de manejos e o
aumento significativo de ganhos sem provocar perdas significativas ao meio
ambiente.
Ademais, outra indagação não poderia deixar
de ser realizada ao entrevistado: afinal, seria possível conciliar a vocação
empreendedora verificada tão acentuadamente neste Estado com a
necessidade de preservação de seus recursos naturais? Como o FIB poderia
auxiliar no estabelecimento de uma relação positiva de sustentabilidade?

No entender do Consultor, a conciliação entre


produtividade e sustentabilidade não apenas seria possível, como também
necessária, já que o empreendedorismo de sucesso do século XXI, segundo
ele, deverá passar invariavelmente por um processo de mudança do
paradigma ambiental. E, por conta disso, conforme dito pelo entrevistado, o
FIB assumiria um papel primordial na efetivação dessa transformação, já que
permitiria que os desafios econômicos enfrentados pelo empresariado fossem
observados de maneira holística, levando-se em conta, inclusive, o fato de que
o próprio lucro dos empreendedores tenderia naturamente a se esgotar à
medida que os recursos do planeta fossem explorados de maneira
inconsequente.
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Enfim, pelo que restou evidenciado nos


capítulos anteriores, é sabido que projetos-piloto do FIB têm sido realizados
em algumas unidades da federação, tanto por iniciativa do Poder Público
quanto por ações de entidades não governamentais. Logo, oportuno seria
saber do entrevistado, diante de sua condição de economista e conhecedor das
bases filosóficas do FIB, se as consequências da adoção desse indicador
socioeconômico oficialmente em Mato Grosso seriam positivas ou negativas.

Com propriedade, afirmou o Consultor do


SEBRAE que a institucionalização desse indicador socioeconômico em
âmbito estadual constituiria, em verdade, uma inversão sem precedentes em
seu modelo econômico de desenvolvimento. E não poderia ser diferente, na
medida em que atualmente a atuação governamental apresenta um viés
puramente racionalista, cartesiana e individualizada.

Nos termos respondidos pelo entrevistado, as


medidas estatais hoje careceriam de efetividade porque as problemáticas são
comumente analisadas sem considerar a sua inter-relação com outras
variáveis. Portanto, segundo ele, teria o FIB o condão de avaliar o bem-estar
humano em todas as suas (nove) dimensões, embora pudesse a sua incidência
ocorrer de modo mais veemente exatamente nas áreas em que houvesse os
menores índices.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se a população mundial, mesmo as de países


mais ricos e onde menos há desigualdades sociais, continuar a aceitar como
válida a premissa de que seu nível de satisfação íntima está necessariamente a
depender do bom ou mal desempenho de sua economia, certamente a
instituição de indicadores socioeconômicos humanizados como o FIB nenhum
efeito prático trará.
No entanto, a realidade que se afigura em quase
a totalidade das nações é bem outra, na medida em que ricos e pobres, patrões
e empregados, todos se queixam frequentemente da impotência deles mesmos
e das políticas públicas de lhes proporcionar a verdadeira sensação de bem-
estar. Muitos dos indivíduos, absorvidos pela estressante rotina diária
consequente de uma busca pela sustentação de seus padrões de consumo,
agora estão se apercebendo de que seu grau de satisfação com sua vida, não
poucas vezes, são inferiores até mesmo ao dos segmentos sociais que não
dispõem sequer de infraestrutura minimamente satisfatória.

O Estado, ente político organizado ao qual a


civilização moderna confiou a missão de suprir as suas necessidades
elementares, evidentemente não pode permanecer alheio a tudo isso,
relegando ao próprio indivíduo ou ao setor privado a incumbência de
promover o bem-estar; deve ele, sim, proporcionar meios para que essa
condição de felicidade se manifeste plenamente.

De nada adianta a aplicação maciça de recursos


públicos em estrutura e serviços que representam à coletividade apenas um
paliativo ou que pretendem tão somente minimizar a agruras sociais que a sua
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própria incompetência na determinação de políticas públicas tratou de


conceber.
Para tanto, é necessário que os governantes
saibam, de fato, quais fatores têm o condão de influenciar (positiva ou
negativamente) no estado de ânimo de seus administrados. O FIB, como
indicador voltado essencialmente ao bem-estar social, propõe-se exatamente a
proporcionar ao Poder Público lastro científico para aferir o grau de satisfação
de sua população e a determinar em que setores melhor poderão ser realizados
investimentos para que finalmente seja alcançada essa meta.

Com o domínio desse conhecimento e havendo


efetiva vontade política de pô-los em prática, perceberão as lideranças estatais
quão importante são, por exemplo, a fomentação do estreitamento das
relações comunitárias e da conservação de suas identidades culturais e,
notadamente, o incentivo da adoção de novas rotinas direcionadas à
preservação do meio ambiente e a utilização racional dos recursos naturais.

Conforme abalizados estudos científicos, o ser


humano, desde os seus primórdios, insere-se numa autêntica teia na qual
inexoravelmente se refletem as atitudes por ele tomadas diariamente em
relação a si mesmo e ao meio onde vive. Ainda que não aparentemente, todos
os que no mundo coabitam encontram-se inter-relacionados, de tal modo que
é impossível que alguém usufrua de um estado verdadeiro de bem-estar se os
indivíduos que o cercam e a própria natureza forem alvos constantes de
ofensas que ele mesmo provoca. A qualidade de vida, conquanto seja uma
conquista individual, somente subjaz de um sistema hígido em seu conjunto.
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A assunção por parte de cada cidadão de sua


parcela de responsabilidade pela promoção da sustentabilidade ambiental,
segundo os preceitos do FIB, não traz apenas a vantagem indireta de garantir
a subsistência dos recursos naturais e o atendimento de seus interesses e das
gerações que o sucederão. Os seus efeitos benéficos vão além disso: os seus
resultados incidem direta e imediatamente no indivíduo, como ocorre com
aquele paciente que zela pela saúde de um órgão sem saber que faz ele parte
de uma engrenagem que lhe assegura a cada segundo a qualidade de sua
própria existência.
No Brasil, como bem se sabe, as mazelas
sociais comprometem naturalmente o bem-estar da maioria da população, ao
passo que os poucos que são providos financeiramente padecem dos mesmos
males consumistas que atingem a população ocidental.

Já é tempo, pois, de serem revistos os


indicadores socioeconômicos empregados para a determinação das políticas
públicas em todas as escalas da federação; um país onde muito se arrecada,
mesmo dos segmentos sociais mais pobres, e no qual boa parcela desses
recursos ainda se desvirtua pelas mãos de administradores ímprobos ou
ineptos, certamente não pode se dar o luxo de investir o que lhe resta em
ações que não se traduzam, de fato, em melhoria da qualidade de vida da
coletividade.
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BIBLIOGRAFIA

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