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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
SÃO CRISTÓVÃO, DIAS 05, 06 E 07 DE AGOSTO DE 2009
Tâmara de Oliveira1
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Doutora em sociologia pela Université de Provence (Aix-Marxeille I) e professora do Departamento de Ciências Sociais.
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dos meus dados seria mergulhar num positivismo puro, aquele certo de que o isolamento
exclusivo dos elementos comuns de um fenômeno são suficientes para a produção de um
conhecimento científico válido. Continuei delimitando meu objeto a partir das relações
entre trânsito, jeitinho brasileiro e modernidade no Brasil, mas as reconstruíndo através de
um diálogo constante entre procedimentos indutivos e dedutivos. Limitei-me a técnicas
qualitativas de análise porque elas possibilitariam um aprofundamento comparativo dos
discursos.
Os resultados da análise permitiram interpretar o jeitinho brasileiro como fenômeno
multidimensional, cuja análise é melhor conduzida se o pesquisador consegue controlar sua
significação identitária, ou seja, potencialmente essencialista - tanto a sua quanto a dos
seus entrevistados. A verdade é que o jeitinho revelou-se como capital simbólico
(Bourdieu, 1979) de mediação atores/instituições nas práticas de ruptura das normas de
sanção no trânsito, sob a forma aparentemente homogênea da identidade nacional. Capital
simbólico, porque o jeitinho brasileiro diferenciava-se segundo a situação ou classe social
dos entrevistados – seus conteúdos diferentes, a polissemia das definições dos
entrevistados, mostrava que ele é um elemento de diferenciação no estoque social de
conhecimentos (Berger/Luckmann, 1996) sobre a modernidade e sobre a trangressão no
Brasil. Mas capital simbólico sobretudo, porque ele é usado estratégica e desigualmente
nos jogos de ruptura das normas de sanção no trânsito.
Em suma, o que a pesquisa evidenciou foi que uma apropriação ao mesmo tempo
identitário-essencialista e estratégica das representações em torno do jeitinho brasileiro, é
efetivamente significativa em indivíduos de classes sociais com mais capital intelectual
e/ou sócio-econômico – os informantes de situação média-intelectualizada e os de situação
média-alta. Evidência ainda mais analiticamente significativa porque feita indutivamente:
construíndo tipos-ideais de discurso na análise dos dados, utilizei apenas o critério
semântico, sem pré-classificar os informantes segundo suas variáveis sócioeconômicas.
Posteriormente contudo, pude verificar cartograficamente que cada tipo de discurso
correspondia a uma classe social identificável em Aracaju.
E, o que é mais importante aqui, havia claramente uma adequação de sentido entre
certos aspectos de teorias científico-sociais sobre as relações entre o Brasil e a
modernidade e os conteúdos simbólicos explicativos da identidade nacional dos
entrevistados de classe média-intelectualizada ou média-alta. Como a distribuição do
estoque social de conhecimentos da produção científico-social é escandalosamente
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Em paper para o 31° Encontro Nacional da ANPOCS (Oliveira, 2007), analiso um trabalho recente que aborda o jeitinho
brasileiro (Almeida, 2007), argumentando que a pesquisa de Almeida é uma manifestação de como a articulação entre
representação de métodos quantitativos como « ciência verdadeira » e imbricação não controlada entre conhecimento do
senso-comum/conhecimento científico, pode exercer violência simbólica sobre as classes populares em países
escandalosamente desiguais como o Brasil : o autor, ao contrário de mim e a partir de falhas analíticas e interpretativas
flagrantes, defende que práticas do jeitinho brasileiro, definido por ele como fenômeno homogêneo e referido a uma cultura
de corrupção, são mais características de indivíduos com pouca escolarização, maduros, do sexo feminino e do nordeste.
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CONCLUSÕES
O jetinho brasileiro é um fenômeno significativo das relações sociais no Brasil,
cuja análise relacional totalizante, permite compreender ao mesmo tempo como a
representação da nação é ainda uma referência identitária atuante nas sociedades
contemporâneas e como qualquer expressão identitária é de fato heterogênea, múltipla,
deslocando-se de sentido segundo as situações concretas e as desigualdades sociais. Por
outro lado, seu estudo permite também que os cientistas sociais mantenham-se acordados
para controlar as imbricações entre as expressões identitárias que ele estuda e as suas
próprias – elas sempre têm implicações cognitivas e políticas.
Quanto à afrodescendência, articulando reivindicação identitária e luta contra as
desigualdades sociais, trata-se de um fenômeno diferente da “identidade” nacional. Com
efeito, e trata-se ainda de uma característica das expressões identitárias, os processos de
construção/reconstrução de identificações sociais não são apenas dinâmicos, instáveis,
heterogêneos, híbridos, fragmentados e cada vez mais descentrados/deslocados em cada
uma de suas expressões, mas também uns em relações aos outros. Não
vivemos/representamos a individualidade do mesmo modo que a nacionalidade; não nos
identificamos com a religião do mesmo modo que com uma “raça”; não nos sentimos
pertencentes a um grupo étnico do mesmo modo que a um grupo profissional ou de renda –
embora todas elas possam, e, de fato se recobrem, muitas vezes. Mais uma vez, tratamos de
processos (re)construtivos de identificações e não de “entidades identitárias”
Assim, se a afrodescendência não manifesta relação direta com o jeitinho brasileiro
enquanto identidade nacional, ela se dirige antagonicamente a uma outra expressão
identitária da nacionalidade, qual seja a de país mestiço, articulada por sua vez às
ambigüidades perversas do longo e doloroso processo de destruição de uma ordem social
escravista. Por isso vou tecer agora algumas considerações menos preocupadas com o rigor
da pesquisa científica do que com a necessária imaginação sociológica.
É verdade que nossa ferida racialista particular não pode ser cicatrizada sem dor e
que a dinâmica reconhecimento/não-reconhecimento (Honneth, 2000) precisa ser cada vez
mais levada em conta quando estudamos ou tomamos posição sobre as expressões e
conflitos identitários concretos. Mas por isso mesmo parece-me útil pensarmos na
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segregado espacialmente as diferentes classes de renda que são, por sua vez, articuladas à
diversidade de origens de populações imigrantes de ex-colônias ou de nações
pobres/empobrecidas – resultando numa segregação ao mesmo tempo espacial, econômica,
cultural e potencialmente política; tem, finalmente, consolidado problemas ambientais
graves – estes aliás, exigindo cada vez mais que nos pensemos como parte de um todo
natural.
O Estado do bem-estar social foi quem assumiu durante o século XX a
problemática das desigualdades das sociedades modernas. É interessante perceber que as
políticas afirmativas atuando no Brasil têm afinidades importantes com o que se chama de
“wefare state liberal”, tipo norte americano e australiano daquele Estado (Fiori, 1995), no
qual a proteção social é reduzida aos comprovadamente pobres, sobretudo àqueles com
estigma social (ou, em outros termos, membros de grupos distinguíveis e negativamente
discriminados). É sempre bom lembrar, quando estudamos ou tomamos posição sobre tais
políticas, que o “welfare state liberal” não foi o tipo de Estado do bem-estar mais eficaz na
redução das desigualdades entre os mais ricos e os mais pobres. Além disso, sabe-se que os
custos das políticas afirmativas são geralmente pouco consistentes (Fry, 2006; Sansone,
2005); eles parecem facilmente adaptáveis a uma gestão “otimizada” dos reduzidos
orçamentos sociais dos Estados contemporâneos, mas incapazes de mudar o quadro das
desigualdades que aumentam globalmente e que, no Brasil, são tão grandes quanto seu
território.
E como não registrar que todos os tipos de Estado do bem-estar desgringolaram-se
como modelo de compromisso institucional diante das desigualdades sociais há mais de
trinta anos (Lautman, 2009; Fiori, 1995)? A crise econômica mundial que vivemos
atualmente manifesta que os responsáveis estatais concentram suas forças para salvar as
formas de capital direta ou indiretamente responsáveis pela crise. Os sinais não são bons
para as políticas de direitos sociais, quer sejam universalistas ou multiculturalistas. É que o
Estado não é fonte substantiva de direitos; ele é parte das relações de força da sociedade .
Mesmo sem ser cientista social, qualquer leitor de jornal cotidiano pode perceber
que indivíduos/grupos economicamente poderosos não reivindicam direitos identitários; e
no entanto as máquinas estatais funcionam para socorrê-los. Parece que as expressões
identitárias simbólicas, no final das contas, não atingem a força da representação do
indivíduo liberal moderno como identidade unitária: aquele que tem direito à liberdade no
mercado, independentemente da cor da pele, do gênero, da religião, da orientação sexual,
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concedê-las para tentar recuperar uma legitimidade difícil e tentar assegurar resultados
eleitorais, desde que o grupo identitário em questão tenha suficiente grau de mobilização
para exercer uma pressão eficaz. Mobilização aliás, às vezes financiada por fundações de
super-cidadãos...
Sustentei neste texto que, como construção social da realidade, as expressões
identitárias são dinâmicas. É uma abordagem que busca não negligenciar as dimensões
objetivas das relações sociais, mas as articula às dimensões simbólicas. Seguindo Serge
Moscovici (2004), penso que a abertura das ciências sociais ao caráter construtivo do
simbólico foram importantes para o enfrentamento do medo da ciência moderna diante do
poder do pensamento. Mas o pensamento e as práticas sociais são vazos comunicantes de
dimensões relacionais, tendo a tensão Universal/Particular como componente inconteste.
Parece que tal tensão está exigindo que as ciências sociais reforcem um olhar atento ao
caráter relacional das dimensões da experência social, à possibilidade de articulações
sistêmicas (ambora relativas e instáveis), assim como sobre a intervenção direta ou indireta
do seu conhecimento sobre o viver juntos. Pelo menos para os que não são super-cidadãos,
porque estes, sabem o que têm em comum e agem em conseqüência.
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