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SUMÁRIO

sumário..................................................................................................1

INTRODUÇÃO.......................................................................................1

1. PERÍCOPE. I Corínitos 14:1-5....................................................2

1. 1 Tex to Or i gi nal . II RO S KO RI NQI O US A 14 :1 -5 . .........................................................2

1. 2. Tr a duç ã o..................................................................................................................................2

2. CONTEXTO HISTÓRICO...............................................................4

2. 1 Autor , oc as i ã o e Da ta da Ca r ta........................................................................................4

2. 2 Cor i nto, l oca l i za çã o e im por tâ nc ia c ome r ci a l...........................................................5

2. 3 O Dom í ni o e a I nfl uê nc i a de Rom a e m Cor i nto.........................................................6

2. 4 Cor i nto, l uga r de re l i gi os i da de e pr os ti tui ç ã o..........................................................7

2. 4. 1 O Cul to pr om í sc uo a Afr odi te .......................................................................................8

2. 4. 2 O Cul to a os de ma i s de use s gre gos............................................................................9

2. 5 A I gr ej a em Cor i nto............................................................................................................10

2. 5. 1 O Pr opós i to da Ca r ta ...................................................................................................11

2. 5. 2 Os Pr obl e ma s da I gr ej a .................................................................................................12

3. ANÁLISE SEMÂNTICA................................................................13

4. SÍNTESE DO SIGNIFICADO.......................................................27

RELEITURA........................................................................................28
2

BIBLIOGRAFIA..................................................................................32
INTRODUÇÃO

Ao propositalmente fazermos esta análise exegética no livro de I


Coríntios, o qual consideramos como especialmente rico não somente em
conteúdo, mas também em história e na própria mensagem repassada, pretendemos
fazer com que hajam maiores elucidações sobre alguns assuntos tratados pelo
Apóstolo Paulo. Entendemos que por meio desta obra, muitas questões que
investigaremos no decorrer da pesquisa contribuirão não somente para um maior
conhecimento a respeito daquilo que o texto realmente quer nos dizer, mas também
farão com que os ensinamentos feitos por Paulo a quase dois mil anos atrás, nos
direcionem no sentido de vivermos segundo os padrões estabelecidos pelo próprio
Deus.

Iniciaremos primeiramente apresentando qual o texto de estudo, para


depois transcrevermos o texto original no grego que logo após, se seguirá da
tradução. Em seguida adentraremos no contexto histórico, que por sinal, se mostrou
altamente instrutivo por sua variedade de fatos. Talvez a carta de Corinto mais do
que em qualquer outro livro da Bíblia, apresenta-nos uma gama variada de fatos
interessantes no que concerne a sua história. A análise semântica e a síntese do
significado, serão ent0ão os próximos tópicos. Neles, estaremos indo a fundo no
sentido de interpretar o texto bíblico e o seu real significado, como também fazendo
um resumo de todas as coisas analisadas desde o contexto histórico.

Por último virá a releitura, que será uma redação visando a maior
contextualização possível no sentido de que o texto interfira em nosso tempo.
Cremos que neste final de milênio, a carta de Paulo aos Coríntios pode ainda muito
nos falar ou transmitir, afinal, a linguagem bíblica jamais deixará de ser atualizada
quando se trata de orientar pessoas que estejam interessadas nela e dispostas a serem
confrontadas com as suas verdades. E verdades que por sinal, tem vencido até a
barreira do tempo, transpondo os séculos e sendo viva e eficaz para os nossos dias
1. PERÍCOPE. I Corínitos 14:1-5.

1.1 Texto Original. IIROS KORINQIOUS A 14:1-5.

1. Diw/kete th\n a)ga/phn, zhlou=te de\ ta\


pneumatika/, ma=llon de\
i%na profhteu/hte.
2. o( ga\r lalw=n glw/ssh| ou)k a)nqrw/poi$ lalei€ a)lla\
qew=|, ou)dei\$ ga\r a)kou/ei, pneu/mati de\ lalei€ musth/ria:
3. o( de\ profhteu/wn a)nqrw/poi$ lalei€ oi)kodomh\n
kai\ para/klhsin kai\ paramuqi/an.
4. o( lalw=n glw/ssh| e(auto\n oi)kodomei€: o( de\
profhteu/wn e)kklhsi/an oi)kodomei€.
5. qe/lw de\ pa/nta$ u(ma=$ lalei€n glw/ssai$, ma=llon
de\ i%na profhteu/hte: mei/zwn de\ o( profhteu/wn h* o( lalw=n
glw/ssai$,
e)kto\$ ei) mh\ diermhneu/h|, i%na h( e)kklhsi/a oi)kodomh\n la/bh|.

1.2. Tradução

1. Procurai a caridade. Entretanto, aspirai aos dons do Espírito,


principalmente à profecia.
2. Pois aquele que fala em línguas, não fala aos homens, mas a
Deus. Ninguém o entende, pois ele, em espírito, enuncia coisas misteriosas.
3. Mas aquele que profetiza fala aos homens: edifica, exorta,
consola.
4. Aquele que fala em línguas edifica a sim mesmo, ao passo que
aquele que profetiza edifica a assembléia.
5. Desejo que todos faleis em línguas, mas prefiro que profetizeis.
Aquele que profetiza é maior do que aquele que fala em línguas, a menos que este as
3

interprete, para que a assembléia seja edificada.


2. CONTEXTO HISTÓRICO

Por meio desta análise histórica de como era Corinto e de como foi o
processo em que o Apóstolo Paulo esteve em contato com os coríntios, repassaremos
informações concernentes aos mais variados fatores que permeavam o contexto desta
carta de Paulo. A religiosidade, as práticas comerciais, ou ainda, a própria formação
da Igreja em Corinto, são pontos que nos deteremos. Entretanto, tentaremos fazer
com que esta explanação histórica vá de encontro com a centralidade de nossa
perícope, pois acreditamos que assim estaremos rumando para o objetivo maior de
nossa pesquisa, que é estar em sintonia com a mais próxima realidade no que se
refere ao texto bíblico.

2.1 Autor, ocasião e Data da Carta

A autoria da I carta aos Coríntios, não está em contestação pelos


estudiosos bíblicos. É dado o total crédito a Paulo, sendo que a tradição e a atestação
em favor desta carta é mais forte do que em qualquer outro livro do Novo
Testamento.

Clemente de Roma (96 d.C), um dos pais da Igreja, escreveu a


Corinto, citando Paulo. Justino Mártir, conhecia bem as palavras do Apóstolo e
Inácio de Antioquia (110 d.C.), escrevendo aos cristãos de Roma utiliza-se das
palavras de Paulo: “Refiro-me à escolta que me conduz,(...)Contudo nas suas
injúrias eu muito aprendo, embora “não seja por isso que sou justificado”(1
Co.4:4).” (Hamman,1980,p.22). Acerca destes fatores, o estilo e a linguagem são dos
escritos paulinos, e a própria preservação da carta pelos Coríntios é uma prova de sua
autenticidade.
5

Da estadia de Paulo em Éfeso, é remetida a primeira carta aos


Coríntios, porém, na realidade, esta não foi a primeira carta que foi enviada. Pelas
admoestações de I Coríntios 5:9, entendemos que houve uma carta anterior, que
reprovava a indisciplina e imoralidade na Igreja. Após esta primeira carta, alguns
representantes de Corinto vão até Paulo levando uma carta da Igreja (I Co.16:17).

Ainda em Éfeso, Paulo escreve a carta canonizada (I Coríntios, 54 ou


55 d.C.), respondendo aos crentes de Corinto. Posteriormente, Paulo vai até Corinto,
onde é mal recebido e sua autoridade apostólica é rejeitada. Retornando a
Éfeso, Paulo escreve uma carta “áspera”, e a envia por intermédio de Tito. Após estes
fatos, indo para Trôade e a Macedônia, Paulo escreve uma carta de reconciliação, no
caso, II Coríntios canonizada (55 d.C). (Hale,1983,p.223).

Infelizmente, como pudemos ver nas explanações do parágrafo


anterior, as duas cartas que antecederam a I e II Coríntios não chegaram até
nós, porém, ficamos com a idéia de Calvino, que diz que aquilo que restou, seria o
que “satisfaria nossas necessidades” (1996,p.163). Esta, com toda a certeza, é a
melhor idéia que podemos ter a respeito dos escritos perdidos.

2.2 Corinto, localização e importância comercial

Corinto posicionava-se geograficamente numa estreita faixa de terra


que liga o Sul da Grécia, ou Peloponeso, com o restante do país. Por
Corinto , também dava-se a ligação com os países do Norte, e tanto as rotas terrestres
como marítimas eram extremamente movimentadas. Leon Morris comenta:

“Corinto (...) não apenas ocupava uma posição ideal para controlar
o comércio norte-sul mas, pelo fato de o porto de Liqueu ficar dois
quilômetros e meio ao norte (no Golfo de Corinto) e Cencréia
(Rm.16:1) ficar apenas 11 quilômetros a leste, no golfo de Sarônica,
Corinto também era um elo terrestre indispensável entre o leste e o
oeste.” (1997, p.291).
6

E Colin Kruse, em seu comentário sobre a carta de Paulo aos


Coríntios, expõe sobre a economia da cidade:

“Corinto, tendo uma posição geográfica estratégica tão


privilegiada, enriqueceu às custas de impostos cobrados pela
movimentação de mercadorias, que a cidade supervisionava e
controlava.” (1994, p.18).

Como vimos, Corinto era uma cidade próspera, e o golfo de


Corinto era então utilizado pelos navegadores de regiões ocidentais, a exemplo de
Roma, ou até mais orientais, a exemplo da Síria. Porém, como ele terminava antes de
se chegar ao mar, aqui especificamente no sentido leste, as cargas dos navios ou até
o próprio navio era arrastado possivelmente em cima de toras pelo istmo, que seria a
faixa de terra transitável que ligava a península ao continente, isto, a fim de evitar a
circunavegação pelo mar contornando o Peloponeso, que prolongaria a distância da
viagem em mais de trezentos quilômetros.

A prática mercantil feita através dos dois portos, Liqueu a noroeste e


Cencréia a sudeste, separados por dezesseis quilômetros um do outro, o comércio
local, os negócios, e, juntamente com indústrias diversas, especialmente a
cerâmica, eram a base da economia da cidade que notadamente nos tempos do
apóstolo Paulo, havia superado Atenas quanto a importância política e comercial.

2.3 O Domínio e a Influência de Roma em Corinto

Para entendermos como iniciou-se o domínio de Roma em Corinto, é


necessário que voltemos a tempos anteriores à visita do Apóstolo Paulo. A antiga
cidade, fundada pelos dórios, um dos principais povos da Grécia antiga, floresceu de
tal forma que já em 650 a.C, era o principal centro comercial grego. Isto continuou
até o ano de 146 a.C. quando o cônsul romano Lucio Mummius invade Corinto. João
Calvino explica:
7

“É bem conhecido o fato de que Corinto era uma rica e famosa


cidade da Acaia. Quando L. Mummius a destruiu [em 146a.C.], ele o
fez simplesmente porque sua vantajosa situação o levou a suspeitar
do lugar.” (1996,p.15).

O domínio de Roma em Corinto, como Calvino nos expôs, inicia-se


com a total destruição da antiga cidade, onde seus habitantes, os antigos
coríntios, foram mortos ou vendidos como escravos a outros territórios.

Durante quase cem anos a cidade ficou desabitada, até que em 44


a.C., Júlio César, o grande propagador do império romano, ordenou que ela fosse
reconstruída e habitada por ex-escravos. Neste período, Roma subdividia seus
territórios em províncias. Estas províncias eram imperiais, senatórias ou
procuratórias (Galbiati,1991,p.208), como Corinto estava na província da Acaia, a
cidade fazia parte das províncias senatórias e era governada por um procônsul (ou ex-
cônsul), que na época da permanência de Paulo em Corinto, foi Gálio (At.18:12).

No quesito da religião, o império romano ao dominar determinado


território, a exemplo da província da Acaia e da cidade de Corinto, utilizava-se de
práticas bastante liberais. Os romanos costumavam dar aos deuses locais dos
territórios conquistados, as mesmas honrarias dos seus, e especificamente no caso
dos deuses gregos, houve até a assimilação da religiosidade grega por parte dos
romanos. Por exemplo: Zeus, se transforma para os romanos em Júpiter, Apolo em
Febo, e Afrodite, em Vênus, deusa romana dos campos e jardins.

2.4 Corinto, lugar de religiosidade e prostituição

O povo de Corinto possuía fortes tendências para com o misticismo


ou para com práticas religiosas. O cosmopolitismo generalizado em muito contribuía
para esta condição, sendo então Corinto, a menos grega de todas as cidades
gregas, pois a religião vigente era amplamente sincretista. Mesmo assim, o culto aos
deuses gregos era o que mais atraía a população. Somada a estas inclinações ao
sobrenatural ou ao metafísico, havia ainda uma boa medida de perversão sexual
8

embutida na própria religião. Tanta era a fama da cidade, que existia um vocábulo
grego denominado “coriantinizar”, ou seja, “viver como um corinto”, que indicava
para uma vida muito depravada em todos os sentidos.

2.4.1 O Culto promíscuo a Afrodite

A cidade de Corinto não só tornou-se importante no sentido


comercial ou pelo fato de organizar os jogos bienais do istmo, o segundo depois da
olimpíada. Mas, também por ser um dos centros mais movimentados de adoração à
deusa Afrodite, deusa grega do amor.

Uma montanha de 560 metros denominada Acrocorinto dominava a


cidade e nesta montanha encontrava-se o templo de Afrodite, onde prostitutas
mesclavam licenciosidade sexual com a própria religião. David Prior comenta a
respeito: “As mil sacerdotisas do templo, que eram prostitutas sagradas, desciam à
cidade ao cair da tarde para oferecer seus serviços pelas ruas.” (1993,p.12), e Prior
ainda complementa citando J.C Pollock: “O culto era dedicado a glorificação do
sexo.” Prior afirma que as prostitutas ainda atuavam na época de Paulo, porém,
Kruse rebate com a seguinte declaração: “Entretanto, constitui um erro atribuir a
essa cidade a descrição do culto a Afrodite com mil prostitutas cultuais, pois isto se
relaciona à cidade antiga.” (1994, p.20).

Entendemos que pelo relato histórico, o qual Kruse foi fiel, a


prostituição cultual com as mil sacerdotisas atingiu seu ápice somente na velha
cidade de Corinto, mas um remanescente, já sem este exacerbado número de
sacerdotisas, encontrou em Corinto por meio do ainda existente templo a
Afrodite, um lugar propício para proliferação destas práticas imorais.
9

2.4.2 O Culto aos demais deuses gregos

Logicamente que Corinto não limitava o seu paganismo


exclusivamente para com a deusa Afrodite. O culto a esta deusa, tomou espaço em
nosso tópico anterior devido a uma maior ênfase na adoração a ela prestada.

A adoração a todo o panteão de deuses gregos também era


comumente observado, ainda mais, que Corinto estava entre as principais cidades da
Grécia antiga. Entendemos que a mitologia grega era algo que em muito influenciava
a sociedade da época, pois os gregos, segundo a enciclopédia Encarta,
“Reconheciam que suas vidas dependiam completamente da vontade dos deuses.”
(1999). Poderemos enumerar em número de doze os principais deuses da
mitologia grega, que são estes: Zeus, Hera, Hefesto, Atena, Apolo, Artêmis,
Ares, Afrodite, Héstia, Hermes, Deméter e Posêidon. Dentre todos eles, Afrodite e
Apolo, dispunham de seus próprios templos em Corinto, e a respeito de Apolo, que
também muito influenciou na cultura local, Prior nos diz:

“Apolo era o Deus da música, do canto, e da poesia; também


simbolizava o ideal da beleza masculina. Estátuas e frisos de Apolo
nu, em diversas posturas que exibiam sua virilidade, inflamavam
seus adoradores masculinos(...)Corinto, era, portanto, um centro de
práticas homossexuais.” (1993, p.13).

Este mesmo Apolo que incitava a perversão sexual , notadamente a


masculina, era tido não só como o deus da beleza e da música como nos afirma
Prior, mas ele era também visto como o deus da luz, da verdade, e o deus da
profecia. Certamente, o povo de Corinto consultava a Apolo em seu oráculo
específico, sendo que tudo nos leva a entender que estas práticas desenrolavam-se no
próprio templo de Apolo, o qual, devido as supostas orientações dadas pelo referido
deus, era freqüentado por pessoas que ansiavam por conselhos, luz e direcionamento
em determinadas áreas da vida.

E John F. MacARTHUR Jr., cita algo sobre o comportamento dos


Coríntios em um culto a outros deuses. Veja-mos:
10

“...é fascinante notar que duas das religiões de mistério, comuns


naquela região do mundo, tinham dois deuses falsos chamados
Cybele e Dionísio. E na adoração de ambas essas divindades usava-
se o balbuciar extático acompanhado de batidas de címbalos, gongos
e trombetas em clangor.” (1995,p.157).

Pelo relato de MacARTHUR, juntamente com os outros já


vistos, pudemos ver o quanto o povo de Corinto valorizava a religião e as
experiências espirituais. É neste contexto que é fundada a Igreja de Corinto, a qual
será o nosso objeto de estudo no tópico a seguir.

2.5 A Igreja em Corinto

O apóstolo Paulo chega em Corinto por volta do ano 50 d.C., logo


após um curto período na cidade de Atenas (At.16:11-18). Paulo estava em pleno
empreendimento da sua segunda viagem missionária, e ao chegar em Corinto, logo o
apóstolo percebe que esta cidade cosmopolita seria um bom campo de propagação
para o cristianismo. O encontro com Áquila e Priscila, um casal de judeus cristãos
que recentemente haviam sido expulsos de Roma pelo decreto de Cláudio (49 d.C.)
(Hale,1983,p.223), fez com que Paulo penetrasse na sociedade de
Corinto, primeiramente como um profissional que fazia tendas, e depois, como
propagador do evangelho de Cristo Jesus. Sobre esta primeira atividade de
Paulo, René Kivitz argumenta:

“...seria muito comum um novo comerciante aterrizar na cidade


buscando melhores dias. (...)sendo comerciante, poderia penetrar
mais fundo em relacionamentos, conquistando a pré-disposição
favorável das pessoas, sem chocá-las de imediato com a mensagem
da cruz de Cristo. (1992, p.13)

Como vemos, esta foi a estratégia inicial de Paulo. Mesmo


precisando deste ofício para seu próprio sustento, o contato com os indivíduos no dia
a dia e a conseqüente evangelização por meio deste contato, auxiliou Paulo a melhor
encaixar-se no contexto da então movimentada cidade de Corinto.
11

O apóstolo ainda testemunhava na sinagoga cristã todos os


sábados, mas sua ação missionária continha-se pelo fato de Paulo estar também
trabalhando, isto, até que Silas e Timóteo chegam com uma oferta da Igreja de
Filipos (At.18:5). A partir de então, Paulo abstêm-se do trabalho secular e começa a
pregar diariamente nas ruas e nas casas.

Posteriormente, Paulo tem um atrito com os judeus (At.18:6), e


passa a morar na casa do romano Tito Justo, pregando então o evangelho não só para
seus compatriotas, mas também para os gentios. Broadus David Hale comenta a
respeito: “Seu trabalho teve êxito, e um grande número de judeus (At.11:4,I
Co.7:18) e gentios (I Co.12:2), tanto ricos (Rm.16:23) como pobres (I Co.1:26-27),
tornou-se cristão.”(1983,p.223), e Morris complementa:

“Paulo permaneceu ali, um ano e meio, lançando o único alicerce


possível, o próprio Jesus Cristo (I Co.3:10-11). Depois de ver a
igreja bem estabelecida, Paulo partiu rumo a Jerusalém.”
(1997,p.293).

Esta foi a história da formação da Igreja de Corinto através do


esforço missionário do Apóstolo. Os comentários de Hale e Morris, foram bem
elucidativos, de modo que não serão necessárias maiores explicações sobre este tema
aqui avaliado.

2.5.1 O Propósito da Carta

O propósito pelo qual Paulo escreveu a primeira carta aos


Coríntios, é uma série de problemas que se insurgiram na Igreja da província da
Acaia. Seguiremos apresentando então, no próximo tópico, estes problemas de forma
objetiva e resumida, incluindo também as conseqüências destas dificuldades.
12

2.5.2 Os Problemas da Igreja

Ao mesmo tempo em que a obra iniciada por Paulo crescia e


desenvolvia-se, as dificuldades também aumentavam consideravelmente. Apolo, um
judeu eloqüente de Alexandria que foi instruído na doutrina de Cristo por Áquila e
Priscila (At.18:24), deu continuidade a obra de Paulo, todavia, após o afastamento do
Apóstolo, a Igreja atingiu um nível moral e espiritual baixíssimo. Estouraram
divisões amargas (I Co.3); permitiram vícios dos mais baixos (I Co.5 e 6:9);
abusaram da liberdade cristã (I Co.8 e 10); deixaram se influenciar por mestres
legalistas que eram contrários a Paulo (I Co.9); corromperam as formas cristãs de
adoração, agindo de forma ultrajante até na Ceia do Senhor (I Co.11) comendo em
excesso, deixando-se até embriagar e negligenciando os pobres da comunidade.
(Champlin,1995,Vol.3.p.3).

Somada a todas estas práticas, os crentes de Corinto se mostravam


extremamente praticantes dos dons espirituais, porém, de forma desordenada e
confusa. Eles falavam muito no Espírito Santo, no profetizar, como no falar em
línguas; e estavam tão convictos da renovação por meio do Espírito, que
consideravam desnecessária a ressurreição do corpo (I Co.15). Esse grupo de
“fanáticos”, como A. Schlatter os chama, atribuíam um valor por demais elevado a
estes referidos dons, considerando-os como algo superior ao próprio dom perfeito: o
amor. Hörster cita Schlatter sobre o comportamento inadequado dos Coríntios:

“Não crer, mas conhecer; não obedecer e se submeter, mas exercer


a sua plenitude; não pensar nos outros, preocupar-se com eles,
servi-los, mas desenvolver a própria experiência religiosa, mesmo
que não faça sentido para os outros,...” (Hörster,1996,p.97)

Assim era a comunidade cristã de Corinto, elevavam as experiências


espirituais em detrimento do que é reto e justo, além ainda, de que as próprias
experiências espirituais estavam em franco processo de decadência devido as formas
da sua utilização. Os dons estavam sendo condicionados ao egoísmo de algumas
pessoas, sem nenhuma contribuição ou edificação para o corpo de Cristo.
3. ANÁLISE SEMÂNTICA

Por meio da análise que faremos em cada verso e em cada palavra


chave de nossa perícope, tentaremos ser fiéis para com o texto bíblico, isto, sem
distorcê-lo, e sempre com o objetivo máximo e prioritário de alcançar o real
significado da exposição feita pelo Apóstolo Paulo. Abaixo, damos início então a
análise semântica propriamente dita, sempre isolando cada versículo e destacando as
palavras de maior importância para com o significado do texto.

V.1“ Procurai o amor . Entretanto, aspirai aos dons do Espírito,


principalmente à profecia .”

Ao usar o termo “procurai” (diwkete: Verbo, imperativo, presente,


ativa, 2º pessoa, plural), da raiz diwkw, que contém a idéia de ir após com
persistência, ou ainda, uma ação que não termina nunca (Morris,1982,p.153). Paulo
está nos indicando a melhor forma para adentrar num caminho que já foi comentado
no capítulo anterior (13), e que deve ser buscado acima de qualquer outra coisa. O
caminho do amor. Este amor dever ser procurado, seguido e almejado com grande
persistência, ainda mais, para com os crentes de Corinto, que perigosamente o
haviam relegado a um segundo plano.

A palavra “amor” (agaphn: Substantivo, acusativo, feminino,


singular), vem de agaph, o qual Gingrich classifica como a “mais sublime virtude
crista”. (1984,p.10) Para Colin Brown, no judaísmo helenístico e rabínico é usada
para descrever o relacionamento de Deus para com o homem, e vice-versa
(1981,Vol.1,p.197). Esta palavra foi introduzida especificamente no grego neo-
testamentário porque o amor Deus, visto em Jesus, exigia uma nova palavra que
transcendia todas expressões ou idéias humanas de amor. No Novo Testamento, o
amor é uma das idéias centrais que expressam o conteúdo da fé cristã. Podemos ainda
fazer um paralelo com os escritos do Apóstolo João, que diz que Deus é amor e
exerce amor (I Jo.4:8, Jo.3:16), e que a atividade de Deus é o amor, sendo que este
Deus, procura amor recíproco do homem (I Jo.4: 8,16).
14

Em I Coríntios, o amor é o maior do que os dons espirituais. E foi


por isso que Paulo lutou, para que o amor fosse exaltado. Porém os Coríntios, por
natureza, não pensavam como Paulo. Calvino comenta sobre esta deficiência:

“Pois Paulo tacitamente os responsabiliza pela ausência de amor, o


que se tornava evidente na maneira como abusavam de seus dons.
(...) Ele, portanto, põe em relevo, diante dos olhos deles, quão sem
sentido é o egoísmo que os fazia naufragar em suas esperanças e
anseios.” (1996,p.408).

Calvino associa a falta de amor dos Coríntios com egoísmo pessoal.


De nada adiantavam as manifestações do Espírito e o conhecimento, as duas grandes
prioridades dos Coríntios, sem a essência fundamental, o amor. Neste sentido, Prior
cita Bruce: “O exercício mais generoso dos dons espirituais não pode compensar a
falta de amor.” (1994,p.242) e René Kivitz, cita Raymond Brown sobre o mesmo
tema: ”...línguas, profecias, ciência não serão necessárias diante de Deus, mas o
amor sim, pois é parte da própria natureza de Deus.” (1987,p.216). Como vemos por
meio destas argumentações, o amor supera a tudo, e, pelo fato de a tudo
transcender, ele deve estar em primeiro lugar. Nem uma aparente espiritualidade, que
era algo notável entre os Coríntios, compensaria esta falta.

O amor é o grande elevador do dom espiritual, a força divina que


capacita ao serviço cristão, mas ele, o amor, é maior do que os dons espirituais.
Também o verdadeiro amor é altruísta, ele faz com que o próprio “eu” seja negado.
Eis aqui a dificuldade dos Coríntios. Nisto, novamente afirmamos a posição de
Calvino anteriormente citada, quando o reformador taxou-os de egoístas; sim, sem
sombra de dúvida eles eram egoístas, e era um egoísmo mascarado, que felizmente
podia ser revelado ao ser diretamente confrontado com a verdadeira palavra de Deus.
Por isso, Paulo os aconselha a mudar seus conceitos e posicionamentos a fim de
procurar aquilo que é perfeito e que nunca acabará. ”Procurai o amor...” (v.1)

Quando Paulo fala em “aspirar” (zhloute: Verbo, imperativo,


presente, ativa, 2º pessoa, plural) os dons espirituais, está indicando a ser “zeloso
por”, ou, “desejar ardentemente” (Rienecker,1985,p.320). No sentido desta
palavra, também encaixam-se termos como: “procurai com zelo” (ARA), e
ainda: “busquem com dedicação os dons espirituais” (NVI). Concordamos com
Rienecker, quando este indica zeloute no sentido de desejar ardentemente. Nisto
vemos o quanto Paulo considerava os dons do Espírito. Para ele, os dons eram de
vital importância sendo também o Apóstolo praticante dos mesmos (I Co.14:18).
15

Após nos indicar aquilo que é mais excelente e nos aconselhar a


buscar os dons do Espírito, Paulo chega ao ponto fundamental de sua explanação: A
profecia. Pela visão bíblica, a profecia é algo que permeia tanto o Antigo, quanto o
Novo Testamento. A palavra hebraica para o termo profeta é nabi, que usualmente é
uma derivada do vocábulo nabú, que fala em chamar ou proclamar. Este substantivo
ocorre 309 vezes no A.T. (Brown,Vol.3,1983,p.761).

No passado, os profetas orientavam o povo nas coisas concernentes à


Deus, isto é, como ter atitudes de obediência (Ez.3:18), como não desviar-se de seus
caminhos (Jl.2:12), repreensões (Jr.14:10) ou ainda, direcionamento para a guerra (I
Sm.30:8) e para com o rumo a ser seguido (I Sm.22:5). Estes profetas traziam a
Palavra de Deus a sua geração, e ocasionalmente tinham a capacidade de predizer o
futuro. Se isto fosse feito com precisão, seria então verdadeiro o profeta.
(Morris,1981,p.153).

Estes homens eram tomados pelo Espírito do Senhor. O Dr. Martin


Lloyd-Jones apoia esta idéia ao expressar seu pensamento. Vejamos:

“Continuamente ele se achava sob o controle desse vendaval do


Espírito, desse vento de Deus, dessa energia divina. Esse impulso
divino veio sobre ele, o agarrou, o carregou e ele foi levado pelo
Espírito. (1997,p.45).

Notadamente, este encargo especial ao qual alguns homens como


Isaías, Jeremias ou Ezequiel exerceram, foram especiais e específicos. A forma como
agiam e como eram levados pelo Espírito, como citou o Dr. Jones, contribuiu para a
então futura Palavra escrita do qual podemos contar hoje.

A profecia que Paulo nos apresenta nesta perícope, seria algo que
apoiaria a Palavra de Deus escrita, fortalecendo a comunidade cristã, mas, sem o
objetivo de igualar-se aos profetas do passado no sentido de dirigir uma nação
inteira. Logicamente, que os profetas do N.T. eram também movidos pelo
Espírito, porém, com o objetivo de exortar, consolar e edificar a comunidade cristã.

Observando mais de perto o período neo-testamentário, a palavra


usada por Paulo para “profecia” é profhteuhte (Verbo, subjuntivo, presente, ativa,
2º pessoa, plural), que vem de profhteia e alude a atividade profética e ao dom de
profetizar (Rienecker,1985,p.320). Entendemos que o texto está enfatizando neste
décimo quarto capítulo, de forma mais específica, o dom de profetizar.
16

Sobre este dom e a sua utilização na comunidade cristã do primeiro


século, Brown expõe:

“A igreja cristã primitiva tinha crentes que possuíam o dom da


profecia. Eram considerados um sinal de que o Espírito estava
presente na Igreja. Deve ser suposto que, já em etapa muito
recuada, institucionalizou-se esta profecia carismática e impulsiva,
e os profetas passaram a ser encarados como detentores de um
cargo espiritual, que tinha sua própria posição na comunidade
entre, ou em pé de igualdade com, apóstolos e mestres.
(Vol.3,1983,p.768).

Brown nos trouxe uma perspectiva de como a profecia era vista no


seio da Igreja. Porém, para sabermos realmente como era a profecia neste contexto da
primeira carta aos Coríntios, é necessário que façamos uma análise mais completa.

Seria a profecia ao qual Paulo incita os Coríntios a procurar, uma


manifestação extática de direcionamento do Senhor e talvez até de predição? Ou
ainda uma orientação bíblica específica acerca de uma determinada necessidade?
Existem algumas divergências entre os estudiosos, e Calvino acha o seguinte:

“Em meu próprio modo de raciocinar, estou certo de que Paulo


conceitua estes profetas, não como dotados com o dom de profetizar
[=vaticinar, predizer], senão que eram abençoados com o dom único
de ocupar-se da Escritura, não só de interpretá-la, mas também na
demonstração de sabedoria em usá-la para satisfazer as
necessidades do momento. (1996,p.390).

Ainda que o reformador via a profecia desta forma, ele esclarece:


“Se porventura alguém é de outra opinião, estou disposto a reconhecer que há
espaço para ela...” (1996,p.391). E Morris, identifica-se com o que Calvino citou no
parágrafo anterior ao comentar: “...a ênfase não é a predição, mais a exposição do
que Deus disse.” (1981,p.153).

Já Myer Pearlman, citando J.R. F., nos traz um parecer diferente de


Calvino ou Morris. Ele argumenta sobre o dom da epístola paulina dizendo:

“A profecia, geralmente falando, é expressão vocal inspirada pelo


Espírito de Deus. A profecia bíblica pode ser mediante revelação, no
qual o profeta proclama uma mensagem previamente recebida por
meio dum sonho, uma visão ou pela Palavra do Senhor. Pode ser
também extática, uma expressão de inspiração do momento. Há
17

muitos exemplos bíblicos de ambas as formas.” (1996,p.203).

Pearlman ainda complementa, fazendo uma diferenciação entre a


profecia e a pregação:

“A profecia se distingue da pregação comum em que, enquanto a


última é geralmente o produto do estudo de revelação existente, a
profecia é resultado da inspiração espiritual espontânea. Não se
tenciona suplantar a pregação ou o ensino, senão complementá-los
com o toque da inspiração.” (1996,p.203).

E David Prior cita Michael Green sobre o que vem a ser a palavra
profética de I Coríntios 14:1: “Uma palavra do Senhor dada por intermédio de um
membro do seu corpo, inspirado pelo seu Espírito e concedida para a edificação do
restante do corpo.” (1994,p.253).

Certamente, por todos os argumentos que vimos até aqui, teremos de


trazer um posicionamento. Pois bem, podemos dizer que concordamos com Calvino
e Morris no sentido que o profetizar pela Palavra, seria o primordial. Porém, não
acreditamos que a palavra profética limite-se somente a isto. Nosso pensamento é
também favorável a profecia de sentido extático, como vê Myer Pearlman. E a
respeito de Prior citando Green, este nos traz uma definição extremamente
coerente, sem ser tendenciosa, mas que define com clareza o que é o ato de profetizar
segundo a Bíblia.

Algumas acontecimentos do Novo Testamento nos levam a crer que


quando Paulo nos fala sobre a profecia, ele levou em consideração manifestações que
não só continham a explanação da Palavra escrita. Podemos fazer um paralelo com
Atos 11:27-30 (ARA), onde o profeta Ágabo traz uma mensagem profética à Igreja
de Antioquia. Diz a Bíblia:

“Naqueles dias desceram alguns profetas de Jerusalém para


Antioquia e, apresentando-se um deles, chamado Ágabo, dava a
entender, pelo Espírito, que estava para vir grande fome por todo o
mundo, a qual sobreveio nos dias de Cláudio. Os discípulos , cada
um conforme as suas posses, resolveram enviar socorro aos irmãos
que moravam na Judéia; o que eles, com efeito, fizeram enviando-o
aos presbíteros por intermédio de Barnabé e de Saulo.”

Neste relato de Lucas, observamos o profeta Ágabo prevendo a fome


que iria assolar a Judéia na época do imperador Cláudio. E Paulo, que ainda neste
18

texto é chamado Saulo, foi o representante da Igreja juntamente com Barnabé a levar
as ofertas. Isto, em obediência a Palavra do Senhor dada por Ágabo. O próprio Paulo
citaria este fato na sua carta aos crentes da Galácia: “...subi outra vez a Jerusalém
com Barnabé, levando também a Tito. “Subi em obediência a uma revelação... ”
(grifo nosso) (Gl.2:1-2 ARA).

Portanto, concluímos que Paulo cria na manifestação profética no


sentido extático, porém, voltamos a afirmar, o apóstolo incentivou os Coríntios a
procurar este dom de forma a exaltar primeiramente a orientação da Palavra
escrita, conquanto sem descartar manifestações proféticas que não fossem desta
ordem. Senão, o apóstolo não teria dito: “Tratando-se de profetas, falem apenas dois
ou três, e os outros julguem.” (I Co.14:29 ARA). Acaso contendo-se a profecia
somente ao explanar da Palavra escrita, Paulo teria dito assim? Pensamos que
não, pois o próprio fato de o Apóstolo afirmar categoricamente que devemos julgar
as palavras proféticas, indicam que a profecia como mensagem divina poderia ser
afetada pelo instinto humano, daí então a necessidade do julgamento da profecia por
parte do corpo de Cristo.

Ao recapitularmos o primeiro versículo do capítulo 14, notamos que


Paulo primeiramente engrandeceu o amor, e por seguinte, indicou a se desejar e a
aspirar os dons do Espírito, notadamente a profecia. Bem sabemos quanto à profecia,
que esta não era algo estranho aos corintos, afinal Apolo, o deus da profecia, possuía
seu templo em Corinto como anteriormente vimos. Sendo assim, no momento em que
Paulo escreve à Igreja, ele não só aconselha a buscar o dom espiritual da
profecia, mas também, o verdadeiro dom, aquele que vem da parte do único e
verdadeiro Deus. Bem ao contrário das vozes proféticas falsas e enganosas, que tanto
assolavam Corinto e seus habitantes.

V.2 “ Pois aquele que fala em línguas , não fala aos homens, mas a
Deus. Ninguém o entende , pois ele, em espírito, enuncia coisas misteriosas . ”

A partir do verso 2, Paulo começa a discorrer sobre o fator da


glossolalia, ou das línguas. O apóstolo de início, deixa bem claro que este dom é
voltado para o próprio indivíduo e seu relacionamento com Deus.

A palavra grega para “línguas”, no texto é glwssh (Substantivo,


dativo, feminino, singular).Ela vem da raiz glwssa, onde Gringich diz que
“referem-se à fala extática daqueles acometidos de forte emoção em um contexto
19

cúltico.” (1984,p.47). Estas línguas ao qual Gringich referiu-se, no contexto de nossa


perícope diferem das línguas de Atos 2, onde todos os ouvintes entenderam a
mensagem proclamada. Alguns pensam de forma contrária, alegando ser a mesma
manifestação, nós porém, cremos assim.

Segundo Calvino, provavelmente os coríntios estavam dando atenção


elevada para com este dom (1996,p.409), sendo que outros dons, a exemplo da
profecia, não estavam sendo enfatizados na igreja por esta errônea exaltação. Agora
fica a pergunta, porque o dom de línguas é inferior a profecia? Morris responde: “A
razão da inferioridade das “línguas” é a sua ininteligibilidade. O homem que exerce
este dom está envolvido numa comunhão particular com Deus.” (1984,p.153). E
Eugen Walter sintetiza: “Isto não é nada mal, mas não aproveita aos outros.”
(1973,p.246). Podemos dizer que pensamos como Morris e Walter, afinal, se o
homem que fala línguas edifica somente a si mesmo, qual é o valor para o corpo de
Cristo? Nenhum! Obviamente, como veremos mais tarde, se houver
interpretação, tudo colaborará para a ordem e racionalidade.

Ao que pratica a glossolalia na Igreja sem o entendimento do seu


significado, Paulo diz dele: “Ninguém o entende”. O termo “ninguém” é oudei$
(Adjetivo, pronominal, cardinal, nominativo, masculino, singular). E
“entende”, originalmente fica akouei (Verbo, indicativo, presente, ativa, 3º pessoa,
singular). Sobre estes termos e seus significados, Rienecker cita Barrett: “Ninguém
ouve”, isto é “ninguém pode entender.” Baseado nesta condição onde ninguém se
entendia, Walter traz-nos um comentário muito elucidativo, abrangendo o próprio
contexto da cidade de Corinto.

“Se falam numa linguagem totalmente incompreensível, estão, enfim,


falando “para o ar” – ou, num termo menos drástico: uns não
entendem os outros, é como se a gente se encontrasse entre pessoas
que estão falando uma língua estrangeira. O heleno empregava o
termo “bárbaro” para uma situação assim. Esse termo não
designava tanto a falta de cultura, mas a imitação por onomatopéia,
dos sons duma língua estrangeira. Paulo mexe, pois, um pouco, com
os brios nacionalistas dos gregos, dando a entender aos coríntios
que, com a sua glossolalia, se estavam portando como bárbaros.”
(1973,p.248).

Walter entende que Paulo compara os coríntios com bárbaros quando


estes abusavam do uso das línguas. E J.D. Douglas, confirma o quanto as línguas
sem interpretação eram sem sentido: “...as elocuções, sem interpretação, não eram
20

inteligíveis nem mesmo para o que as proferia (vers.13). (1995,p.943).

Entendemos por tudo visto até aqui, que as línguas, da forma com
que eram empregadas em Corinto estavam distantes de um padrão de verdadeira
espiritualidade. E Paulo, ao afirmar categoricamente que ninguém os entendia, vai de
encontro as estes conceitos errôneos que haviam se dissiminado na comunidade. O
parecer de Walker que anteriormente foi exposto, parece então explicar tudo isto de
forma convincente, e esta também é nossa posição.

O termo final a ser analisado no verso 2, é “misteriosas”, o qual vem


a ser musthria (Substantivo, acusativo, neutro, plural), onde sua raiz é
musthrion, que Gingrich classifica de: “Segredo, ensino secreto, mistério com
referência a alguma coisa previamente desconhecida mas agora revelada. Em I
Co.14:2 “Verdades secretas,”. (1984,p.138). Como Gingrich foi específico, não mais
será necessário explanarmos sobre a definição da palavra.

Paulo afirma então, serem “misteriosas” as pronúncias das línguas


em experiência extática, revelando que elas por si só, estavam num patamar além da
compreensão usual. Calvino comenta a respeito, primeiramente citando
Crisóstomo, e depois dando seu parecer.

“Crisóstomo toma “mistério” num sentido positivo, aqui, como


revelações extraordinárias de Deus. Quanto a mim, considero o
termo num sentido negativo, como certas expressões ininteligíveis,
confusas, enigmáticas...” (1996,p.410).

Consideramos que Crisóstomo parece ter captado melhor o sentido


das palavras de Paulo, e Calvino, nesta análise, parece basear-se somente em sua pré-
concepção acerca do texto. Não sabemos ao certo se “este mistério” é alguma
“revelação extraordinária”, como disse Crisóstomo, porém, não pensamos como
Calvino quando este diz ser este mistério algo negativo. Vemos o mistério como
alguma coisa oculta, que certamente exalta pelo espírito do homem a própria pessoa
divina.

Fechando este verso 2 de nossa perícope, Paulo ao citar a


manifestação das línguas estranhas, ou glossolalia, esclarece que elas são menos
importantes que a profecia, pois se ninguém as entende, em nada contribuirão para a
edificação da Igreja. E os coríntios, parece que estavam familiarizados com os
exageros envolvendo estas manifestações. No contexto histórico, pudemos ver que na
21

adoração a Cybele e a Dionísio eram-se utilizadas as línguas de forma


extática. Obviamente que estas línguas não vinham da parte de Deus, mas na
Igreja, eram os mistérios inteligíveis de Deus que estavam sendo pronunciados pelos
crentes, porém, no local e momento errados

V.3 Mas aquele que profetiza fala aos homens: edifica ,


exorta , consola.

Sobre qual vem ser o bem a ser feito pela obra do profeta, Paulo usa
estas três palavras que nos indicarão as funções da profecia no meio cristão. A
primeira palavra é “edifica”, oikodomhn (Substantivo, acusativo, feminino,
singular) que vem de oikodomh, o qual para Gingrich têm este sentido:
“Edificação, edificando, crescimento (Mt.24:1).Literal: edifício, prédio (I Co.3:9).”
(1984,p.144). Russel Norman Champlin também comenta sobre este termo.
Vejamos:

“Tal como um edifício é levado à sua totalidade e utilidade,


mediante um processo contínuo de edificação e aprimoramento,
assim também se dá no caso da alma humana, ou mesmo da
comunidade de almas remidas. Torna-se necessário um
desenvolvimento gradual; porquanto nenhum crente se aperfeiçoa
imediatamente, e nem de maneira fácil. A profecia é dom que mais
contribui para o nosso desenvolvimento em Cristo (...)Por essa
razão é que o dom profético se reveste de tanta importância”
(1995,p.216).

Nestas abordagens, compreendemos que a própria palavra


edificação é a razão central da idéia, isto sem maiores nuances. Champlin explicou-
nos de forma prática acerca da edificação, realçando que a profecia adquire
importância ao ser realçada por este fator, o que certamente vem a ser a realidade.

A outra palavra é “exorta”, paraklhsin (Substantivo, acusativo,


feminino, singular), originando-se em paraklhsi, encorajamento, exortação, sendo
que Rienecker diz ser um sinônimo da palavra anterior, edificação (1984,p.321).
Prior vai mais a fundo sobre o exortar dizendo:

“...a mesma raiz da palavra usada em João para descrever o


Espírito Santo como parácleto, advogado, conselheiro. Significa
literalmente “ser chamado para ficar ao lado”, para ajudar e
sustentar. O ministério da profecia tem esta função, quando o
Espírito Santo inspira um cristão a dizer palavras que dão força à
22

vida e ao testemunho da Igreja local, talvez, em especial, para o seu


testemunho, porque o deleite do Espírito é capacitar a Igreja a dar
testemunho sólido e convincente de que Jesus é o Senhor.
(1993,p.260).

Já Brown classifica a exortação como “um encorajamento no sentido


de se manter o comportamento apropriado até no meio da tristeza. (1981,Vol 2,
p176). Em sua abordagem, Prior faz um paralelo da exortação com a ação do Espírito
Santo, e Brown, retém-se ao próprio termo sendo breve e conciso, porém feliz ao
tratar da exortação como encorajamento, o qual vem a ser a principal função da
mesma.

A terceira e última palavra é “consola”, do grego paramufian


(Substantivo, acusativo, feminino, singular), originando-se em paramufia, sendo
para Gingrich “conforto, consolação.” (1984,p.157). Aqui, a própria consolação
encaixa-se melhor. E Pedro Casaldáliga cita um texto vétero-testamentário sobre a
consolação e o profeta, ele diz: “O Antigo Testamento nos oferece páginas inteiras
belíssimas sobre essa missão consoladora dos profetas de Israel: “consolai,
consolai meu povo, diz o Senhor” (Is.40). (1996,p.158). Prior complementa, nos
apresentando seu significado para consolação afirmando:

“Significa o sussurrar no ouvido da Igreja, provavelmente com o fim


de apaziguar o temor e capacitar o povo de Deus a permanecer
calmo, mesmo sobre pressões (...) A consolação... acalma as
tempestades de medo, ansiedade e desespero. Ajuda-nos a descansar
na presença de Jesus. Leva-nos para longe da agitação febril dos
afazeres diários, afasta-nos de inquietações desta vida,
introduzindo-nos na grande Paz de Deus. Uma frase usada
regularmente pelos profetas do A.T e por Jesus, o grande profeta,
era “não temais...” (1993,p.260).

A consolação para Prior, resumidamente, seria então apaziguar o


temor, acalmar o indivíduo em meio as tribulações, e desta forma também pensamos.

Estas foram as máximas deste versículo, a edificação, exortação e a


consolação, sendo que as três devem permear o verdadeiro ministério profético. Sem
elas a profecia não teria sentido nem finalidade, por isso Paulo as expõe claramente.

V.4 “Aquele que fala em línguas edifica a si mesmo, ao passo que


aquele que profetiza edifica a assembléia”
23

O contraste entre as línguas e a profecia novamente nos é


apresentado pelo Apóstolo. Desta vez, relembrando que as línguas, como já foi
visto, edificam somente o indivíduo, mas não Igreja. E isto, ao contrário da
profecia, que edificaria a assembléia.

A palavra para a “assembléia” é ekklhsian (Substantivo, acusativo,


feminino, regular), da raiz ekklhsia, que para Gingrich em I Coríntios sugere “A
igreja ou congregação cristã: como uma reunião da Igreja.”. Como a profecia
possui função, por assim dizer, mais altruísta que as línguas, esta deve ocupar a
proeminência. O objetivo central, como já vimos, é a edificação do corpo de Cristo, e
aqui como especifica Gingrich, “a reunião da Igreja.” Tudo isto em benefício do
povo de Deus reunido em adoração na assembléia.

Se Paulo escreveu estas palavras, o mesmo também era praticante


deste princípio. Seu objetivo em pregações, ou ao trazer mensagens para os cristãos
era a edificação dos mesmos. Frederick Dale Bruner, sobre este quinto versículo nos
diz:

“Na realidade, não temos registro que Paulo alguma vez tenha
falado às suas igrejas senão com palavras do entendimento, ou seja,
com bastante bom senso. “Irmãos,” aconselha Paulo, “não sejais
meninos no juízo” (v.20)” (1986,p.236).

Se Paulo só agiu em conformidade com a ordem e o bom senso em


suas passagens pelas Igrejas, certamente o era porque seu alvo era o crescimento
espiritual e não a confusão dos seus ouvintes. E Calvino, sobre o tom de alerta
imposto por Paulo raciocina:

“...todavia, é como se Paulo estivesse alertando as pessoas amantes


do espetáculo, as quais se preocupam só consigo mesmas, e que não
têm nada mais a ver com os crentes quando se acham reunidos em
assembléia.” (1996,p.411).

Concordamos com Calvino, afinal, a Igreja ou assembléia não é um


circo romano, mas sim um lugar aonde o crente recebe orientação e consolo do
Senhor. E esta é a centralidade do versículo, a edificação da assembléia por meio do
correto, a profecia.

V.5 “Desejo que todos faleis em línguas, mas prefiro que profetizeis.
24

Aquele que profetiza é maior do aquele que fala em línguas, a menos que este as
interprete , para que a assembléia seja edificada. ”

Agora Paulo intencionalmente muda seu discurso. Ele começa de


forma a expressar sua intenção de que todos os crentes de Corinto praticassem a
glossolalia. A palavra para desejo é qelw (Verbo, indicativo, presente, ativa, 1º
pessoa, singular), do qual Rienecker diz: “...querer, desejar. É normalmente seguido
pelo infinitivo, expressando o objeto do desejo.” (1985,p.321).
Portanto, concordamos que é o desejo de Paulo a prática das línguas.

Hill Beacon em seu comentário bíblico, acha que Paulo “não


expressa uma ordem, senão uma concessão na forma de um desejo de improvável
comprimento.” E Stêvam Angelo de Souza sobre o mesmo tema argumenta:

“Estas palavras do apóstolo não significam tampouco uma


imposição de quem meramente quer, mas o incentivo de quem
reconhece a importância de um dom divino, que se manifesta
intimamente relacionado com uma condição espiritual
correspondente aos propósitos de Deus...” (1987,p.217)

Concordamos com Beacon que Paulo não está impondo uma ordem
ao desejar que os crentes falassem línguas, porém, discordamos quando o autor nos
diz que este era um desejo que jamais tivesse possibilidade de ser efetuado. Souza é
mais feliz nesta colocação, que mesmo reconhecendo que Paulo não está “dando
ordens” percebe a verdadeira intenção do Apóstolo, que é de frisar a importância de
um dom espiritual. E esta é a forma de como também vemos o texto.

Este verso novamente nos mostra a importância da profecia em face


das línguas. Como este assunto já foi explanado nos versículos anteriores, partiremos
para nossa próxima palavra chave que é “interprete”, diermhneuh (Verbo,
subjuntivo, presente, ativa, 3º pessoa, singular). Do seu sentido, Rienecker afirma:
“Alguém que interpreta suas próprias palavras intervém entre a declaração
ininteligível e seus ouvintes.” (1985,p.321).

Mais precisamente a respeito do que Paulo estava querendo dizer


nesta situação, Beacon citando Grosheide explica:

“As palavras a não ser que as interprete “não se referem a uma


interpretação particular de uma mensagem pronunciada em línguas,
25

se não a um dom permanente de interpretação... Paulo tem em vista


uma pessoa que recebe dois dons, o de falar em línguas e de
interpretação.”

E Champlin vê o mesmo texto sob um prisma diferenciado. Ele diz


da seguinte maneira:

“A interpretação, às vezes, era possuída pelo próprio indivíduo que


falava em línguas; e, de outras vezes, era outro que possuía esse
dom, conforme fica subentendido nos versículos vigésimo sétimo e
vigésimo oitavo deste capítulo.” (1995, Vol.4,p.217).

Aqui pode surgir alguma dificuldade. Na posição de Bacon notamos


que as línguas eram interpretadas somente por quem as proferia, o que neste
versículo é o correto ao ser feita uma comparação com a profecia. E assim assinalou
Rienecker em sua chave lingüística, sendo este o nosso pensamento.
Porém, Champlin vê de outra forma, dizendo que as línguas poderiam ser
interpretadas por outro indivíduo aquém daquele que as falava. Certamente Bacon
está exegeticamente correto, e Champlin não está totalmente errado, mas ao fazer sua
exposição parece fugir da centralidade do verso 5, e englobar o décimo quarto
capítulo por inteiro.

Para fecharmos a análise sobre o significado de nossa perícope,


podemos citar René Kivitz, que resumidamente comenta o capítulo dizendo:

“Paulo escreve I Coríntios 14 para ensinar que pessoas realmente


espirituais, em sintonia com o E.S de Deus, contribuem para que
outras pessoas conheçam mais profundamente a Cristo e firmem seu
relacionamento com Ele. Em outras palavras, o resultado da
espiritualidade cristã é a edificação da igreja. Paulo, ciente dos mal
entendidos, oferece os parâmetros para este processo de
edificação.” (1992,p.224).

Com toda certeza esta é uma expressiva colocação sobre este texto.
Abordando a primordial necessidade da Igreja ser edificada, Kivitz é muito feliz com
suas palavras e argumentação.

Podemos dizer, que tudo o que vimos, desde o início com a ênfase no
amor, e depois sobre a potencialidade da profecia seguida pelo esclarecimento sobre
26

as línguas, que Paulo quer o bem, quer o avançar, e notadamente quer que a Igreja
seja um meio aonde o povo de Deus cresça na fé. Acima de tudo, com sua base no
amor, mas também buscando o dom que promove a edificação dos crentes em Jesus
Cristo, a profecia.
4. SÍNTESE DO SIGNIFICADO

Por esta pesquisa pudemos estar a par de como era a situação da


cidade de Corinto, onde a influência mundana, a perversão sexual e o paganismo
vinham como as principais frentes da corrupção moral do povo da província da
Acaia. É importante salientarmos que a própria posição geográfica da cidade
contribuía para essa situação, pois o cosmopolitismo generalizado fez com que seus
habitantes vivessem num contexto onde o sincretismo religioso e cultural
influenciava toda uma sociedade.

É neste ambiente que Paulo chega, e com o auxílio de Áquila e


Priscila é fundada a Igreja cristã em Corinto. Porém, as dificuldades não tardam a
aparecer, pois a Igreja começa a ter atitudes de quem está influenciada pelo sistema
do mundo e o oposto, que seria a influência positiva na sociedade não estava
ocorrendo. Os coríntios supervalorizavam os dons espirituais, mais precisamente a
glossolalia, e estas experiências estavam acima do sentimento maior, que é o amor.
Eis então o erro, pois sem amor entre os próprios irmãos, como a Igreja poderia ser
sal e luz?

Paulo então neste décimo-quarto capítulo de I Coríntios, adverte a


Igreja a seguir o amor, para posteriormente buscar os dons
espirituais, principalmente o da profecia. Este povo precisava ser orientado pelo
Senhor a fim de que a desordem acabasse, por isso, a ênfase na palavra profética. E
em seguida, Paulo também incentiva a buscar o dom de línguas, mas salientando a
primazia da profecia, a não ser que houvesse interpretação das línguas.
Ao resumirmos, podemos dizer que desta forma o Apóstolo indica um rumo no
sentido de que a Igreja agisse com coerência, colocando em primeiro lugar aquilo que
era mais importante e depois utilizando corretamente os dons do Espírito.
RELEITURA

Neste final de milênio, é incontestável a afirmação de que o mundo


tem passado por muitas transformações. Estas transformações estão ocorrendo em
todo o globo, seja na mais diminuta cidade do mais remoto lugar, ou nas grandes
metrópoles dos países mais desenvolvidos.

Muitos têm analisado estas mutações, baseando-se em períodos em


que a humanidade sofre alterações em conseqüência do próprio avanço por ela feita.
E a este período o qual vivemos, é chamado então de pós-modernidade. Como
entendemos que esta linha de pensamento baseai-se não somente em teorias, mas nos
próprios acontecimentos em si, a consideramos como uma definição que mais se
aproxima da realidade.

Ao esclarecer-nos sobre o que vem ser a pós-modernidade, Ricardo


Gondim a define como:

“O desejo enorme de reverter a realidade, aliado ao total


desencanto (...) Se na Modernidade, as pessoas gritavam: “Deus
está morto”, hoje proclamam: “Marx também, e eu já estou doente
de morte”. (1997,p.19).

Notamos que o homem pós-moderno enfrenta uma aguda crise de


existência. Esperanças do passado esgotaram-se por meio de sistemas falidos, que
anteriormente eram considerados como uma válvula de escape para qualquer anseio
ideológico, social ou até mesmo espiritual.

Citando Eric Hobsbawn, Gondim prossegue em sua discussão sobre a


pós-modernidade:

“Não sabemos para onde estamos indo. Só sabemos que a história


nos trouxe até este ponto... Contudo, uma coisa é clara. Se a
humanidade quer ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo
prolongamento do passado e do presente. Se tentarmos construir o
terceiro milênio nessa base, vamos fracassar. E o preço do fracasso,
ou seja, a alternativa para uma mudança da sociedade, é a
escuridão.” (1997,p.28).
29

Como pudemos ver, este tem sido o nosso mundo. E a Igreja de Jesus
Cristo encontra-se bem no meio dele. O corpo de Cristo inegavelmente vem sofrendo
com estas mudanças na sociedade, e parece que há uma evidente dificuldade da Igreja
em influenciar, assim como foi em Corinto. Hoje, infelizmente é a Igreja que tem
sido influenciada pelo sistema pós-moderno. Logicamente que uns mais, outros
menos, mas num todo a noiva de Cristo enfrenta a mesma dificuldade.

E John Stott cita Thomas Arnold, que uma vez disse sobre a
decadência da herança de Cristo: “Do jeito que está a igreja, não há poder humano
que possa salvá-la... Quando eu penso na igreja, me dá vontade de sentar, lamentar
e morrer.(1997,p.244) Esta declaração certamente encaixa-se em nosso
contexto, porém, não podemos nos ater somente comentando sobre a atual condição
da Igreja, mas também devemos apresentar algo que possa contribuir para que este
quadro seja amenizado, ou até mesmo revertido.

É neste aspecto que entra a profecia. Em nosso tempo, como


nunca, os crentes carecem de uma orientação específica vinda da parte de Deus.
Porém em meio a estas crises, parece difícil até mesmo encontrarmos uma voz
profética segura, confiável. Sem contar ainda que o que pode ser a profecia bíblica
para um, muitas vezes não é para o outro.

As diferenças existentes entre crentes de linhagem mais histórica ou


denominacional para com os crentes do ramo pentecostal, na questão da profecia é
notável, mas temos por ponto comum o fato de que o profeta precisa acima de tudo
estar em sintonia com Deus a fim de trazer eficazmente Sua palavra. Casaldáliga
comenta a respeito:

“O profeta antes de tudo, escuta o Deus vivo, para depois falar em


seu nome. A oração, a meditação da palavra de Deus, a abertura às
exigências do Espírito nos porão em condições de profetizar
legitimamente...” (1996,p.156).

Somente com uma vida consagrada nos tornaremos expoentes da


profecia verdadeira. Isto, sem levarmos em consideração as diferenças
doutrinárias. Consideramos que tanto aquele pregador que recebe orientação
profética de Deus em relação a Palavra escrita, ou, até aquela irmãzinha da Igreja
pentecostal da vila mais distante, que recebe um sonho da parte do Senhor durante a
noite e então traz uma mensagem profética com ênfase na predição para algum irmão
da Igreja, podem ser usados por Deus na profecia. O Todo Poderoso não limita-se a
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trejeitos, ou ao modo de pensar do homem. Ele pode usar quem Ele quiser e da
maneira que Ele quiser no momento em que sua vontade tem de ser expressa por
algum ser humano.

Certamente com base na oração, o pregador falará aquilo que o


Senhor deseja para sua Igreja. Vemos a Reforma de Lutero ou Calvino como
expoentes proféticos que encaixam-se nesta argumentação. Afinal, eles trouxeram a
Palavra de Deus a sua geração de forma incontestável, fazendo com que muitos
tivessem seus olhos abertos em meio a trevas espirituais. Com a irmãzinha da Igreja
pentecostal, também temos que salientar que ela necessita de oração para falar
realmente no Espírito, mas frisamos que seu modo de ver a profecia não é novo.
Gerônimo Savanarola, um precursor da Reforma que viveu no século XV certa vez
profetizou na Itália que o papa Lorenzo e o rei de Nápoles morreriam dentro de um
ano.(Boyer,1998,p.19) E eles morreram precisamente na data anunciada por
Savanarola, este porém, era um homem de oração.

Este direcionamento do Senhor por parte da profecia faz-se então


necessário, de um modo ou de outro, mas necessário. A grande dificuldade da Igreja
dos nossos dias, é o fato que o dom espiritual da profecia tem sido moldado de
acordo com idéias pré-concebidas. Como já vimos, os denominacionais crêem na
orientação profética vinda da Palavra de Deus, o que não é errado e certamente é o
mais coerente, mas será que não falta uma abertura maior? Será que não há espaço
para outras manifestações? Será que a frieza tomou conta dos ambientes a ponto de
achar-se banais histórias como a de Tommy Hicks, o homem que desconjuntou a
rígida resistência Argentina ao testemunho evangélico na década de cinqüenta? Peter
Wagner nos diz que Hicks ainda nos Estados Unidos, recebeu uma profecia do
Senhor a respeito da sua ida a América do Sul, ela dizia: “Pois duas vezes não cairá
a neve sobre o solo enquanto não fores para essa terra, pois irás não de navio nem
por terra, mas como um pássaro, voando pelos ares irás.” (1994,p.15). Porém
Hicks ainda continuou em dúvida sobre seu destino, isto até que após uma reunião
evangelística noutra cidade, na casa de um pastor seu colega, a mulher deste mesmo
pastor ao orar estende sua mão para Hicks e repete exatamente as mesmas palavras
que ele anteriormente tinha recebido. Com isso Hicks foi para a Argentina, e a
história nos mostra que tudo estava dentro da vontade do Senhor.

O outro extremo vem do lado dos Pentecostais. Neste meio, existe a


profecia que vai além de um discernimento que permeie a própria Bíblia, porém, o
grande problema são os exageros, geralmente de ordem carnal. Entre eles são comuns
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profecias que ditam ordens a respeito de casamento, de comportamento e até do


modo de se vestir. Porém perguntamos, seriam estes assuntos para que o Deus
Altíssimo se declara-se de forma tão detalhada? Isto tem algo a ver com
edificar, exortar ou até mesmo com o consolar que Paulo nos indicou? Pensamos que
não! E é este o perigo, pois pessoas têm sido guiadas por estas mensagens absurdas
que logicamente vem apenas do próprio homem. E o pior, para alguns grupos, a
autoridade bíblica fica em segundo plano quando surge o “Grande Profeta que fala
em nome do Senhor”, mas que na realidade só fala em seu próprio nome.

Nessa reflexão, cremos que o fundamental seria o equilíbrio. Para o


denominacional; uma maior abertura ao próprio Espírito do Senhor. Para o
Pentecostal; a racionalidade, e para ambos, a total centralização bíblica que segundo
Paulo em I Coríntios 14, nos indica a crermos na profecia agindo de duas
formas, porém com o mesmo objetivo: a edificação do corpo de Cristo.

Porém ainda existe um problema, estes dois grupos acima


citados, degladiam-se em meio aos seus posicionamentos no que se refere ao dom
espiritual, alegando cada qual suas razões, e isto, a ponto de se igualarem aos
coríntios na falta do essencial, o amor. Bem sabemos que este não é o melhor
caminho, pois se no passado crentes falharam na espiritualidade ao viverem
contenciosamente, quanto mais não pode ocorrer hoje. E não adianta demonstrar
espiritualidade em palavras, quem sabe... “até proféticas”, ou, “falando em
línguas”, mas destituídas do primordial. “Segui o amor...” (I Co.14:1 ARA).

Concluímos então, tendo a certeza que a profecia pode nos auxiliar


em meio a esse caos da pós-modernidade. E o profetizar pode ser algo atingível para
qualquer cristão, seja qual for seu contexto. Assim como Corinto precisava de
verdadeiras vozes proféticas, nós hoje também precisamos. E talvez até mais do que
isso, pois o profetizar abrange uma postura que interfira no próprio viver do cristão.
Casaldáliga afirma: “Além disso, não se trata primordialmente de profetizar com
palavras, mas com atos, com os gestos da vida inteira.” (1996,p.155). Certamente
Casaldáliga está com a razão. O profetizar vai além de meras palavras. A Igreja de
Corinto de certa forma vivia como na “pós-modernidade”, só que no seu tempo, e
Paulo nos indicou muito mais no livro de Corinto do que somente pronunciar uma
mensagem, mas acima de tudo vivê-la de forma plena em todos os
sentidos, principalmente em amor e a ponto de auxiliar a Igreja de Cristo. E
disto, certamente muito precisamos.
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