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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 22: 25-43 JUN.

2004

CAMPANHAS ELEITORAIS
EM SOCIEDADES MIDIÁTICAS:
ARTICULANDO E REVISANDO CONCEITOS1

Pedro José Floriano Ribeiro

RESUMO
Este artigo busca, por meio de um processo de revisão e articulação de conceitos, elucidar as razões e
significados assumidos pelas campanhas eleitorais qua momentos decisivos das democracias de público
contemporâneas. O uso intensivo de pesquisas e do marketing, a centralidade dos meios de massa, a
profissionalização dos participantes, a personalização e o uso de apelo publicitário sedutor-emotivo emer-
gem como as principais características das campanhas eleitorais modernas; tais aspectos só podem ser
corretamente apreendidos em seus atributos e fatores causais se se conferir especial atenção às alterações
mais profundas e significativas que as antecederam e que fizeram emergir o que aqui chamamos de “socie-
dades midiáticas”. Nessas sociedades, a videopolítica sartoriana assume papel fulcral, inclusive para a
operacionalização da nova forma de governo representativo nelas dominante, qual seja, a democracia de
público. Este artigo conclui – na contramão daqueles que enxergam as campanhas modernizadas como
obras de políticos apolíticos e publicitários oportunistas – que os novos modos do agir político represen-
tam apenas a ponta de um iceberg que possui em sua base transformações de ordem societal, política e
tecnológica muito mais profundas.
PALAVRAS-CHAVE: campanhas eleitorais; democracia de público; mídia; política.

I. INTRODUÇÃO quisas desenvolvidas e dos trabalhos gerados pos-


sui como objeto de estudo as campanhas eleito-
Nos últimos anos, não poucos autores têm-se
rais, em suas múltiplas possibilidades de explora-
dedicado ao estudo da problemática interação en-
ção científica. Esse interesse pelas campanhas
tre os media2, os meios de massa e os processos
explica-se principalmente pela profusão de senti-
políticos contemporâneos; grande parte das pes-
dos e significados político-sociológicos que vêm
à tona, de modo diáfano, nesses momentos críti-
1 Este artigo é parte da pesquisa de mestrado que desen- cos das democracias representativas contempo-
volvi sob orientação do Prof. Dr. Fernando Antônio Aze- râneas, abrindo amplas condições para o desen-
vedo, no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais volvimento de profícuas investigações por politólo-
da Universidade Federal de São Carlos. Essa investigação,
gos, sociólogos, antropólogos, jornalistas, teóri-
que contou com financiamento da CAPES – por meio de
Bolsa de Demanda Social –, inseriu-se no âmbito do Grupo cos da comunicação e publicitários, entre outros.
de Pesquisa em Comunicação Política da mesma institui- Em que pesem os excelentes níveis de pro-
ção. Agradeço os comentários tecidos pelo Prof. Fernando
e pelos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e
fundidade analítica atingidos nos trabalhos empre-
Política, que contribuíram para algumas importantes endidos por estudiosos provenientes das diferen-
correções e aprimoramentos do texto; as incorreções exis- tes disciplinas envolvidas na temática, alguma con-
tentes são, entretanto, de exclusiva responsabilidade do fusão tem sido feita no afã de explicar as novas
autor. formas assumidas pela comunicação política nas
2 Quando nos referimos aos media, queremos dar a enten- últimas décadas.
der os órgãos e agentes dos meios de comunicação de mas-
sa, ou seja: empresas de rádio e televisão, seus controladores
Relegando a segundo plano os autores que há
e principais profissionais. Assim, media e meios de massa muito vêm trabalhando sobre as mudanças opera-
não se confundem: os primeiros são os agentes, enquanto das nas sociedades modernas em decorrência da
os últimos representam os meios de difusão. proliferação dos meios de massa, alguns cientis-

Recebido em 31 de outubro de 2003 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 22, p. 25-43, jun. 2004
Aprovado em 8 de maio de 2004
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tas parecem considerar o campo da política como 2001). Nesse ponto, procuraremos explorar e
situado em uma redoma instransponível, em que delinear o círculo vicioso que se estabelece entre
os atores, em uma espécie de vácuo societário, os partidos políticos – qua instituições regulado-
deveriam atuar incólumes frente a alterações pro- ras e mediadoras centrais do jogo democrático –
fundas que atingem em maior ou menor grau pra- e os meios de massa, principalmente a televisão.
ticamente todas as esferas das sociedades atuais. Frente aos graves desafios impetrados às
agremiações políticas pelas condições intrínsecas
Talvez pela dificuldade em apreender de modo
às sociedades midiáticas, efetuamos algumas re-
correto significantes e, principalmente, significa-
flexões concernentes a funções que, conquanto
dos das novas mediações do jogo político, não
continuem sendo desempenhadas pelos partidos,
poucos estudiosos têm buscado culpar, conferin-
passaram a contar também com outros agentes
do-lhes maior poder do que objetivamente possu-
executores, notadamente os media televisivos;
em, atores que desempenham papéis de destaque
essa problemática relação levou alguns autores a
– embora não sendo protagonistas – nessa
falar em uma completa substituição dos partidos
intrincada relação. Quiçá por influência do senso
pela televisão, em uma visão catastrófica com
comum expresso em jornais e revistas, os assim
que não coadunamos.
chamados “marqueteiros” têm-se constituído em
alvo preferencial dessas investidas; a autopromo- Depois, o artigo estabelece um liame entre o
ção que esses “marqueteiros” fazem, como for- conceito de sociedade midiática e o tipo ideal de
ma de elevação de seu “valor de mercado” no “democracia de público” elaborado por Bernard
mundo da propaganda político-eleitoral, aumenta Manin, demonstrando como esse novo modelo de
a tentação de considerá-los os novos “magos” da governo representativo só poderia surgir tendo
política. como estruturante as características das socieda-
des midiáticas, expostas nos tópicos anteriores
Este artigo busca, por meio de articulação e
(MANIN, 1995; 1996). Torna-se diáfana, nesse
revisão de conceitos que fogem a essa pré-concei-
ponto, a convergência das diferentes análises para
tuação derivada do senso comum, explicitar que
a explicação das novas características das demo-
os novos modos do fazer político, mais do que
cracias contemporâneas.
constructos resultantes de nebulosos conluios
entre políticos flibusteiros e publicitários oportu- Por fim, todos os conceitos até então explora-
nistas, resultam de alterações profundas que dos tornam-se fatores explicativos dos novos
extrapolam o campo da política, afetando a totali- modos assumidos pelas campanhas eleitorais a
dade da sociedade. Procuramos, acima de tudo, partir do quartel final do século XX. Essas novas
demonstrar que as campanhas eleitorais moder- formas do agir político são expostas em cinco
nizadas (MANCINI & SWANSON, 1996) repre- tópicos, a partir do tipo ideal de campanha mo-
sentam apenas a cristalização, no campo político, dernizada elaborado por Mancini e Swanson: pes-
de uma transformação que, ao alastrar-se por inú- quisas e marketing eleitoral; centralidade dos meios
meras esferas do cotidiano, já transformou as de massa; personalização da campanha; profissio-
sociedades contemporâneas mais complexas em nalização dos participantes e apelo publicitário se-
“sociedades midiáticas”. dutor-emotivo (MANCINI & SWANSON, 1996,
p. 4-9). Sob a luz dos desenvolvimentos anteriores,
Assim, a segunda seção do artigo procura
atentamos para os fatores causais que imprimiram
explicitar a mutação que levou o visível a sobre-
essas novas características às campanhas eleito-
por-se cada vez mais ao inteligível; para o
rais das democracias contemporâneas.
politólogo Giovanni Sartori, o indivíduo contem-
porâneo abandonou o mundus intelligibilis da es- Percorrendo esse caminho, não há como fu-
crita para ingressar no mundus sensibilis moldado gir à constatação de que essas novas formas de
pela autoridade do real imagético (SARTORI, 2001, fazer uma campanha eleitoral, mais do que inven-
p. 31-37). ções de agentes que com elas auferem enormes
lucros, representam apenas a ponta mais visível e
Em seguida, procuramos elucidar os efeitos
ruidosa de um iceberg que traz em sua base pro-
dessa profunda alteração societária para o campo
fundas alterações societárias, tecnológicas e polí-
da política, principalmente por meio do conceito
ticas: essa é, em resumo, a conclusão deste arti-
sartoriano de “videopolítica” (SARTORI, 1989;
go.

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II. MIDIATIZAÇÃO: SOCIEDADE, POLÍTICA margem de subjetividade ao receptor, na medida


E PARTIDOS em que este abstraía a respeito daquilo que ouvia.
Essa dose de subjetividade seria solapada com o
As campanhas eleitorais modernizadas desen-
advento da televisão, que uniria em um só meio a
rolam-se tendo como pano de fundo sociedades
autoridade do real imagética à oralidade, fazendo
espetacularizadas ou até mesmo estados
que o convencimento voltasse a dar-se por meio
espetacularizados (SCHWARTZENBERG, 1978;
de rostos, gestos e vozes, em um claro retroces-
DEBORD, 1997). Postadas no proscênio do pal-
so a formas emotivas de comunicação, necessa-
co principal constituído pela televisão, as imagens,
riamente ultra-personalizadas e pouco afeitas a
por meio de um auto-conferido caráter de autori-
construções lógico-racionais.
dade do real – já que faz ver ao mesmo tempo em
que faz crer naquilo visto3 – intermedeiam as rela- Se une imagem e oralidade, a televisão privile-
ções entre indivíduos que pouco ou nada abstra- gia aquela em detrimento da palavra falada, na
em a partir de elementos não-sensíveis visualmen- medida em que ela é, per si, autoritariamente real,
te, fazendo com que o visível sobreponha-se ao não se inserindo em um universo simbólico mai-
inteligível. or, como o faz a palavra, cuja condição sine qua
non para seu entendimento pelo receptor é o co-
Se até meados do século XV oralidade e gestual
nhecimento do universo de signos de que faz par-
extrema e necessariamente personalizados preva-
te – qual seja, a língua específica daquilo dito. As
leciam na comunicação humana, com vozes,
imagens apresentam-se assim como universais,
entonações, expressões faciais e gestos a serviço
podendo ser apreendidas de maneira muito seme-
de uma persuasão sedutora que se dava por meio
lhante em lugares extremamente díspares, enquan-
do despertar de emoções na audiência, a prensa
to as palavras faladas enfrentam os limites das
tipográfica de Gutenberg surgiria em 1450 para
clivagens lingüísticas nacionais ou intra-nacionais
revolucionar os meios de difusão, fazendo com
(SARTORI, 2001, p. 21-22). É nesse sentido que
que o reino da palavra falada e da imagem pessoal
Sartori afirma o caráter revolucionário da televi-
fosse substituído pelo primado da palavra impressa
são, rejeitando que ela seja continuação ou acrés-
em cada vez mais numerosos livros, panfletos,
cimo em relação ao rádio, pois representou uma
jornais e revistas que atingiriam o pináculo como
ruptura radical por meio da substituição da pala-
meios de expressão-intervenção na esfera pública
vra pela imagem (idem, p. 22).
na passagem dos séculos XIX para o XX. Essa
segunda fase da comunicação humana mostrou- Como fica o indivíduo frente ao novo meio
se extremamente favorável ao desenvolvimento das televisivo? Sartori responde que o homo sapiens,
capacidades cognitivo-intelectuais e críticas do formado pela palavra escrita, cujo conhecimento
indivíduo, na medida em que a palavra escrita desenvolvia-se na dimensão do mundus intelli-
chegava ao receptor com maiores margens de gibilis por meio de conceitos abstratos e repre-
neutralidade, tornando premente ao indivíduo o sentações mentais, cede lugar ao homo videns,
uso daquelas capacidades, não só para ler a pala- que retorna ao mundus sensibilis pré-Gutenberg,
vra e compreendê-la, como também, e principal- ou seja, ao mundo percebido pelos sentidos, em
mente, para abstrair, refletir e analisar criticamen- que o simples ver obstaculiza a capacidade de abs-
te o lido. Nesse estágio, o racional ganhou espaço tração e, em conseqüência, de compreensão. En-
frente ao emocional e a comunicação humana ad- quanto o homo sapiens era capaz de compreender
quiriu ares argumentativos, já que se estruturou e de explicar a partir da abstração – bases da pró-
ao redor de idéias e não de homens. pria ciência –, entendendo sem ver, o homo videns
gerado pela televisão volta ao estágio pré-moder-
Já no início do século XX notou-se o princí-
no em que tudo tem correspondência com coisas
pio da exaustão desse estágio, quando a fotogra-
concretas, visíveis, observáveis, o que constitui
fia assumiu cada vez maior importância nos jor-
imenso óbice à conceituação de noções necessa-
nais, fazendo retornar a mitigada autoridade do
riamente abstratas como “nação”, “soberania” ou
real imagética. Com a proliferação radiofônica, a
“política” (idem, p. 31-37)4.
oralidade da palavra também re-assumiu um pa-
pel fundamental, deixando ainda, porém, uma certa
4 “[...] O visível nos aprisiona no visível. Para o homem
3 Bourdieu denomina essa autoridade imagética de “efeito diante da televisão é suficiente o que vê, e aquilo que não é
de real” (BOURDIEU, 1997, p. 28). visto não existe” (SARTORI, 2001, p. 71).

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Nesse universo, a imagem televisiva é o liame os, independentemente da veracidade da posse


principal entre indivíduo e mundo real, constitu- (DEBORD, 1997, p. 18).
indo-se em poderoso modelador de fenômenos
Essas sociedades “midiocentradas” exercem
sociais e políticos que precisam adequar-se à sua
seu jugo também, como não poderia deixar de ser,
estrutura; o fluxo imagético conforma-se como
sobre a esfera política, afetando tanto represen-
um resumo simplificado do mundo real, em um
tantes quanto representados da democracia de
ritmo ditado arbitrariamente por outrem, confe-
público.
rindo assim um caráter de eterna surpresa que
não deixa tempo à reflexão (DEBORD, 1997, p. II.1. A videopolítica
188).
A videopolítica sartoriana refere-se ao papel
Assim, Sartori enxerga a televisão não só como fulcral exercido pela televisão na esfera política
instrumento de comunicação, mas também como contemporânea, cujo centro de gravidade deslo-
instrumento antropogenético, na medida em que cou-se gradativamente da praça pública e das as-
é paidèia, moldando novos indivíduos que con- sembléias para a tela6 . Essa centralidade televisiva
formarão gerações televisivas (SARTORI, 2001, – inserida, obviamente, no processo maior de
p. 22-23). Moldando indivíduos, serve ao habitus “midiatização” da sociedade – alterou o fazer po-
bourdieuniano, concorrendo à reprodução social lítico, já que seus agentes tiveram que se amoldar
da estrutura de dominação simbólica, sendo instru- à linguagem televisiva e ao uso de técnicas cada
mentalizada eficazmente para a imposição/manu- vez mais sofisticadas, sob pena de situarem-se
tenção da violência/ordem simbólicas, na medida em posição marginalizada no jogo político
em que impõe aos dominados a visão de mundo (SARTORI, 1989).
dos dominantes (BOURDIEU, 1997, p. 19-24)5. Com o declínio da imprensa partidário-opina-
Com a construção da realidade contemporâ- tiva e o crescimento das redes privadas de televi-
nea resultando basicamente de experiências são em detrimento das emissoras públicas, já em
televividas pontuadas por experiências vividas, o meados do século XX os media de massa con-
meio televisivo aparece como configurante da formavam um centro autônomo de poder que,
sociedade, um espaço por onde necessariamente operando consoante suas lógicas específicas, ora
passa a sociabilidade da maioria dos indivíduos competia, ora cooperava com a esfera política.
(ALMEIDA, 2002). O ter, que substituíra o ser Porém, devido à existência de uma certa
como valor supremo ocidental desde a explosão interdependência em alguns momentos, pode-se
da sociedade de consumo de massa, no reino afirmar que as esferas política e comunicacional
imagético-televisivo só vale se parecer, ou seja, se misturaram-se, sem o predomínio, entretanto, de
conferir prestígio e reconhecimento instantâne- uma sobre a outra. Dessa maneira, os media ope-
ram hoje de acordo com suas próprias lógicas
econômica, tecnológica e simbólica, deixando os
ônus de adaptação a essas lógicas aos agentes
5 Como qualquer violência simbólica, esta que se vale da políticos que disputam o espaço midiático como
televisão não é apenas imposta coercitivamente pelos do- arena principal de inserção pública em sociedades
minantes aos dominados, comportando uma parcela im- “midiocentradas” (SARTORI, 2001; ALMEIDA,
portante de aceitação tácita e inconsciente por parte dos
2002).
subjugados. Da mesma forma, não se deve esquecer que
grande parte dos subjugantes não sabe que age dominando
e manipulando, já que muitas vezes são, eles também, ma-
nipulados – como no caso dos jornalistas televisivos. 6 Sartori utiliza “vídeo” – como derivação do latim videre,
Bourdieu afirma que a televisão pode, porém, ser que significa “ver”, “observar” – no sentido da superfície
instrumentalizada pelos dominados em sua luta político- da televisão em que as imagens podem ser vistas, que em
social, trazendo à esfera de disputa política temas e ele- português costumou-se chamar de “tela”. É um sentido
mentos antes tidos por naturais e inquestionáveis distinto do atribuído pelos anglo-saxões, para quem “vídeo”
(BOURDIEU, 1997, p. 22-30). Nesse sentido, tanto ele significa o filme ou a fita onde as imagens são gravadas.
como Patrick Champagne notaram a dependência dos mo- Conquanto o mais correto em português fosse o termo
vimentos e grupos marginalizados em relação à televisão, “telepolítica”, preservamos “videopolítica” para manter o
no sentido de que passam a ser praticamente inexistentes original sartoriano. Mas vale destacar que há vários termos
se não usam a tela como locus principal de suas ações para descrever basicamente os mesmos fenômenos:
reivindicatórias (CHAMPAGNE, 1996, Introdução). “videocracia”, “teledemocracia”, “midiapolítica” etc.

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Em que pese o fato de este artigo não ter como Com o efeito de real imagético, grande parte
escopo um debate densamente crítico a respeito da opinião pública passa a ser moldada por aque-
da videopolítica e de seus efeitos à democracia les que comandam as imagens, ou seja, os media.
representativa, vale aqui comentar sucintamente É por isso que Sartori afirma que a opinião públi-
três conseqüências nocivas do fenômeno que ca de quem a televisão apresenta-se como porta-
consideramos as mais pertinentes. voz é, na verdade, apenas o eco de sua própria
voz (idem, p. 56)7. Essa opinião pública forte-
A posição dos meios de massa como esfera
mente heterodirigida constitui um risco à saúde
autônoma de poder traz riscos à democracia como
política de uma sociedade quando consideramos
resultado de sua natureza intrinsecamente ambí-
a democracia representativa como o governo da
gua. Por um lado, os media constituem-se em em-
opinião, já que baseada em um sentimento coletivo
presas com fins lucrativos que possuem, conse-
a respeito da realidade pública – sentire de re pu-
qüentemente, interesses políticos, econômicos e
blica (idem, p. 53-54); além disso, políticos e
sociais voltados à busca de resultados financei-
partidos dentro ou fora dos governos guiam-se
ros, o que as torna agentes políticos e econômicos
cada vez mais pelas pesquisas que supostamente
relevantes da sociedade. Sob outro prisma, a tele-
detectam essa opinião pública.
visão constitui-se em espaço público em que grande
parte do jogo político desenvolve-se, principalmen- Um outro problema apontado por Sartori diz
te nos períodos eleitorais – mas não só nesses, já respeito à “emotização” que a videopolítica traz
que os atores políticos disputam espaço entre si aos processos políticos, já que a televisão, unindo
mesmo em épocas intereleitorais. Sendo oralidade e, predominantemente, imagem, leva o
concomitantemente atores político-econômicos da cidadão-espectador de volta ao mundus sensibilis
sociedade e ambientes para as disputas políticas, pré-Gutenberg, em que suas emoções e sentimen-
os media acumulam grandes possibilidades de in- tos são despertos por gestos, rostos, expressões
gerência sobre governos e processos políticos, fisionômicas, vozes etc.; o convencimento, antes
em nome de interesses que caminham, na maioria racional-argumentativo, agora se torna emotivo-
das vezes, na contramão dos da maioria da popu- sedutor – conforme Habermas identificara há bas-
lação que só possui o voto como arma tante tempo (HABERMAS, 2003). O problema
influenciadora da e interventora na esfera políti- básico aí reside no fato de que a política deve ser,
ca. acima de tudo, eminentemente racional nas suas
funções de geração e manutenção de governos,
Um segundo ponto a destacar é que a imagem,
governantes e políticas públicas, e não emocional
supostamente e autodenominada neutra, ao
(SARTORI, 2001).
configurar-se com enorme autoridade do real no
mundus sensibilis do homo videns, conforma-se Logicamente, os problemas que a videopolítica
em poderoso instrumento modelador da opinião traz à democracia não se resumem a estes três
pública, substituindo a palavra escrita ou falada aspectos apresentados muito celeremente8; porém,
cujos autores e intenções eram mais facilmente não sendo essa discussão um dos objetivos do
identificáveis pelo receptor; o confronto entre
diferentes posicionamentos mantinha a tomada
final de decisão nas mãos do receptor, que acabava,
7 Há alguns estudos no campo da recepção da comunica-
ao fim e ao cabo, por escolher os veículos de
ção política que indicam que a televisão não apenas contri-
imprensa que mais condissessem com suas
bui para a construção de atitudes políticas como também, e
convicções (SARTORI, 2001, p. 53-55). principalmente, serve de fonte fornecedora de exemplos a
A autoridade imagética elimina a multiplicidade serem selecionados pelos cidadãos para justificar suas con-
vicções e atitudes políticas pré-formadas. Para estudos
de autoridades cognitivas que concorriam para um
desse tipo, ver Aldé (2001a; 2001b).
certo equilíbrio no primado da comunicação
8 Champagne é crítico ferrenho da videopolítica, afirman-
lingüística que, per si, mantém margens mais lar-
do que ela foi forjada conscientemente pelos especialistas
gas de subjetividade aos receptores em virtude da
que dela mais tiram proveito, quais sejam, jornalistas, cien-
necessidade de abstração; no reino da palavra, tistas políticos com presença assídua nos media, publicitá-
preservava-se uma certa dose de equilíbrio entre rios, relações públicas, assessores de imprensa, institutos
opinião autônoma e opinião heterônima – que é e especialistas em pesquisas eleitorais e de opinião e todos
heterodirigida, ou seja: dirigida por outro que não aqueles que fazem parte do que denominamos neste traba-
o próprio indivíduo (idem, p. 54). lho de “profissionalização da política”, alcunhada por

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artigo, as últimas linhas foram apenas sobrepostas e não ajustáveis a estratificações


propedêuticas para um debate mais voltado às classistas tradicionais passou a organizar-se em
metas deste trabalho: quais são os efeitos da subsistemas específicos, em micro-agregações de
videopolítica sobre os partidos? pessoas voltadas à consecução de objetivos
particularistas; ao invés de inclusão e aglutinação
II.2. Partidos e televisão: um círculo vicioso
de interesses em estruturas tradicionais, desen-
A televisão é tanto mais influente nos proces- volvendo visões totalizantes da sociedade, ganha-
sos políticos contemporâneos quanto menores ram espaço a exclusão e a fragmentação por meio
forem a institucionalização do sistema partidário de agrupamentos especializados, fluidos e neces-
nacional e o desempenho das agremiações na ca- sariamente parciais (MANIN, 1995; 1996;
nalização e expressão de anseios, reivindicações e MANCINI & SWANSON, 1996).
reclamações do eleitorado. Tal afirmação remete
Tal fragmentação desfavoreceu sobremaneira
à problemática da substituição dos partidos políti-
os partidos políticos, especialmente aqueles com
cos pela televisão, aventada por alguns autores
fortes liames societários, como os de massa9 ,
como consumada total e irremediavelmente e des-
cujas bases operário-sindicais fragmentaram-se
cartada por outros como infundada e desproposi-
gradativamente em vários subsistemas especializa-
tada.
dos com interesses específicos e, por vezes, con-
Para situarmo-nos de maneira ponderada nes- flitantes.
sa acesa discussão, urge percorrermos um cami-
As dificuldades de posicionamento partidário
nho que começa por algumas considerações a res-
em relação a um eleitorado altamente fragmenta-
peito de aspectos que contribuíram para o enfra-
do constituíram-se em um grande problema aos
quecimento dos partidos políticos nas últimas dé-
partidos, não só porque dificultaram o uso dos
cadas do século XX; posteriormente, pode-se partir
cortes classistas tradicionais, mas também por-
para a análise da relação partido versus televisão
que abriram a possibilidade de que os candidatos
no que tange a algumas das funções do primeiro.
passassem a propor políticas cada vez mais espe-
Desafios gerados por profundas transforma- cíficas, visando a atingir determinados nichos elei-
ções sócio-econômicas e tecnológicas foram pos- torais, solapando as plataformas totalizantes an-
tados diante dos partidos políticos ocidentais no tes comuns às agremiações (MANIN, 1995,
quarto final do século XX, abalando suas estrutu- p. 27-28).
ras; vejamos quais foram tais desafios.
O aparecimento de inúmeros subsistemas
Primeiramente – e esse é o desafio mais rele- especializados – grupos de minorias étnicas, fe-
vante –, constata-se que o substancial aumento ministas, ecologistas, organizações não-governa-
da complexidade social nas sociedades ocidentais mentais diversas, entre muitos outros – aumen-
acarretou problemas diversos aos partidos, no que tou a concorrência que os partidos já enfrenta-
diz respeito a duas dimensões distintas. Em sua vam no tocante a aspectos relativos principalmente
dimensão estrutural, a complexificação social sig- à disputa por espaço público, à obtenção de re-
nificou uma crescente diferenciação funcional cursos financeiros e à conquista de novos mili-
societária, multiplicando os interesses – cada vez tantes e simpatizantes, impelindo as agremiações
mais conflitantes e complexos – presentes no seio a modernizarem-se sob pena de perderem grande
da sociedade. Tal sociedade altamente segmenta- parte dos recursos necessários à sua sobrevivên-
da por meio de linhas demarcatórias entrecruzadas, cia (MANCINI & SWANSON, 1996, p. 7-9).
Em sua dimensão simbólica, a crescente com-
plexidade social significou a ruptura das identida-
Habermas de “cientifização” (CHAMPAGNE, 1996, p.
30-34; HABERMAS, 2003, p. 252-273). Em nosso enten-
des tradicionais mantidas com estruturas agrega-
der, essa é uma visão equivocada, na medida em que a doras e includentes, como igrejas e partidos. An-
proliferação e a valorização desses profissionais são con- tes espaços privilegiados de formação, agregação
seqüências da “midiatização” do subsistema político, que
adquiriu tais feições por inserir-se não em um vácuo, mas
em um sistema societário de que os media constituíram-se 9 Nesse sentido, os partidos do tipo catch-all (“pega tudo”)
em centro poderoso e autônomo; colocar os profissionais perderam menos, já que sua amorfa constituição mostrou-
como causadores de um processo tão amplo é argumento se bem mais flexível e maleável para abrigar diferentes
sobremaneira simplista. subsistemas ideologicamente conflitantes.

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e manutenção de identidades e lealdades, tais or- postas, plataformas e as próprias organizações par-
ganizações mitigaram-se frente a novos subsis- tidárias (HABERMAS, 2003, p. 252-255).
temas especializados que formam identidades
Assim como a imprensa, os modos de expres-
muito mais fluidas e efêmeras, na medida em que
são da opinião pública não-eleitoral igualmente se
estão em permanente rearranjo com outras micro-
despartidarizaram, na medida em que os institu-
estruturas com o fito de melhor defender seus
tos de pesquisa, supostamente neutros e objetivos,
interesses particularistas. Nessa competição-co-
passaram a ser os atores principais de identifica-
operação entre subsistemas, o indivíduo vê-se às
ção e divulgação do posicionamento da população
voltas com dessemelhantes, sobrepostas e, mui-
a respeito de questões políticas ou não (MANIN,
tas vezes, conflitantes realidades simbólicas. É em
1996, p. 293).
tal emaranhado de interesses, subsistemas, reali-
dades simbólicas e identidades que o indivíduo Há também que se considerar dois óbices co-
deve, não sem grande dificuldade, navegar (idem, locados à construção de plataformas partidárias
p. 6-8). densas e complexas. De um lado, a instabilidade
política e econômica das últimas décadas impri-
Assim, a maior complexidade social tornou
miu um ritmo acelerado às mudanças, trazendo
extremamente difícil a manutenção e/ou a cons-
como conseqüência a percepção, por parte do elei-
trução de laços duradouros de identidade e fideli-
torado, da necessidade de manutenção de certa
dade partidárias.
dose de poder arbitrário nas mãos do governante,
A evolução tecnológica e a difusão maciça dos o que ao fim e ao cabo solapou a importância da
meios de massa, especialmente da televisão, abriu confecção de detalhados programas político-par-
as portas a uma relação imediata10 entre políticos tidários, que poderiam engessar a atuação do líder
e eleitores, prescindindo da mediação partidária e escolhido pelo sufrágio. Sob outro prisma, o au-
tornando viável o sucesso de políticos sem ne- mento das atribuições governativas tornou mais
nhum respaldo partidário, mas com forte presen- difícil a elaboração de plataformas partidárias, que
ça nos meios de massa (MANIN, 1996, p. 281). precisariam ser extremamente extensas e com-
Paralelamente ao avanço dos meios de massa plexas para abarcar todas as funções exercidas
houve, por questões econômicas e tecnológicas, pelos governos (idem, p. 281-283).
o retrocesso da imprensa opinativa e partidária em
A queda dos regimes do Leste europeu foi outro
prol de um modelo de jornalismo comercial,
fator que afetou seriamente muitas agremiações
apartidário, neutro e informativo, fazendo que as
de massa das democracias ocidentais –
agremiações perdessem importância como agentes
principalmente partidos socialistas e social-
formadores da opinião pública.
democratas, que perderam grande parte de seus
Todos esses media comerciais – não só os referenciais ideológicos.
televisivos – tendem a conferir maior destaque às
No nível do indivíduo, pode-se dizer que um
pessoas, privilegiando a construção de celebrida-
ritmo mais acelerado de vida diminuiu as horas
des altamente rentáveis em termos de audiência-
livres que poderiam ser destinadas à vida pública
vendagem em detrimento da exploração de con-
e partidária; o tempo que não se consome com o
ceitos abstratos como “organizações” ou “parti-
trabalho passou a ser cada vez mais ocupado com
dos”, apreendidos com dificuldade pelo homo
atividades de lazer e entretenimento, comercia-
videns sartoriano (SARTORI, 2001).
lizadas por uma indústria agressiva e diversificada.
A proliferação de publicitários originários do Assim, a política perdeu centralidade para uma
campo comercial no campo da política acarretou grande massa de cidadãos.
um aumento ainda maior da já intrinsecamente
Por fim, sistemas eleitorais nacionais centrados
presente personalização televisiva, na medida em
no candidato e não nos partidos também deram
que esses profissionais importaram do marketing
sua contribuição ao enfraquecimento de muitos
comercial técnicas que privilegiam apelos emoci-
sistemas partidários antes solidamente estru-
onais e pessoais, relegando a segundo plano pro-
turados11.
10 O termo “imediato” é usado neste artigo para designar
a falta de mediação, ou seja: é o contrário de “mediato” ou
“mediado”. 11 Sobre esse ponto, ver Mainwaring (2001).

31
CAMPANHAS ELEITORAIS EM SOCIEDADES MIDIÁTICAS

Todos esses desafios geraram questionamentos mais seu alcance como fornecedora de informa-
fulcrais à existência dos partidos políticos enquanto ções políticas a não-militantes. Nesse sentido, a
atores relevantes da arena institucional democrá- televisão substituiu o partido em dois aspectos ab-
tica. Esses questionamentos mostraram-se tanto solutamente relevantes: por um lado, como atalho
mais dramáticos quanto mais se percebia que à para a obtenção de informação política necessária
perda de efetividade dos partidos no desempenho às simplificações cognitivas operadas pelo cida-
de algumas de suas funções clássicas equivalia dão comum, em períodos eleitorais ou não; por
um aumento correspondente da participação de outro, como principal agente formador e influen-
um outro ator: a televisão. Funções antes desem- ciador da opinião pública.
penhadas principal ou exclusivamente pelas legen-
4. Mobilização popular: a capacidade da televi-
das passaram, a partir do último quarto do século
são em chamar os cidadãos às ruas é cada vez
XX, a ter nesse poderoso meio de difusão um
maior, na medida justamente em que ela conver-
agente concorrente. Discute-se a partir de agora
te-se em fonte principal de informação política.
essas funções – a partir das elaborações apresen-
Nessa função, os partidos, que enfrentam ainda a
tadas nos trabalhos de Paolo Mancini e David
concorrência de subsistemas com elevado poder
Swanson (1996) e de Eduardo Suárez (1998):
mobilizador, perderam grande parte de sua com-
1. articulação e expressão de interesses: se an- petência; as mobilizações partidárias, quando acon-
tes os partidos possuíam papel fundamental na tecem, seguem elas mesmas critérios jornalísticos
agregação, articulação, canalização e expressão de de “noticiabilidade” para que recebam ampla co-
interesses e demandas societários, tal preponde- bertura dos meios de massa, obtendo assim maior
rância nunca significara exclusividade, na medida repercussão.
em que as agremiações competiam e cooperavam
5. Recrutamento político: os partidos, con-
– com sucesso – com outras instituições, tais como
quanto ainda permaneçam em posição francamente
sindicatos e grupos de interesses. Porém, hoje a
privilegiada neste aspecto, deixaram de ser o seio
televisão assumiu parte dessas prerrogativas, no
exclusivo de onde saem os líderes políticos. A
sentido de que seus agentes colocam-se como
relação direta candidato-eleitor via televisão tor-
identificadores e divulgadores das demandas cita-
nou possível o sucesso de políticos outsiders, que
dinas ao poder público, servindo inclusive – e tal-
não possuem retaguardas partidárias sólidas ou
vez principalmente – como instrumento de pres-
nem mesmo são filiados a qualquer partido. Além
são sobre as autoridades governamentais, papel
disso, a própria televisão constituiu-se, em mui-
em que os partidos perderam grande parte de sua
tos países, em fonte expressiva de recrutamento
eficácia. Além da concorrência da televisão, os
de líderes, já que apresentadores de programas
partidos também passaram a ter que conviver com
populares que se reivindicam como “representan-
os novos subsistemas especializados que despon-
tes do povo” são muitas vezes levados a incur-
taram como veículos de expressão de demandas.
sões no campo político, em carreiras independen-
No entanto, os partidos permanecem ainda como
tes ou sob legendas ávidas por aproveitar o cacife
atores privilegiados no que tange à agregação e à
eleitoral obtido por eles na tela.
organização das demandas societárias – papéis que
a televisão absteve-se de desempenhar. 6. Legitimação: se a televisão avança em detri-
mento dos partidos no tocante à comunicação
2. Socialização política: os primeiros contatos
política, a função legitimadora passa a ter outros
que os cidadãos comuns – ainda crianças ou ado-
protagonistas. A tarefa de articular e conquistar
lescentes – estabelecem com a política são, hoje,
apoio e confiança populares em relação à credibi-
mediados pela televisão e/ou pela imprensa escri-
lidade e legitimidade das regras do jogo democrá-
ta, não se dando mais por meio das redes de co-
tico passa a ser atributo, cada vez mais, dos mei-
municação pessoal dentro das agremiações.
os de comunicação de massa, que legitimam e des-
3. Fonte de informação política: principalmen- legitimam governantes, governos e sistemas polí-
te em períodos intereleitorais, o eleitorado posta- ticos perante os olhos dos cidadãos. Os partidos,
se como consumidor de notícias políticas televisi- não constituindo fonte de informação política para
vas, relegando a imprensa partidária ao círculo a maior parte da população, vêem diminuído seu
restrito de militantes; em períodos eleitorais, essa papel nesta função tão importante à vida demo-
imprensa partidária tende a expandir um pouco crática.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 22: 25-43 JUN. 2004

É inegável que, em relação a essas seis fun- porém, algumas funções tipicamente partidárias
ções, a televisão ganhou terreno frente aos parti- enfrentam uma concorrência que, em alguns ca-
dos políticos; porém, há duas funções nas quais sos, chega quase à substituição completa – como
as agremiações continuam sendo imprescindíveis no que tange às funções de socialização e de for-
e insubstituíveis – ao menos em relação à televi- necimento de informações políticas.
são:
A problemática maior nesse sentido reside no
- traduzir interesses e demandas societários em estabelecimento de um perigoso círculo vicioso:
políticas públicas exeqüíveis e quanto menores a institucionalização e o
enraizamento societário do sistema partidário,
- implementar o governo representativo, ou
maiores são as chances de avanço televisivo so-
seja, representar o cidadão nas arenas institucionais
bre as funções das agremiações (SARTORI, 2001,
e exercer as funções legislativas e governativas.
p. 91-95). Tal avanço faz, por seu turno, diminu-
Vale ressaltar que, se em relação a essas duas írem as possibilidades de institucionalização e
funções partidárias clássicas não há uma substi- enraizamento dos partidos nas sociedades onde
tuição parcial dos partidos pela televisão, não dei- os sistemas partidários ainda buscam se consoli-
xa de existir em sua execução uma sua interferên- dar. É sobre essa intrincada interação que a Ciên-
cia direta. As demandas traduzidas em políticas cia Política pode – e deve – contribuir com suas
públicas por partidos ou governantes são, muitas reflexões.
vezes, formatadas, incentivadas, distorcidas ou até
III. A DEMOCRACIA DE PÚBLICO
mesmo forjadas artificialmente pela televisão, que
se advoga o direito de expressão da vox populi. O Visando a descrever as peculiares condições
grande poder desse meio na configuração da agen- atuais da democracia representativa nos países
da-setting12 faz que entrem no debate público ape- ocidentais, Bernard Manin realizou uma bem fun-
nas temas e questões pré-selecionados por seus damentada retrospectiva histórica da representa-
agentes. Por outro lado, algumas formulações de ção, da qual emergem três tipos ideais de gover-
políticas públicas visam, mais do que a traduzir nos representativos: a democracia parlamentar, a
em ações concretas demandas societárias reais, democracia de partido e a democracia de público
apenas a produzir efeitos positivos de “noticiabili- – sendo a última vigente nos dias de hoje13 .
dade”, de modo a colocar em evidência partidos,
Na democracia parlamentar – que vigorou do
representantes ou governos que se propõem a levá-
século XVIII até fins do século XIX – os repre-
las a cabo.
sentantes comumente eleitos eram “notáveis”,
Com essa discussão, torna-se evidente que é escolhidos por um eleitorado extremamente redu-
preciso evitar os maniqueísmos que muitas vezes zido – devido a restritivos requisitos censitários e/
permeiam o debate a respeito da influência da te- ou culturais – com base em laços pessoais de con-
levisão sobre os partidos; boas doses de pondera- fiança derivados de relações locais. Devido a seu
ção e honestidade intelectual são necessárias para caráter de proeminência política, econômica e
fugir tanto dos catastrofismos da substituição to- social, constituindo-se em homem de confiança
tal das agremiações pela televisão quanto da ce- de seus eleitores, o eleito dispunha de total liber-
gueira em relação a efeitos importantes demais dade de atuação política, não recebendo instruções
para serem ignorados. Os partidos não são, nem ou restrições de qualquer ordem; seguindo unica-
serão, substituídos pela televisão e seus agentes; mente as próprias consciências, os representan-
tes faziam do Parlamento uma casa de profícuos

12 A agenda-setting é a soma da agenda dos media, que se


refere aos temas mais destacados por eles, com a agenda do
público, que diz respeito aos temas mais discutidos e con- 13 Como qualquer construção de tipos ideais, esta não
siderados mais importantes pelos indivíduos. Os estudos esgota as diferentes possibilidades de manifestação do fe-
mais recentes indicam que os meios de massa possuem nômeno em estudo, qual seja, o governo representativo.
enorme influência sobre a agenda do público, formatando Manin deixou isso claro, afirmando que em determinada
principalmente sobre o que os indivíduos devem pensar, época de determinado país, dois tipos de governo represen-
mais do que como o devem fazer. É nesse sentido que se tativo poderiam combinar-se e até mesmo fundir-se; porém,
afirma o grande poder da televisão em determinar a agen- sempre é possível determinar o predomínio de um tipo so-
da-setting (AZEVEDO, 2002). bre o outro (MANIN, 1995, p. 7).

33
CAMPANHAS ELEITORAIS EM SOCIEDADES MIDIÁTICAS

debates, sem sofrerem maiores influências exter- gozavam na democracia parlamentar; era a cúpu-
nas. A expressão não-eleitoral da opinião não co- la partidária quem decidia, cabendo aos
incidia com aquela manifesta nas urnas – chegan- governantes seguir à risca as determinações da
do até a serem conflitantes e opostas –, fato que agremiação que os elegeu. Dessa forma, o debate
se devia, de um lado, ao reduzido tamanho do elei- que geraria as decisões políticas foi transportado
torado e, de outro lado, à necessidade de recorrer para dentro dos partidos, cabendo ao Parlamento
a canais distintos de expressão quando a escolha o papel de fórum de negociação entre as cúpulas
de representantes baseava-se em relações pesso- partidárias, que conservavam um certo grau de
ais de confiança de cunho eminentemente locais. liberdade de atuação, na medida em que eram elas
Esses canais faziam muitas vezes com que o povo as intérpretes das diretrizes traçadas no programa
chegasse “às portas do Parlamento” por meio de político-partidário14. Com os principais órgãos de
manifestações, protestos, petições, campanhas de imprensa – jornais, semanários, revistas etc. – con-
imprensa, constituição de associações etc., que trolados pelos partidos, os eleitores buscavam in-
serviam de contrapeso à liberdade de atuação dos formações nos veículos que condissessem com
governantes (MANIN, 1995, p. 17-19; 1996, p. suas preferências partidário-eleitorais, o que ao
259-264). fim e ao cabo acabava gerando um reforço circu-
lar de tais preferências. Dessa forma, a opinião
No final do século XIX, a extensão do direito
pública relativa a questões não-eleitorais foi tras-
de voto rumo ao sufrágio universal incorporou ao
passada pelas mesmas linhas divisórias que de-
eleitorado significativas parcelas da população,
marcam as preferências partidárias, fazendo que
tornando premente a partidos e candidatos a ne-
opinião eleitoral e não-eleitoral coincidissem per-
cessidade de atrair grandes massas populares a
feitamente. A expressão dessa opinião deu-se por
suas fileiras. Não sendo mais possível conquistar
meio de mecanismos controlados pelo partido –
eleitores valendo-se apenas dos laços pessoais de
manifestações, petições, passeatas e a própria
confiança, criaram-se partidos de massa e elabo-
imprensa partidária –, transformando a liberdade
raram-se completas plataformas político-partidá-
de expressão de opinião em liberdade de oposição
rias com o fito de mobilizar a população que se
política (MANIN, 1996, p. 270-278).
inseria gradualmente no jogo político. Surgia, as-
sim, a democracia de partido (MANIN, 1995, A partir de meados dos anos 1970, emergiu na
p. 19; 1996, p. 264-265). maior parte das democracias ocidentais uma nova
forma de governo representativo: a democracia
A fidelidade partidária em seguidos pleitos des-
de público. Esse novo modelo não marcou uma
pontou então como uma novidade, fazendo mui-
ruptura com as formas anteriores de representa-
tos críticos enxergarem nela uma crise de repre-
ção, mas sim um rearranjo dos princípios básicos
sentação, devido à perda da confiança pessoal nos
do governo representativo, vigentes desde fins do
representantes. Mais do que programas partidári-
século XVIII15. Tal rearranjo deu-se, principal-
os, era um poderoso sentimento de pertencimento
mente, pelo declínio das organizações partidárias,
de classe que fazia que o eleitorado se mantivesse
causado por fatores já apontados neste artigo.
por gerações fiel a um mesmo partido, tornando a
representação da democracia de partido um espe- O retorno ao voto de confiança pessoal emer-
lho fiel da estruturação societária, refletindo uma giu como uma das características principais da
realidade muito anterior à política e trazendo para democracia de público, em decorrência, por um
a arena eleitoral os conflitos patentes na arena lado, da transformação da televisão em locus pri-
social; esses conflitos eram principalmente de clas-
se, engendrados pela explosão industrial do sécu- 14 Outro tipo de debate muito comum na democracia de
lo XIX e pela ascensão do socialismo e do comu- partido é o que se dava entre partido e grupos de interesse
nismo, que delimitavam com nitidez os campos diversos, como sindicatos, associações profissionais etc.,
conflitantes da sociedade. De certo modo, o voto em uma relação que Manin alcunhou de “neocorpo-
de confiança mantinha-se, mas com outro objeto: rativismo” (MANIN, 1995, p. 24-25).
saíam os “notáveis”, entravam os partidos 15 Quais sejam: a) os representantes são eleitos pelos
(MANIN, 1995, p. 20-21; 1996, p. 267-270). governados; b) os representantes têm independência parci-
al de atuação; c) liberdade de opinião pública e d) as deci-
Nesse contexto de fidelidade partidária, os re- sões políticas são tomadas após debates (MANIN, 1995,
presentantes perderam muito da liberdade de que p. 8-17).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 22: 25-43 JUN. 2004

vilegiado da esfera pública, que favoreceu o pletamente reativa, já que os eleitores tendem a
contato direto entre candidato-comunicador e elei- responder, nas urnas, a questões apresentadas pe-
tor-espectador – prescindindo da intermediação los candidatos durante as campanhas. Com uma
partidária – e que se acentuou ainda mais com as complexidade social em que inúmeras linhas
intrínsecas características jornalístico-televisivas demarcatórias entrecruzam-se, os políticos pas-
que tendem a realçar a personalidade e a imagem sam a propor clivagens sócio-culturais que eles
do político em detrimento de suas propostas ou julgam poder trazer-lhes maiores benefícios
organizações; por outro lado, a percepção do elei- sufragistas, a partir de pesquisas de opinião que
torado a respeito da necessidade de manutenção indicam essas possíveis fronteiras discriminatórias.
de um certo poder discricionário nas mãos dos Desse modo, “Os eleitores parecem responder (aos
governantes faz que os políticos privilegiem o termos específicos que os políticos propõem em
enaltecimento de seus atributos e qualidades pes- cada eleição), mais do que expressar (suas identi-
soais, apresentando-se como homens preparados dades sociais ou culturais)” (idem, p. 27; grifos
para enfrentar problemas novos e que se alteram no original). Reagindo a temas que lhe são pro-
celeremente (MANIN, 1995, p. 25-26). postos a cada eleição pelos candidatos18 , “[...] o
eleitorado apresenta-se, antes de tudo, como um
Além disso, a queda dos regimes do Leste eu-
público que reage aos termos propostos no palco
ropeu enfraqueceu os alicerces ideológicos de
da política. Por essa razão, denominamos essa
muitos partidos socialistas e social-democratas,
forma de governo representativo de ‘democracia
contribuindo para solapar o controle das
do público’” (idem, p. 28; grifos no original)19 .
agremiações sobre representantes que, ao elege-
rem-se por meio de imagens vagas e imprecisas Se a escolha eleitoral é personalista e reativa à
que visam a conquistar a confiança dos eleitores a agenda de cada eleição – o que faz que os resulta-
partir de seus currículos pessoais, têm ampla li- dos eleitorais tornem-se voláteis a cada pleito,
berdade para atuar conforme as circunstâncias e mitigando a estabilidade eleitoral e uma
as próprias consciências, sem constrangimentos previsibilidade que se dava por meio da análise de
partidários16. A democracia de público é o gover- fatores sócio-econômicos do eleitorado, típicas
no do comunicador17, substituindo tanto o ativista da democracia de partido –, a não-coincidência
ou líder partidário quanto o notável de outros tem- entre expressões eleitorais e não-eleitorais da opi-
pos (idem, p. 26). nião volta a ser uma constante20 . Isso é conse-
qüência, de um lado, do declínio da imprensa opi-
Além de a escolha eleitoral tornar-se majorita-
riamente personalista, ela passa também a ser com-
18 Schumpeter foi um dos primeiros autores a ressaltar a
postura reativa e passiva do eleitorado, muito antes do sur-
16 Essa liberdade de atuação dos parlamentares parece- gimento dos fatores apontados por Manin como causado-
res da democracia de público; ele afirmava que as volições
nos bem adequada à situação brasileira, em contraposição à
dos eleitores eram, antes de tudo, fabricadas pelos políti-
visão oposta sartoriana, segundo a qual o representante
cos, não sendo, portanto, espontâneas (SCHUMPETER,
tornou-se, nos últimos tempos, extremamente dependente
1961, p. 320). Essa postura reativa do eleitorado acentua-
da pauta televisiva, das pesquisas de opinião e dos eleito-
se ainda mais com a impossibilidade de interferência na
res locais que o elegeram (SARTORI, 2001, p. 96-99). Em
escolha dos candidatos a serem lançados pelas legendas, ao
nossa opinião, essa dependência em relação aos eleitores
contrário do que acontecia na democracia de partido.
locais revela-se apenas nos sistemas eleitorais distritais
puros, que aumentam sobremaneira o contato entre repre- 19 Schwartzenberg também fez uma analogia entre teatro
sentante e representados, reforçando a dependência daque- e política, afirmando que o representante eleito assume
le em relação a estes. completamente os dois sentidos da palavra “representar”:
17 Champagne é um dos autores que compartilham dessa como mandatário que representa os mandantes e como ator
que representa o papel mais apropriado à sua realidade e ao
opinião, afirmando que a sedução midiática da massa
momento, conforme detectados pelas pesquisas (SCHWAR-
heterogênea pelos comunicadores substituiu o convenci-
TZENBERG, 1978, p. 292).
mento construído gradualmente por ativistas e líderes par-
tidários por meio de mobilizações, comícios e interações 20 Em muitos aspectos, a democracia de público asseme-
face-a-face (CHAMPAGNE, 1996, p. 143). Debord afir- lha-se à democracia parlamentar, o que se explica basica-
mou que aqueles que possuem status midiático podem mente pelo fato de que o desaparecimento de fatores que
extrapolar seus campos específicos de atuação para impu- trouxeram o declínio da democracia dos notáveis seja justa-
nemente atuar na esfera política ou em outra qualquer mente o motor do surgimento do modelo de democracia de
(DEBORD, 1997, p. 174). público.

35
CAMPANHAS ELEITORAIS EM SOCIEDADES MIDIÁTICAS

nativa e partidária em prol da imprensa comercial, lacuna de desenvolvimento, pode-se afirmar com
neutra e apartidária, que leva a todos os eleitores, segurança que a democracia brasileira situa-se hoje
independentemente de suas colorações ideológi- em lugar muito próximo do esboçado por Manin
cas e preferências eleitorais, as mesmas informa- em sua descrição arquetípica da democracia de
ções, fazendo que as opiniões formadas sejam público – opinião compartilhada por grande parte
dessemelhantes e independentes daquelas expres- dos autores pertinentes da área (cf. ALDÉ, 2001a;
sas em períodos eleitorais. Complementarmente, AZEVEDO, 2001).
a despartidarização dos canais de expressão da
IV. A MODERNIZAÇÃO DAS CAMPANHAS
opinião não-eleitoral, agora representados pelos
ELEITORAIS: EXPANSÃO, CONCEITUA-
institutos de pesquisa, também contribuiu sobre-
LIZAÇÃO E FATORES CAUSAIS
maneira para a abertura dessa lacuna que não exis-
tia na democracia de partido (MANIN, 1995, Paolo Mancini e David Swanson levaram a
p. 30-32; 1996, p. 293-297). cabo uma detalhada análise comparativa entre cam-
panhas eleitorais recentes de onze diferentes
Em relação ao debate, a democracia de públi-
países21. Apesar das enormes dessemelhanças his-
co caracteriza-se pelo enfraquecimento do Parla-
tóricas, culturais e políticas, os autores identifi-
mento como locus privilegiado de negociação e
caram nessas nações várias coincidências no que
conflito, em parte devido aos cada vez mais in-
diz respeito aos modos de fazer-se uma campa-
tensos e decisivos processos de discussão e con-
nha eleitoral competitiva. Assim, partindo de um
sulta entre governos e grupos de interesse alta-
confronto que detectou similitudes e diferenças,
mente organizados e poderosos, como associa-
chegaram a um constructo teórico-abstrato, em
ções industriais, agrícolas, não-governamentais
forma de tipo ideal weberiano, alcunhado de “cam-
etc. Por outro lado, o eleitorado, flutuante e ex-
panha modernizada”. É sobre esse modelo
posto a opiniões conflitantes advindas dos media,
arquetípico que o artigo debruça-se a partir de
é chamado a participar de um debate que tem como
agora.
fórum a televisão, fazendo que a tela substitua a
praça como locus principal de atuação política da As técnicas da campanha modernizada surgi-
população – em seu caráter denunciador, ram nos Estados Unidos ainda na primeira metade
reivindicatório ou de exercício de pressão pública do século XX, difundindo-se posteriormente para
(MANIN, 1995, p. 32-33). sistemas democráticos de vários países; primei-
ramente, atingiram aqueles países em que tais sis-
É evidente a validade desse conceito de demo-
temas eram consolidados e bem desenvolvidos,
cracia de público para descrever a situação brasi-
como Reino Unido e Suécia, para ulteriormente
leira contemporânea. O fato de a democracia bra-
chegar às nações recém-democratizadas ou com
sileira adequar-se a esse conceito de governo re-
sistemas políticos instáveis.
presentativo não quer dizer, entretanto, que as duas
etapas anteriores tenham sido cumpridas. Certa- Tal expansão do modo americano de se fazer
mente, os interregnos autoritários impediram o de- campanhas se deu por vários motivos, entre os
senvolvimento de uma democracia de partido no quais se destacam (MANCINI & SWANSON,
país, o que faz que a situação brasileira seja sui 1996, p. 6):
generis quando comparada à das democracias
- a importância geopolítica e econômica assu-
ocidentais mais tradicionais. mida pelos Estados Unidos após a Segunda Guer-
A passagem pelos três modelos de governo ra Mundial transformou suas eleições presidenci-
representativo deu-se em alguns poucos países ais em motivo de grande atenção para países do
da Europa ocidental, como Inglaterra, França e mundo todo, gerando cada vez maior cobertura
Alemanha – alguns dos países em que Bernard jornalística sobre tais acontecimentos;
Manin busca casos que fundamentam a constru- - produtos culturais de massa exportados pela
ção de seus tipos ideais. A evolução tardia do go- indústria norte-americana, principalmente filmes,
verno representativo no Brasil torna-se clara quan-
do se observa que o primeiro partido de massa
brasileiro – o Partido dos Trabalhadores (PT) – 21 Foram estes os países: Alemanha, Suécia, Reino Unido,
surgiu com quase um século de atraso em relação Estados Unidos, Polônia, Rússia, Espanha, Israel, Itália,
aos seus congêneres europeus. Mesmo com essa Argentina e Venezuela.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 22: 25-43 JUN. 2004

geraram interesse em suas campanhas, tanto por dicionais, já que traspassado por linhas
parte de espectadores comuns quanto por parte demarcatórias entrecruzadas e diversas. Tais li-
de políticos de diferentes localidades; nhas de clivagens ofereceram a candidatos e par-
tidos a oportunidade de abordagem de fragmen-
- ávidos por utilizar tais técnicas em seus pró-
tos específicos do eleitorado – como aqueles liga-
prios países, profissionais e políticos do mundo
dos aos subsistemas particularistas a que nos re-
todo foram aos Estados Unidos para apreendê-
ferimos anteriormente (MANIN, 1995, p. 27;
las;
MANCINI & SWANSON, 1996, p. 9).
- especialistas norte-americanos publicaram
A despartidarização e a neutralização dos me-
guias, manuais e livros sobre os novos modos de
dia, que possuem papel fulcral na formação da
fazer campanhas, que rapidamente foram aplica-
opinião pública, fizeram que opinião eleitoral – ma-
dos em eleições do mundo todo;
nifesta nas urnas – e opinião não-eleitoral deixas-
- agências publicitárias – que se expandiram sem de coincidir, tornando ainda mais nebulosa a
internacionalmente – e consultores individuais identificação dos anseios, demandas, medos e pre-
norte-americanos passaram a ser, cada vez com ocupações de cidadãos que deixaram de expres-
maior freqüência, contratados para prestar asses- sar suas opiniões por meio de canais partidários –
soria política a candidatos em diferentes países e como a própria imprensa controlada pelas
agremiações (MANIN, 1995, p. 30-32).
- a expansão internacional dos media norte-
americanos – como CNN, Fox etc. – não só au- Esses fatores desencadearam uma explosão no
mentou o destaque jornalístico conferido às cam- uso das sondagens de opinião pública nos últimos
panhas eleitorais de seu país como também im- anos, como instrumentos para partidos e candi-
pôs um padrão de cobertura jornalística de elei- datos detectarem e compreenderem o que pen-
ções que, ao ser copiado pelos media de outros sam os cidadãos da democracia de público; pos-
países, contribuiu para tornar similares às norte- teriormente, essas informações são utilizadas na
americanas as campanhas eleitorais de várias de- confecção das plataformas eleitorais e na cons-
mocracias, na medida em que elas passaram a ter trução do discurso político. Esse processo, que
que se adequar a esse novo padrão de cobertura. vai das pesquisas de opinião à propaganda, é o
Quais são as características dessa campanha marketing político-eleitoral22.
eleitoral modernizada, exportada pelos Estados Por outro lado, o padrão de cobertura das elei-
Unidos para o mundo, que chegou inclusive às ções adotado pelos media baseia-se na visão da
eleições brasileiras? A conceituação desse tipo ideal, disputa eleitoral como horse race23, fazendo que
bem como a discussão a respeito dos principais proliferem pesquisas de intenção de voto enco-
fatores causais envolvidos no desenvolvimento mendadas aos institutos de pesquisas e divulgadas
dessas novas técnicas, passa por cinco pontos pelos próprios media; as campanhas eleitorais se-
principais, explorados a partir de agora. guiram estes passos, passando a encomendar, elas
IV.1. Marketing e pesquisas de opinião próprias, sondagens de intenção de voto.

Tradicionalmente, os argumentos presentes na


propaganda político-eleitoral e as propostas e
22 O marketing é, portanto, a obtenção de informações
projetos apresentados na plataforma eleitoral e no
por meio de pesquisas para posteriormente as utilizar na
programa de governo dos candidatos eram
construção de plataformas e discursos, de modo que os
construídos a partir de contatos eminentemente candidatos obtenham o maior sucesso possível na disputa
pessoais, ou seja: discussões intrapartidárias cal- pelos votos. Essa noção vem do marketing comercial, que
cadas no programa político-ideológico da identifica os anseios dos consumidores, por meio de pes-
agremiação, contatos do candidato com as bases quisas, para então elaborar produtos que vão ao encontro
sociais de apoio, principalmente aquelas ligadas de tais demandas. Muitos autores ainda confundem
marketing eleitoral com propaganda eleitoral; são concei-
ao partido, e contatos com grupos organizados
tos distintos, com a propaganda inserindo-se no marketing
de interesse. O aumento da complexidade social como sua fase derradeira; enquanto o marketing é algo rela-
trouxe, entretanto, dificuldades de identificação do tivamente novo, a propaganda política existe desde a
posicionamento de um eleitorado que não mais se Antigüidade.
dividia com base nas estratificações classistas tra- 23 “Corrida de cavalo”, em inglês (nota do revisor).

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CAMPANHAS ELEITORAIS EM SOCIEDADES MIDIÁTICAS

A centralidade assumida pelos meios eletrôni- um centro autônomo de poder, as campanhas elei-
cos de massa – principalmente a televisão, mas torais também experimentaram um processo de
também o rádio – em sociedades midiáticas fez “midiatização”. Comícios e outras formas de mo-
dos programas eleitorais televisivos o centro refe- bilizações de massa perderam importância e efi-
rencial das campanhas. Deste modo, os candida- cácia frente à propaganda veiculada no rádio e,
tos passaram a valer-se cada vez mais de pesqui- principalmente, na televisão; ao invés de
sas de opinião que avaliam a qualidade e a eficácia panfletagem na porta das fábricas, há programas
das emissões, antes – os pré-testes – ou depois televisivos exibidos aos operários em suas casas,
de suas transmissões. Com tais sondagens, geral- produzidos de acordo com pesquisas que identifi-
mente qualitativas, os publicitários buscam não cam suas demandas e preocupações específicas
só corrigir pontos estéticos e substantivos das (MANCINI & SWANSON, 1996, p. 12-13). Nas
emissões televisivas e radiofônicas, como tam- sociedades midiáticas, constata-se que, aos
bém procuram alterar aspectos da aparência e do poucos, a praça pública sucumbe frente à tela
comportamento do postulante, quando são mal como locus privilegiado de atuação política em
avaliados pelos telespectadores consultados24. épocas eleitorais (MANIN, 1996, p. 279-281).
IV.2. Centralidade dos meios eletrônicos Dessa forma, as campanhas eleitorais passa-
ram a estruturar-se ao redor da televisão. Técni-
As campanhas eleitorais tradicionalmente eram
cas trazidas ao campo da política pelos publicitá-
feitas, de um lado, por meio de contatos imedia-
rios incentivaram essa tendência, já que esses pro-
tos entre candidato e eleitor, em um corpo-a-cor-
fissionais importaram da área comercial o con-
po eleitoral que se materializava em atividades
ceito de que a propaganda televisiva é tanto mais
como comícios, carreatas, caminhadas, confra-
efetiva quanto mais reforçada em outros meios.
ternizações, reuniões, panfletagens etc.; por ve-
Assim, o discurso televisivo assumiu o papel de
zes, tais contatos assumiam caráter de mobiliza-
referência modeladora de todo o discurso político
ções de massa, como no caso de grandes comíci-
da campanha, agindo como força estruturante das
os. Por outro lado, encontros promovidos pelo
propagandas via rádio, cartazes, jornais, panfle-
partido, por associações diversas, grupos de inte-
tos e, até mesmo, comícios e demais mobiliza-
resse, sindicatos e outras instituições assumiam a
ções de massa.
forma de contatos mediados entre candidato e elei-
tor, já que uma organização interpunha-se entre Tais mobilizações, por sua vez, transfiguraram-
eles. se em meros eventos midiáticos, acontecimentos
voltados não mais à conscientização, organização
Tais formas tradicionais prestavam-se também,
e mobilização populares, mas sim à geração, por
principalmente para os partidos de massa, à
um lado, de belas e empolgantes imagens a serem
conscientização, mobilização e organização do elei-
exibidas no programa televisivo e, por outro lado,
torado e não apenas à persuasão propriamente dita.
de fatos noticiáveis positivamente pelos media que
No que tange a essa persuasão, a propaganda po-
cobrem os movimentos eleitorais (MANCINI &
lítica assumia ainda as formas de jornais, panfle-
SWANSON, 1996, p. 11-13; AZEVEDO, 2001,
tos, cartazes, inscrições em muros etc.
p. 9).
Porém, na medida em que as sociedades oci-
A centralidade da televisão na campanha não
dentais converteram-se em sociedades midiáticas,
se resume, assim, ao caráter referencial assumi-
em que a televisão representa a arena mais impor-
do pelos programas do horário gratuito de
tante de disputa política e os media constituem
propaganda eleitoral em relação aos demais
formatos de comunicação política. O papel central
desempenhado pelos media na sociedade acaba,
24 Não é objetivo deste trabalho a realização de uma análise ao fim e ao cabo, por fazer que toda a campanha
crítica sobre a validade sociológica das pesquisas enquanto estruture-se ao redor dessa arena midiática central,
identificadoras – ou forjadoras – da opinião pública – sobre com a participação dos candidatos em debates,
a qual, inclusive, não deixam de haver dúvidas a respeito de
programas populares e de entrevistas, com a
sua existência. Para tomar contato com este debate crítico
deveras interessante, ver: Arendt (1972), Sartori (1989; influência da agenda temática dos media sobre a
2001), Champagne (1996), Bourdieu (1997) e Habermas agenda temática de candidatos e partidos e com a
(2003). necessidade de fabricação de fatos que sejam po-

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sitivamente noticiáveis pela cobertura dos meios tários: relações públicas, “preparadores de terre-
de massa. no”25 , coletores de fundos, especialistas em pes-
quisas de opinião, demógrafos, estatísticos, cien-
IV.3. Personalização
tistas políticos, sociólogos, especialistas em
A centralidade da televisão nas campanhas elei- informática e banco de dados, redatores de dis-
torais favorece o contato direto entre o candidato cursos, produtores de rádio e televisão, jornalis-
e milhões de eleitores, dispensando a intermediação tas, designers, modistas, atores, entre outros. A
partidária. Como já foi explicado, esse meio de contratação desses profissionais – fenômeno al-
massa é, de per si, essencialmente personalista e cunhado por Habermas (2003, p. 252-254) de
emotivo, pouco afeito a abstrações e mentalizações; “cientifização” – relegou a segundo plano os mili-
nesse sentido, a imagem do político converte-se tantes, voluntários e quadros partidários, excluí-
na própria mensagem, independentemente do dis- dos principalmente dos cargos-chave da campa-
curso proferido. A lógica econômica dos media nha, ou seja, dos cargos executivos e diretivos.
despartidarizados acentua esta tendência intrínse-
E por quais motivos tal substituição ocorreu?
ca ao meio, na medida em que preza por fabricar
Em primeiro lugar, o enfraquecimento dos parti-
celebridades com grande teor apelativo, facilmente
dos no tocante ao desempenho de várias de suas
vendáveis, em detrimento de uma abordagem que
funções desestimulou antigos e novos militantes,
privilegie idéias, projetos ou organizações (MA-
diminuindo o potencial de militância antes decisi-
NIN, 1995, p. 25-26; SARTORI, 2001, p. 92).
vo para muitas agremiações, principalmente as de
Características intrínsecas à democracia de massa (SUÁREZ, 1998, p. 29-32).
público aumentam esse potencial televisivo de
Sob outro prisma, a utilização intensa da tele-
personalização das campanhas eleitorais: a maior
visão e das pesquisas de opinião e de intenção de
quantidade de atribuições governativas solapou a
voto tornou premente a contratação de técnicos
construção de plataformas partidárias detalhadas;
para lidar com tais instrumentos, já que os parti-
a instabilidade sócio-econômica e política do fim
dos não podiam prover essas necessidades espe-
do século aumentou a percepção da necessidade
cíficas de recursos humanos em quantidade e/ou
de manutenção de um certo poder discricionário
qualidade suficientes. Ao mesmo tempo, os altos
nas mãos dos governantes, fazendo que os candi-
custos da realização de pesquisas e da produção
datos passassem a propagar suas qualidades pes-
da propaganda eleitoral para meios eletrônicos tor-
soais em detrimento dos programas e projetos
naram as campanhas eleitorais modernizadas ex-
partidários; o fim dos regimes do Leste mitigou
tremamente dispendiosas, fato que aumentou a
as bases ideológicas de muitos partidos ociden-
necessidade da contratação de arrecadadores de
tais, que passaram, então, a apostar no carisma
fundos que se dedicassem em tempo integral à
de seus líderes como forma de manutenção da
obtenção de recursos para as campanhas.
força eleitoral (MANIN, 1995, p. 25-29).
No Brasil, a redemocratização sob um forma-
Por fim, pode-se afirmar que a entrada dos
to multipartidário acentuou a profissionalização das
publicitários no mundo da política forneceu mais
campanhas: tornando a competição eleitoral acir-
combustível à personalização das campanhas, já
rada e fragmentada, fez que partidos e candidatos
que, mestres nos artifícios persuasivos televisivos,
se empenhassem em manter a competitividade por
tais profissionais esmeram-se em “emocionalizar”
meio do uso de técnicas de campanha cada vez
e ultrapersonalizar as atividades de convencimen-
mais sofisticadas.
to dos eleitores. Porém, eles não foram os únicos
especialistas que se incorporaram às campanhas IV.5. Apelo sedutor-emotivo
eleitorais modernizadas.
As técnicas levadas por publicitários e suas
IV.4. Profissionalização dos participantes agências – com atribuições e poderes crescentes
Se antes as agremiações, notadamente as de
massa, contavam com militantes, quadros parti-
dários e voluntários como força de trabalho para 25 São os advance men dos norte-americanos: profissionais
as atividades de campanha, hoje o cenário é ou- que chegam antes do candidato aos locais de visita para
tro. As campanhas modernizadas contratam um organizar a imprensa, verificar a segurança, contatar os lí-
batalhão de profissionais, muito além dos publici- deres locais, preparar a estrutura física etc.

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CAMPANHAS ELEITORAIS EM SOCIEDADES MIDIÁTICAS

nas estruturas das campanhas – da propaganda Nesse sentido, à guisa de conclusão, vale pas-
comercial à esfera política tornaram a comunica- sar celeremente pelos fatores contextuais nacio-
ção das campanhas altamente emotiva, relegando nais que são determinantes da maior ou menor
a segundo plano a argumentação crítico-racional propensão de modernização das campanhas elei-
como forma de convencimento dos eleitores. torais mais competitivas (MANCINI &
SWANSON, 1996, p. 20-24); faremos, outros-
A centralidade cada vez maior da televisão tam-
sim, algumas considerações relativas à situação
bém contribuiu para “emocionalizar” a retórica
brasileira.
usada na comunicação política, na medida em que
esse meio favorece a sedução pessoal-emotiva que 1. Sistema eleitoral: o sistema majoritário é de-
se dá por meio de imagens, em detrimento da ex- veras mais favorável à personalização das campa-
posição de argumentos que exigem abstrações e nhas do que o sistema proporcional com lista fe-
mentalizações por parte dos espectadores. Quan- chada, que confere maior força aos partidos. O
do a imagem do político na tela passa a ser a pró- sistema proporcional com lista aberta, que vigora
pria mensagem, a sedução toma o lugar da persu- no Brasil, incentiva a personalização e o individu-
asão argumentativa. alismo, ainda mais porque se combina com a can-
didatura nata e a impunidade pela infidelidade par-
Jürgen Habermas foi um dos primeiros a iden-
tidária. A coincidência dos pleitos legislativos pro-
tificar essa transformação, ainda na década de
porcionais com as escolhas majoritárias para o
1960. Para ele, a substituição da discussão racio-
poder Executivo acentua ainda mais a tendência à
nal-argumentativa – exigência normativa para a
personalização no Brasil, na medida em que a dis-
formação da verdadeira opinião pública burguesa
puta legislativa passa a estruturar-se em torno da
– pelo convencimento via técnicas sedutor-
disputa pelo Executivo; essa disputa, absolutamen-
emotivas, importadas da propaganda comercial,
te personalista, atua portanto como força
traria efeitos desastrosos à vida democrática; se-
estruturante sobre aquela, nas esferas municipais,
gundo o filósofo alemão, esses publicitários “[...]
estaduais e federal.
são contratados para vender política
apoliticamente” (HABERMAS, 2003, p. 252), 2. Sistema partidário: embora a modernização
despolitizando a discussão. Essa publicidade chegue igualmente a sistemas bi e multipartidários,
manipulativa usada pelo marketing político – ela dá-se com rapidez maior nos primeiros, pois
substituindo o que ele chama de publicidade crí- contam geralmente com uma competição entre
tica – serve somente à formação de uma opinião grandes e amorfos partidos catch all, que utili-
não-pública, na medida em que não é formada por zam estratégias de comunicação para agregar vo-
meio da discussão racional de argumentos (idem, látil e temporariamente interesses distintos de uma
p. 270-273). sociedade altamente fragmentada26 . No Brasil, o
sistema multipartidário consolidado em 1985 in-
V. CONCLUSÃO
centivou o surgimento e o fortalecimento de agre-
A transformação das campanhas eleitorais em miações de fortes alicerces ideológicos, como PT,
direção ao modelo de campanha modernizada não Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido
ocorreu pari passu em todos os países analisados Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU);
por Mancini e Swanson, nem, muito menos, em isso fez que a modernização chegasse mais len-
todas as democracias ocidentais em que se pode tamente ao sistema partidário nacional, na medida
vislumbrar traços desse novo modo de fazer cam- em que estas siglas mantiveram-se, durante um
panhas. Como sói ocorrer com qualquer tipo ide- bom tempo, reticentes ao uso de algumas ferra-
al, aspectos desse modelo são encontrados em mentas de campanha já bem difundidas entre os
graus variados em diferentes países, tendo a cons- demais partidos do espectro político nacional.
trução arquetípica salientado os pontos comuns
3. Regulamentação: quanto mais rígida a regu-
presentes nos fenômenos empiricamente analisa-
lamentação das campanhas, mais restritas mos-
dos. Nesse sentido, as campanhas presidenciais
tram-se as possibilidades de adequação local do
norte-americanas são as que mais se aproximam
do tipo ideal acima esboçado; as dos demais paí-
ses, incluindo o Brasil, possuem ao menos um 26 Nesse sentido, o sistema norte-americano, com suas
aspecto em que as tintas da modernização devem máquinas eleitorais democrata e republicana, é
ser matizadas. paradigmático.

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modelo modernizado; neste sentido, adquirem neira a modernização das campanhas eleitorais;
maior importância as leis que versam sobre o uso ao contrário, os sistemas em que grande parte da
dos meios eletrônicos e o financiamento das cam- população não tem acesso aos aparelhos e/ou as
panhas. Quanto à legislação brasileira, pode-se transmissões não cobrem parcelas significativas
afirmar que ela, por um lado, constituiu-se em do território, constituem-se em um óbice à mo-
catalisador da modernização, no que concerne tan- dernização. No Brasil, o amplo acesso da popula-
to à gratuidade de acesso aos meios de massa, ção aos aparelhos de recepção e a cobertura
tornando-os locus preferenciais de atuação a to- efetivamente nacional dos media privados – por
das as legendas, quanto à não-restrição do finan- meio de transmissoras próprias ou retransmissoras
ciamento privado, que fez que os candidatos e que atingem os mais longínquos rincões do país –
suas siglas dispusessem de recursos suficientes conformam um solo fértil para a implantação de
para a implantação de ferramentas modernizantes. ferramentas de comunicação política que possu-
Por outro lado, o fato de que a distribuição do em na televisão e no rádio seu centro referencial.
tempo gratuito de rádio e televisão dê-se entre
Esperamos que este artigo tenha deixado claro
partidos e não entre candidatos – que tampouco
que, mais do que uma invenção de políticos opor-
podem comprá-lo –, refreia as tendências à
tunistas, publicitários – os tão denunciados e
personalização excessiva que se observa nos EUA,
autopromovidos “marqueteiros” – ou especialis-
por exemplo, onde candidatos com ou sem parti-
tas em pesquisas, as novas feições das campa-
do podem comprar tempo nos meios de massa.
nhas eleitorais inserem-se em uma estrutura que
4. Cultura política: obviamente, as práticas de constrange, limita e incentiva: a “sociedade
campanha adaptam-se a cada cultura política na- midiática”.
cional, principalmente no que toca a aspectos
Aqui, cabe a pergunta que mais incomoda: em
como socialização política, participação cívica,
uma sociedade desse tipo, com uma democracia
estruturas de agregação social, efetividade dos
de massas, haveria modos mais eficientes de se
canais de comunicação interpessoais e importân-
fazer campanhas eleitorais?
cia dos grupos societais primários e secundários.
As sociedades tradicionais – entendidas aqui como Não se trata de indultar supostos culpados, mas
aquelas em que as interações face-a-face consti- sim de, em uma análise mais aprofundada, fazer
tuem-se ainda em meios predominantes de infor- ver que a sociedade em que vivemos não é a mes-
mação e socialização políticas, quer nos bairros, ma de algumas décadas atrás, o que acarreta, ob-
locais de trabalho e igrejas, quer no seio das famí- viamente, formas dessemelhantes de comunica-
lias tradicionais – mostram-se bem menos recep- ção política qua instrumento de convencimento
tivas ao modelo modernizado do que as socieda- de eleitores em contextos democráticos. Assim,
des em que a fragmentação enfraqueceu as estru- este artigo buscou, acima de tudo, confrontar al-
turas tradicionais de socialização, informação e gumas interpretações que exigem um mea culpa
participação políticas –alcunhadas por Mancini e de atores que, mais do que propriamente culpa-
Swanson (idem, p. 23-24) de sociedades “mo- dos, representam efeitos de fenômenos anterio-
dernas”. Nessas sociedades, candidatos e parti- res e muito mais profundos do que eles.
dos apelam a canais comunicacionais externos aos
Essa constatação, no entanto, não impede que
grupos básicos, valendo-se do uso intensivo dos teçamos algumas críticas contundentes a certas
meios de massa para agregar inúmeros
práticas adotadas por campanhas eleitorais nacio-
subsistemas de eleitores. No Brasil, a fragmenta- nais. A “emocionalização” da comunicação políti-
ção societária parece-nos um fenômeno evidente; ca televisiva, que se dá por meio do uso de técni-
além disso, o longo interregno militar contribuiu
cas advindas da propaganda comercial, constitui
enormemente para desmobilizar o eleitorado, afas- sério risco ao sistema democrático em que,
tando o cidadão comum da participação política.
normativamente, os atores deveriam se pautar por
5. Sistema dos meios de massa: os sistemas critérios eminentemente racionais na escolha, sus-
midiáticos nacionais avançados tecnologicamente, tentação e implantação de governos, governantes
em que a televisão atinge quase a totalidade da e políticas públicas. Conferindo tons ainda mais
população como fonte – por vezes única – de en- emotivos à comunicação que se dá por um meio
tretenimento e informação, favorecem sobrema- que, de per si, já é movido a emoções, publicitári-

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CAMPANHAS ELEITORAIS EM SOCIEDADES MIDIÁTICAS

os e outros profissionais – atendendo a partidos e das corporações industriais, comerciais e finan-


candidatos – prestam um desserviço à consolida- ceiras27. A limitação dessas doações ou, ainda
ção da democracia nacional. melhor, a adoção de um modelo misto ou puro de
financiamento público das campanhas podem ser
Sob prisma distinto, constata-se que a neces-
soluções parciais – porém importantes – para evi-
sidade de construção de estruturas profissionais
tar que a democracia torne-se refém de interesses
centralizadas, ágeis e eficientes fez que as cam-
econômicos que caminham, no mais das vezes,
panhas eleitorais mais competitivas se tornassem
na contramão dos anseios da maioria da população.
altamente dispendiosas para candidatos e partidos.
A busca de vultosos recursos e a frouxidão da 27 Essa questão, ainda não muito debatida no Brasil, é
legislação eleitoral no tocante a doadores jurídi- especialmente crítica e problemática nos EUA, onde a
cos constituem sérios óbices à autonomia do cam- discussão a respeito de soluções a serem implementadas é
po da política frente aos interesses econômicos sobremaneira mais avançada.

Pedro José Floriano Ribeiro (pedrorib@hotmail.com) é Mestre em Ciências Sociais pela Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar), doutorando em Ciências Sociais na mesma instituição, Pesquisador do
Grupo de Pesquisa em Comunicação Política da UFSCar e bolsista do Conselho Nacional de Desenvol-
vimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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