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Excreção
Creatinina Clearance de média de
Idade Média de N.º de plasmática creatinina creatinina
(variação idade pacientes média médio (mg/kg/24 h)
em anos) (anos) estudados (mg/100 ml ) (ml/min) e D.P.
Entre as desvantagens do clearance de creatinina está o 3.ª) Corrigir o clearance obtido para a superfície corpo-
fato de que alguns métodos de determinação da creatini- ral do paciente em questão. (O clearance obtido se refere a
na sérica são inespecíficos, pois, além da creatinina, detec- uma superfície corporal de 1,73 m2. Como o clearance (Cl)
tam outros cromógenos. Em razão disto, os valores séricos varia com a superfície corporal (SC), é necessário corrigi-
podem ser 10-40% mais elevados do que os obtidos por lo para a SC da paciente, que é de apenas 1,62 m2.) O clea-
métodos mais específicos. Além disso, pode haver erro na rance de creatinina corrigido será:
determinação do clearance de creatinina em função de co-
leta inadequada da urina (p.ex., esvaziamento incompleto
da bexiga). Existe uma margem de erro de 10% na deter-
minação da creatinina, mesmo nos melhores laboratórios.
Técnica para Determinação do Clearance de Creatini-
na. É necessária a coleta de urina durante um período apro-
ximado de 24 horas. Ao se iniciar este período, é necessá-
Tradicionalmente, a correção da TFG tem sido feita line-
rio esvaziar completamente a bexiga pela manhã, despre-
armente de acordo com a superfície corporal. Porém, nos
zando esta micção e anotando a hora. A partir daí, toda a
últimos anos, alguns autores têm chamado a atenção para o
urina é coletada em frascos apropriados (inclusive a da
fato de que a TFG seria determinada fundamentalmente pela
madrugada, se se levantar para urinar), incluindo a primei-
taxa de metabolismo basal. Indivíduos de diferentes super-
ra miccção da manhã, novamente marcando a hora, com-
fícies corporais são diferentes entre si também com relação
pletando assim o período máximo de 24 horas. A urina é
à sua taxa metabólica basal, TFG, fluxo sanguíneo renal e
então enviada ao laboratório, com os horários anotados.
excreção de produtos nitrogenados. Assim, como os orga-
A seguir, observam-se as etapas para o cálculo do clea-
nismos não são isométricos entre si, mesmo quando apre-
rance de creatinina. Exemplo: Calcular o clearance de crea-
sentam padrões corporais similares, deveriam ser utilizadas
tinina de uma paciente de 60 kg, 1,60 m de altura, quando
as escalas alométricas (não-isométricas), que caracterizari-
o volume urinário das 24 horas é de 1.440 ml e as concen-
am melhor a relação entre TFG e taxa metabólica.22-24
trações da creatinina urinária e plasmática são 70 mg/100
Uma outra fórmula pode ser utilizada à beira do leito para
ml e 7,0 mg/100 ml, respectivamente.
uma estimativa rápida da TFG, sem a necessidade da coleta
de urina de 24 horas (fórmula de Cockcroft-Gault) e levando
1.ª) Determinar a superfície corporal do paciente (com
em consideração a idade, sexo e peso corporal.3 Cabe ressal-
tabelas ou fórmulas apropriadas) e o fluxo urinário/minu-
tar, porém, que esta fórmula não substitui a realização do cle-
to:
arance de creatinina padrão, mas facilita algumas condutas
• Superfície corporal: 1,62 m2 mais imediatas, como o cálculo da correção de doses de me-
dicamentos na insuficiência renal. Em mulheres, pelo fato de
• Fluxo urinário / minuto: a massa muscular ser proporcionalmente menor que nos ho-
mens, o resultado desta fórmula deve ser multiplicado por 0,85.18
2.ª) Aplicar a fórmula de clearance:
284 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal
se elevar com TFGs mais altas, enquanto os de creatinina Mais recentemente, tem sido utilizado o ioexol para a
se elevam a partir de TFGs mais baixas (88 ml/min/1,73 medida da TFG, evitando o uso de radioisótopos. O ioexol
m2 e 75 ml/min/1,73 m2, respectivamente). Isto permiti- é um meio de contraste de baixa osmolalidade e proprie-
ria detectar pequenas modificações da função renal mais dades não-iônicas, portanto, de baixa toxicidade, mas que
precocemente do que com a tradicional dosagem dos ní- não pode ser utilizado em pacientes alérgicos ao iodo.
veis de creatinina.12,18,32 Em indivíduos idosos com creati- Aparentemente, é um bom método para a medida de TFGs
nina aparentemente normal, a cistatina C também parece reduzidas, permitindo a determinação da função renal re-
ser um melhor marcador de disfunção renal.33 sidual de pacientes em diálise.12
INULINA. Por muito tempo a inulina foi considerada Para a avaliação do clearance pelos métodos do ioexol e
como o marcador exógeno padrão para a determinação da I-iotalamato é necessária a cromatografia líquida de alta
TFG. O alto custo e a dificuldade técnica tornaram a inuli- eficiência, que é de alto custo.
na um marcador pouco utilizado na rotina.
A inulina é um polímero da frutose, de baixo peso mo-
lecular (5.200 daltons), encontrado em alguns vegetais. É
Ponto-chave:
uma substância que reúne as características de um marca- • Os métodos mais comumente utilizados no
dor ideal da TFG, pois não se liga às proteínas, distribui- dia-a-dia para avaliação da função
se no espaço extracelular, é filtrada pelo glomérulo e não é glomerular são: creatinina e uréia
reabsorvida ou secretada pelos túbulos renais. Além de
plasmáticas e clearance de creatinina e uréia
cateterizar a bexiga, é necessário administrar uma quanti-
dade de água por via oral antes e durante o teste, e, a se-
guir, iniciar a infusão constante de inulina. Amostras seri- Avaliação da Função Tubular
adas de sangue e urina são colhidas.12 Considerando as múltiplas funções dos túbulos renais,
RADIOISÓTOPOS E MEIOS DE CONTRASTE. A é difícil de se conseguir um único teste capaz de avaliar a
TFG pode ser medida com segurança e precisão também função tubular, especialmente se considerarmos que as
após a injeção endovenosa de um marcador radioisotópi- funções dos segmentos proximais do nefro diferem das
co. A quantidade de radiação recebida pelos pacientes funções dos segmentos distais. Os testes que avaliam pre-
durante este tipo de avaliação da TFG é inferior à recebida dominantemente a função tubular são: densidade e osmo-
na maior parte dos procedimentos radiológicos comuns. lalidade urinárias (já mencionados em urinálise), testes de
Porém, são métodos mais caros e de acesso limitado. Os concentração e diluição da urina, teste de acidificação uri-
marcadores que podem ser utilizados são: o 51Cr-EDTA nária, excreção urinária de eletrólitos e secreção de algu-
(ácido etileno-diamino-tetraacético marcado com 51cromo), mas substâncias, como veremos a seguir.
o I-iotalamato e o 99Tc-DTPA (ácido dietileno-triamino- CONCENTRAÇÃO URINÁRIA. Os detalhes do me-
pentaacético ligado ao tecnécio marcado). Após a injeção canismo renal de concentração e diluição da urina já foram
endovenosa, amostras de sangue venoso são colhidas para expostos nos Caps. 6 e 9. Na prática, a concentração máxi-
medir o clearance.12 ma de urina é obtida após um período determinado de
O 51Cr-EDTA tem moléculas de baixo peso molecular e restrição líquida. Em indivíduos normais, são necessárias
pequena ligação com proteínas, sendo filtradas livremen- pelo menos 12 horas de restrição líquida para que se alcan-
te pelos glomérulos. Estudos em seres humanos demons- ce 90% ou mais da concentração urinária máxima. Uma
traram que o clearance do 51Cr-EDTA é cerca de 10% mais pessoa adulta pode concentrar sua urina até quatro vezes
baixo que o da inulina, quando ambos são medidos simul- a osmolalidade do plasma (em torno de 1.200-1.400
taneamente.12 mOsm/kg/H2O).
O I-iotalamato é um composto utilizado como radiocon- A tonicidade urinária é habitualmente avaliada por dois
traste. Também tem baixo peso molecular e clearance seme- métodos: o primeiro é a determinação da osmolalidade
lhante ao da inulina. O clearance de I-iotalamato é conside- pela verificação do ponto de congelamento da urina com
rado uma maneira segura de avaliar a TFG.12 o osmômetro, que infelizmente não está disponível em
Além da valiação da TFG, a cintilografia com o 99Tc- todos os laboratórios. O segundo é a determinação da
DTPA fornece informações sobre fluxo sanguíneo renal, densidade urinária, que, pela simplicidade de sua deter-
captação renal e excreção. Em casos de suspeita de obstru- minação (com um urodensímetro ou tiras reativas), é o teste
ção, é possível complementar o exame com a administra- mais comumente usado na prática.
ção intravenosa de um diurético de alça, acompanhando a Tanto a densidade como a osmolalidade urinária depen-
curva de eliminação do radioisótopo. Na suspeita de este- dem da quantidade de água excretada com os solutos na
nose de artéria renal, a complementação é feita com a ad- urina. A densidade urinária representa apenas um resul-
ministração de captopril. Já o 99Tc-DMSA (ácido dimercap- tado aproximado em relação à osmolalidade (Fig. 16.1) e
to-succínico) é utilizado para avaliar a superfície dos rins depende do número e da natureza das partículas em solu-
e detectar cicatrizes renais corticais. ção. Partículas maiores e mais densas, como a glicose e a
286 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal
proteína, e alguns contrastes radiológicos aumentam a mões. Mas mesmo com esta participação rápida do pul-
densidade urinária. Um aumento de 10 g de proteínas por mão, ainda resta um excesso de H na circulação e um bi-
litro de urina aumenta a densidade em 0,003; 0,01 g/dl de carbonato plasmático reduzido. Caberá ao rim eliminar o
glicose aumenta a densidade em 0,004.35 excesso de hidrogênio e restaurar o bicarbonato plasmáti-
A osmolalidade urinária é uma determinação mais pre- co. Normalmente, o rim restaura o bicarbonato plasmáti-
cisa da capacidade de concentração urinária e reflete ape- co, resgatando, no túbulo proximal, quase todo o bicarbo-
nas o número de partículas ou íons osmoticamente ativos nato filtrado. Este resgate se faz de forma indireta. O
e capazes de dissociação iônica por unidade de solvente. HCO3 combina-se na luz tubular com o H, formando
Não é necessário fazer correções da osmolalidade pela H2CO3, o qual origina CO2 e água. A difusão do CO2 para
presença de glicosúria ou proteinúria. Valores de densida- dentro da célula e a sua combinação com H2O origina H
de na primeira urina da manhã iguais ou superiores a 1,023 HCO3. O bicarbonato assim formado retorna à circula-
demonstram que o mecanismo de concentração é apropri- ção. Este H que se combinou com o bicarbonato chega à
ado. Valores abaixo de 1,023 exigem melhor avaliação, com luz tubular através de um processo de troca com o Na (Fig.
restrição de líquido e eventualmente administração de um 16.8).
análogo do HAD, como a desmopressina.35 No nefro distal, o H é secretado e tamponado na luz
DILUIÇÃO DA URINA. A capacidade de diluir a uri- tubular por tampões filtrados, como o fosfato (HPO4), ou
na e eliminar grandes quantidades de água também é uma tamponado pela amônia (NH 3), formando o amônio
prova de função renal. Após a administração de 1.000-1.500 (NH4). Cada H excretado desta forma origina HCO3 em
ml de água durante aproximadamente 30 minutos, indiví- quantidades eqüimolares (Fig. 16.8). Há aqui, portanto,
duos normais são capazes de excretar mais da metade deste formação de novo bicarbonato, o qual, na circulação, irá
volume em três horas, e a densidade urinária de pelo me- restaurar o bicarbonato plasmático reduzido. Pode-se cal-
nos uma das amostras cai para 1,003 ou menos (correspon- cular esta quantidade de H excretado com os tampões,
dendo a 80 mOsm/kg ou menos). tipo fosfato. Basta titular-se a urina final, desde o seu pH
A capacidade de concentração da urina pode estar alte- ácido até o pH do sangue, ou seja, 7,4. A quantidade de
rada na fase inicial de uma nefropatia, muito antes de a substância alcalina necessária para chegar ao pH 7,4 é igual
concentração plasmática de creatinina ou uréia indicar à quantidade de H excretada, e a isto costuma-se deno-
qualquer disfunção. Portanto, é um teste sensível. No en- minar acidez titulável.
tanto, alguns fatores fisiológicos são capazes de alterar esta Quando o bicarbonato plasmático é reduzido, menos
capacidade de concentração (v. Caps. 6 e 9), como a excre- HCO3 chega ao túbulo proximal e logo menos H se com-
ção de soluto, fluxo sanguíneo medular, ingesta protéica bina com o HCO3, porém mais H será excretado através
etc. A alteração da concentração urinária pode ser detec- de combinações com HPO4 e NH3. Quando a concentra-
tada em várias nefropatias, o que reflete a inespecificida- ção plasmática de HCO3 aumenta, a excreção de H di-
de do método. minui e a de bicarbonato aumenta. Portanto, fica claro que,
A avaliação da capacidade de diluição tem menor apli- se quisermos avaliar a capacidade renal de excretar H,
cação clínica, pois está alterada em diversas enfermidades devemos reduzir o bicarbonato plasmático.
não-renais, como hepatopatias, insuficiência cardíaca ou
adrenal etc., e devido ao risco de intoxicação aquosa nos
nefropatas.
PROVA DE ACIDIFICAÇÃO URINÁRIA. Os meca- HCO3 RESGATADO NOVO HCO3
diária resulta numa produção de ácido em torno de 50 CO2 H2O CO2 H2O
C.A.
mEq/dia (íon H). Tanto as células como o líquido extra- H2CO3
H2CO3
Na
temas-tampão no plasma é o sistema ácido carbônico-bi- HCO 3
H
Na
H
Na =
carbonato. Quando o HCO3 se combina com o H livre,
HPO4
NH = H
3
O 4
HP
NH
4
HCO3
H2
PO
HPO4=
4
Na prática, para se avaliar a capacidade renal de excre- aumenta com a duração do estímulo ácido. A grande utili-
ção de ácido, dispomos de provas de acidificação. Obser- dade desta prova curta está na avaliação da capacidade do
va-se o comportamento do rim (a sua capacidade de redu- indivíduo em reduzir o pH urinário, uma anormalidade
zir o pH urinário e aumentar a acidez titulável e a excre- detectável na acidose tubular renal. Nesta doença, há um
ção de NH4) face à ingestão de uma carga de ácido. Uma defeito na acidificação da urina, sem ou com mínima re-
das provas mais utilizadas é a prova de Wrong e Davies, dução da massa renal quando determinada pela filtração
que avalia a resposta renal frente a uma única dose de clo- glomerular. A síndrome clínica do distúrbio na acidifica-
reto de amônio (0,1 g/kg). Entre três e oito horas após a ção da urina é caracterizada por não-retenção ou discreta
ingestão do ácido, determina-se o pH urinário, acidez retenção sanguínea de substâncias nitrogenadas, acidose
titulável e excreção de NH4. A prova, quando compara- hiperclorêmica, pH urinário inapropriadamente elevado,
da aos demais testes descritos na literatura, tem as seguin- bicarbonatúria e excreção reduzida de acidez titulável e
tes vantagens: é realizada durante um curto período (oito NH4 (v. Cap. 29).
horas), não há necessidade de hospitalização ou restrição EXCREÇÃO DE ELETRÓLITOS. A excreção urinária
dietética e a dose de cloreto de amônio administrado é de alguns eletrólitos nas 24 horas (ou em amostra de uri-
menor, reduzindo o risco de acidose grave.37 Wrong e Da- na) pode ser utilizada como teste de avaliação de funções
vies mostraram que, após a ingestão do ácido, os pacien- tubulares. Normalmente, os mecanismos de reabsorção do
tes reduzem o pH urinário para 4,49-5,24. A prova mostra sódio filtrado são muito eficientes. Quando há dano renal
que a capacidade do rim em reduzir o pH urinário e a sua parenquimatoso bilateral (agudo ou crônico), a capacida-
capacidade em excretar NH4 estão independentemente de de reabsorção tubular de sódio diminui, e a concentra-
comprometidas por diferentes formas de nefropatias. Por ção urinária de sódio aumenta. Por outro lado, uma urina
exemplo, na insuficiência renal crônica (filtração glomeru- com baixo teor de sódio (inferior a 20 mEq/L) demonstra
lar baixa), o rim consegue excretar uma urina ácida, mas a que os mecanismos de reabsorção tubular deste íon estão
excreção de ácido titulável está reduzida (devido à redu- íntegros. Isto é o que ocorre, por exemplo, na insuficiência
ção na excreção do tampão fosfato), e a excreção de NH4 renal aguda do tipo pré-renal.36
está reduzida ainda mais. No Quadro 16.3 mostramos os Outra forma de avaliar esta capacidade funcional tubu-
resultados da prova de acidificação realizada num paciente lar é através do cálculo da fração excretada (FE) de uma subs-
com insuficiência renal crônica, comparados com um in- tância; com a fórmula abaixo, calcula-se a FE do sódio (per-
divíduo normal. A análise baseia-se nos comentários de centagem de sódio excretado em relação ao sódio filtrado):
Malnic e Marcondes.38
No nefropata crônico, antes da carga de ácido, a excre-
ção de H se fazia predominantemente sob a forma de aci-
dez titulável (16,83 mEq/min) e muito pouco era excreta- Onde:
do como NH4 (4,77 mEq/min). Por outro lado, no indiví- FENa: Fração excretada de sódio (%)
duo normal, a quantidade de H eliminada com NH4 NaUr: Concentração urinária de sódio (mEq/L)
(27,61 mEq/min) era maior que a excretada como acidez NaPl: Concentração plasmática de sódio (mEq/L)
titulável (19,92 mEq/min). Após a carga ácida, o indivíduo CrPl: Concentração plasmática de creatinina (mEq/L)
normal aumenta a excreção de H principalmente como CrUr: Concentração urinária de creatinina (mEq/L)
NH4. Já o nefropata crônico não eleva a excreção de NH4,
e o aumento da acidez titulável é discreto. Valores de FENa abaixo de 1% indicam insuficiência re-
Testes mais prolongados do que esta prova de oito ho- nal do tipo pré-renal, e valores acima de 2% são indicati-
ras são mais úteis para se demonstrar a anormalidade na vos de necrose tubular aguda.36 Uma dificuldade a ser con-
excreção de NH4, porque a produção enzimática de NH3 siderada na avaliação da concentração urinária de sódio e
FENa é o fato de que a administração de diuréticos, solução
salina ou drogas vasoativas modifica o padrão de excre-
ção de eletrólitos. Por este motivo, é necessária cautela na
Quadro 16.3 Prova de acidificação renal em
interpretação dos resultados.36 A FE de vários eletrólitos
indivíduo normal e nefropata crônico
(potássio, magnésio, fósforo, bicarbonato) pode ser calcu-
Normal Nefropatia lada com esta fórmula, substituindo o sódio pelo eletróli-
to a ser estudado.
Antes Depois Antes Depois EXCREÇÃO DE OUTRAS SUBSTÂNCIAS. A presen-
pH urinário 6,20 4,75 5,90 5,20 ça na urina de quantidades elevadas de substâncias livre-
Acidez titulável 19,92 41,74 16,83 21,33 mente filtradas pelos glomérulos, e que normalmente são
NH4 27,61 95,82 4,77 4,02 reabsorvidas nos túbulos renais, pode indicar lesão tubu-
Modificado de Helga M. Cruz. Tese de Doutoramento FMUSP, 1963. lar proximal, já que nos túbulos distais não ocorre reabsor-
Citado por Malnic, G. e Marcondes, M.38 ção de proteínas ou aminoácidos. Entre as substâncias que
288 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal
anos, a experiência obtida com biópsia de rim transplan- sepsia e gaze) são acondicionados numa bandeja e levados
tado (rim único) tem permitido a biópsia de rim único pri- para o local onde a biópsia será realizada, juntamente com
mitivo com mais segurança. o aparelho portátil de ecografia.
Por outro lado, rins pequenos, contraídos, raramente são
biopsiados. Nestes casos, o aspecto histológico invariavel- TÉCNICA DA BIÓPSIA RENAL PERCUTÂNEA
mente demonstra graus variados de esclerose, sem que se Geralmente não há necessidade de uma sedação prévia,
possa discernir a enfermidade básica. Este é o aspecto ge- a não ser nos pacientes adultos mais apreensivos. Em cri-
ralmente encontrado nas fases terminais da insuficiência anças, geralmente abaixo dos 12 anos, haverá necessidade
renal crônica, independente do agente causador. Outras de sedação com midazolam e cetamina EV. O paciente é
contra-indicações relativas associadas a uma maior mor- colocado em decúbito ventral com um coxim sob o abdô-
bidade pós-biópsia são: tumores renais, grandes cistos re- men, procurando-se assim corrigir a lordose lombar (Fig.
nais, hidronefrose, abscessos perinefréticos e um grau 16.10). Com o auxílio da ecografia, escolhe-se o rim a ser
avançado de uremia. biopsiado (geralmente o esquerdo). Naturalmente, escolhe-
se o rim cujos contornos estejam melhor delineados. Para
PREPARO DO PACIENTE E pessoas destras, é mais confortável biopsiar o rim esquer-
MATERIAL NECESSÁRIO do. Somente na presença de esplenomegalia dá-se prefe-
Inicialmente, faz-se um estudo da coagulação sanguínea rência ao rim direito.
(tempo de coagulação e sangramento, tempo de atividade A seguir, é feita a assepsia da pele e colocam-se os cam-
da protrombina e contagem de plaquetas). No passado pos esterilizados, delimitando-se a área de punção. Feita a
obtinha-se uma radiografia simples do abdômen, após o anestesia local no ponto escolhido ecograficamente para a
devido preparo intestinal. Esta radiografia permitia saber introdução da agulha, faz-se uma pequena incisão da pele,
se havia um ou dois rins e fornecia a localização dos mes- paralela à linha das apófises espinhosas, o que permitirá
mos (Fig. 16.9). Hoje em dia, com a ultra-sonografia, é um uma livre movimentação da agulha com a respiração. Es-
exame dispensável (v. Cap. 17). tando a agulha de biópsia localizada no tecido renal (sob
O paciente poderá ser biopsiado no próprio quarto, em visão ecográfica ou pela movimentação com a respiração),
uma sala de pequena cirurgia ou no próprio setor de ultra- dispara-se o mecanismo da pistola ou se procede aos mo-
sonografia. Caso haja necessidade de anestesia geral (even- vimentos manuais para obtenção do fragmento de tecido.
tualmente em crianças), a biópsia será realizada no centro Em nosso Serviço, após a obtenção dos fragmentos, estes
cirúrgico. são observados ao microscópio óptico (100), para termos
É necessária uma agulha especial para se retirar um frag- certeza da presença de glomérulos nas amostras obtidas.
mento do rim. No passado, utilizava-se a agulha de Os fragmentos são então colocados em líquido de Bouin
Franklin-Silverman. Posteriormente, surgiram agulhas por 2 a 4 horas e posteriormente transferidos para forma-
descartáveis do tipo Trucut, e mais recentemente as agu- lina tamponada (para a microscopia óptica). Para a imu-
lhas acopladas a um dispositivo tipo “pistola”. A agulha nofluorescência, o fragmento é colocado em solução de
de biópsia e os outros materiais necessários (campos este- Michel (se vai ser transportado para locais distantes, está-
rilizados, seringa, agulhas, lâmina de bisturi, pinça de as- vel por 3-5 dias), ou mantido em soro fisiológico gelado, e
depois congelado até o processamento (se enviado para o
Serviço de Patologia local). Se houver necessidade e depen- integridade do sistema urinário (v. Cap. 19) e podem ser
dendo da rotina do Serviço, um fragmento é colocado em utilizados em determinações de filtração glomerular, flu-
glutaraldeído a 2,5%, para microscopia eletrônica. xo sanguíneo renal e fluxo plasmático renal efetivo e tam-
Até algum tempo atrás, o paciente era mantido em re- bém na avaliação da morfologia renal, investigação da
pouso absoluto por 24 horas, sendo a pressão arterial e uropatia obstrutiva, inclusive possibilitando a determina-
pulso controlados seguidamente. Observava-se o aspecto ção do volume urinário residual pós-miccional, assim como
da urina emitida após a biópsia, durante as próximas 24 na detecção de refluxo vésico-ureteral e avaliação do rim
horas. A finalidade era detectar hematúria macroscópica. transplantado.
Hoje em dia já é possível sermos mais liberais e fazermos
a biópsia renal em caráter ambulatorial. Recentemente
Marwah e cols. estudaram o momento em que as compli- COMO DIAGNOSTICAR UMA
cações pós-biópsia ocorrem e o período ideal de observa-
ção. Em todos os casos (98%), as complicações foram apa- NEFROPATIA?
rentes em 24 horas. De uma maneira geral, as complicações
foram identificadas em períodos inferiores a 12, 8 e 4 ho- No início deste capítulo frisamos que o processo diag-
ras, em 95%, 82% e 50% dos pacientes, respectivamente. nóstico em medicina se baseia nos seguintes elementos:
Complicações menores foram identificadas em 12 horas ou dados subjetivos (dados de história do paciente), dados
menos em 100% dos pacientes. Portanto, observação por objetivos (obtidos no exame físico) e dados fornecidos pe-
24 h é o ideal.40 los exames complementares. Nas páginas precedentes,
abordamos detalhadamente as principais queixas urinári-
COMPLICAÇÕES as que um paciente pode apresentar, os sinais que podem
Durante o procedimento, pode haver uma queda da ser detectados ao exame físico e os principais exames la-
pressão arterial, com sudorese e vômitos, decorrente do boratoriais utilizados para avaliação da função renal.
estado emocional, e/ou dor intensa. A complicação mais Determinados sintomas e sinais discutidos são comuns
freqüente é a hematúria microscópica, que ocorre em pra- a várias enfermidades que podem acometer o trato uriná-
ticamente todos os pacientes; hematúria macroscópica rio. O processo diagnóstico se torna mais fácil quando, atra-
ocorre em cerca de 10%. A hematúria geralmente se resol- vés do agrupamento destes sintomas, sinais e anormalida-
ve em 48-72 horas,12 seguindo-se o hematoma perirrenal e des laboratoriais, algumas síndromes nefrológicas são re-
a fístula arteriovenosa intra-renal (15-18%). Muito menos conhecidas. Inicialmente, Black enumerou oito síndromes
freqüentes são: sangramento renal exigindo transfusão que indicavam a existência de uma nefropatia. Posterior-
sanguínea (0,1-3% dos pacientes) ou cirurgia (0,3%), obs- mente, Coe modificou um pouco a conceituação dessas
trução do fluxo urinário por coágulo, infecção, laceração síndromes e incluiu mais duas, perfazendo então um total
de vísceras. A mortalidade é muito baixa (0,12% em 14.492 de dez síndromes nefrológicas41,42 (Quadro 16.5).
biópsias).12 Portanto, o primeiro passo no processo diagnóstico é a
identificação de um grupo sindrômico. Vejamos a seguir
quais são as características essenciais de cada síndrome e
Pontos-Chave: quais hipóteses podem surgir de seu reconhecimento.
• Conhecer a natureza de uma doença renal
pela biópsia permite considerar Insuficiência Renal Aguda (IRA)
adequadamente o prognóstico e melhor
manejo terapêutico Costumamos suspeitar de IRA, quando existe redução
• A biópsia renal pode ser realizada à beira abrupta da função renal, caracterizada por anúria ou oligú-
ria. No entanto, é oportuno lembrar que pode haver IRA com
do leito, com anestesia local, sendo um
poliúria (v. Cap. 21). Algumas vezes é difícil a diferencia-
procedimento com baixo índice de
ção entre insuficiência renal aguda e crônica, e somente uma
complicações redução rápida da creatinina sérica ou do ritmo de filtração
glomerular pode nos indicar o caráter agudo do processo.
Radioisótopos e o Rim Os elementos diagnósticos de uma IRA podem ser as-
sim resumidos: redução abrupta do volume urinário, re-
Os procedimentos de investigação com radioisótopos tenção de uréia e creatinina, tendência à hipercalemia e
têm como principais vantagens a rapidez, a precisão, o fato acidose metabólica, expansão do volume extracelular e
de não serem invasivos e utilizarem uma dose baixa de conseqüente tendência à hipertensão arterial e sobrecarga
radiação (v. Cap. 20). A contribuição dos radioisótopos no cardíaca. O exame do sedimento urinário também pode ser
estudo da fisiologia e fisiopatologia renal tem sido extra- útil. Quando ocorre necrose tubular aguda, caracteristica-
ordinária. Estes métodos permitem uma avaliação geral da mente observam-se cilindros granulares escuros e células
capítulo 16 291
apenas de sintomas de irritação vesical (disúria, polaciúria) a 140 mm Hg ou de uma pressão diastólica acima de 90 mm
e a ausência de febre e dor lombar refletem geralmente uma Hg. A hipertensão arterial pode ser tanto decorrente de
infecção baixa (vesical) do trato urinário. Os critérios para uma nefropatia primária, como pode causar uma nefropa-
diagnóstico de uma infecção urinária já estão atualmente tia secundária. A investigação inicial procura encontrar
bem estabelecidos: presença de mais de 100.000 colônias de causas potencialmente curáveis: estenose de artéria renal,
bactérias por ml de urina. Em mulheres com disúria, mes- feocromocitoma, ou excesso de mineralocorticóide. Quan-
mo 100 colônias/ml podem indicar infecção. O sedimento do uma causa curável não é encontrada, o que ocorre em
urinário usualmente apresenta numerosos leucócitos ou 95% dos casos, institui-se uma terapêutica médica farma-
piócitos e bacteriúria, sendo este diagnóstico facilitado com cológica e não-farmacológica a longo prazo (v. Caps. 29 e
os dados obtidos pelas tiras reagentes (Cap. 25). 41 a 43).
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