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A Filosofia e a Teologia da Idade Média

Filosofar e informar-se são duas coisas bem distintas. Filosofar significa sempre
chegar a resultado, tomar decisões. Por isso seria muito pouco simplesmente descrever
aqui o cristianismo como um fator determinante na história ocidental. Com isso, o
cristianismo e a Igreja sempre equivaleriam. Sendo assim, a aspiração e o conteúdo do
cristianismo podem ser adequadamente compreendidos?

Isso precisa de uma análise de dois tipos do Novo Testamento: Compreensão


histórica e decisão pessoal. Empenho na compreensão histórica, uma vez que as
informações das instâncias educacionais são simplesmente insuficientes, como as
advindas do convívio familiar, do educacional, das religiões e da mídia; decisão pessoal
exigida pelo próprio assunto. A esse respeito, algumas referências.

A peculiaridade do novo testamento, O Novo Testamento é um testemunho de fé


de povos primitivos e tais testemunhos se expressam inteiramente segundo as ideias
daquela época. Seria um grande equivoco, portanto, do que criticar as narrativas sobre os
milagres de Jesus, dizendo que são “falsos” nossos conceitos de natureza e de
objetividade, certamente ainda não existiam nessa visão de mundo. Devido a essa divisão
do mundo e formas de representação, é muito difícil tornar palpável a figura do Jesus
histórico.

A pesquisa histórico-crítica deixa de fora dos relatos sobre sua vida o Evangelho de
João, já que este surgiu cronologicamente por último, por volta do ano 100, e em grande
parte constituído de reflexões teológicas. Dos três primeiros relatos, o Evangelho de
Marcos é o mais antigo, por volta do ano 70, enquanto o de Mateus e o de Lucas devem
ter sido escritos entre 75 e 95. Entre outras tradições, Mateus e Lucas recorrem ao
Evangelho de Marcos. A dependência desses evangelistas e a transformação por ele
operada são facilmente reconhecíveis quando colocamos os três evangelhos um ao lado
do outro e obtemos uma visão de conjunto, ou seja, um resumo. Por isso, Mateus, Marcos
e Lucas são chamados de “sinópticos”. O uso de uma sinopse do evangelho é bastante
recomendável para todos aqueles que queiram analisar mais de perto a história da
tradição.

O problema do texto se complica ainda mais com os conhecimentos da assim


chamada escola histórica de pesquisa bíblica. De acordo com ela, os evangelhos
compõem-se de partes separadas, adaptadas segundo regras determinadas e que

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originalmente circulam de maneira independente na comunidade. Portanto, encontram-


se nos evangelhos camadas distintas, intimamente entretecidas, como palavras de Jesus
supostamente tidas como autênticas afirmações atribuídas a Jesus pela comunidade
primitiva, narrativa das comunidades primitivas, a redação dos evangelistas, que
perseguiam, por sua vez, um determinado interesse teológico e por fim, interferências de
épocas posteriores.

Um pequeno trecho de uma sinopse revela de imediato a composição


diferenciada, nesse caso em relação à questão de qual saber Jesus dispõe.

Quando ocorrerá o retorno?

Mateus 24.34-36

Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que estas coisas
aconteçam. O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão. Porém a
respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem mesmo os anjos do céu, nem o filho, mas
unicamente o Pai.

Marcos 13.30-32

Em verdade vos digo que não passará esta geração até que todas estas coisas
aconteçam. Passarão o céu e a terra, mas as minhas não palavras não passarão. Mas a
respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, senão o Pai.

Lucas 21.32-33

Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que tudo isto aconteça.
Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não hão de passar.

Visto que as palavras de Marcos, “nem o Filho”, causaram aparentemente um


escândalo, Mateus as omitiu, ao passo que Lucas contornou o problema de maneira
elegante. Por que essas alterações, por que, aliás, relatos escritos sobre Jesus? Resulta
claro, a partir de numerosas passagens citadas no Novo Testamento, que Jesus de Nazaré

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pertence ao grupo dos judeus apocalípticos. O conteúdo de sua mensagem é a vinda do


reinado iminente de Deus e o apelo para a conversão radical (um apelo que em sua
radicalidade ultrapassa as diversas conceituações de religiosidade e de deus da época).

Após sua morte, seus seguidores viviam na expectativa imediata da parúsia,


(“presença”) do retorno de Jesus e do início da nova era. Com a demora cada vez maior
dessa parúsia, formulavam problemas que podiam ser solucionados unicamente por meio
de interpretações sempre novas da figura de Jesus. Essa situação antes de tudo despertou
o interesse pela vida de Jesus, antes e depois de sua morte, e pelos relatos de milagres,
nos quais se revelava seu poder. Assim, Jesus sempre recebeu o título mais alto. Ele torna-
se o “Filho”, o servo de Deus, o “messias”, “o filho do homem”. Cuja chegada Jesus
anunciara, com o que, porém – isso é absolutamente essencial – ele mesmo não havia
contado originalmente.

Marcos 8.38

“Pois qualquer um que se envergonhar dele, quando vier na glória de seu Pai com
os santos anjos”. Essa linha de revalorização prossegue pelo Evangelho de João até os
dogmas cristológicos da primeira Igreja imperial. No problema da parúsia ausente reside,
em minha opinião, uma chave para a compreensão de muitas afirmações contraditórias
do cristianismo sobre sua relação com o mundo (Talvez alguém sarcástico possa definir o
cristianismo como história de um anjo com expectativas frustrada de parúsia).

Com esse saber acerca do lugar histórico da aparição de Jesus e da fé da


comunidade primitiva estaria por assim dizer “resolvida” a questão da fé? Para a maioria,
hoje em dia, certamente. Ela concebe o cristianismo – particularmente a fé na
ressurreição de Cristo – como expressão de uma nova visão de mundo que se tornou
estranha para nós. Porém, uma relação histórica – crítica com o Novo Testamento não
tem de significar necessariamente um distanciamento ateu. Um saber histórico também
pode levar-nos a encontrar, dentro de uma nova visão de mundo, uma mensagem que
ainda hoje nos diz respeito. Cito dois teólogos, G. Bornkamm e H. Braun, os quais
examinaram a fundo essa questão: “A partir do que foi dito, resulta que compreender as
histórias da Páscoa também como testemunhos de fé, não como registros formais e
crônicas, e temos, portanto, de indagar pela mensagem de Páscoa. Não estamos dizendo
com isso, de modo algum, que a mensagem da ressurreição de Jesus seja apenas um
produto da comunidade de fiéis. Certamente, a forma na qual ela se apresenta a nós está
marcada de fé.

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A fé na ressurreição de Jesus é uma forma antiga de expressão cristã, na verdade


uma forma de expressão condicionada pela circunstância, pela autoridade que Jesus
conquistou sobre aqueles homens.

Hoje não podemos considerar essa forma de expressão obrigatória. Porém, a


autoridade visada com essa forma de expressão certamente pode ser obrigatória para
nós.

A partir de uma mesma consciência histórica – crítica do texto, segundo os


teólogos chegaram a posições completamente diferentes. G. Bornkamn vê na fé da Páscoa
uma “profissão de fé de Deus nesse Jesus”, atendo-se, portanto, ao conceito de um deus
transcendente e sua intervenção na história humana. Já, segundo H. Braun, ao contrário,
trata-se tão-somente da singularidade do Jesus de Nazaré histórico, cuja autoridade
consiste, para ele, no apelo para o amor incondicional ao próximo: Jesus e a sua tradição
interpretam o amor de Deus como amor ao próximo”. Daí que, para ele o emprego da
palavra “Deus” se torne desimportante. Qual atitude em relação à fé cristã é então
correta é algo que só pode ser lançado como pergunta, que cada um tem de decidir por si
(decisão da qual tomam parte muitos outros motivos). Isso deveria despertar, no contexto
dessa história da filosofia, meramente a consciência, atualmente, de uma relação
histórico-crítica com o Novo Testamento e para o fato de que, com isso, a questão do
significado de Jesus permanece ainda em aberto.

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