You are on page 1of 4

/ Carne /

Criadores que produzem animais precoces, no RS, estão conseguindo bonificação


de 10% no preço de venda, em função da qualidade e maciez da carne

Remuneração
diferenciada
C
rescimento e desenvol- cimento representam a distribuição do se atentar para as imprecisões que esta
vimento são fenôme- peso de animais que não foram submeti- poderia vir a acarretar para o produto
nos resultantes de dos a nenhum tipo de restrição ambien- final a ser ofertado ao consumidor.
uma série de transfor- tal, o que normalmente não ocorre em Normalmente, animais mais pesados
mações anatômicas e condições reais de crescimento, sendo Normalmente, não eram sinônimo de carne mais qua-
fisiológicas que ocorrem no organismo estes animais influenciados pelas varia- animais mais lificada, chegando à dona de casa, cor-
animal e que abrangem o período desde ções ambientais, principalmente de ali- pesados não tes pesados, porém com qualidade bas-
a fecundação do óvulo até o estado adul- mentação, impostas pela estacionalida- eram sinônimo tante inferior.
to de todas as espécies. Estas transforma- de na produção das pastagens naturais e de carne mais Na década de 80, houve por parte
ções são tanto do tipo quantitativo - atra- cultivadas. qualificada da Cooperativa Industrial de Carnes e
vés da multiplicação celular, como do Durante muitos anos, o peso vivo Derivados (CICADE), instalada em
tipo qualitativo - através da expansão foi a medida tradicionalmente usada Bagé (RS), a primeira iniciativa de re-
celular, formação dos tecidos e órgãos. quando da comercialização de animais munerar os produtores em função da
Cabe ressaltar que as curvas de cres- destinados ao abate. Entretanto, deve- qualidade das carcaças ofertadas. Ini-

v l .08 l l www.cultivar.inf.br l l Junho 2004 l


Com o incentivo dos frigoríficos, criadores da região Sul
voltaram a apostar na produção de novilho precoce

te, os produtores que haviam se pre- cria. A introdução de parâmetros como


parado para a produção deste tipo de rastreabilidade, qualidade do couro,
bovino não retrocederam, pois o salto com certeza, serão os próximos pas-
de qualidade observado em suas fazen- sos a serem exigidos por ocasião da
das , como um maior desfrute, giro de comercialização, com reflexos positi-
capital mais rápido e melhor produ- vos no valor daqueles animais abati-
ção por área, eram um indicativo de dos.
que estavam no caminho certo. A produção de carne na Região Sul
A grande Atualmente, os frigoríficos volta- realiza-se, basicamente, em condições
ram a incentivar a produção de ani- de campo nativo, sendo importante
problemática da
mais precoces, com destaque para a destacar que no Rio Grande do Sul,
pecuária de
qualidade do produto final. Animais, esta produção, em razão da área utili-
corte é a baixa com no mínimo 180 quilos de carcaça, zada, pessoas envolvidas direta e indi-
ciava-se assim a busca por animais di- nutrição animal, com parâmetros de idade e gordura mí- retamente, produção alimentar e trans-
ferenciados para atender consumido- principalmente a nima de cobertura, provenientes de ra- ferências de recursos a outros segmen-
res mais exigentes, com poder aquisi- carência ças européias ou suas sintéticas abriram tos, principalmente à agroindústria,
tivo mais elevado, e que procuravam alimentar no nichos de mercado que se caracterizam assume papel significativo dentro do
produtos com maior qualidade. Ani- período de até pela falta de matéria-prima em de- agronegócio.
mais machos, castrados, com até qua- inverno terminadas épocas do ano, o que via- A grande problemática da pecuá-
tro dentes (2 anos), com no mínimo biliza e justifica o engorde de fêmeas ria de corte é a baixa nutrição animal,
210 quilos de carcaça e com gordura jovens, excedentes dos rebanhos de principalmente a carência alimentar 8
de cobertura não inferior a 3mm, re-
cebiam uma bonificação de 7% sobre
Fotos Walter Ney Ribeiro

o seu valor final. Acrescentavam-se ain-


da as primeiras exportações de cortes
para a cadeia de hotéis Hilton, o que
viabilizava, por parte da indústria, o
incentivo aos produtores para inves-
tir em suas propriedades na busca des-
tes animais, através de melhorias nos
aspectos nutricionais, genéticos e sa-
nitários. As respostas foram imediatas.
A porcentagem de novilhos abatidos
com estas características, que não era
superior a 2% ao ser iniciado o pro-
grama, saltou, a curto prazo, para algo
ao redor de 35 - 40%.
Mesmo com algumas alterações
ocorridas durante os anos 90 nos as-
pectos de remuneração adicional para Maior desfrute com giro de capital mais rápido e melhor produção por
os animais abatidos mais precocemen- área são algumas das vantagens da produção de animais jovens

l Junho 2004 l l www.cultivar.inf.br l l .09 l v


Sistema de produção
SITUAÇÃO FINANCEIRA
Animais terminados cab. 495 Os terneiros são desmamados e/ou ad-
Custo por animal terminado R$ 886,78 quiridos aos oito meses de idade com um peso
Projeção valor kg/vivo em dezembro R$ 1,95
Projeção peso vivo novilhos terminados em novembro kg 485
médio de 230 kg vivo. Em fins de maio, en-
Projeção valor por animal em novembro (495 x 1,95) R$ 945,75 tram em pastagem consorciada, com uma lo-
Projeção de ganho por animal terminado R$ 58,97 tação de duas cabeças por hectare, sal mineral
Receita Prevista (495 x R$ 945,75) R$ 468.146,25 à vontade e durante 180 dias recebem suple-
Desembolsos R$ 400.840,00 mentação a campo, com concentrado especí-
Margem Bruta (R-D) R$ 67.306,25
fico para o objetivo terminação à base de 3
Apropriação infra-estrutura R$ 38.120,00
Margem Líquida (R-C) R$ 29.186,25 kg/cab./dia e o tratamento sanitário segue as
recomendações da Embrapa Pecuária Sul.
Em fins de dezembro, são abatidos com
o peso médio de 485 kg vivos, rendimento de
8 no período de inverno. Esta realidade avanços significativos no negócio rural. carcaça de 54%, com bonificação de 10% so-
está na razão direta da curva de cresci- Obviamente, para ter êxito nesta ativida- bre os preços vigentes em razão da qualidade
mento e, conseqüentemente, da dispo- de deve o produtor procurar reduzir os custos do produto.
nibilidade alimentar fornecida pelo e simultaneamente aumentar a taxa de des-
campo nativo na região, o qual apre- mame a fim de que o custo unitário do ternei- Análise
senta períodos com excedentes de for- ro (bezerro) seja menor que o valor que este
ragem (novembro a abril) e escassez alcance na compra. Uma propriedade que destine 250 ha de
(maio a outubro), resultantes principal- A pastagem pastagem consorciada (azevém, cornichão e
mente das forragens, de ciclo estival. Fatores financeiros cultivada torna- trevo-branco) para o sistema de terminação
Para ocorrer incrementos na produção de novilhos superprecoces, com a aquisição
se uma
de carne e conseqüentemente agregar valor na Para aumentar a produtividade have- de 500 terneiros no mês de maio, com peso
tecnologia que
propriedade, deverão ser considerados os avan- rá algum aumento de custos globais, prin- médio de 230 kg vivo e o abate no mês de
ços na área de nutrição animal, como sejam a
possibilita
cipalmente os custos variáveis, de modo dezembro, com o peso médio de 485 kg vivo,
utilização de pastagens cultivadas, feno e con- incremento na
que isso só se torna interessante até quan- apresenta uma situação financeira final, assim
centrados, de forma estratégica. produção, com
do o acréscimo do benefício (lucro) seja descrita.
A nutrição animal via pastagem cultiva- superior ao acréscimo dos custos. retornos Quando comparamos o desembolso (ca-
da é, sem dúvida, um dos fatores de maior O lucro que pode ser obtido nessa financeiros pital de giro), com a margem bruta (receita-
importância para o desenvolvimento da ativi- atividade resulta da diferença entre o estáveis dos despesa) verificamos uma lucratividade finan-
dade na região, especialmente nos meses de custo total e a receita total e esta re- investimentos ceira sobre o valor desembolsado na ordem
inverno, quando a curva de crescimento (kg/ pousa numa variável fora do controle realizados de 16,8% a.a., demonstrando boa rentabilida-
MS/ha) do campo nativo é deficiente. do produtor: “o preço do novilho não de sobre o capital de giro empregado no negó-
Desta forma, a pastagem cultivada tor- é estabelecido em função do seu custo cio. Mas, quando comparamos o custo total
na-se uma tecnologia que possibilita incremen- de produção, mas em decorrência das com a margem líquida (receita-custo), sendo
to na produção, com retornos financeiros es- leis de mercado.” o retorno o investimento, verificamos uma
táveis dos investimentos realizados. Constata- Assim, um sistema de produção de lucratividade do sistema na ordem de 6,6%
se que além de agregar valor à propriedade, carne de qualidade, via novilhos super pre- a.a. Retorno financeiro sobre o custo total,
deverá ser considerado, com o uso da tecno- coces, abatidos aos 14/16 meses de idade, onde são apropriados a infra-estrutura e de-
logia, a mudança cultural dentro da proprie- com peso médio de 480 kg e rendimento sembolso, considerado razoável em razão do
dade como um todo. O processo de desenvol- de carcaças na ordem de 54%, já é reali- baixo risco no negócio
vimento desencadeado levará, com certeza, a dade em nossa região.
Diferencial qualitativo
CUSTO DE PRODUÇÃO DE NOVILHOS Para entendermos as diferenças nos pa-
râmetros de qualidade da carne é necessária a
DESEMBOLSO R$/KG= 400.840,00 = 400.840,00 = R$ 1,669 kg vivo sua associação com fatores que no decorrer
495 x 485 240.075 da vida do animal levam a produzir uma car-
ne com diferencial qualitativo. Não nos cabe,
APROPRIAÇÃO INFRA-ESTRUTURA/R$/KG= 38.120,00 = 38.120,00 = R$ 0,159 neste espaço, descrever sobre cada um deles.
495 x 485 240.075 kg vivo Mas é importante estar atento que os parâme-
tros intrínsecos, como raça, sexo, idade de aba-
CUSTO TOTAL/R$/KG te, fatores individuais e os extrínsecos como,
Valor custo total = 438.960,00 = 438.960,00 = R$ 1,828 kg vivo manejo alimentar, sanitário e reprodutivos,
Nº=CAB x KG CAB 495 x 485 240.075 serão determinantes na produção primária

v l .10 l l www.cultivar.inf.br l l Junho 2004 l


precoces e superprecoces devem ter uma ca-
Custo Terminação de Novilhos Super Precoces
mada de gordura suficiente ( + 2 - 4 mm) para
ÁREA DE CAMPO UTILIZADA VALOR EM R$ possuírem um acabamento necessário (figura
1). Este será de fundamental importância para
Área: 250 ha de campo, ao valor equivalente ao arrendamento de 35 kg vivo ha/ano R$ 1,60 kg vivo 14.000,00 a característica sensorial (maciez), apontada
Rendimento alternativo valor arrendamento, correção 8% a.a. 1.120,00 como o mais importante fator para maioria
Manutenção de 250 ha/ano de pastagem consorciada a R$ 170,00/ha. 42.500,00 dos consumidores. Esta, denominada gordu-
Rendimento alternativo valor pastagem implantada, R$ 212.500,00,correção de 8%a.a. 17.000,00 ra de cobertura, evita o encurtamento brusco
Camioneta Pick-up usada no valor de R$ 30.000,00 (-) Valor residual 40%, vida útil 5 anos 3.600,00 da fibra muscular que é um processo irreversí-
Rendimento alternativo do valor inicial 8% a.a. 2.400,00
vel e torna a carne dura.
Os processos relacionados na transfor-
SUB-TOTAL 80.620,00
mação do músculo em carne ocorrem na in-
dústria e são de suma importância para quali-
SEMOVENTES VALOR EM R$
dade da carne. A queda gradual do pH, que
após 24 horas deverá estar em torno de 5.6 a
Incorporação ou aquisição de 500 terneiros com peso médio de 230 kg à R$ 217.350,00
1,80 (500 x 230 x 1,80) + 5% despesas de aquisição = R$ 434,70
5.8, é um dos fatores responsáveis pela cor,
capacidade de retenção de água, suculência e
estabilidade (química e microbiológica) da
DESPESAS TRIBUTÁRIAS VALOR EM R$ carne e uma série de transformações bioquí-
micas com ação de enzimas que são responsá-
Contribuição s/I.T.R. R$ 4,00 p/ha (250 ha) 1.000,00
veis pela mudança na estrutura do tecido
muscular tornando a carne macia ou não. Daí
REMUNERAÇÃO DO TRABALHO VALOR EM R$ a importância do acabamento nas carcaças e
do controle de temperatura e do pH durante
Salário de 2 empregados com acréscimo de encargos, apropriar 50% 10.500,00 o resfriamento.
Pro-Labore de dois salários mínimos (2 x R$ 240,00) 5.760,00
16.260,00
Cabe salientar que, em termos biológi-
cos, o músculo de animais jovens (precoce e
superprecoce) é formado por fibras do coláge-
MEDICAMENTOS E DEFENSIVOS VALOR EM R$ no, que por sua natureza termolábel, se desna-
500 doses vacina aftosa a R$ 0,95 475,00 turalizam ao cozimento com calor, tornando
500 doses de vacinas 60,00 a carne macia.
Ração: (3 kg x 180 d x 500 cab x R$ 0,40) 108.000,00
Para termos um diferencial qualitativo
na carne de animais precoces ou superpre-
Vermífugo = 10 lts R$ 150,00 cada 1.500,00
coces é necessário que todos os elos da ca-
Banho carrapaticida = (2 x 0, 50 x 500) 500,00
deia produtiva da carne estejam sintoniza-
Mineralização 30 gramas diárias (0,03 x 240 x 500 x 0,70) 2.520,00
dos, pois qualidade é um processo. Começa
Diversos - mata bicheira, tristeza parasitária etc 545,00 na produção primária e culmina no prato
SUB-TOTAL 113.600,00 do consumidor.
Neste sentido, a rastreabilidade faz par-
te do processo que visa assegurar ao consu-
DESPESAS ESTRUTURAIS midor um produto diferenciado. Através
Conservação das instalações, aramados, bretes etc 10% s/valor arrendamento R$ 6.160,00 1.400,00 da sua identidade, propicia credibilidade
Despesas com combustível p/4 viagens até a propriedade (30 km) cons. 8 litros p/viagem (8 x 4 x R$ 2,42 x 12) 930,00 ao vendedor e segurança ao consumidor.
Despesas gerais c/veículo, 10% valor do veículo. 3.000,00 Inclusive, atualmente, vem merecendo e de-
Despesa diversas R$ 400,00 mensais x 12 4.800,00 sencadeando uma série de ações governa-
SUB-TOTAL 10.130,00 mentais na produção e na indústria. Sem
CUSTO TOTAL TERMINAÇÃO NOVILHOS 438.960,00 descuidar que a segurança deverá atender
aos consumidores quanto aos aspectos nu-
tricionais e sensoriais (cor, sabor, maciez)
associados às condições higiênico-sanitári-
as compatíveis com os padrões estabeleci-
para resultar num produto de qualidade dife- abate. Atualmente, a legislação tem normas dos pelos órgãos competentes.
renciada. Por outro lado, na cadeia agroali- para abate humanitário e bem-estar dos ani-
mentar (carne), é necessário cuidado na for- mais que devem ser respeitadas. Após todos Eliane Mattos Monteiro,
ma de transporte dos animais, no descarrega- esses pontos terem sido observados, começa- Eduardo Salomoni e
mento, no frigorífico, na condução dos ani- mos a trabalhar com a carcaça e, posterior- Roberto Silveira Collares,
mais nos currais de espera e no processo de mente, com a carne. As carcaças de animais Embrapa Pecuária Sul

l Junho 2004 l l www.cultivar.inf.br l l .11 l v

You might also like