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UNIÃO DAS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO

UNIESP

FACULDADES INTEGRADAS TERESA MARTIN

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

2007-2010

DORVAL F AGUNDES FURTADO JUNIOR

OS SILÊNCIOS DA MEMÓRIA

(1969-1974)

São Paulo

2010
DORVAL F AGUNDES FURTADO JUNIOR

OS SILÊNCIOS DA MEMÓRIA

(1969-1974)

Tese de Conclusão de Curso, apre-


sentada para avaliação, para obten-
ção do título de Licenciatura. Perío-
do noturno.

Professor Orientador:

DR. GUTEMBERG ALEXANDRINO


RODRIGUES

SÃO P AULO

2010

2
DEDICATÓRIA
Entre todas as pessoas que puderam me auxiliar, dentro de suas possibilidades
pessoais, dedico de todo coração este trabalho à colaboração pessoal de minha amada
esposa ANDRÉA DOS REIS FURTADO, cujos préstimos inestimáveis não se podem calcular.
Devido ao seu incentivo e dedicação pude concluir meus estudos básicos à distância,
visto que a natureza do meu serviço profissional me impedia de assistir a um curso re-
gular presencial. A ela devo em parte não somente esse quesito, mas também meu pró-
prio ingresso no nível superior de formação. Sem o seu incentivo, sua compreensão,
escapar-se-me-iam todas as esperanças de progresso intelectual.

3
AGRADECIMENTOS

De forma alguma deixaria de agradecer à inspiração de meu professor, Mestre


ALEXANDRE CLARO MENDES , Coordenador Geral do Curso de Licenciatura em História,
cuja presença tem me acompanhado desde o princípio das atividades deste curso. Sem-
pre suas idéias, seus argumentos e seus recursos pedagógicos foram exitosos em trans-
mitir o conhecimento e o amor à História, numa visão subjetiva que lhe é pec uliar.

Ao meu Professor Orientador, Doutor GUTEMBERG ALEXANDRINO RODRIGUES ,


cuja presença também tem sido uma constante desde os primeiros meses de curso, sen-
do uma fonte de incentivo devido ao seu próprio exemplo de dedicação e esforço pesso-
al, mantendo cabedal de conhecimento teórico e visão subjetiva muito além do seu te m-
po; forjando em si mesmo alguém que prima por transmitir um sentido da historiografia
que lhe é muito peculiar: introjetar em seus alunos a paixão pela História.

Ao Professor e Amigo, Mestre KARLENO MÁRCIO, dedicado, prestativo e compre-


ensivo amigo cristão, defensor de princípios raros no meio acadêmico hodierno, como
sadia confiança em Deus e respeito por ideais que estão em ameaça de extinção: os
princípios cristãos e uma boa experiência com o Divino.

Ao Licenciando DAVID PEREIRA, nobre colega, tem sido um exemplo de pontua-


lidade e participação nas atividades curriculares, no respeito à ética entre colegas de
curso: solidário e prestativo. Com alegria, de moto próprio, faço questão que seu nome
seja lembrado onde quer que este trabalho seja lido ou analisado.

Ao Pastor J OSÉ APARECIDO CORTE, Presidente da Associação Paulista (ASPA)


dos Adventistas do 7º Dia – Movimento de Reforma, pelos seus préstimos específicos,
liberando- me ocasionalmente das minhas atividades ordinárias, como secretário da enti-
dade acima referida, e das minhas obrigações específicas como Missionário para que
pudesse concluir meus objetivos intelectuais. De coração agradeço-lhe pelo altruísmo e
pela iniciativa em apostar na capacidade do semelhante, em especial do subalterno, sem
ter quaisquer obrigações estatutárias ou interinas que exigissem tal atitude.

4
Abri de novo o zíper para enfiar mais dois li-
vros comprometedores, que não reparara an-
tes. [...] Então os “homis” já não tinham a-
preendido “A Capital”, de Eça de Queiroz,
por confundir com o homônimo masculino do
“subversivo Marques?” [sic]
(SIRKIS, Alfredo. Os Carbonários – Memó-
rias da Guerrilha Perdida. São Paulo: Global,
1980. Pág. 101)

5
RESUMO

A presente monografia pretende trazer uma análise acerca do desenvolvimento


da memória existente nas gerações hodiernas a respeito da estrutura repressiva do Re-
gime Militar, em especial o período entre 1968 e 1974. Foi efetuado um levantamento
referente à construção da Doutrina de Segurança Nacional e seu vínculo com os acon-
tecimentos de 31 de março e 1º de abril de 1964, por ocasião da deposição do então Pre-
sidente da República, João Belchior Marques Goulart (popularmente conhecido como
Jango). Acompanhou-se o desenvolvimento da Doutrina durante os Atos Institucionais
até a deflagração dos eventos de 13 de dezembro de 1968, com a instauração do AI-5. A
partir desse momento analisa-se a historicidade dos grupos de oposição ao Regime pe-
los rumos que escolheram como forma de protesto ao endurecimento do Estado de Ex-
ceção: luta armada, as ―expropriações‖ de capital (assaltos a banco e a carros-
pagadores) e a formação dos principais grupos clandestinos de esquerda. Apurou-se a
contra reação das Forças Armadas através da legalização da tortura como método ―efi-
ciente‖ de levantamento de informações. Reconstruiu-se o processo prisional do oposi-
tor e do então considerado subversivo, desde a voz de prisão até aos acontecimentos das
câmaras de tortura. Após a tentativa de compreensão do contexto histórico do período, é
proposta uma reflexão sobre a eficiência, a ética e a legalidade do uso da tortura em
situações consideradas emergenciais para a segurança nacional. Após a análise crítica, é
avaliada a memória social resultante do período conturbado verificada na comunidade
que não conheceu o período repressivo: a geração do século XXI.

Palavras-Chave: ditadura, tortura, repressão, golpe militar, socialismo, totalita-


rismo.

6
ABSTRACT

This monograph aims to bring about an analysis of memory development that


was built on the generations of today regarding the structure of the repressive military
regime, especially the period between 1968 and 1974. We performed a survey on the
construction of the National Security Doctrine and its link with the events of March 31
and April 1, 1964, during the deposition of the then President of the Republic, João Be l-
chior Marques Goulart (popularly known as Jango). Was accompanied by the develop-
ment of doctrine during the Institutional Acts until the outbreak of the events of De-
cember 13, 1968, with the introduction of the AI-5. Thereafter it explores the historicity
of the groups opposed to the scheme by paths they have chosen as a protest to the har-
dening of the State of Exception: armed struggle, the "expropriation" of capital (bank
robberies and car-payers) and the formation the main left-wing underground groups. It
was found that the reaction against the Armed Forces through the legalization of torture
as a method "efficient" information gathering. Rebuilt the process of prison opponent
and then considered subversive, since the arrest until the events of torture chambers.
After the attempt to understand the historical context of the period, it proposes a reflec-
tion on the efficiency, ethics and legality of the use of torture in emergency situations
considered for national security. After the review, is valued social memory res ulting
from the troubled period found in the community who did not know the period of re-
pression: the generation of the XXI century.

Keywords: dictatorship, torture, repression, military coup, socialism, totalitarianism.

7
SUMÁRIO

Conteúdo
INTRODUÇÃO ........................................................................................................10

A CONCEPÇÃO DA DOUTRINA DE S EGURANÇA NACIONAL .............................. 13

JOÃO GOULART E O CONTEXTO DE 31 DE MARÇO DE 1964 .............................. 16

O GRANDE COMÍCIO NA CENTRAL DO BRASIL, RJ........................................... 19

A REVOLTA DOS MARINHEIROS ....................................................................... 21

O DISCURSO AOS SARGENTOS NO AUTOMÓVEL CLUBE, RJ ............................ 22

O GOLPE .......................................................................................................... 23

CAPÍTULO 2 — O ATO INSTITUCIONAL N° 5 E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA OS


O POSITORES DO REGIME MILITAR ....................................................................................26

OS ATOS INSTITUCIONAIS ................................................................................ 26

O DIA 13 DE DEZEMBRO DE 1968 E A LUTA ARMADA ..................................... 28

IMPLICAÇÕES DO AI-5...................................................................................... 28

A ORGANIZAÇÃO DA LUTA ARMADA............................................................... 31

ALN (AÇÃO LIBERTADORA NACIONAL) .......................................................... 37

COLINA (COMANDO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL) ......................................... 37

MR-8 (MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO 8 DE OUTUBRO) ................................. 38

VPR (VANGUARDA POPULAR REVOLUCIONÁRIA) ........................................... 39

CAPÍTULO 3: A ―CUNHA DE P ENETRAÇÃO‖ DAS FORÇAS ARMADAS ...............42

A TORTURA COMO ―CUNHA DE PENETRAÇÃO‖ ............................................... 42

TECNOLOGIA DO TERROR................................................................................. 43

A PRISÃO:..................................................................................................... 43

A CHEGADA NO CENTRO DE INFORMAÇÕES : .................................................. 45

AS SEVÍCIAS :................................................................................................. 48

8
CONTRADIÇÕES E QUESTIONAMENTOS ............................................................ 50

CAPÍTULO 4 — M EMÓRIA SOCIAL DA REPRESSÃO ............................................52

REFLEXÃO........................................................................................................ 52

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................56

9
INTRODUÇÃO

No período de pré-estruturação deste trabalho acadêmico fui grandemente im-


pressionado pelo impacto que a tomada de poder e a instauração do Estado de Exceção
causaram à sociedade brasileira como um todo. Através do estímulo do próprio curso de
licenciatura, emulando o aluno à busca do saber, estive em contato com literatura espe-
cífica do período, e assisti a dramatizações cinematográficas que retratavam essa fase de
nossa história nacional, de forma casual e quase que como acidental. Ao perceber me-
lhor a dimensão dos eventos desencadeados pela tomada de poder entre 1964 e 1985, fui
levado a refletir com muita intensidade a respeito de algumas questões fundamentais
levantadas sobre os efeitos da coerção em longo prazo deixados como legado à socieda-
de brasileira.

Para que tenhamos condições de compreender a estrutura e a proposta deste tr a-


balho, precisamos partir da premissa que jamais teremos condições de entender satisfa-
toriamente um evento ou um agrupamento de eventos enquanto não dedicarmos algum
esforço para visualizar a cadeia de circunstâncias que possibilitou a montagem do arca-
bouço estrutural do período em questão.

CAPÍTULO 1: O CONTEXTO HISTÓRICO Q UE LEVOU AOS EVENTOS DOS D IAS


31 DE M ARÇO E 1º DE ABRIL DE 1964

Sem uma abordagem concernente à construção da Doutrina de Segurança Na-


cional, a compreensão a respeito do próprio tema deste trabalho, ou do período proposto
para esta análise ficaria seriamente comprometida. A Doutrina de Segurança Nacional
está imbricada, sobreposta à gênese do próprio golpe de 1964. Certamente a tomada de
poder pelos militares nada mais foi do que a revelação, a prática e execução de uma
estrutura preposta aos eventos daquele ano. Qual foi o mo tivo central que levou as For-
ças Armadas Brasileiras a articular uma manobra de tal envergadura? De excertos da
Escola Superior de Guerra e de seu maior teórico, o General Golbery do Couto e Silva
espera-se solver as duas questões acima levantadas.

Serão investigados alguns aspectos do governo de João Goulart, que auxiliarão a


esclarecer vários quesitos da preparação do momento histórico do golpe. As considera-
ções se iniciam com a renúncia de Janio Quadros, em agosto de 1961, fato que desenca-
deou uma reação de circunstâncias até a efetivação do ex- vice-presidente no cargo ofi-

10
cial à frente de seu país. Em sua proposta de governo, lançada em meados de 1963,
Jango oferece um pacote de medidas chamado Plano Trienal, cujo conteúdo causou
muita polêmica, desestabilizando seu governo. Eram as chamadas Reformas de Base, as
quais, ao serem lançadas marcaram o princípio da cadeia de eventos fundamentais que
evoluíram para o golpe militar. A análise desses eventos está na proposta deste trabalho,
e serão elencados de acordo com sua ordem temporal. No encerramento do capítulo, o
golpe em si é analisado num aspecto mais descritivo, em ordem cronológica, com fins
elucidativos. São colhidas algumas opiniões de civis de certa projeção social, testemu-
nhas do evento, declarando seus sentimentos, opiniões e análises pessoais sobre o dia 1º
de abril de 1964.

CAPÍTULO 2: O ATO INSTITUCIONAL N° 5 E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA OS


OPOSITORES DO R EGIME M ILITAR

Será feita uma abordagem crítica com respeito ao papel dos atos institucionais,
promulgados pelo Estado de Exceção. Qual o motivo que pode elucidar a existência
desses decretos? Onde está a origem desses decretos? Que papel cumpriram no alvore-
cer da epopeia militar no Brasil? De todos os atos, o quinto, conhecido como AI-5 teve
um impacto surdo sobre os opositores do Regime Militar. Quais foram suas consequê n-
cias? Como foram afetados os grupos de oposição? Que tem a tortura que ver com a
promulgação desse Ato?

CAPÍTULO 3: A ―CUNHA D E PENETRAÇÃO‖ D AS FORÇAS ARMADAS

Um dos aspectos mais marcantes do período militar foi o emprego da tortura


como meio rápido e seguro de se obter informações preciosas. Uma análise detida sobre
a jornada do opositor que era pego no exercício de sua clandestinidade se mostra assaz
importante para a construção de uma visão mais abrangente do cotidiano do suspeito de
subversão, do oficial das forças armadas no exercício de sua autoridade e da subjetivi-
dade que envolvia a ambos. Será detalhada a cadeia de eventos que compunha a prisão e
detenção do suspeito de ato subversivo e o que ocorria com sua integridade física ao
estar sob o poder e tutela do Estado. A estrutura do capítulo conta com testemunhos
pessoais de sobreviventes de episódios nos quais seus direitos humanos básicos foram
gravemente desrespeitados.
CAPÍTULO 4: M EMÓRIA SOCIAL DA R EPRESSÃO

11
A Ditadura Militar foi oficialmente desfeita em 1985. De então para cá quais fo-
ram as contribuições sociais que nos foram entregues pelo Regime? As contribuições da
Dra. Soraia Ansara (PUC-SP) foram imprescindíveis para as reflexões acima bem como
para a conclusão do capítulo em questão. O governo militar nos legou a influência de
um regime ditatorial e repressivo, marcas negativas de um período cerceador e amorda-
çante. Na visão de ANSARA, recebemos da mesma forma, um excelente legado dos
militares: o aprendizado da prática de resistência dos movimentos sociais.

12
CAPÍTULO 1 — O CONTEXTO H ISTÓRICO Q UE LEVOU AOS EVENTOS DOS
D IAS 31 DE M ARÇO E 1º DE ABRIL DE 1964

Neste capítulo iremos refletir sobre o contexto que levou à construção da Dou-
trina de Segurança Nacional. Analisaremos alguns aspectos da fase preparatória do
golpe de Estado, observando detalhes importantes do governo de João Goulart e os e-
ventos de 31 de março e 1º de abril de 1964.

A CONCEPÇÃO DA DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL

Um dos principais motivos que preparou o contexto histórico necessário para a


ocorrência do Golpe Militar de 31 de março e 1º de abril de 1964 foi o grau de impor-
tância que a Doutrina de Segurança Nacional teve para os altos escalões das Forças
Armadas nos anos que antecederam à tomada de poder.

Nos discursos militares, já em 1930, a expressão segurança nacional era presen-


te nas falas do General Góes Monteiro. De acordo com seu raciocínio o Estado deveria
―estabelecer, em bases sólidas, a segurança nacional”. Na realidade, a conceituação
mais atualizada do que vem a ser a Segurança Nacional nos moldes militares pós-1964
começa a ser trabalhada após a 2ª Grande Guerra. Porém, na década de 30 do século XX
constata-se uma preocupação dos militares brasileiros em formar uma mentalidade que
considere os interesses da Pátria superiores a qualquer coisa. 1

Margaret Crahan identificou as origens da ideologia de segurança nacional na América La-


tina já no século 19, no Brasil, e no início do século 20, na Argentina e no Chile. [...] Co m
o advento da guerra fria, elementos da teoria da guerra total e do confronto inevitável das
duas superpotências incorporaram-se à ideologia da segurança nacional na América Lat ina.
A forma específica por ela assumida na região enfatizava a ‗segurança interna‘, face à ame-
aça de ‗ação indireta‘ do comunismo. Desse modo, enquanto os teóricos americanos da s e-
gurança nacional privileg iavam o conceito de guerra total e a estratégia nuclear, [...] os lat i-
no-americanos preocupados com o crescimento de movimentos sociais da classe trabalh a-
dora, enfatizaram a ameaça da subversão interna e da guerra revolucionária. 2

1
FERREIRA, DELGA DO, Jorge Luis e Lucília de Almeida Neves. O Brasil Republicano, vol .
4. O tempo da ditadura. Regi me militar e movi mentos sociais em fins do século XX. 2ª ed ição. Rio de
Janeiro: Civ ilização Brasileira, 2007. Pg. 20.
2
ALVES, Maria H. Moreira. Es tado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: Edusc,
2005, pg. 39, 40.

13
Nas décadas anteriores ao Golpe, houve uma aproximação entre o Brasil e os Es-
tados Unidos, devido à 2ª Grande Guerra (1939-1945), onde os brasileiros lutaram sob o
comando dos norte-americanos. Ficou preparado o contexto para a formação de uma
parceria operacional que progrediu nos anos subsequentes, gerando unidade de doutrina,
treinamento de contingentes e íntima ligação ideológica. 3

A Doutrina de Segurança Nacional foi formulada a partir de uma teoria de defi-


nição dos mais variados tipos de guerra: A Guerra Total é definida a partir da compre-
ensão do alto poder destrutivo das armas atômicas e da impossibilidade dos norte-
americanos e soviéticos travarem ativamente uma guerra, pela provável destruição
completa das duas nações. Em face do iminente risco, ambos os blocos medem suas
capacidades de conquistar e controlar determinados territórios e áreas. Nesse caso entra
em cena o jogo de ameaças mútuas conhecido como Guerra Fria. A Guerra Clássica
ou Tradicional é uma guerra de agressão externa deflagrada entre Estados nacionais,
baseada na resposta de uma das partes a um ataque externo. É uma guerra de ataque e
defesa, onde há um inimigo comum externo e a necessidade de união interna da popula-
ção para combater o inimigo identificado. A Guerra Revolucionária é de agressão indi-
reta, havendo a possibilidade de conflito armado no interior de um país entre parcelas
de sua própria população. 4

De acordo com o Manual Básico da Escola Superior de Guerra Brasileira, a


maior preocupação na América Latina precisa ser focada no risco da Guerra Revolucio-
nária 5 . ―A União Soviética, de acordo com esta visão, considera a guerra revolucionária

3
Direito à Verdade e à Memória: Comissão Sobre Mortos e Desapareci dos Políticos. Brasília:
Secretaria Especial dos Direitos Hu manos, 2007. Pg. 20.
4
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: Edusc,
2005. Pags. 44, 45.
5
Guerra Revoluci onária: conflito, normalmente interno, estimu lado ou auxiliado do exterior,
inspirado geralmente em u ma ideologia, e que visa à conquista do poder pelo controle progressivo da
nação. ALVES, Maria Helena Moreira. Es tado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: Edusc,
2005. Pag. 44 – cf. chamada de nota, citação do Manual Básico da ESG, sessão I, ―Guerra Contemporâ-
nea‖, p. 65-82.

14
a maneira mais eficaz de levar a efeito seu próprio destino imperial, que depende do
controle dos países do Terceiro Mundo‖. 6

Para que um Estado possa implantar um aparato de defesa de tal envergadura


como o que é exposto no Manual Básico da ESG, torna-se indispensável um progressi-
vo desenvolvimento econômico. Esse desenvolvimento é previsto na ideologia de segu-
rança nacional de acordo com a visão do General Golbery. Conforme seu ponto de vista,
a maior parte da riqueza mineral do país está na região centro-oeste e norte. Deve haver
uma política de povoamento, servindo como ―tampão‖ a essas vias extremas do país,
dificultando a penetração estrangeira pelos locais mais longínquos da nação. Deve haver
uma preocupação mais intensa com o desenvolvimento econômico dessas áreas, para
que outros grupos migrantes possam ser atraídos para elas. O objetivo principal do de-
senvolvimento econômico das áreas periféricas não é elevar o nível de vida da popula-
ção, e sim aumentar aos olhos da geopolítica internacional a capacidade de atrair capital
e interesses da iniciativa privada estrangeira em commodities. 7

6
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: Edusc,
2005. Pg. 46.
7
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: Edusc,
2005. Pg. 58,59.

Co mmodity: Economia: Produto primário de grande participação no comércio internacional,


como café, algodão, minério de ferro, etc. (Novo Dicionário Aurélio, Ed. 2005, cd-rom)

15
JOÃO GOULART E O CONTEXTO DE 31 DE MARÇO DE 1964

O período compreendido entre sete de setembro de 1961 e trinta e um de março


de 1964 foi o do exercício da presidência da República do Brasil pelo Presidente João
Belchior Marques Goulart, conhecido desde a infância pelo apelido de Jango. Nas elei-
ções de 1960 fora eleito vice-presidente ao lado de Janio Quadros. Em 25 de agosto de
1961,

Enquanto João Goulart realizava uma missão diplomática na República Popular da


China, Janio Quadros renunciou ao cargo de Presidente. [...] A renúncia de Jân io
criou u ma grave situação de instabilidade polít ica. Jango estava na China e a Cons-
tituição era clara: o vice-presidente deveria assumir o governo. Porém, os min is-
tros militares se opuseram à sua posse, pois viam nele u ma ameaça ao país, por
seus vínculos com polít icos do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido
Socialista Brasileiro (PSB). Apesar disso, não havia unanimidade nas altas esferas
militares sobre o veto a Jango.8

Jango retornou da China e dirigiu- se a Montevidéu, capital do Uruguai, para a-


guardar o impasse entre os parlamentares do Congresso Nacional (que apoiavam a posse
do vice-presidente) e os ministros militares (que se opunham à posse). A irredutibilida-
de dos militares levou o congresso a entregar uma proposta conciliatória: a adoção do
Regime Parlamentarista, onde a maior parte da voz de comando ficaria com a figura do
Primeiro Ministro (na época, Tancredo Neves, do PSD de Minas Gerais, ministro do
governo Vargas).

A instabilidade política gerada pela renúncia de Jânio Quadros e a posse de Jan-


go perdurou nos anos seguintes devido ao lançamento do projeto do Plano Trienal, um
conjunto de medidas que deveria sanar os problemas estruturais do país. Entre as metas
pretendidas pelo plano, a área econômica foi privilegiada com base na meta de controle
da inflação e de melhoria de captação de recursos externos a serem empregados no pró-
prio país, ou seja, a remessa de lucros das multinacionais seria severamente controlada,
para que a maior parte dos proventos fosse usada aqui. O plano trienal previa a continu-
idade e o melhoramento da política desenvolvimentista9 , que já vinha sendo praticada no

8
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A 3o_ Goulart, acessado em 20/ 05/ 2010.
9
Dá-se o nome de desenvol vi mentismo a qualquer tipo de política econômica baseada na meta
de crescimento da produção industrial e da in fra-estrutura, co m part icipação ativa do estado, como base

16
país desde o governo JK (Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil, de 1956 a 1961).
Dentro das metas do plano trienal, a maior captação de recursos tinha o objetivo de pro-
ver meios para implantar outro aspecto do plano: as Reformas de Base, medidas de ca-
ráter nacionalista que previam uma maior interferência do governo na economia e na
área social. Entre as metas das reformas estava previsto:

 O direcionamento de 15% da renda produzida no Brasil para a educação. As es-


colas particulares deveriam ser fechadas;

 Reforma educacional: visava combater o analfabetismo com a multiplicação na-


cional das pioneiras experiências do Método Paulo Freire 10 . O governo também

da economia e o conseqüente aumento do consumo. O desenvolvimentismo é u ma polít ica de resultados,


e foi aplicado essencialmente em sistemas econômicos capitalistas, como no Brasil (governo JK) e no
governo militar, quando ocorreu o "milagre econômico brasileiro", bem co mo na Espanha (franquismo).
Fonte: http://www.brasilescola.co m/historiab/juscelino-kubitschek.htm. Acessado em 10/ 06/2010.
10
O Método Paul o Freire consiste numa proposta para a alfabetização de adultos desenvolvida
pelo educador Paulo Freire, que criticava o sistema tradicional, o qual utilizava a cartilha como ferramen-
ta central da didática para o ensino da leitura e da escrita. As cartilhas ensinavam pelo método da repet i-
ção de palavras soltas ou de frases criadas de forma forçosa, que comu mente se denomina co mo lingu a-
gem de cartilha, por exemplo Eva viu a uva, o boi baba, a ave voa, dentre outros. Etapas do método:

1. Etapa de Investigação: busca conjunta entre professor e aluno das palavras e


temas mais significat ivos da vida do aluno, dentro de seu universo vocabular e da co munidade
onde ele vive.

2. Etapa de Tematização: mo mento da tomada de consciência do mundo, atra-


vés da análise dos significados sociais dos temas e palavras.

3. Etapa de Problematização: etapa em que o professor desafia e inspira o aluno


a superar a visão mágica e acrítica do mundo, para u ma postura conscientizada.

Freire aplicou publicamente seu método, pela primeira vez no Centro de Cultura Dona Olegari-
nha, um Círculo de Cu ltura do Movimento de Cultura Popular (Recife). Foi aplicado inicialmente com 5
alunos, dos quais três aprenderam a ler e escrever em 30 horas, outros 2 desistiram antes de concluir.
Baseado na experiência de Angicos (Rio Grande do Norte, Cidade da região Central Potiguar, distante
171 km de Natal), onde em 45 d ias alfabetizaram-se 300 trabalhadores, João Goulart, presidente na época,
chamou Paulo Freire para organizar uma Campanha Nacional de Alfabetização. Essa campanha tinha
como objet ivo alfabetizar 2 milhões de pessoas, em 20.000 círculos de cultura, e já contava com a partic i-
pação da comunidade - só no estado da Guanabara (Rio de Janeiro) se inscreveram 6.000 pessoas. Mas
com o Golpe de 64 toda essa mobilização social foi reprimida, Paulo Freire foi considerado subversivo,

17
se propunha a realizar uma reforma universitária e proibiu o funcionamento de
escolas particulares. Foi imposto que 15% da renda produzida no Brasil seria d i-
recionada à educação.

 O imposto de renda seria proporcional ao lucro pessoal;

 Reforma agrária: terras com mais de 600 hectares seriam desapropriadas e redis-
tribuídas à população pelo governo. Neste momento, a população agrária era
maior do que a urbana.

 Reforma urbana: foi estipulado que as pessoas que tivessem mais de uma casa
poderiam ficar com apenas uma; as demais seriam doadas ao Estado ou vendidas
a preço baixo. 11

A proposta das Reformas de Base causou forte impacto na estrutura política do


Brasil, principalmente no Congresso, que não anuiu ao Plano Trienal. As Reformas de
Base eram uma antiga exigência do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Ao aderir a
essa solicitação num momento delicado de nossa história, onde o país se tor nava cada
vez mais polarizado entre a direita e a esquerda, Jango acabou desagradando os dois
lados.

O então presidente Goulart recebia críticas, tanto da direita que o chamava de


―inimigo do capitalismo‖ ou ―fomentador da luta de classes‖, quanto da esquerda que
ansiava por reformas mais profundas. Em depoimento, Aldo Arantes, ex-presidente da
UNE no período, afirma que a burguesia e as elites ―não engoliam nem as limitadas
reformas de base de Jango‖. 12

Além dos obstáculos de cunho ideológico, o mandato de Jango sofreu forte re-
presália e embargo da ala militar que idealizou a Doutrina de Segurança Nacional, co-
meçando por influenciar o Congresso até a articulação do golpe de estado que derrubou
o presidente.

foi preso e depois exilado. Assim, esse projeto foi abortado. Em seu lugar surgiu o MOBRA L, u ma inicia-
tiva para a alfabetização, porém, distinta dos ideais freirianos. Fonte:
http://www.brasilescola.com/ metodo_paulo_freire_exp licacao_htm
11
http://supermundo.abril.co m.br/busca/?qu=jo%E3o%20goulart%20reformas%20de%20base ,
acessado em 20/05/2010.
12
Pedro Henrique Torres, em www.historiagora.com/dmdocuments/Jango_Historia_Agora.pdf

18
É nesse contexto que acontecem três episódios que desencadearam o golpe, no re-
lato posterior dos conspiradores: o comício na Central do Brasil, no Rio, a rebeli-
ão dos marinheiros e a reunião dos sargentos no Automóvel Clube – os dois últi-
mos vistos como claro estímu lo à vio lação da hierarquia, base da vida nos quartéis.
Para Gláucio Soares (PhD em sociologia, atual colunista do jornal O Globo), fo-
ram fatos que levaram os que estavam compro met idos com o golpe à ação e est i-
mu laram os indecisos ou neutros a apoiar os golpistas, mesmo sem part icipar. 13

O GRANDE COMÍCIO NA C ENTRAL DO BRASIL, RJ

Concentração realizada no Rio de Janeiro no dia 13 de março de 1964, em frente


à estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro, o Comício das Reformas,
também conhecido por Comício da Central, reuniu cerca de 150 mil pessoas, incluindo
membros de entidades sindicais e outras organizações de trabalhadores, servidores p ú-
blicos civis e militares, estudantes etc. Tinha por meta demonstrar a decisão do governo
federal de implantar as reformas de base e defender as liberdades democráticas e sind i-
cais. Às 15 horas do dia 13 de março, uma sexta- feira, começaram a chegar à Central do
Brasil militantes sindicais, estudantes e delegações de mulheres. Quinze oradores prece-
deram o presidente da República. O mais aplaudido foi Leonel Brizola, ex-governador
do Rio Grande do Sul e deputado federal pelo PTB carioca, que exortou o presidente a
"abandonar a política de conciliação" e instalar "uma Assembléia Constituinte com vis-
tas à criação de um Congresso popular, composto de camponeses, operários, sargentos,
oficiais nacionalistas e homens autenticamente populares".

Goulart iniciou seu discurso às 20 horas, tendo falado por mais de uma hora. Ini-
cialmente atacou os chamados "democratas", cuja "democracia do anti-povo, da anti-
reforma e do anti-sindicato" seria a "a democracia dos monopólios nacionais e interna-
cionais". Mais adiante, mencionou a necessidade da revisão da Constituição de 1946,
"porque legaliza uma estrutura sócio-econômica já superada" e da ampliação da demo-
cracia, "colocando fim aos privilégios de uma minoria". Referindo-se ao decreto da Su-
perintendência da Reforma Agrária (Supra), que havia assinado no palácio das Laranje i-
ras 14 , frisou que o texto ainda não era a reforma agrária, pois "reforma agrária feita com

13
http://historia.abril.co m.br/polit ica/golpe-1964-anos-conspiracao-434185.shtml. Artigo escrito
por Carla Aranha, jornalista paulista (parêntesis acrescentados com informações sobre Gláucio Soares)
14
DECRETO Nº 53.700, DE 13 DE MARÇO DE 1964.

19
pagamento prévio do latifúndio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrá-
ria", mas sim "negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário".

Com relação à Petrobrás, afirmou que assinara pouco antes o decreto de enca m-
pação de todas as refinarias particulares, que passavam a pertencer ao patrimônio nacio-
nal. Informou também que iria enviar ao Congresso mensagem tratando da reforma elei-
toral, baseada no princípio de que "todo alistável deve ser também elegível", e da re-
forma universitária "reclamada pelos estudantes". Denunciou por fim a existência de
"forças poderosas (...) que ainda permaneciam insensíveis à realidade nacional" e que
poderiam vir a ser responsáveis pelo derramamento de sangue, "ao pretenderem levantar
obstáculos à (...) emancipação". No dia seguinte, Jango assinou o decreto tabelando o
preço de aluguéis e imóveis em todo o território nacional e desapropriando imóveis de-
socupados por utilidade social.

As repercussões do comício foram imediatas e sentidas em todo o país. Manife s-


tações antigovernamentais ocorreram em São Paulo e Belo Horizonte, enquanto a União
Democrática Nacional (UDN) e parte do Partido Social Democrático (PSD) e outros
partidos reclamavam o impedimento de Goulart. Carlos Lacerda, governador da Guana-

Declara de interesse social para fins de desapropriação as áreas rurais que ladeiam os eixos rodo-
viários federais, os leitos das ferrovias nacionais, e as terras beneficiadas ou recuperadas por investime n-
tos exclusivos da União em obras de irrigação, drenagem e açudagem, atualmente inexp loradas ou explo-
radas contrariamente à função social da propriedade, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o artigo 87, item I,
da Constituição Federal, e tendo em vista o disposto na Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962 e no
Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, co m as alterações incorporadas ao seu texto,

DECRETA:

Art. 1º Ficam declaradas de interêsse social par efeito de desapropriação, nos têrmos e para os
fins previstos no art. 147 da Constituição Federal e na Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, as áreas
rurais co mpreendidas em u m raio de 10 (dez) quilô metros dos eixos das rodovias e ferrovias federais, e as
terras beneficiadas ou recuperadas por investimentos exclusivos da União em obras de irrigação, dren a-
gem e açudagem. Fonte: http://homemculto.wo rdpress.com/2010/ 04/ 15/ mst-jango-joao-goulart-reforma-
agraria-e-o-infame-decreto-da-supra-decreto-n%C2%BA-53-700-de-13-de-marco-de-1964/.

20
bara, considerou o comício "um ataque à Constituição e à honra do povo" e o discurso
15
do presidente "subversivo e provocativo".

A REVOLTA DOS MARINHEIROS

Nome com que ficou conhecido o episódio originado pela resistência dos mar i-
nheiros, reunidos na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro no dia 25 de
março de 1964, à ordem de prisão emitida pelo ministro da Marinha, Sílvio Mota. Os
marinheiros realizavam uma reunião comemorativa do segundo aniversár io da Associa-
ção dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, entidade considerada ilegal.

Dois mil marinheiros e fuzileiros navais liderados por José Anselmo dos Santos,
o "cabo" Anselmo, compareceram à sede do sindicato naquele dia, a despeito da proib i-
ção do ministro. O ato contou com a presença de representantes dos sindicalistas e líde-
res estudantis, e além do deputado Leonel Brizola e do marinheiro João Cândido, líder
da Revolta dos Marinheiros de 1910. Na abertura da solenidade, o cabo Anselmo afir-
mou a disposição da associação de lutar a favor das "reformas de base, que libertarão
da miséria os explorados do campo e da cidade, dos navios e dos quartéis" . O ministro
Sílvio Mota emitiu ordem de prisão contra os principais organizadores do evento e e n-
viou um destacamento de fuzileiros navais ao local da reunião. Apoiados pelo seu co-
mandante, o contra-almirante Cândido Aragão, os fuzileiros, em lugar de prender os
marinheiros, aderiram aos revoltosos, permanecendo na sede do Sindicato dos Metalúr-
gicos.

A adesão dos fuzileiros evidenciou a polarização existente no interior das forças


armadas em torno do apoio ao presidente Goulart. A posição de Aragão, aliada à ordem
emitida em seguida por Goulart proibindo as tropas de invadir o Sindicato dos Metalúr-
gicos, provocou o pedido de demissão de Sílvio Mota, imediatamente substituído pelo
almirante Paulo Mário Rodrigues. No dia 26 de março, o ministro do Trabalho Amauri
Silva conseguiu um acordo com os marinheiros, que abandonaram o prédio do sindicato
e foram em seguida presos e conduzidos a um quartel, em São Cristóvão. Horas depois,

15
http://historia.abril.co m.br/politica/golpe-militar-primeiro-abril-433594.shtml. Acessado em
20/ 05/ 2010 - paráfrase do artigo ―Antecedentes do Golpe‖, pelo jornalista Sérg io Gwercman.

21
contudo, foram anistiados por Goulart. Essa anistia foi muito criticada pela alta oficiali-
dade, agravando ainda mais a crise na área militar. 16
O DISCURSO AOS SARGENTOS NO AUTOMÓVEL CLUBE, RJ

Às vésperas do golpe, no dia 30 de março de 1964, o presidente comparece ao


grupo rebelado de suboficiais e sargentos reunido no Automóvel Clube do Rio de Jane i-
ro. Durante o governo de Goulart (1961-1964), soldados, marinheiros e sargentos inicia-
ram uma luta para conseguir representação parlamentar, que lhes era proibida pela
Constituição de 1946. Líder do Comando Nacional dos Sargentos, Antônio Garcia Filho
foi escolhido pela categoria para concorrer a um mandato de deputado federal pela
Guanabara, na legenda do Partido Trabalhista Brasileiro, em outubro de 1962. Único
sargento eleito e empossado participou da luta de seus colegas de farda para garantirem
os mandatos dos demais sargentos eleitos e que tinham sido cassados pelos tribunais
regionais eleitorais. Em setembro de 1963, quando o Supremo Tribunal Federal votou
contra a elegibilidade dos sargentos, foi deflagrada a Revolta dos Sargentos de Brasília,
que atingiu a Marinha e a Aeronáutica, mas que acabou sem maiores proporções pela
não-adesão de efetivos do Exército.

Sem dúvida, o problema específico que fez grassar a insurreição entre os milita-
res de baixa patente foi a restrição política imposta pelos altos escalões do exército aos
suboficiais – a restrição ao direito de elegibilidade. A presença do presidente num even-
to como esse referendava a postura dos revoltosos. Sem economizar no tom do discurso,
Jango foi direto e falou sobre a possibilidade de um golpe. ―Não admitirei o golpe dos
reacionários. O golpe que nós desejamos é o golpe das reformas de base, tão necessárias
ao nosso país. Não queremos o Congresso fechado. Queremos apenas que os congres-
sistas sejam sensíveis às mínimas reivindicações populares‖, disse. 17

Na sequencia de sua palestra, o presidente disse que

16
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/AConjunturaRad icalizacao/A_revolta_dos_
marinheiros. Artigo escrito por Sérgio Lamarão (Doutor em História do Brasil pela Universidade Federal
Flu minense).
17
Discurso de João Goulart Durante Reunião de Sargentos no Automóvel Clube em 30 de Ma r-
ço de 1964 (em sua íntegra online em: http://www.gedm.ifcs.ufrj.br/upload/documentos/42.pdf).

22
―o mo mento que estamos vivendo exige de cada brasileiro o máximo de calma e
de determinação, para fazer face ao clima de intrigas e envenenamentos, que gru-
pos poderosos estão procurando criar contra o governo, contra os mais altos int e-
resses da Pátria e contra a unidade de nossas Forças Armadas. Para compreender
o esquema de atuação desses grupos que tentam impedir o progresso do país e ba r-
rar a ampliação das conquistas populares, basta observar que são comandados pe-
los eternos inimigos da democracia, pelos defensores dos golpes de estado e dos
regimes de emergência ou de exceção”.18

O GOLPE

Na manhã de 31 de março de 1964, o país acordou sem imaginar que estavam às


vésperas do início do golpe militar que empossaria os militares no governo pelo período
de 21 anos de comando ilegal e ilegítimo.

O presidente João Goulart atendeu ao telefone. Era manhã de 31 de março e ele es-
tava no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Do outro lado da linha, falava o
senador Arthur Virgílio. ―Presidente, o Almino (A ffonso, líder do PTB, o partido
do presidente) está dizendo que há movimentação de tropas.‖ Goulart consultou
seu chefe do Gabinete Militar, general Assis Brasil. ―O Mourão deslocou as tropas
em exercício militar‖, respondeu o general. O presidente então voltou ao telefone.
―Isso é coisa da oposição que quer tumultuar‖, disse. Satisfeitos com a resposta,
Virgílio e Affonso tomaram u m uísque para comemorar. Ao longo do dia, as not í-
cias só fariam colocar água na bebida dos dois políticos. Co meçava a ficar claro
que Mourão (o general Oly mpio Mourão Filho) não estava liderando simp les jogos
militares. Suas tropas marchavam para o Rio de Janeiro co m o objetivo de derru-
bar o governo. Nas bancas da cidade – que apesar de não ser mais a capital, conti-
nuava sendo o termô metro das ações políticas do país e sede de seu comando mil i-
tar –, o jornal Correio da Manhã dava destaque em sua primeira página para um
editorial intitulado ―Basta!‖ – nenhum brasileiro precisava de mais informações
para saber que o destinatário da mensagem era o presidente. Entre os autores do
texto, os jornalistas Carlos Heitor Cony e Otto Maria Carpeaux. O poder de João
Gou lart estava por um fio. Pouco antes do meio-dia, Gou lart recebeu, por telefone,
o pedido de demissão do ministro da Guerra, Jair Dantas Ribeiro. Era mais u m que
aderia aos golpistas. Jango deixou o Rio de Janeiro e voou para Brasília. ―Isso aqui
está uma ratoeira‖, afirmou para um assessor. Estava mesmo. Logo após o pres i-
dente Goulart deixar a cidade, o I Exército, que agrupava todas as tropas do Rio de
Janeiro, M inas Gerais e Espírito Santo, aderiu ao levante. A essa altura, as tropas
rebeladas provavelmente já eram mais numerosas e estavam em melhor situação
de combate do que as legalistas. Para isso, elas nem sequer precisaram part icipar
de uma troca de tiros. Mourão e Luiz Carlos Guedes, os dois militares que inicia-
ram o golpe, já não comandavam mais o movimento. Escondido num apartamento
em Copacabana, o novo líder, marechal Castello Branco, ―confiscou‖ a linha do
vizinho e fez do telefone sua arma de combate. Ganhava praticamente uma nova
adesão para cada chamada. Perto das 18 horas, deixou a clandestinidade e come-
çou a circular livremente pelo Rio de Janeiro. A cidade estava dominad a. Às 20
horas, ele e o general Arthur da Costa e Silva encontraram-se no quartel-general
para discutir a divisão do butim de guerra, ou seja, quem comandaria o país dali
para frente. Castello ficaria co m a p residência. Costa e Silva, u m até então desc o-
nhecido, seria o comandante do Exército. Cargo que, dali para frente, seria cada
vez mais relevante. Na capital federal, Jango não encontrou nada que o fizesse a-

18
Idem.

23
creditar que poderia continuar no cargo. Co m o clima de fim de governo, emba r-
cou para o Rio Grande do Sul perto das 23 horas. A v iagem serviu para o Congres-
so Nacional considerá-lo deposto, mesmo que isso significasse passar por cima da
Constituição, que declarava vago o cargo apenas quando o presidente deixasse o
país. Ranieri Mazzilli, presidente do Congresso e sucessor legal de Jango, foi ime-
diatamente empossado no Palácio do Planalto. A cerimônia co meçou enquanto
Darcy Ribeiro ainda estava em seu gabinete e no momento em que o avião que le-
vou Goulart pousava em Porto Alegre. Era inconstitucional, portanto. Mas isso não
representou problema algu m. Os tanques que guardavam o palácio presidencial p e-
la manhã haviam deixado o local, atravessado o centro do Rio e estacionado à
frente do Palácio Guanabara, dispostos a proteger o governador Carlos Lacerda, i-
nimigo político de Jango e conspirador de primeira hora. Lacerda, ao co mentar o
desfecho do golpe, declarou entre lág rimas na televisão: ―Ob rigado, meu Deus,
mu ito obrigado‖. O Brasil estava sob nova direção.19

Trinta e um de março entrou para a História como o dia de oportunidades para os


militares, pois se tornou realidade aquilo que já vinha sendo preparado e a rquitetado,
conforme reflexões já feitas anteriormente neste trabalho. O dia 1º de abril abre novos
horizontes para a nação. Mas que tipo de horizontes? Horizontes truculentos, tanto para
as liberdades individuais, quanto para instituições importantes, como a UNE (União
Nacional dos Estudantes), o próprio PCB (Partido Comunista Brasileiro) e outras.

Alguns deixaram seu testemunho pessoal a respeito dos acontecimentos impo r-


tantes do dia 1º de abril, quando o ―golpe‖ foi efetivado.

Fernando Gabeira, hoje deputado federal:

A minha primeira reação foi de resistência. Saí imediatamente do Jornal do Brasil,


onde trabalhava, e fui para a Cinelândia, no Rio, onde se organizava u m protesto
contra o golpe. Eu tinha claro que aquilo era u m golpe da direita e que a ditadura
duraria anos se não lutássemos contra ela. Na Cinelândia, houve um choque com
tropas militares, que atiraram em nós, e resolvi voltar para a zona sul, onde mora-
va. Aí me deparei co m a Marcha da Vitória, u ma passeata das pessoas que defen-
diam a ditadura. Comecei a me preocupar com um amigo que morava na mesma
república que eu e havia ido até os fuzileiros navais para pegar as armas pro met i-
das pelo almirante Cândido Aragão, contrário ao golpe. Não tinha arma nenhuma.
Por sorte, esse amigo nunca foi preso.20

Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo:

19
http://historia.abril.co m.br/politica/golpe-militar-primeiro-abril-433594.shtml. Art igo escrito
por Sérgio Gwercman, Redator-chefe da revista Superinteressante, está na Editora Abril desde 2003. É
formado em jo rnalismo pela PUC-SP e tem passagens pelas redações da TV Bandeirantes e do Portal
Terra. Lançou a revista Ocas no Brasil.
20
Idem.

24
Em 1964, eu lecionava em Petrópolis (RJ). Estava lá no 1º de abril. Aco mpanhei
as notícias pelo rádio e, no fim da manhã, t ive a impressão de que a situação era
gravíssima e poderia haver u ma guerra civ il. Peguei então um jipe e parti para ao
encontro das tropas de Minas. Coloquei a batina para me deixarem passar e ch e-
guei até um local perto de Juiz de Fora. Ali, os soldado s disseram-me que, co mo
bons mineiros, não pretendiam dar sequer um t iro. Na época, eu e todos da Igreja
pensávamos que Jango trazia a desordem ao país e não queríamos isso. Por isso,
ficamos ao lado da nova ordem que se instaurava no país. Não que quiséss emos
uma d itadura, mas também não queríamos que a desordem continuasse.21

José Dirceu, ministro da Casa Civil:

O que mais me chamou a atenção naquele dia foi ver os estudantes do Mackenzie,
em São Pau lo, em passeata pelo centro da cidade. Eu trabalha num escritório na
Praça da República e era estudante secundarista. Vi de cima do edifício onde tra-
balhavam aqueles representantes da classe alta paulista, filhos de ricos, co memo-
rando a derrubada de um regime constitucional. Naquela época, estava a ponto de
ser eleito presidente da UNE, que se tornou rapidamente o maior símbolo de resis-
tência à ditadura. Na noite de 1º de abril de 1964, quase não dormi. A expectativa
e um terrível mal-estar me inco modaram madrugada afora, não conseguia rela-
xar. 22

Christiane Torloni, atriz global:

Eu tinha só sete anos, mas me lembro de tudo que ocorreu no 1º de abril daquele
ano. Meus pais eram artistas, gente politizada, interessada nos rumos do país, e n-
tão, política era u m tema que se ouvia na minha casa. No dia do golpe, um clima
tétrico, de medo, sofrimento e terror tomou conta do nosso país e das casas das
pessoas que sabiam do que se tratava aquilo. Fo i co mo se o mundo tivesse acab a-
do. Mesmo criança, senti bem isso. No Rio, os tanques invadiram as ruas, ouviam-
se tiros. Logo depois, os meus pais começaram a se preocupar com os amigos,
gente que podia ser presa a qualquer mo mento. Foi u m dos dias mais impactantes
de toda a minha vida. Em seguida, instaurou-se a censura e assuntos antes corri-
queiros, como se comentar o jornal do dia, v iraram co isa de subvers ivo.23

21
Ibidem.
22
Ibidem.

23
Ibidem.
25
CAPÍTULO 2 — O ATO INSTITUCIONAL N° 5 E SUAS CONSEQUÊNCIAS
PARA OS OPOSITORES DO REGIME MILITAR

Neste capítulo refletiremos sobre o contexto histórico que levou à criação dos
Atos Institucionais. Analisaremos as implicações dos Atos Institucionais Nº 1 e 5, e as
conseqüências diretas do Ato Institucional Nº 5 sobre os opositores do regime.

OS ATOS INSTITUCIONAIS

Foram decretos promulgados imediatamente e durante os anos após o Golpe Mi-


litar de 1964 no Brasil. Serviram como mecanismos de legitimação e legalização das
ações políticas dos militares, estabelecendo para eles próprios diversos poderes extra-
constitucionais. Os Atos Institucionais foram mecanismos projetados para criar um
simulacro de legalidade para o regime de exceção dos militares. Sem este mecanismo,
a Constituição de 1946 tornaria inexecutável o regime militar, daí a necessidade de
substituí- la por decretos mandados cumprir.

Todavia, a Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento efetivamente pre-


vê que o Estado conquistará certo grau de legitimidade graças a um constante d e-
senvolvimento capitalista e a seu desempenho como defensor da nação contra a
ameaça dos ―inimigos internos‖ e da ―guerra psicológica‖. 24

No dia 9 de abril de 1964 o Ato Institucional N° 1 é assinado, somente oito dias


depois do golpe. O preâmbulo indica a tentativa de constitucionalizar e justificar o mo-
vimento revolucionário:

Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo (...). Para


demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos
manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte rela-
tiva aos poderes do Presidente da República (...). Para redu zir ainda mais os plenos
poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos, igualmente,
manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes constan-
tes do presente Ato Institucional.25

24
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: E-
dusc, 2005. Pg. 31.
25
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: E-
dusc, 2005. Pg. 65.

26
Refletindo sobre a instauração do Estado de Exceção no Brasil, percebemos a
necessidade por parte das Forças Armadas Brasileiras de legitimar o governo em exer-
cício, para que houvesse respaldo ao seu discurso quando pregava a restituição da de-
mocracia no país.

Por meio do AI-1, o regime militar pôde cassar e suspender os direitos políticos
de muitos cidadãos contrários à implantação da ditadura que estava se iniciando. O me-
canismo do AI-1 era simples: eliminava a oposição que porventura poderia a vir enfre n-
tar o regime, dando ao Presidente poderes para escolher os congressistas que ficariam na
casa, e estes o elegeriam. Dessa forma, ganhava o regime uma suposta legitimidade de-
mocrática frente à opinião pública internacional, já que existiria uma democracia, onde
o presidente seria eleito por um colégio eleitoral, composto de representantes escolhidos
pelo povo.

O artigo 3º dava ao Presidente da República o poder de introduzir emendas consti-


tucionais, limitando a 30 dias (posteriormente a 40) o prazo para debate no Co n-
gresso. (...) O art igo 4º criava a figura legislat iva do decurso de prazo, pelo qual
projetos considerados ―urgentes‖ pelo Executivo seriam automat icamente aprov a-
dos se o Congresso não decidisse em contrário em prazo de 30 d ias. (...) O artigo
5º outorgava ao Executivo competência exclusiva em leg islação financeira ou o r-
çamentária. O A rtigo 6º transferia do Congresso ao Executivo o poder de decretar
Estado de Sítio, reservando ao primeiro apenas o direito de rejeitar ou aprovar a i-
niciativa em período determinado. (...) O Artigo 7º suspendia por seis meses as g a-
rantias constitucionais e legais de vitaliciedade e estabilidade. Desse modo, o Es-
tado (...) podia demit ir, dispensar, pôr em disponibilidade, aposentar, transferir pa-
ra a reserva ou reformar burocratas civis ou pessoal militar. Este artigo facilitou os
expurgos na burocracia de Estado e manteve sob controle os setores militares que
discordavam da nova política ou estavam ligados ao período anterior. Todos os
funcionários públicos de nível municipal, estadual ou federal eram abrangidos por
este artigo.26

26
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: E-
dusc, 2005. Pg. 66.

27
O DIA 13 DE DEZEMBRO DE 1968 E A LUTA ARMADA

O ano de 1968, o quarto após a instauração do regime de exceção, foi o mais in-
tenso em manifestações populares de protesto contra as Forças Armadas. Do assassinato
do estudante Edson Luis na manifestação do restaurante ―O Calabouço ‖ 27 , no Rio, até à
prisão em massa dos estudantes do Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes)
em Ibiúna, foram oito meses de manifestações e lutas praticamente ininterruptas. 28

Embora não houvesse conexão direta ou contigüidade entre ambas, as manife s-


tações estudantis e os grupos guerrilheiros têm a mesma fonte originadora: o golpe de
Estado de 1964. Formaram desta maneira, estratégias distintas de resistência democráti-
ca: o movimento estudantil foi muito feliz na sua forma de protesto, levando às ruas
multidões que de outra forma não seriam mobilizadas.

IMPLICAÇÕES DO AI-5

Na apresentação dos 12 artigos, podemos concluir sem esforço que esse Ato Ins-
titucional promoveu a castração dos direitos básicos de cidadania garantidos pela const i-
tuição de 1946, como o habeas corpus, a plena liberdade de voto, o direito pleno de ir e
vir, o direito de greve e livre associação sindical, entre outros 29 . A promulgação desse

27
Foi inaugurado em 1951 na antiga sede da UNE, na Praia do Flamengo, mas foi transferido no
ano seguinte para a Avenida Infante Dom Henrique, pró ximo ao Aeroporto Santos Dumont. Circu lava
uma história de que o novo local havia abrigado uma prisão de escravos, daí o apelido de Calabouço.
Apesar de pertencer ao Ministério da Educação, o restaurante era admin istrado pela União Metropolitana
dos Estudantes (UME). No co mplexo também funcionava um teatro e u ma policlínica. ―Em 1968, o
Calabouço foi o palco do primeiro homicídio de um estudante pela ditadura militar de [1964]. No dia 28
de março, durante a repressão a uma passeata, a Polícia M ilitar invadiu o restaurante e o comandante da
tropa, aspirante Aloísio Raposo, atirou e matou o secundarista Edson Luís com u m t iro a queima roupa no
peito‖. GONÇA LVES, Vanessa. O Cadáver Que Faltava. A rtigo publicado no jornal online ―O Reba-
te‖. Macaé, ano 1, N° 25, 14-21 de ju lho de 2006. Fonte:
http://www.jornalorebate.co m/colunistas2/van2.htm. Acessado em 27/05/2010.
28
MORA ES, João Quartim de, A mobilização democrática e o desencadeamento da luta armada
no Brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas. Tempo Social; Rev. Socio logia USP, S.
Paulo 1(2): 135-158, 2º sem. 1989.
29
http://www.vestibular1.co m.br/rev isao/constituicoes_1824_1988.doc. acessado em
10/ 04/ 2010.

28
Ato dava poderes totalitários ao Estado para, por exemplo, efetuar a cassação sumária
de mandatos políticos, a supressão dos direitos políticos do cidadão considerado suspe i-
to ou culpado de crime contra a ―Segurança Nacional‖, entre outras medidas draconia-
nas. Como se tudo isso não bastasse, ainda estava previsto no artigo 5º a vigilância da
liberdade, a proibição de freqüentar determinados lugares e determinação arbitrária de
domicílio. Essas medidas poderiam ser tomadas livremente pelo Ministério da Justiça,
sem nenhuma necessidade de apreciação pelo Poder Judiciário.

Apesar da implantação em 1964 de um governo de força, somente a partir do AI-5


é que a tortura se tornou uma polít ica oficial de Estado. A vitória da chamada ―li-
nha dura‖, o golpe dentro do golpe instituíram o terrorismo de Estado que utilizou
sistematicamente o silenciamento e o extermínio de qualquer oposição ao regime.
O AI-5 inaugurou também o governo Médici (1969-1974), período em que mais se
torturou em nosso país.30

Chegamos a um consenso, após analisar o período em questão, que os Atos Insti-


tucionais, principalmente o quinto, deram ao governo de exceção as ferramentas para a
implantação de uma política altamente controladora, dotando-o de certa onipresença,
cerceando e sufocando o cotidiano do cidadão brasileiro com o miasma do terror. O
suspense em relação a um levante interno originado pela esquerda deixou os escalões
militares de sobreaviso, e estavam dispostos a ir até o fim para sufocar tal ameaça antes
mesmo que tivesse tempo para se estruturar.

Isto por um acaso significa que o AI-5 perdeu relevância dentro da historiografia
nacional? Não, mas indica que o momento deva ser considerado um marco por c a-
racterizar-se não pelo início, mas pela institucionalização e sistematização da to r-
tura como recurso adotado pelo Estado para garantir a segurança. Este setor, que se
tornou hegemônico, valorizava a repressão, o nacionalismo, a hegemonia militar e,
por incrível que pareça, possuía uma perspectiva social mais aguçada que outros
segmentos envolvidos no março de 1964. Foi u m grupo que procurou levar às ú l-

30
Cecília M ª B. Coimb ra, Representante do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ nas reuniões com o
Co mitê Contra a Tortura na ONU, em maio de 2001. Fonte: http://www.torturanuncamais -
rj.o rg.br/artigos.asp?Codartigo=45&ecg=1, acessado em 06/ 04/ 2010.

29
timas conseqüências o combate à ameaça co munista que muitos deles tinham c o-
mo extremamente crível. 31

O dia 13 de dezembro de 1968 foi um marco para todas as classes sociais do


Brasil. Para muitos significou simplesmente um dia comum, sem qualquer subjetividade
em especial; para outros significou a abertura de uma nova época: a do silenciamento,
da delação, da fuga, da negação da própria identidade, da clandestinidade, enfim.

Alguém deixou sua impressão pessoal sobre aquele dia.

Alfredo Sirkis, ganhador do Prêmio Jabuti, o mais importante prêmio literário do


Brasil, devido ao livro “Os Carbonários”, no qual apresenta sua saga como estudante
revoltado contra a repressão, em seguida como ―subversivo‖ de esquerda, quando esteve
clandestino, até sua fuga para fora do país. Sirkis relata o que se passou entre o seu gru-
po de amigos naquele dia:

―Foi no dia 13 de dezemb ro de 1968 a fo rmatura-liv re dos alunos de 4º ginasial e


3º colegial, pro movida pelo grêmio como no ano anterior, foi realizada no Colégio
São Vicente de Paulo, sob a asa protetora dos padres progressistas.
(...) A grande estrela da noite era o Franklin, agora presidente do DCE, que acaba-
va de sair da prisão, por habeas corpus do STF, depois de ter dançado, meses an-
tes, no malfadado congresso da UNE, em Ibiúna.
Co mpridão, a barba por fazer, as pernas longuíssimas cruzadas debaixo da mesa,
fez u m discurso eletrizante. A situação política era braba, sim senhores.
— Podem arrancar u ma flor, mu itas flores, mas não deterão a primavera.
(...) Eu ouvia atento, quando um companheiro da segurança me veio cochichar ao
ouvido:
— Negão... Pessoal escutando rádio diz que tá tendo golpe...
Mandei-oele saber de detalhes. Voltou dez minutos mais tarde. Dera no rádio a d e-
cretação do Ato Institucional n° 5.
(...) Uma coisa era certa. Costa e Silva ia abrir as pernas para a linha dura que gal-
gava o poder. Havia versões de que este xeque ao rei, no Planalto, coincidiria com
uma noite indonésia, um massacre de lideranças estudantis, jornalistas e oposicio-
nistas de variada espécie. Sabíamos de fonte segura, que no segundo semestre de
1968, u m grupo do PARASA R 32 planejara seqüestrar o Vladimir e outras lideran-
ças estudantis e jogar no mar, de helicóptero‖.33

31
Entrevista especial via e-mail co m o h istoriador Ricardo Mendes, em 15/ 12/ 2008. Fonte:
http://www.adital.co m.br/ Site/noticia.asp?lang=PT&cod=36529. Acessado em 06/04/2010.
32
O EAS - Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento, mais conhecido como PARA-SAR ('PA-
RA' de paraquedistas, 'SAR' do inglês Search and Rescue, Busca e Resgate), é u m esquadrão paraquedista
de Busca e Resgate e Operações Especiais da Força Aérea Brasileira , sediado na cidade do Rio de Janei-
ro. SA R é u ma doutrina utilizada mundialmente pelas Forças Armadas e diversas unidades especiais. O
Brasil possui sete equipes SAR, que integram as unidades helitransportadas da FAB, nas cidades do Rio
de Janeiro (RJ), Manaus (AM), Recife (PE), Pirassunun ga (SP), Santa Maria (RS), Campo Grande (MS)

30
A ORGANIZAÇÃO DA LUTA ARMADA

Desde o princípio (1964) o regime contou com oposição. Na verdade a oposição


sempre foi presente em qualquer tipo de regime. O próprio presidente João Goulart
também tinha séria oposição em seu governo, os generais ―linha dura‖ que estavam a
levedar o fermento golpista, desestabilizando seu governo.

Começaram, então, a surgir, mesmo que de forma incipiente, alguns grupos de


resistência à ditadura, os primeiros a partir dos militares de esquerda, notadamente dos
grupos de sargentos e cabos, que esboçaram formas de lutas com base nas armas. O
movimento brizolista começou também a se organizar a partir do Sul e, começando a
atuar contra a ditadura, tentava mostrar o caminho das armas como uma opção 34 .

A primeira iniciativa de grande porte da luta armada contra o regime partiu do


ex-governador gaúcho Leonel Brizola. Após o golpe militar, em 1º de abril de 1964, ele
se exilou no Uruguai. Estabeleceu uma conexão estreita com o líder cubano Fidel Castro
e criou o Movimento Nacionalista Revolucionário. Mandou guerrilheiros para treinar
em Cuba e iniciou um plano de tomada do poder. Em março de 1965, uma coluna orga-
nizada pelo ex-coronel Jefferson Cardim partiu da cidade gaúcha de Três Passos rumo
ao Mato Grosso. Depois de três dias, chegaram a Cascavel, no Paraná, onde foram dis-
persos a tiros pelo Exército. Em 1967, Brizola apoiou mais duas iniciativas. Na prime i-
ra, na serra do Caparaó, em Minas Gerais, todos os 22 guerrilheiros se renderam sem
lutar, em abril. Já no Bico do Papagaio, no atual Tocantins, os 20 militantes deba ndaram
em agosto, quando o organizador do movimento, o jornalista Flávio Tavares, foi preso.
Brizola desistiu de tomar o poder. O vácuo deixado por ele foi preenchido por organiza-
ções que haviam nascido do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Enquanto o ―Part i-

e Belém (PA), todas doutrinadas pelo PARA-SAR. O esquadrão não possui aviões ou helicópteros, o
grupo é levado por outros esquadrões aos locais onde precisa agir. A principal distinção dos membros da
unidade é o gorro laranja.
33
SIRKIS, Alfredo. Os Carbonári os: Memórias da Guerrilha Perdi da. 12ª edição. São Paulo:
Global, pag. 99, 100 (trechos).
34
SEIXAS & POLITI; Ivan e Maurice. In ―A Luta Pela Anistia‖. Centro de Difusão e Apoio à
Pesquisa do Estado de São Paulo.

31
dão‖, clandestino desde 1947, defendia o combate pacífico à ditadura, a maioria das
dissidências queria pegar em armas para iniciar uma revolução. ―Todas elas queriam o
socialismo‖, diz Flávio Tavares, que voltou para a luta armada em 1969. Inspirados nas
revoluções chinesa e cubana (e na canseira que as tropas americanas estavam leva ndo
nos campos do Vietnã), os grupos armados queriam montar guerrilhas rurais, sustenta-
das pelo dinheiro adquirido em ―expropriações‖ nas cidades. 35

A possibilidade de resistência armada vinha sendo debatida pelo menos desde


1967. Somente a partir do AI-5 e suas medidas de extrema violência desencadearam o
que antes estava apenas em projeto temerário. Em 1969 houve a eclosão da guerrilha
urbana e ocorreram os preparativos para a guerrilha rural do Araguaia que nos próximos
cinco anos haveria de trazer grandes movimentações das Forças Armadas.

A massa estudantil que se posicionara contra o poder usurpador após os eventos


de 1964 fora profundamente impressionada pela guerrilha cubana contra Fulgêncio Ba-
tista e pela investida do Che nas plagas bolivianas 36 . Além do mais, o caráter excessi-
vamente truculento da ditadura pós-AI-5 levou os simpatizantes da luta armada a uma
decisão definitiva pela forte impressão de que somente esse tipo de resistência poderia
desintegrar o governo ilegítimo. 37

Nas grandes cidades, a guerra não era visível – não havia batalhões nas ruas.
Mas o conflito vinha à tona com freqüência. Assaltos e atentados atribuídos a ―terroris-
tas‖ apareciam em manchetes de jornal, assim como fotos de militantes procurados pela
polícia. Qualquer cidadão de classe média podia ser vizinho de aparelhos – o nome dado

35
http://historia.abril.co m.br/guerra/civ is -ditadura-militar-revolucao-brasil-435432.shtml. Rev is-
ta Aventuras na História – Editora Abril. Artigo escrito por Tiago Cordeiro, sob o título “Civis e a Dita-
dura Militar: Revolução no Brasil”.
36
―Che‖: codino me do revolucionário Ernesto Guevara, que ao lado de Fidel e Rau l Castro, con-
seguiram derrubar o governo militar ditatorial de Fulgêncio Batista em Cuba, no ano de 1958, na famosa
guerrilha de Sierra Maestra. DUMAS, Véronique, doutora em História e Arte Contemporânea, em Repor-
tagem sobre Cuba, intitu lada “Cuba, Ilha da Rebeldia”, edição de junho de 2008 da Revista História
Viva. Link: http://www2.uol.co m.br/historiaviva/reportagens/cuba_ -_ilha_da_rebeldia_imprimir.ht ml.
acessado em 1/06/2010.
37
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: E-
dusc, 2005. Pags. 172, 173

32
a residências que serviam de abrigo para os guerrilheiros. Cedo ou tarde, esses locais
acabavam cercados pelas autoridades e invadidos com diferentes graus de violência. As
barreiras policiais, os tiroteios nas ruas e as perseguições de automóveis eram comuns.
Por mais que a ditadura se empenhasse em esconder o que estava acontecendo, o cheiro
de pólvora estava no ar. 38

A partir do Ato Institucional N° 5 o estilo de vida dos opositores do regime pre-


cisou de adequações urgentes. ―O povo brasileiro sofreu um dos mais duros períodos de
repressão, tortura e perseguição política de toda a história do Brasil. Foram os chamados
‗anos de chumbo‘, nos quais os militares passaram a impor a Doutrina de Segurança
Nacional com toda a força e sem nenhuma ambivalência. (...) No Brasil, a res istência foi
organizada por dois caminhos: alguns tomaram as armas para combater um brutal regi-
me de repressão. Outros organizaram, pouco a pouco, dentro das fábricas, no campo,
nas igrejas, nas escolas, nas universidades, um imenso movimento popular enraizado
nas bases, o qual, finalmente, em 1978 desaguou nas famosas greves dos metalúrgicos
de São Bernardo do Campo, liderados por um jovem sindicalista conhecido pelo apelido
de Lula‖. 39

O fechamento progressivo dos espaços de exercício democrático, a censura à


imprensa e aos meios de comunicação, aos artistas e às produções em toda a sua exte n-
são, determinaram o colapso democrático e geraram uma força contrária: a férrea resis-
tência aos ditadores. Para combater os militares, restavam poucas alternativas para os
opositores: uma delas foi a clandestinidade política. A clandestinidade não é uma alter-
nativa de luta. Ela foi, no primeiro momento, uma alternativa de defesa da própria vida
e das organizações às quais pertenciam os militantes. Imediatamente após, tor nou-se
uma possibilidade de luta e de resistência política; era uma determinação das organiza-
ções e partidos revolucionários. Quem quisesse continuar a pertencer a estes segmentos
de luta e às suas orientações deveria, majoritariamente, se tornar clandestino.

38
Idem.
39
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: E-
dusc, 2005. Pags. 11, 12.

33
O jornalista Alfredo Sirkis, líder secundarista em 1968, aderiu à guerrilha urbana
em pleno governo Médici, após a promulgação do AI-5, vivendo bem de perto o drama
de ter de ―ir se esconder do DOPS‖.

— Co mo disse o companheiro: podem podar muitas flo res, não podem podar a
primavera! Abri de novo o zíper para enfiar mais dois livros compro metedores,
que não reparara antes. Por via das duvidas, também o ―Guerra e Paz‖, do Tolstoi,
podia parecer um manual de Guerra Psicológica Adversa e Paz falaciosa do comu-
nismo ateu. Então os homis já não tinham apreendido ―A Capital‖ de Eça de Quei-
roz, por confundir com o homônimo masculino do ―subversivo Marques‖? Gozei a
situação e fiquei zanzando nervosamente pelo quarto. ―A policia pode chegar a
qualquer mo mento. Não convém facilitar‖. Olhando o meu quarto velho de guerra,
a cama onde cresci noite após noite, os mil e um objetos que ia deixar para trás. A
nevoa de fluidos familiares, neurótico-aconchegantes. O útero no 10º andar da ba-
rulhenta artéria do Flamengo. Su mira aquela sensação fulgurante, maravilhosa do
sair-de-casa que antegozara, tantas vezes, nas ultimas semanas. A emoção de ir se
esconder do DOPS em no me de uma causa mais elevada. Trocar o conforto p e-
queno-burguês do lar pela misteriosa clandestinidade da luta junto ao povo. Fazer
a minha opção de classe sob a escalada da repressão. Mas o antegozo, pleno de
predisposições heróicas, se escondera alhures na minha cuca e sentia apenas o can-
saço do dia, tenso e abafado. E uma preguiça sem mais tamanho diante da mão de
obra que era esconder a papelada numa casa, depois rumar para outra, de uma fa-
mília desconhecida que devia me abrigar. 40

Já para Frei Betto, a questão da clandestinidade assumia uma forma de liberd a-


de, ou de simulacro da mesma, fazendo com que os conhecimentos teóricos da filosofia
religiosa que seguia assumissem um ar diferente, mais inusitado:

Viver na clandestinidade é como tornar-se invisível para os outros. As pessoas nos


vêem, mas não conhecem, e os que conhecem não podem nos encontrar senão por
acaso. Como toda situação de completo despojamento, faz-nos sentir mais livres.
Trocar de no me dá sensação de vida nova — só então compreendi por que os insti-
tutos religiosos adotavam esse costume ao receber seus noviços. O meu era " Vítor"
e exigia-me estar sempre atento para não pensar que chamavam outra pessoa.41

Os militantes se dividiam em dois grandes grupos, um para a ação e outro para o


apoio. Na equipe da ação ficavam os mais combativos, que pegavam em armas, sabiam
atirar, montar explosivos, planejavam assaltos e ações violentas, como assassinatos
premeditados. Largavam seus empregos e imóveis e viviam na clandestinidade, em apa-

40
SIRKIS, Alfredo. Os Carbonários: memórias da guerrilha perdi da. 12ª edição. São Paul o:
Gl obal. Pág. 100, 101.
41
BETTO, Frei. Batismo de S angue: Os Dominicanos e a Morte de Carlos Marighella. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987. Pg. 50.

34
relhos – moradias de fachada. Já as pessoas do apoio mantinham sua vida ―normal‖.
Durante o horário do expediente, trabalhavam para pagar suas contas. Nas ―horas va-
gas‖, fabricavam documentos falsos, preparavam material de propaganda, convenciam
pessoas a participar da luta, roubavam carros que seriam utilizados nas ações, abriga-
vam guerrilheiros em suas casas, conseguiam médicos para atender os feridos, escondi-
am armas, munição e dinheiro. Mas o risco e o perigo eram reais para todos. 42

Tornar-se clandestino e permanecer clandestino, durante cinco anos, dez anos ou


mais, fo i mais do que uma alternativa de sobrevivência, env olveu uma escolha,
uma escolha que não era livre, porque era uma escolha dentro de uma situação de
catástrofe política. Não é necessário ser clandestino político, na vigência de um re-
gime democrático. Esta alternativa, a da clandestinidade, ocorre dentro d e um co-
lapso democrático. Logo, não é uma escolha feita em condições favoráveis de luta
política. É feita exatamente em condições desfavoráveis, e por isso não é uma livre
escolha e nem uma escolha liv re. É u ma escolha, no sentido político, determinada
pela situação de excepcionalidade do país, e de perseguição declarada pelo poder
militar‖. 43

A partir de 1969 houve uma combinação de forças, multiplicando o poder r e-


pressivo. A exploração econômica, a repressão física, o controle político e a rígida ce n-
sura, de mãos dadas, conseguiram implantar efetivamente uma atmosfera sufocante, de
constante presença sobre a população — a cultura do medo, 44 agindo em vários setores
sociais. O silêncio imposto se tornou parte do cotidiano das massas com a rigorosa ce n-
sura de todos os veículos de informação e o fechamento de alguns destes. Os estabele-
cimentos superiores de ensino eram rigorosamente controlados, bem como o teatro, o
cinema a TV, os programas de rádio, os periódicos e jornais, e as próprias editoras eram
investigadas minuciosamente pelo crivo estatal. Todo material produzido precisava estar
de acordo com o padrão militar para ser liberado às massas. Essa pressão governamental
fez proliferar um sentimento de desânimo e de conformismo. Na parte menos favorecida
da população, que sofria mais diretamente a exploração das grandes empresas multina-

42
MEIGUINS, Alessandro. Trecho de artigo publicado no acervo digital da Revista Aventuras
na História (N°, ano e mês não informados). Link: http://historia.abril.co m.br/polit ica/esquerda -terror-
434191.shtml.
43
ARANTES, Maria Au xiliadora "Pacto revelado: abordagem psicanalítica de fragmentos da v i-
da militante clandestina", dissertação de Mestrado, PUC, 1992, p. 32.
44
(A LVES, M . H. Moreira, 2005, p. 204)

35
cionais protegidas pelo golpe militar, houve uma perda generalizada da esperança, e um
retraimento, um recolhimento à vida particular. Essa era uma maneira de se esquivar da
45
vingança do ―Grande Irmão‖ militar.

Após um exame mais atento, podemos perceber que a estrutura global daqueles
anos era muito diferente da atual. Um em cada três homens vivia, então, num país socia-
lista. Quanto à União Soviética, não só estava de pé, como vinha de humilhar os norte-
americanos ao colocar o primeiro homem no espaço. Se a terra era azul, como dissera
Yuri Gagarin 46 , o futuro parecia vermelho. A Revolução estava na ordem do dia.

Anos antes, um punhado de jovens guerrilheiros barbudos entrara em Havana, e,


algum tempo depois, proclamara a primeira república socialista da América Latina. A
lenda do Che Guevara, morto nas selvas bolivianas, corria solta pelo Terceiro Mundo.
No Vietnam, um pequeno país de homens pequenos derrotava o mais sofisticado e po-
deroso exército do mundo. Um vento de contestação soprava pela Europa. Na África, o
colonialismo chegava ao fim. Eram tempos de mudança. 47

Quando a atmosfera revolucionária explorada por Franklin Martins no prefácio


acima citado grassou naquele período histórico, é óbvio que instigou os opositores do
regime a lançarem mão da luta armada. O conflito durou oito anos, de 1966 a 1974.
Apenas 1416 civis pegaram em armas, mas sua ousadia fez a ditadura tremer. No auge
dos embates, entre 1968 e 1971, eles assaltaram 154 bancos e carros- fortes. Durante
toda a luta, roubaram 3,8 milhões de dólares – valor que fez da guerrilha brasileira a
mais rica do mundo na época. Também realizaram cerca de 40 atentados a bomba, se-
qüestraram oito aviões comerciais e quatro diplomatas (nunca antes, nem depois, um

45
(A LVES, M . H. Moreira, 2005, p. 205)
46
Yuri Alekseievitch Gagarin (em russo: , Klushino, 9 de março
de 1934 — Kirjatch, 27 de março de 1968) foi u m cosmonauta soviético e o primeiro homem a viajar
pelo espaço, em 12 de abril de 1961, a bordo da Vostok I, u ma nave que pesava 4725 quilos.
47
PAZ, Carlos Eugênio. Vi agem À Luta Armada: Memóri as Romanceadas. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1996. Pg. 13 Prefácio de Franklin Martins (Começou a trabalhar como jornalista
aos quinze anos, como estagiário do jornal ―Última Hora‖. Quando jovem, fo i líder estudantil e depois
guerrilheiro, militante do grupo comunista MR-8, em que era conhecido pelo codinome de Valdir. Foi
considerado pela Revista Época um dos cem brasileiros mais influentes do ano de 2009.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EM I108920-17445,00.html. Site acessado em 1/06/2010.)

36
embaixador seria seqüestrado no Brasil). Um foco de guerrilha fez o Exército levar para
a região do Araguaia, no atual Tocantins, 3200 homens em uma única operação. Foi o
maior movimento de tropas em território nacional desde a Guerra de Canudos, no fim
do século 19. 48 Dentre as organizações clandestinas que optaram pela luta de guerrilha
urbana e rural, as quatro principais foram:

ALN (AÇÃO LIBERTADORA NACIONAL): A ALN foi uma organização revolucio-


nária comunista que surgiu no final de 1967, depois da saída de Carlos Marighela 49 do
Partido Comunista do Brasil. Ela defendia a ação armada e a guerrilha como instrume n-
tos de ação política. Para sua estruturação, iniciou ações como assaltos a bancos e carros
pagadores. A ALN participou do sequestro do embaixador norte americano Charles
Burke Elbrick 50 , em setembro de 1969, que foi trocado por 15 presos políticos. Também
participou do seqüestro do embaixador alemão Ehrefried Von Hollebem, trocado por 40
presos políticos.

COLINA (COMANDO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL): A Colina, de inspiração sovi-


ética, foi criada em 1967. Desde 1968 executou ações armadas para levantar recursos
para guerrilha no campo. Foi desmantelada pela repressão. 51

48
Acervo Dig ital da Revista Aventuras na História – Editora Abril. Art igo escrito por Tiago
Cordeiro. Fonte: http://historia.abril.com.br/guerra/civis -ditadura-militar-revolucao-brasil-435432.shtml.
49
Carlos Marighella (Salvador, 5 de dezembro de 1911 — São Paulo, 4 de novembro de 1969)
foi u m político brasileiro, u m dos principais organizadores da luta armada contra o regime militar a partir
de 1964. FONTE: Rev ista História Viva, edição 25 – novemb ro de 2005. Link para consulta:
http://www2.uol.co m.b r/historiaviva/reportagens/a_degola_de_um_movimento_imprimir.ht ml.
50
Charles Burke El brick (Louisville, Kentucky, 25 de março de 1908 — Washington, 1983)
foi embaixador dos Estados Unidos da América no Brasil na época do regime militar iniciado em 1964.
Em 4 de Setembro de 1969, durante o período conhecido como Anos de Chumbo da ditadura militar bra-
sileira, ele fo i seqüestrado por duas organizações conhecidas como Ação Libertadora Nacional (A LN) e a
Dissidência Co munista Universitária da Guanabara, que posteriormente trocou a alcunha para MR-8, em
homenagem a u m grupo homônimo cuja errad icação pela repressão militar fora anunciada como um
grande triunfo na imprensa, poucos meses antes. Episódio narrado no livro O Que É Isso, Companheiro?,
de Fernando Gabeira. FONTE: Revista História Viva, edição 25 – novembro de 2005. Link para consulta:
http://www2.uol.co m.b r/historiaviva/reportagens/a_degola_de_um_movimento_imprimir.ht ml.
51
O Comando de Li bertação Nacional (COLINA), também deno minado "Co mandos", foi
uma organização brasileira de extrema esquerda que tinha como objetivo a instalação de um regime dit a-

37
MR-8 (MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO 8 DE OUTUBRO): Conhecido inicialmente
como "DI da Guanabara" (DI-GB), ou Dissidência da Guanabara do PCB, o grupo atua-
va desde 1966 no meio universitário. O nome MR8 foi adotado a partir do sequestro do
embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick em setembro de 1969, realizado em
conjunto com outro grupo revolucionário, a Ação Libertadora Nacional (ALN). As ope-
rações armadas do MR8, com roubos, assaltos a bancos e supermercados, prosseguiram
no Rio, bem como a repressão por parte do governo. Em 1971, o grupo passou a contar
com a militância de Carlos Lamarca 52 , já que a Vanguarda Popular Revolucionária (V-
PR), de Lamarca, tinha sido desmantelada pelo governo militar. Pouco tempo depois,
Carlos Lamarca foi morto, na Bahia, ao tentar se refugiar dos militares com uma co m-

torial de inspiração soviética no Brasil. Orig inado em 1967, em M inas Gerais, a part ir da fusão de outra
organização chamada POLOP, co m alguns militares esquerdistas, abraçou as idéias defendidas pela O-
LAS, executando, desde 1968, ações armadas para levantamento de recursos para guerrilha no campo. A
partir de 1969, quando teve vários de seus militantes presos, deu origem à VA R-Palmares com o apoio de
ex-memb ros da VPR.

FONTE: Revista História Viva, edição 25 – novemb ro de 2005. Lin k para consulta:
http://www2.uol.co m.b r/historiaviva/reportagens/a_degola_de_um_movimento_imprimir.ht ml.
52
Carlos Lamarca (Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1937 — Pintada – BA, 17 de setembro de
1971) foi u m militar brasilleiro, que desertou do exército durante a ditadura militar e se tornou um guerri-
lheiro co munista. Ingressou, em 1955, na Escola Preparatória de Cadetes , em Porto Alegre, no Rio Gran-
de do Sul. Dois anos mais tarde foi transferido para a Academia M ilitar das Agulhas Negras , em Resende,
no Rio de Janeiro. Concluído o curso, foi declarado aspirante-a-oficial, classificado em 46º lugar numa
turma de 57 cadetes (1960), e passou a servir no 4º Reg imento de Infantaria, em Qu itaúna, na cidade de
Osasco, em São Paulo. Integrou o Batalhão Suez, nas Forças de Paz da ONU na região de Gaza, Palesti-
na, de onde retornou dezoito meses mais tarde. Estava servindo à 6ª Co mpanhia de Polícia do Exército,
em Porto Alegre, quando ocorreu o golpe militar de 1964. De volta a Quitaúna em 1965, foi pro movido
ao posto de capitão em 1967. In iciou contatos com facções de esquerda que defendiam a luta armada para
derrubar a ditadura de direita e implantar u m reg ime totalitário de esquerda. Em 24 de janeiro de 1969,
traiu o exército e a pátria para unir-se à organização clandestinaVanguarda Popular Revolucionária (V-
PR). Lamarca deixou Quitaúna com a carga de 63 fuzis FAL, algu mas metralhadoras leves e muita mun i-
ção. Esse furto de armamento foi organizado e executado por ele e pelo sargento Darcy Rodrigues, tam-
bém integrante do quadro de Quitaúna, e que supostamente teria aliciado Lamarca a ingressar na VPR.
Participaram também da ação o cabo Mariani e soldado Roberto Zanirato, morto sob tortura na OBAN
(DOI-CODI/SP).

38
panheira do partido, Iara Iavelberg 53 . A maioria dos militantes se retirou para o Chile
em 1972, sendo o grupo reestruturado posteriormente com outras orientações. A prefe-
rência por ações armadas deu lugar à atuação política, e o MR8 foi abrigado no MDB,
tendo Orestes Quércia como principal liderança. O grupo passa a editar o periódico
"Hora do Povo".

VPR (VANGUARDA POPULAR REVOLUCIONÁRIA ) - foi uma das organizações de


esquerda que mais se destacou na luta contra a ditadura, no período entre 1968-1971.
Foi uma organização formada por dissidentes da POLOP (Política Operária) e antigos
militares brizolistas do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário). Seu agrupa-
mento inicial começou em 1966, com o ex-sargento do exército Onofre Pinto 54 por trás

53
Iara Iavel berg — (São Paulo, 7 de maio de 1944 — Salvador, 20 de agosto de 1971) fo i uma
militante da luta armada no Brasil durante a ditadura militar. Durante a militância, tornou-se companheira
de Carlos Lamarca, co m quem se refugiou na Bah ia, em 1971. As causas e até a data de sua morte perma-
necem envoltas em mistério. A data oficial é contestada por relatório do Ministério da Aeronáutica, se-
gundo o qual ela teria se suicidado em 6 de agosto, acuada pela polícia em u ma residência em Salvador.
Alguns militantes, presos no DOI-Codi de Salvador, dizem ter ouvido seus gritos quando era torturada, o
que contradiz a versão do Ministério da Marinha, segundo a qual ela teria sido morta durante "ação de
segurança". Iara, antes de aderir à luta armada, era psicóloga e professora universitária. O Instituto de
Psicologia da Un iversidade de São Paulo prestou uma ho menagem à antiga aluna e deu seu nome ao
centro acadêmico, passando a ser chamado: Centro Acadêmico Iara Iavelberg. Fonte:
http://historia.abril.co m.br/guerra/ lamarca -capitao-guerrilheiro-434532.shtml.
54
Onofre Pinto foi, ao lado de Carlos Marighella o grande articulador da luta armada em São
Paulo. Natural de Jacupiranga, SP, nasceu em 1937, e veio a falecer em 1974. Onofre seguiu carreira
militar, e no início dos anos sessenta servia em Qu itaúna, Osasco. Sempre se destacou por seu espírito de
liderança, e pouco antes do Golpe de 64 era o presidente da Associação dos Sargentos de São Paulo. Em
1963 ajudou a criar uma vila militar para sargentos em Osasco, vila que recebeu o nome de Jardim Alv o-
rada, e de acordo com relatos, foi inaugurada pelo presidente João Goulart. Em 1967 o MNR se desfaz,
mas seus remanescentes prosseguem convictos no caminho da resistência armada. Em 1968 o grupo já
tem certa experiência em ações armadas, e ao longo do ano irá se articular co m a Dissidênc ia da Polop.
Onofre não perdeu suas bases em Osasco, mesmo com sua expulsão do exército, e graças a sua capacid a-
de de convencimento e clareza de idéias, será recrutado para seu grupo um jovem cap itão do exército
brasileiro, Carlos Lamarca. Até o final de 1968 será recrutado um punhado de estudantes secundaristas,
que também se imp ressionaram co m a clareza de idéias e o espírito prático de Onofre Pinto e seus co m-
panheiros de luta. Estava formada a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), a mais atuante organiza-
ção de guerrilha urbana que já se formou no Brasil, obra da engenharia política de Onofre Pinto. Fonte:
http://blogdocappacete.blogspot.com/2009/ 08/onofre-pinto-presente.html. Acessado em 01/06/2010.

39
de sua articulação. Foi Onofre quem comandou a execução do capitão norte-americano
Charles Rodney Chandler 55 , em 12 de outubro de 1968. O ano de 1969 começa. E no já
no inicio do ano a VPR conta com um belo reforço. É o capitão do exército Carlos La-
marca. A VPR era de ideologia Marxista, e seus militantes eram muito disciplinados
(talvez por haver muitos militares no grupo). Os assaltos a bancos, e as expropriações
feitas pela VPR no começo de 1969, fazem com que a organização fique já bem conhe-
cida da repressão, que por sua vez está com as prisões cheias depois da decretação do
AI-5. E aspirando a um alcance maior, a VPR numa fusão com o COLINA (Comando
de Libertação Nacional), e formam a VAR-PALMARES (Vanguarda Armada Revolu-
cionária - Palmares). Essa fusão foi feita num congresso realizado em julho de 1969.
Criada a VAR-PALMARES, os militantes foram cuidar de fazer a revolução, e foi o
que aconteceu. Já no dia 18 de julho, alguns dias após a formação da VAR-
PALMARES, esta conseguia realizar o maior ação de expropriação já feita por um gru-
po armado. Eles roubaram 2,5 milhões de dólares, na casa da amante do ex-governador
de São Paulo Adhemar de Barros. Em setembro de 1969, houve o ―rachão‖, congresso
que trouxe de volta a VPR. No comando da nova organização ficaram: Carlos Lamarca,
Ladislau Dowbor e Maria do Carmo Brito. Tendo como base os trabalhos teóricos de
Ladislau Dowbor (alcunhado ―Jamil‖), a VPR passa para uma nova fase, bem estrutura-
da, com dezenas de militantes e centenas de simpatizantes. Ela também conta com um
belo grupo, com quadros experientes, tanto em teoria marxista, como em experiência
militar. A VPR defendia a idéia de um foco guerrilheiro e inicia os seus trabalhos no
Vale do Ribeira. E assim começa 1970. A VPR já havia iniciado o treinamento de seus
militantes para atuarem na guerrilha rural. A área de Registro (SP) já estava em pleno
funcionamento e a sua localização e existência era alvo do mais absoluto sigilo. Em
maio de 1971, Lamarca se desliga da VPR e vai para o MR8 (Movimento Revolucioná-
rio 8 de Outubro), e o resto da VPR é presa e morta no Rio de Janeiro. Herbert Daniel
consegue fugir e vai pra Minas Gerais, Innes Ettinene Romeu é presa e barbaramente

55
Charles Rodney Chandler (Hurricane, Claiborne Parish, Louisiana, EUA, 23 de ju lho de
1938) fo i u m oficial do Exército dos Estados Unidos da América. Participou da guerra do Vietnã, após o
que foi designado para estudar sociologia no Brasil, no Curso de Sociologia e Política, em São Paulo/SP.
Em 12 de outubro de 1968 fo i assassinado ao sair de casa na Rua Petrópolis em São Paulo, SP. Fonte:
*Folha da Tarde, sexta-feira, 28 de novembro de 1969 (arquivo digitalizado e disponível em
http://almanaque.folha.uol.co m.b r/brasil_28nov1969.ht m)

40
torturada, Alex Polari é preso e também sofre torturas nas mãos dos militares. Alfredo
Sirkis, sentindo que o perigo era iminente, foge pra Argentina e Gerson Theodoro é me-
tralhado. E para completar o extermínio da VPR, a repressão consegue um forte aliado
conhecido como "Cabo Anselmo". Ele se infiltrou na organização e foi responsável pela
morte de vários militantes. Carlos Lamarca é morto em setembro de 1971 no sertão da
Bahia, e dias antes Yara Iavelberg é morta em Salvador. Em julho de 1974, Onofre Pin-
to e mais cinco militantes, entre eles os irmãos Daniel e Joel José de Carvalho, "desapa-
receram" quando retornavam clandestinamente ao Brasil pela fronteira com a Argentina.
Eles foram os últimos integrantes da VPR a serem mortos pela repressão 56 .

56
Jornal digital ―O Rebate‖, Macaé, ano I, Nº 27 - 28 de julho a 4 de agosto de 2006. Fonte:
http://www.google.co m.br/url?sa=t&source=web&ct=res&cd=5&ved=0CC0QFjA E&url=http%3A%2F%
2Fwww.jornalo rebate.com%2Fcolun istas2%2Fcir3.ht m&ei=y6IFTLb YM YH6lwfAq YTXBg&usg=AFQj
CNG5Gt UTvje8ygJeEOXd5u3wN0c3tw&sig2=g N66-5PDZ-JFVgoKP-d YGw. Acessado em
01/ 06/ 2010.

41
CAPÍTULO 3: A ―CUNHA DE PENETRAÇÃO‖ DAS FORÇAS ARMADAS

Neste capítulo abordaremos a especificidade da tortura na estrutura repressiva do


Estado de Exceção. Analisaremos os limites de sua funcionalidade e eficiência para o
levantamento de informações consideradas fundamentais para o desmantelamento de
estruturas subversivas às Forças Armadas, bem como uma análise superficial de seus
efeitos físicos e psicológicos sobre o supliciado. Disponibilizaremos alguma descrição
dos métodos de tortura empregados durante o período do regime militar em análise.

A cunha tem um uso específico no ferramental de trabalho do homem do campo,


como a enxada e o machado. Na parte de trás dessas duas ferramentas fica um orifício
chamado ―olho‖, por onde deve passar o cabo de madeira. Para que não fique frouxo, o
que se mostraria um grande perigo no uso cotidiano, a cunha é introduzida em uma ra-
chadura preparada para esta finalidade na ponta do cabo da ferramenta. Com golpes de
outra ferramenta, a cunha é ali introduzida à força, e tem a função de fixar o cabo, de
modo que não deixe escapar a enxada ou o machado por ocasião dos choques e vibra-
ções decorrentes do seu uso.

Há um segundo uso da cunha, e especificamente é essa aplicação que usaremos


como comparação neste parágrafo. É uma peça de ferro ou de madeira, ―em forma de
diedro sólido, bastante agudo, que se introduz em uma brecha para fender pedras, ma-
deira, ou outro material rígido e duro‖. 57 Essa é a chamada ―cunha de penetração‖, fer-
ramenta indispensável para partir estruturas sólidas.

A TORTURA COMO “CUNHA DE PENETRAÇÃO”

A tortura é ferramenta antiga na história da humanidade. Dela se apoderaram ci-


vilizações clássicas que nos legaram importantes códigos de justiça e de Direito, como
Roma, por exemplo.

Conforme os registros históricos, os gregos foram os primeiros a utilizar sistemat i-


camente a tortura na instrução criminal, ou seja, no ―con junto de atos praticados
com o fim de ofertar elementos ao juiz para julgar" (CAPEZ, 2008, p. 451). Na
época definida como ―um tormento que se aplicava ao corpo, com o fim de averi-

57
Novo Dicionário Aurélio, edição d igital em CD-ROM, versão 2005, verbete ―cunha‖.

42
guar a verdade‖ ou simples mente um ―meio seguro de obter evidência‖, a tortu ra,
inicialmente reservada aos escravos e estrangeiros, era utilizada sempre que não se
conseguia encontrar provas da autoria do crime ou simples mente se quisesse obter
uma rápida resolução do caso (BIAZEVIC, 2004, p. 04). Os romanos, como abso l-
veram grande parte dos costumes gregos, passaram a utilizar a tortura nas mesmas
circunstâncias do povo que os precedeu. Entretanto, com o avanço do Direito na
sociedade romana, existiu a necessidade de se regular a prática dos métodos de to r-
tura, o que culminou com o surgimento dos códigos Teodosiano e Justiniano. Nas-
ciam assim as primeiras leg islações escritas do mundo com prev isão legal acerca
da licitude da tortura e do seu uso como forma de obtenção de prova.58

TECNOLOGIA DO TERROR

Ser preso pela ditadura era conhecido pelo jargão ―queda‖. Alguém podia ―cair‖,
ser preso no exercício da sua clandestinidade, ou fazendo parte da cobertura de apoio de
uma organização clandestina de luta armada.

No período de 1969 a 1974 organizações internacionais de vários setores da so-


ciedade, tais como as religiosas e de direitos humanos conseguiram levantar e mapear
provas da existência de centros secretos de suplícios e tormentos no Brasil, nos quais
em muitos casos havia desaparecimento de presos. Durante todo o período mencionado
essas organizações recebiam denúncias de maus tratos. Portanto a questão da tortura não
era um assunto fechado e circunscrito ao nosso país 59 .

A PRISÃO: A primeira fase da trajetória rumo aos porões de tortura era o ato pri-
sional. Podia ocorrer a céu aberto, em praça pública, em pista de rolamento, ou mesmo
na individualidade de um ―aparelho‖ clandestino (residência de fachada que ocultava
grupo armado clandestino). Geralmente a prisão tinha um caráter de seqüestro: o preso
era encapuzado, colocado na viatura, em geral um fusca ou uma Veraneio C-10, da
Chevrolet. Um exemplo típico de ―queda‖ foi a prisão do jornalista Antônio Carlos Fon,
em 29 de setembro de 1969. Foi preso às 6h30min. Na época era funcionário do Jornal
da Tarde, de São Paulo. Cobria área policial e na noite anterior ficara até altas horas
conversando com dois policiais, identificados como o Escrivão Waldemar de Paula e o
delegado Luiz Orsatti, ambos integrantes do DOPS. Após o dialogo, chegou em seu
apartamento, que ficava na esquina da S. João com a Duque de Caxias às 4h30min. Dei-

58
Rev ista Âmbito Jurídico. A tortura no mundo: A eficácia dos direitos humanos posta em
xeque. Fonte web : http://www.amb ito-jurid ico.com.br/pdfsGerados/artigos /7275.pdf
59
(A LVES, Mª Helena Moreira, 2005, p. 203)

43
tou-se no quarto de seu irmão Aton Fon Filho, que se encontrava viajando. Após duas
horas de sono profundo foi acordado com um cano de pistola encostado no rosto, e viu o
quarto coalhado de homens armados de fuzis e metralhadoras. A referida arma de fogo
era empunhada pelo então delegado Raul Nogueira, vulgo Raul Careca, que era um dos
principais componentes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas – organização pa-
ra-militar de extrema direita). Mandaram vestir-se e se dirigir à sala de estar — onde
seus pais e irmãs já estavam detidos — onde seria acareado com um homem chamado
David, cujo nome real era Francisco Gomes da Silva. As equimoses daquele homem
eram visíveis e um curativo na testa testemunhava o longo processo brutal de sevícias a
que fora submetido. O capitão Mauricio Lopes Lima queria que David o identificasse,
mas deu muita ênfase ao afirmar que não o conhecia, e dizia a verdade. 60

Para Carlos Sarno 61 , filho de imigrantes italianos, o momento da ―queda‖ foi um


pesadelo, pois foi rendido junto com sua companheira Jurema em 1970. Militante da
VAR-Palmares, (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), foi por ordem do alto
comando da organização transferido da Bahia para o Rio de Janeiro, por motivos de
segurança, já que a organização estava sendo trucidada pelos poderes do Governo. Após
contatar a estrutura da organização no Rio, foram novamente deslocados, agora para
São Paulo, (o grande centro do Movimento Político no país). Lá chegando, os dois se
separaram cada um indo para um aparelho diferente passar a noite. Carlos recorda os
momentos de angústia e tensão queimando documentos à espera do companheiro da
organização, que não chegava. Temendo ser preso (já que nessa época dezenas de mili-
tantes da Var-Palmares haviam caído nas mãos da repressão, dando início a um proces-
so de desestruturação da organização), ao amanhecer Sarno decidiu sair da casa da famí-
lia de operários, onde passara a noite. Sem notícias de sua companheira, com a ―queda‖
do seu contato em S. Paulo e sem querer voltar para o Rio de Janeiro sozinho, Carlos

60
FON, Antonio Carlos. Tortura – A História da Repressão Política no Brasil. São Paulo:
Global, 1979, pags. 9,10
61
Carlos Sarno, foi militante da Var-Palmares, junto com a companheira Jurema. Em 1966, ain-
da quando era estudante secundarista, criou a peça Aventuras e Desventuras de Um Estudante, sendo
censurada pela direção da escola. Passou um ano na Alemanha, e retornou decidido a lutar por uma nova
sociedade. Iniciou sua luta política no PC do B, e em s eguida partiu para a clandestinidade, na VA R-
Palmares. Hoje é sócio da agência publicitária Engenhonovo. Fonte:
http://www.diariosdaditadura.com.br/tcc_ mat_ver.asp?cod_col=31. Acesso em 02/06/2010.

44
decidiu procurar Jurema, sem saber que ela fizera exatamente a mesma coisa: saíra à sua
procura. Novamente juntos, decidiram voltar para o Rio de Janeiro com o objetivo de
obter, junto à organização, novos contatos em São Paulo. Feito isso, retornaram à cap i-
tal paulista, dando continuidade ao trabalho da Var-Palmares: Carlos nas bases da Capi-
tal, e Jurema em Osasco. 62

Era o dia 13 de setembro de 1970. Sozinha em casa, Jurema foi surpreendida


com a chegada de dez policiais da Oban (Operação Bandeirantes). ―Vamos, diga! Quem
mora aqui com você?‖, ―Vai chegar mais alguém?‖, perguntavam os policiais, aos gr i-
tos. Sem perder o controle e bastante preocupada com seu companheiro que, a qualquer
momento, poderia chegar, Jurema perguntou a um dos policiais: ―Posso ir ao banhe i-
ro?‖. Autorizada, na passagem conseguiu acender a luz externa da casa, código estabe-
lecido entre ela e Sarno para indicar a presença de policiais. Por volta das 19h, Sarno
retornou para casa, depois de mais um dia de trabalho. Ao se aproximar, viu que a luz
(que até então sempre ficara apagada) estava acesa. Era o sinal de que algo estranho
acontecia. Preocupado com Jurema e para se certificar da real situação, aproximou-se
um pouco mais, sendo cercado pelos policiais, que haviam se posicionado em toda a
área. ―Não se mexa ou vou atirar‖, gritava um dos policiais, tenso e nervoso, com a ar-
ma na mão. Em seguida, Carlos foi levado até à casa.

Logo depois, Carlos e Jurema acabaram algemados e jogados numa caminhonete


fechada, onde, por um breve momento, tiveram a chance de trocar algumas palavras e
acertar dados importantes para dar coerência à história que iriam manter durante os in-
terrogatórios no maior centro de tortura de São Paulo, a Oban. 63

A CHEGADA NO CENTRO DE INFORMAÇÕES: A chegada no Centro de Informa-


ções, que podia ser o DOI-CODI64 ou o CENIMAR 65 , ou mesmo uma delegacia mais

62
Carlos Sarno, em entrevista à Repórter Carla Menezes, publicada no site
http://www.diariosdaditadura.com.br. Acessado em 10/04/2010.
63
http://www.d iariosdaditadura.com.br/tcc_mat_ver.asp?cod_col=32 acessado em 10/04/2010.
64
O Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna
(DOI-CODI) foi o órgão de inteligência e repressão do governo brasileiro durante o regime inaugurado
com o golpe militar de 31 de março de 1964, os chamados "Anos de Chumbo". Destinado a combater o
chamado "inimigo interno", como a de outros órgãos de repressão brasileiros no período, a sua filosofia
de atuação era pautada na Doutrina de Segurança Nacional, formu lada no contexto da Guerra Fria nos

45
próxima era sempre um momento de muita tensão. Freis Ivo e Fernando 66 , no mês de
novembro de 1969 desembarcaram no Rio de Janeiro, cada um com um objetivo distin-
to. Frei Ivo iria passar o fim de semana com sua família, enquanto Frei Fernando, que
era editor da livraria Duas Cidades (SP) pretendia encontrar outro editor, de nome Sin-
val, da Editora Vozes (RJ), para debaterem questões profissionais. Após o almoço, to-
maram o ônibus para ir à casa de Sinval, no Catete. Desceram defronte ao antigo palácio
presidencial, cercado pelas grades de lanças de ferro. Às duas da tarde, o mormaço caía

bancos do National War College, instituição norte-americana, e aprofundada, no Brasil, pela Escola Supe-
rior de Guerra (ESG). Em São Paulo - Estabelecido em praticamente todos os estados da federação, em
São Paulo as suas instalações eram localizadas na rua Tutóia, onde atualmente funciona o 36° d istrito
policial. O DOI-CODI surgiu a partir da Operação Bandeirante (OBAN), criada em 1969 co m o objetivo
de coordenar e integrar as ações dos órgãos de combate às organizações armadas de esquerda. Cada esta-
do tinha o seu DOI, subordinado ao CODI, que era o órgão central. Os DOI, sob um único comando de
um coronel do Exército, reuniam militares das três Armas e integrantes voluntários das polícias militares
estaduais, polícias civ is e federal. Na década de 80, os DOI foram renomeados Setor de Operações (SOP).
Os DOI-CODI ficaram conhecidos por serem centros de torturas daqueles que se opunham ao regime
ditatorial v igente. FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/
65
CENIMA R: O Centro de Informações da Marinha, ou CENIMAR, fo i criado pelo Decreto
nº 42.688, de 21 de novembro de 1957, co m a finalidade de obter informações de interesse da Marinha do
Brasil, conforme as diretrizes do Estado-Maior da Armada. Durante a Ditadura Militar, notadamente a
partir de 1968, o órgão passou a ser empregado na repressão à luta armada deflagrada no Brasil por orga-
nizações de extrema esquerda que se dispunham a derrubar o regime. Passou a subordinar-se ao Ministro
da Marinha e foi considerado como o mais eficiente órgão de informação militar, dentre outros similares
como o DOI-CODI, do Exército e CISA, da FAB, que atuavam com os mesmos propósitos. Nesse perío-
do extrapolou da co mpetência orig inária no campo da informação para desenvolver ações repressivas,
investigações e prisões com torturas de presos, que tornaram a sede do Rio de Janeiro, localizada na Ilha
das Flores, um dos mais conhecidos porões do regime. FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/ CENIMA R
66
Os frades Ivo e Fernando fizeram parte de u m grupo de dominicanos que, no início de 1968
aderiram à A LN (Ação Libertadora Nacional) de Carlos Marighela. No início daquele ano houve várias
reuniões lideradas pelo Frei Osvaldo Augusto de Resende Jr., congregando frades para a tomada de pos i-
ção política. A primeira tarefa que os dominicanos receberam de Marighela foi fazer u m levantamento de
áreas ao longo da Rodovia Belém-Brasília, para imp lantação de uma guerrilha rural. A área de Conceição
do Araguaia, onde a ordem dominicana possuía um convento, foi assinalada no mapa como área priorit á-
ria, pois teria importante apoio logístico. O levantamento sócio -econômico da reg ião fo i feito co m base
no "Guia Quatro Rodas", da Editora Abril. Fonte: http://www.webartigos.com/art icles/11110/1/ Grupo -
Abril-Jornalistas-Metidos-Com-a-Gangue-de-Marighela/pagina1.ht ml.

46
como chumbo. Os dois religiosos caminhavam pela Rua Silveira Martins quando os
seguraram por trás, empurrando-os para o interior de uma perua que, de motor ligado,
aguardava. Os três policiais traziam à mão suas armas. Ao indagarem o motivo da pr i-
são, ouviram como resposta que uma senhora havia sido assaltada no mesmo ônibus que
haviam tomado, e os havia apontado como autores da ação. Ao entrarem no CENIMAR,
foram separados em salas diferentes. A tensão aumenta. Em seguida, o Delegado Sérgio
Paranhos Fleury67 apontou o dedo para o prisioneiro acuado entre os policiais, dizendo:
―Vocês são base fixa de Marighela!‖ Fernando negou, dizendo que nada tinha a ver com
lideranças políticas. E a tensão só aumentava para o interrogado. 68

Maria Amélia Telles, o esposo Cesar Augusto Telles e o colega Ca rlos Nicolau
Danielli 69 foram presos no dia 28 de dezembro de 1972, às 18h30min, na Vila Mariana,
em São Paulo. "Fomos presos e jogados num carro. Ao som de sirenes, chegamos ao
DOI-CODI, onde nosso anfitrião nos aguardava. Quando chegamos, ali mesmo no pá-
tio, os agentes tiraram César e Danielli do carro e começaram a espancá- los. Eu, ao ver
aquela cena, saí do carro e fui ao encontro daquele homem que, do alto da escada que
dava no pátio aonde havíamos chegado, berrava: ‗Levem esses comunistas. Dêem a eles
o que merecem‘‖. Esse foi o primeiro contato de Maria Amélia com Ustra 70 , que seria o

67
Sérgio Fernando Paranhos Fleury (Niterói, 19 de maio de 1933 — Ilhabela, 1 de maio de
1979) atuou como delegado do DOPS de São Paulo, durante a Ditadura militar no Brasil .Ficou notoria-
mente conhecido por sua enorme crueldade ao perseguir os opositores do regime. Vários depoimentos,
testemunhas e relatos de presos políticos, apontam que ele usava sistematicamente a tortura durante os
interrogatórios que comandava na época do regime militar brasileiro. A maioria dos militantes que eram
capturados pelo Delegado Fleury não resistiam a essas torturas e acabavam morrendo, co mo no caso de
Joaquim Câmara Ferreira e de Eduardo Collen Leite, que foi torturado por cerca de quatro meses. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9rg io_Paranhos_Fleury.
68
BETTO, Frei. Batismo de S angue: Os Dominicanos e a Morte de Carlos Marighella. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987. Pg.125.
69
Maria A mélia e César Augusto controlavam a gráfica clandestina do PC do B. Dan ielli e ra o
dirigente do partido clandestino. Foram presos ao tentarem cobrir u m ponto na vila Mariana, no ato da
cobertura.
70
Coronel Carl os Alberto Brilhante Ustra - Co m o nome de guerra "major Tib iriçá", Ustra re-
estruturou e comandou, entre setembro de 1970 e janeiro de 1974, a unidade paulista do DOI-Codi, onde,
conforme levantamentos de entidades de direitos humanos, foram torturados 502 presos políticos, 40 dos

47
responsável pelas dezenas de sessões de tortura que ela e o marido sofreriam durante o
período em que ficaram presos nas instalações do DOI-CODI. "Vendo César e Danielli
sendo espancados e quase desfalecidos, decidi fazer alguma coisa e me dirigi àquele
homem que, ensandecido e aos gritos, incitava os agentes a espancar selvagemente meu
marido e o companheiro Danielli", recorda Maria Amélia. "O senhor não vai fazer nada
contra isso? Vai deixar que esses homens indefesos continuem sendo espancados dessa
maneira?", perguntou ao homem que, mais tarde, ela saberia tratar-se do "major Tibiri-
çá", o chefe do DOI-CODI paulista. 71

AS SEVÍCIAS: A primeira tentativa de arrancar informações do detido era na


pressão psicológica, com perguntas intimidadoras, e mesmo com ameaças. Falhando a
primeira abordagem, a situação mudava completamente.

Na opinião de Antonio Carlos Fon o criminoso político ―é sempre o mais difícil


de interrogar. O subversivo não aceita a autoridade que você representa. Então, você
72
tem de demonstrar para ele que o Estado possui meios de coagi- lo eficazmente‖ .E
entre os ―meios‖ mencionados, a essência estaria na carga de dor, cansaço e fadiga in-
fligida, que levasse o subversivo à ruptura da própria força de vontade, colaborando
submissa e voluntariamente com o interrogador.

Retornando à experiência da família Telles, a própria Maria Amélia conta que


após ter dirigido a palavra ao Coronel Ustra, o ―Major Tibiriçá‖, este lhe respondeu com
uma agressão, um tapa no rosto, gritando simultaneamente: "Você está na Oban (Opera-
73
ção Bandeirantes) . (...) Sempre aos berros, o "Major Tibiriçá" mandou seus agentes

quais morreram. Dentre os mortos em conseqüência das torturas sofridas no DOI-Codi, as entidades de
direitos humanos relacionaram o então dirigente do Partido Comunista do Brasil (PC do B), Carlos Nic o-
lau Dan ielli. Fonte: http://www.rev istabrasileiros.com.br/edicoes/1/textos/452/.
71
Fonte: http://www.rev istabrasileiros.com.br/edicoes/1/textos/452/. Acessado em 02/06/2010.
72
FON, Antonio Carlos. Tortura – A História da Repressão Política no Brasil. São Paulo:
Global, 1979. Pg. 71.
73
A Operação Bandeirante (OBAN) foi u m centro de informações, investigações e de torturas
montado pelo Exército do Brasil em 1969, que a coordenava e integrava as ações dos órgãos de combate
às organizações armadas de esquerda. (...)Sua sede foi instalada no número 1030 da rua To más Carvalhal,
nos fundos do 36° distrito policial, na capital paulista. Este local é considerado a mais célebre casa de

48
levarem "a subversiva para dentro". "Para dentro" era sinônimo de sala de torturas. Ali,
os três companheiros foram seviciados de inúmeras formas no período que permanece-
ram na Oban. Maria Amélia conta que, a exemplo do marido e de Danielli, foi levada a
uma sala, onde teve início a série de torturas, que incluiu situações de humilhação e atos
obscenos. 74

Após sua prisão, Antonio Carlos Fon também ficou detido na Oban, e ele mesmo
relata os acontecimentos:

O carro estacionou no pátio dos fundos do 34º Distrito Policial e eu fui levado aos
empurrões para a porta do pequeno prédio de três pavimentos onde funciona até
hoje a ―Operação Bandeirantes‖ [1979]. Eu ainda tinha alguma esperança de que
aquela situação se esclarecesse rapidamente, mas ela se desvaneceu logo: ―Esse é
daqueles que não sabem de nada‖, exp licou o Delegado Raul ―Careca‖ ao entre-
gar-me a dois homens que esperavam na porta. (...) Fu i levado para a câmara de
torturas, no 2º andar, e durante três horas submetido a pau-de-arara75 , espancamen-
tos e choques elétricos. De tudo isto, lembro-me de que nada era mais terrível que
os choques elétricos na cabeça com u m fio preso ao lóbulo da orelha e outro pe r-
correndo os lábios, o pescoço ou o nariz. Esses choques provocam uma contração
tão forte dos músculos da face que a língua é mordida e estraçalhada pelos dentes.
Fiquei vários dias sem poder comer até que um enfermeiro do exército obteve au-
torização para levar-me u m pouco de gelo, que anestesiava mo mentaneamente a
língua, permit indo que eu me alimentasse.76

Frei Fernando, acuado entre os agentes do Dops que o levaram junto co m Frei
Ivo ao 5º andar do Arsenal da Marinha, o CENIMAR do Rio de Janeiro, é interrogado
pelo Delegado Fleury. ―Tire a roupa‖, berrou o delegado paulista. Congelado pelo clima

torturas e de assassinatos da ditadura militar no Brasil. Fonte:


http://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Bandeirante. Acessado em 02/06/ 2010.

74
Joel dos Santos Gui marães, repórter, em art igo escrito na Revista Brasileiros, 1ª edição, ju-
lho de 2007, disponível em http://www.revistabrasileiros.com.b r/edicoes/1/textos/452/. Acessado em
02/ 06/ 2010.
75
Pau-de-arara: consiste numa barra de ferro que e atravessada entre os punhos amarrados e a
dobra do joelho, sendo o ―conjunto‖ colocado entre duas mesas, ficando o corpo do torturado pendurado a
cerca de 20 ou 30 cm. do solo. Este método quase nunca é utilizado isoladamente, seus ―complementos‖
normais são eletro choques, a palmatória e o afo gamento. Fonte:
http://www.dhnet.org.br/dados/projetos/dh/br/tnmais/instrumentos.html .
76
FON, Antonio Carlos. Tortura – A História da Repressão Política no Brasil. São Paulo:
Global, 1979. Pg 11.

49
de terror, Frei Fernando fica imóvel. A mão do delegado atinge seu rosto com força. É
despido, ficando somente de cuecas, sendo pendurado imediatamente no pau-de-arara.
―Como é que Marighela entra em contato com vocês?‖, indaga o delegado. Não há res-
posta de retorno. Fios desencapados, ligados a eletrodos com pequenas garras são co-
nectados ao corpo do prisioneiro, e a corrente elétrica da ―pimentinha‖ é ligada, sendo
inoculada nos músculos. O corpo de Frei Fernando se contorce em espasmos e dor, co-
mo se mil agulhas em brasa fossem fincadas ao mesmo tempo no seu corpo. A mesma
pergunta é insistentemente repetida, até que o processo muda. A resistência do domini-
cano parece ser inquebrável. Um dos fios desencapados é lentamente introduzido na
uretra, enquanto um barbante é amarrado no seu pênis, ajustando mais o fio dentro das
suas entranhas, com a finalidade de multiplicar o suplício do indefeso ser ali dependura-
do.77

Os relatos acima descritos têm por objetivo demonstrar alguma coisa dos inde s-
critíveis sofrimentos suportados pelos opositores do regime. Embora sejam testemunhos
fortes e produzam certa revolta e comoção, pouco espaço temos neste trabalho para a-
bordar todos os aspectos físicos e psicológicos abrangidos por assunto tão amplo como
a tortura naquele período.

CONTRADIÇÕES E QUESTIONAMENTOS — Entretanto, surge uma questão, uma


indagação necessária pertinente ao assunto em pauta: ―seria a tortura um método efic i-
ente de revelação de verdade(s), de obtenção de informações confiáveis e precisas?
Qual a eficiência da tortura no mecanismo de segurança de uma sociedade, de um pa-
ís?‖ Na verdade a tortura busca introduzir uma cunha que leve à cisão entre o corpo e a
mente. E, mais do que isso: ela procura, a todo preço, semear a discórdia e a guerra e n-
tre o corpo e a mente. O projeto da tortura implica numa negação total da pessoa e n-
quanto ser encarnado. O discurso que ela busca através da intimidação e da violência, é
a palavra aviltada de um sujeito que, nas mãos do torturador, se transforma em objeto. 78
Tendo estado consciente, capaz de resistir à indução ideológica dos agressores, ele vai

77
BETTO, Frei. B atismo de Sang ue. Os Dominicanos e a Morte de Carlos Marighella. 9ª e-
dição, 1987, RJ: Bertrand Brasil. Pág.125, 126.
78
GINZBURG, Jaime. Escritas da Tortura. Diálogos interamericanos, número 003. Univers i-
dade de Aarhus, pg. 140. Lin k na web: http://redalyc.uaemex.mx/ redalyc/pdf/162/16200306.pdf. Acessa-
do em 03/06/2010.

50
aos poucos se transformando em razão da degradação corporal e da intolerabilidade da
dor. Em certo ponto, o ponto extremo em que seus valores foram atingidos e sua relação
consigo mesmo foi inteiramente desorientada, o sujeito não se reconhece mais como a si
mesmo, mas como a outro. E este outro, ao contrastar o vazio de sentido do próprio cor-
po e a imagem composta do inimigo à sua frente, vê neste a possibilidade de resgate de
uma organização de sua constituição como sujeito. Por isso passa a dirigir-se a si
mesmo com um pensamento equivalente ao do torturador. Essa inversão, caracterizada
como ―queda em um buraco sinistro‖, seria o resultado esperado pelo torturador. 79 O
objetivo específico do crime de tortura é usar a violência extremada para reduzir, anular
e quebrar a resistência do indivíduo, com a intenção de obter informações ou a própria
confissão forjada, à força física, provocando dor e sofrimento, mediante ameaças, men-
tiras e promessas, quaisquer que sejam os meios empregados, cujo fim último é viciar a
vontade e a liberdade do indivíduo.

Além de moralmente inaceitável, a tortura é u m método pouco eficiente, pois faz


com que as vítimas criem falsas memórias. De acordo com um art igo publicado na
revista "Trens in Cognitive Science", as técnicas coercitivas de interrogação po-
dem levar a vários danos, até mesmo à perda de tecido cerebral. Em abril deste ano
(2009), o Departamento de Justiça dos Estados Unidos divulgou memorandos co n-
tendo detalhes sobre o uso das chamadas técnicas de interrogação aperfeiçoadas‖
para extrair informações, apesar das fortes objeções éticas. Segundo a pesquisa, os
métodos causariam ansiedade e estresse prolongados no prisioneiro, reduzindo sua
habilidade de lembrar fatos e dar informações detalhadas sobre eles. Isso poderia
fazer com que o interrogado criasse falsas memórias - e até mesmo acreditasse ne-
las - para se livrar da tortura. Gorete de Jesus, pesquisadora do Departamento de
Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), aponta que pesquisas como essa
são importantes para alertar a sociedade sobre as graves consequências psíquicas
da tortura. ―A tortura é um processo de desintegração do indivíduo, de exposição
da sua fragilidade‖, conta. A socióloga ressalta que a tortura continua sendo prati-
cada ao redor do mundo. (...) Não podemos esquecer que a tortura procura por cul-
pados - e nunca pela verdade.80

79
VIÑA R & VIÑA R, Marcelo e Maren. Exílio e Tortura. São Pau lo:Escuta, 1992. Pg 73.
80
Agência Estado, seção ―Saúde‖ do Portal R7 Notícias, publicado em 24/09/2009. Lin k:
http://noticias.r7.co m/saude/noticias/tortura-faz-vit ima-criar-memorias-e-acreditar-nelas-diz-pesquisa-
20090924.html. acessado em 03/06/2010.

51
CAPÍTULO 4 — MEMÓRIA SOCIAL DA REPRESSÃO

Neste capítulo, o último, vamos buscar uma reflexão sobre a memória da ditad u-
ra num Brasil pós- militar. Por conseguinte, iremos refletir sobre a memória social de um
país que não conheceu o regime de exceção: a geração do século XXI.

REFLEXÃO

Depois de 44 anos do Golpe Militar no Brasil, a memória da ditadura ainda car e-


ce de uma ampla discussão política. Devemos pensar como vem sendo preservada esta
memória? Que uso político está sendo feito dela? A política de preservação da memória
e do patrimônio deve ser entendida em sua concepção mais ampla, como o resultado de
uma prática social e cultural de diversos e múltiplos agentes.

Portanto, nos interessa pensar de que forma podemos construir a memória e seus
suportes como o patrimônio. A noção de patrimônio, tal qual a compreendemos na co n-
temporaneidade, engloba uma discussão mais ampla, sobre o que ―deve‖ e ―pode‖ ser
memorável. A superação deste trauma exige a existência de uma superfície adequada de
inscrição dos sujeitos envolvidos. Essa é a função dos monumentos, das comemorações
etc. Não é isso o que vem ocorrendo. As marcas da ditadura ainda se fazem presentes na
cidade. É nesse contexto que devemos questionar a atual política oficial de preservação
da memória da ditadura no Brasil, através dos monumentos, comemorações, coleções,
arquivos, museus, Leis e Decretos. Esta política de preservação, tal como vem sendo
estabelecida hoje pelos veículos oficiais, revela uma precária inscrição dos sujeitos e n-
volvidos. Assim como há grande dificuldade no arquivamento dos documentos desse
período.

Os arquivos do período da ditadura dependem muito mais de ações individuais do


que de uma política governamental séria de preservação e arquivamentos. Isto fica
claro quando verificamos as diferenças entre o Arquivo Edgard Leuenrothh (na
UNICAMP) 81 , por exemplo, e os Arquivos do DOPS custodiados no Arquivo do

81
Arqui vo Edg ard Leuenrothh (na UNICAMP): Em 1974, em reconhecimento à sua admirá-
vel trajetória co mo militante anarquista e como jornalista da imp rensa operária, foi inaugurado na UN I-
CAMP, mais precisamente no Instituto de Filosofia e Ciências Hu manas, o ―Arquivo Edgard Leuenroth‖.
Sua meta: preservar e divulgar diversas coleções de imagens e textos entre outros, relacionados à memó-
ria operária no Brasil da primeira república. O acervo é co mposto por 280.000 documentos, 28.000 livros,

52
Estado do Rio de Janeiro (APERJ) 82 . Da mesma forma, não há um movimento s é-
rio, por parte da ação estatal, em âmbito federal, de criação de um monumento em
memó ria dos mortos e desaparecidos políticos .83

A memória é um item importantíssimo em nível de sociedade. Ela funciona, ne s-


se caso, como estratégia de resistência e luta política 84 , ou seja, como um campo de dis-
puta entre versões antagônicas sobre um período político ditatorial que marcou a vida
dos sujeitos e a história da sociedade brasileira. Quando nos reportamos aos tempos
hodiernos, surgem- nos à mente algumas indagações específicas: Qual seria o significa-
do da repressão e das lutas de resistência para as novas gerações? Qual o impacto desses
acontecimentos para a vida dessas gerações?

171 bolet ins, 3.811 nú meros de periódicos, 3.878 jornais, 854 v ídeos, 289 filmes, 1.419 registros de áu-
dio, 2.200 cartazes, 13.330 gravações em fita, seiscentas, 21 anotações e 45.000 fotografias. Fonte:
WWW.ifch.unicamp.b r/ael/.
82
Arqui vo do Estado do Rio de Janeiro (APERJ): O Arquivo Público do Estado do Rio de
Janeiro (APERJ) é u m órgão público brasileiro vinculado ao Governo do Estado do Rio de Janeiro. É
responsável pela guarda e preservação da documentação produzida pelo Executivo Estadual do Rio d e
Janeiro (Governo do Estado, Secretarias e autarquias estaduais). Fica atualmente localizado na praia de
Botafogo, em Botafogo, cidade do Rio de Janeiro. Sua sede, um edifício de mais de cem anos, está em
péssimas condições: teto desabando, salas sem climatização, fungos em arquivos etc. Não possui sede
própria. O APERJ reúne importante acervo de documentos do século XVIII até os dias atuais, com cerca
de 4.000 m (se dispostos em linha reta) de documentos textuais, além de mapas, plantas, fotografias,
filmes, fitas de áudio e vídeo e micro filmes. Dispõe também de u ma bib lioteca amp la especializada nas
áreas de arquivologia, história e legislação. Fonte: http://www.aperj.rj.gov.br/ (site oficial do órgão). A
comparação das autoras entre ambos os arquivos certamente tem a finalidade de demonstrar o contraste
na valorização e cuidado dispensado para ambos, já que o acervo da Unicamp não trata do período do
golpe militar, mas sim da Primeira República.
83
Joana D‘Arc Fernandes Ferraz*; Carolina Dellamore Batista Scarpelli**, em artigo publicado
para o XIII Encontro de História Apuh-Rio. Ditadura Militar no Brasil: Desafi os da Memória e do
Patri mônio.

*Professora Doutora do Programa de Pós -Graduação em Memória Social da Universidade Fede-


ral do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Bolsista PRODOC/CAPES.

** Mestranda do Programa de Pós -Graduação em Memória Social da Universidade Federal do


Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Bolsista CAPES.
84
ANSA RA, Soraia. Política, Repressão e Ditadura no Brasil. Curit iba: Juruá, 2009. Pg. 327.

53
A ditadura militar brasileira, com todo o seu aparato repressivo, deixou muitos
legados para as gerações que a sucederam, tanto negativos — que permanecem na soci-
edade brasileira, como resquícios de um governo autoritário e repressivo, e que repre-
sentou um retrocesso para o avanço da democracia — quanto positivos — que se mani-
festam nas práticas de resistência dos movimentos sociais. Soraia Ansara, Mestre
(2000) e Doutora (2005) em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, no seu livro Memória Política, Repressão e Ditadura no Brasil, realizou
ampla pesquisa em alguns setores da sociedade politicamente ativa do nosso país, entre
eles os estudantes e os movimentos sindicais e comunitários. De acordo com alguns
dados dessas pesquisas, ela afirma que

As lideranças comunitárias e sindicais reconhecem que esse passado repressivo a-


inda permanece nas formas autoritárias que se man ifestam na nossa sociedade de
maneira camu flada, nos meios políticos e nos próprios movimentos em que part i-
cipam, por meio das atitudes de certos lideres. E apontam que aind a temos muito
que caminhar para chegar a uma consciência política democrática co m maior aut o-
nomia, em que o povo brasileiro, efetivamente, possa definir os ru mos do país. (...)
a ausência de uma consciência política democrática é resultado da própria vivên cia
numa falsa democracia ou numa ―democracia entre aspas‖, como os entrevistados
se referem. (...) Apesar de vivermos numa democracia, existe hoje, segundo nossos
sujeitos, um medo de falar, de participar, de se envolver em ações coletivas, que é
proveniente do medo da repressão. O fato de se punir aqueles que se opunham, que
escreviam ou falavam criticando o regime militar, faz co m que, ainda hoje, muitas
pessoas tenham receio de fazer suas críticas, de expressar suas opiniões, de part i-
cipar, de inclusive lutar pelos seus direitos.85

85
ANSARA, Soraia. Política, Repressão e Ditadura no Brasil. Curit iba: Juruá, 2009. Pg. 235-
237.

54
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Necessitamos de uma séria reflexão a respeito das opiniões sociais dos nossos
dias em relação ao período militar. As reflexões dos autores citados sugerem que a he-
rança histórica que recebemos são muito mais presentes e palpáveis do que parecem
principalmente em nível de comportamento e atitude.

Embora não pareça ser um período tão longo em comparação com outros perío-
dos e fases da História, a ditadura militar se mostrou muito intensa, influenciou muito o
país e ainda continua a influenciar indiretamente, através de sua política conciliatória de
distensão para um ―Estado Democrático‖, cuja transição até hoje não logrou alcançar
um franco reconhecimento das atrocidades cometidas contra os opositores. A omissão e
o comportamento de ―auto-anistia‖ prepararam o terreno para a continuidade da imp u-
nidade, da corrupção, do autoritarismo. O simulacro de democracia está aí exposto, o n-
de percebemos o direcionamento do aparato repressivo deslocado da repressão política
para as classes pobres da sociedade brasileira. Será que teremos condições de construir
uma identidade política de visão abrangente no nosso país? Terá fim o período de reclu-
são e silêncio das Forças Armadas em relação aos eventos ocorridos entre 1964 e 1985?
São perguntas que devem nos instigar a uma análise mais séria a respeito da sociedade
em que vivemos.

55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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56
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58

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