: FORMAÇÃOECONTRIBUTOS
Orientações curriculares para a educação pré-escolar
e supervisão: um estudo com educadoras de infância cooperantes
Olga Ludovico . oludovico@ualg.pt . Escola Superior de Educação da Universidade do Algarve
Introdução
Este artigo tem como principal objectivo
procurar contribuir para a reflexão acerca
do modo como a publicação e utilização
das Orientações Curriculares para a Educa-
ção Pré-Escolar concorreram para algumas
mudanças a nível da supervisão da prática
pedagógica dos cursos de formação inicial
de educadores de infância.
Constitui o mesmo uma breve síntese dos
aspectos mais significativos de um estudo,
de natureza qualitativa, interpretativa e
heurística, protagonizado por quinze educa-
doras cooperantes da ESE da Universidade
do Algarve, que constituiu a nossa Disser-
tação de Mestrado.
1. Alguns pressupostos teóricos
É consensual que as Orientações Curricu-
lares, tal como refere Stenhouse (1975, cit.
in Silva, 1996, p. 55), se constituem como
“um instrumento de apoio à investigação,
reflexão e desenvolvimento do trabalho
do educador que lhe [permitem] ir com-
preendendo e melhorando a sua prática
profissional”. Na verdade, alguns dos seus
pressupostos, como a não prescrição, a fle-
xibilidade, a abrangência, a possibilidade de
fundamentar diferentes opções educativas
e, por conseguinte, várias perspectivas e/
ou dimensões curriculares, tornam possível
ao educador fundamentar as decisões so-
bre a sua prática e, deste modo, sustentar
o planeamento e a avaliação do processo
educativo.
Neste contexto, de entre as inúmeras si-
nergias que concorrem para a passagem da
teoria à prática das Orientações Curriculares,
destaca-se, em primeiro lugar, o papel do
educador enquanto gestor do currículo. Atri-
buir ao educador tal responsabilidade impli-
ca formá-lo segundo princípios assentes na
articulação e interacção das diversas compo-
nentes e dimensões necessárias a um bom
desempenho profissional, nomeadamente as
que respeitam às teorizações sobre a prática
reflexiva e ao saber profissional contextua-
lizado, bem como à incorporação adequada
de saberes e saber fazer.
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Tais dimensões remetem-nos para o pro-
cesso de formação, que se deve configu-
rar como um continuum necessariamente
contextualizado das práticas da profissão,
tendo também como princípio, como refere
Garcia (1999, p. 29), que “aprender a ensinar
[deve ser] realizado através de um processo
em que o conhecimento prático e o conhe-
cimento teórico possam integrar-se num
currículo orientado para a acção”. O acesso
aos mecanismos necessários para gerir com
qualidade este processo passa por um bom
domínio da informação e dos saberes de re-
ferência, que permitam ao indivíduo dominar
os códigos, tornando-se capaz de desenvol-
ver saberes e competências no contexto da
acção profissional.
Importa, pois, ter presente que a formação
dos educadores de infância implica, acima de
tudo, desenvolver pessoas, pessoal e profis-
sionalmente competentes, aos níveis cogni-
tivo, afectivo, de colaboração, cooperação e
de trabalho em equipa, não esquecendo as
qualidades de organização, estruturação e
criatividade. Por conseguinte, configura-se
como imperativo promover uma formação
humana, científica pluridimensional, realista
e prática (Cró, 1998).
Do mesmo modo, na formação inicial será
determinante apetrechar os futuros profis-
sionais com saberes de referência, sólidos, no
plano científico-profissional, estruturantes e
mapeadores do campo de conhecimento pro-
fissional, dotando-os de “competências de
produção articulada de conhecimento profis-
sional gerado na acção e reflexão sobre a ac-
ção, teorizado, questionante e questionável,
comunicável e apropriável pela comunidade
de profissionais” (Roldão, 2001, p. 13).
Perspectiva-se, assim, a formação de um pro-
fissional autónomo e competente, capaz de
lidar e partilhar diferentes quadros teóricos e
de se apoiar na construção de saberes para
repensar e recriar a prática.
Nesta linha de pensamento, defendemos
que a formação é um importante eixo de
intervenção, pois ao potenciar perspectivas
de análise crítica susceptíveis de produzir
mudanças pessoais, sociais e institucionais,
entre outras (Fernandes, 2001), é também de-
terminante na forma como o educador gere a
sua prática pedagógica.
Garantir o domínio de saberes científicos
de referência implica, por um lado, que o
modo como a relação com esses saberes
se estabelece seja intelectualmente activo,
preciso, rigoroso e crítico e, por outro, que
se ensine explicitamente a usar e a mobilizar
os saberes na análise reflexiva das práticas
(Roldão, s.d.)
Estas são responsabilidades também ine-
rentes à acção do supervisor, na medida
em que ele, como alguém mais experiente e
informado, ao orientar, também influencia,
competindo-lhe ajudar o aluno estagiário a
desenvolver-se e a aprender (Alarcão e Ta-
vares, 1987).
Situamo-nos, deste modo, no quadro de um
processo supervisivo que reconhece a impor-
tância da dimensão técnica, mas também a
importância de a desenvolver num contexto
reflexivo e num ambiente afectivo-relacional
em que cada um dos actores tem um papel
participativo e activo, que contribui para o
crescimento do outro num ambiente de fran-
queza, autenticidade e empatia (Gonçalves e
Gonçalves, 2002).
2. Aspectos metodológicos
Os pressupostos atrás enunciados constitu-
íram o ponto de partida para um estudo de
natureza qualitativa, que, como anteriormen-
te referimos, teve como protagonistas quinze
educadoras de infância cooperantes da ESE
de Faro, junto das quais realizámos entrevis-
tas semiestruturadas, cujos protocolos foram
sujeitos a análise de conteúdo, o que possibi-
litou a emergência de categorias, cuja leitura
compreensiva nos permitiu realizar a análise
interpretativa de dados, que, de seguida e em
parte, apresentamos.
3. Alguns dados mais significativos
O estudo mostra-nos como as educadoras de
infância que nele participaram representam
as Orientações Curriculares, que conceptua-
lizam como “linhas orientadoras, directrizes,
linhas mestras para a sua prática” e que as
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Orientações curriculares para a educação pré-escolar
e supervisão: um estudo com educadoras de infância cooperantes
consideram como um documento flexível e
orientador das práticas educativas, atribuin-
do-lhe grande importância, nomeadamente
no que se reporta à visibilidade socioeduca-
tiva da educação pré-escolar, à valorização da
imagem profissional do educador e à qualida-
de da educação pré-escolar.
No que respeita às mudanças provocadas,
verifica-se que, embora grande parte das
educadoras entrevistadas considere que as
Orientações Curriculares não determinaram
alterações na sua prática pedagógica, um ou-
tro grupo aponta mudanças ao nível da plani-
ficação, da organização e gestão do ambiente
educativo, da fundamentação – que passou
a ser mais rigorosa e consistente – e, ainda,
da articulação com o primeiro ciclo, ao nível
da transição.
Quanto às mudanças provocadas na pessoa
da educadora, prendem-se as mesmas com
uma maior valorização do seu trabalho, bem
como na relação de trabalho com as famílias,
o que terá contribuído para melhorar a ima-
gem social da educação pré-escolar.
As protagonistas identificaram ainda mu-
danças ao nível da instituição, mais concre-
tamente no seu posicionamento perante as
questões de carácter educativo.
Como aspectos inovadores das Orientações
Curriculares, emergem, sobretudo, o grande
investimento na avaliação e na reflexão sobre
a prática, a valorização da possibilidade dada
às educadoras de gerirem o ambiente educa-
tivo, a valorização do trabalho com as famílias
e, ainda, o lugar central que é dado à criança
no processo de ensino-aprendizagem.
No que respeita ao “uso” das Orientações
Curriculares na prática pedagógica, em ter-
mos genéricos, constata-se que as educa-
doras entrevistadas recorrem ao documento
sobretudo para organizar/sistematizar o tra-
balho, quer ao nível da planificação, quer na
elaboração dos diferentes projectos a realizar
na instituição, ou seja, para se orientarem, ou
esclarecerem dúvidas, e, ainda, para funda-
mentarem as suas opiniões ou decisões nas
mais diversas situações – na realização de
trabalhos, na relação com as famílias ou na
elaboração de documentos.
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Em termos pessoais, verificam-se conse- Na verdade, o discurso das entrevistadas in-
quências bastante significativas, na medida dica que passou a haver, após a publicação
em que a sua utilização parece ter determi- do documento, uma maior intencionalida-
nado uma maior motivação das educadoras, de, quer das práticas educativas, quer das
que passaram a sentir-se mais seguras e, práticas de supervisão. Estas terão deixado
portanto, mais conscientes da necessidade de ser, como refere Oliveira-Formosinho
de desenvolver uma prática pedagógica, que, (2002) tão “imediatistas”, “espontaneístas”,
numa perspectiva sistémica, procura envol- “ocasionais” e “pontuais”, isto é, demasiado
ver, de forma intencional, os diferentes siste- dependentes do decorrer do dia-a-dia, de-
mas que fazem parte da vida da criança. masiado emergentes e, consequentemente,
No entanto, ao tentarem pôr em prática os sem objectivos claramente definidos.
princípios enunciados nas Orientações Cur- De facto, para as protagonistas do estudo,
riculares, a estas educadoras depara-se-lhes as Orientações Curriculares alteraram positi-
com dificuldades de vária ordem, a saber: vamente a forma de entender e conceber o
a) falta de formação sobre o documento, processo supervisivo, nomeadamente torna-
que lhes dificulta o transferirem para a prá- ram mais fácil a comunicação com os inter-
tica os pressupostos nele contemplados; venientes no processo de supervisão, bem
b) dificuldades directamente relacionadas como terão ajudado a perceber o que se
com o contexto em que desenvolvem a sua pretendia no estágio, pelo que todo o pro-
actividade profissional e que, por vezes, as
impedem de agir da forma que lhes parece
mais adequada;
c) as recentes mudanças vividas no sistema
educativo, mais concretamente ao nível da
gestão dos estabelecimentos educativos, que
parece impedir que as educadoras ponham
em prática alguns princípios veiculados no
documento das Orientações Curriculares.
No que concerne às repercussões no pro-
cesso de supervisão, o estudo mostra-nos
haver uma relação entre o conhecimento
das Orientações Curriculares e a importân-
cia que lhes é atribuída e o modo como as
protagonistas concebem e orientam o pro-
cesso de supervisão, inferindo-se das suas
palavras:
- constituírem as Orientações Curriculares
um referencial teórico para a prática educa-
tiva que terá ajudado ou facilitado a melhor
entender o processo de supervisão e clarifi-
cado o papel e as funções do supervisor;
- terem as mesmas ´fornecido` matéria que
terá ajudado as supervisoras cooperantes a
definirem um “currículo da supervisão” (Oli-
veira Formosinho, 2002);
- terem as Orientações possibilitado a clarifi-
cação dos objectivos da prática pedagógica e
também da supervisão, bem como os meios
para os prosseguir.
 cesso se tornou mais claro e consistente.
Por outro lado, o estudo torna também
patente que as protagonistas encaram a
supervisão como um acto profissional, que
se baseia, sobretudo, numa relação de aju-
da, que implica uma reflexão constante e
partilhada, que é sustentada por processos
de interacção pedagógica contextualizados
e que assenta num conjunto de pressu-
postos que têm por fundamento teórico
os princípios enunciados nas Orientações
Curriculares.
Esta investigação torna, ainda, evidente
que as supervisoras sentem dificuldades
que se prendem, sobretudo, com a falta de
formação na área da supervisão, acerca das
Orientações Curriculares, o que, por conse-
quência, lhes causa insegurança, principal-
mente em termos teóricos, tanto na justifi-
cação como na argumentação das decisões
tomadas, ou, ainda, no tipo de ajuda e
acompanhamento às alunas estagiárias.
Considerações finais
O estudo possibilitou-nos uma percepção
mais concreta do modo como as educa-
doras cooperantes utilizam as Orientações
Curriculares para a Educação Pré-Escolar na
sua prática, bem como compreender qual a
influência do seu conhecimento no modo
como concebem e desenvolvem a supervi-
são. Por outro lado, permitiu-nos confirmar
o papel determinante da supervisora coo-
perante no desenvolvimento dos futuros
educadores de infância.
Estas constatações acentuam a necessida-
de de um maior investimento, por parte das
instituições formadoras, na formação das
supervisoras cooperantes. Uma formação
que incorpore as experiências e aprendiza-
gens anteriores destas profissionais e que
facilite o seu desenvolvimento profissional,
com influência necessária no desenvolvi-
mento e aprendizagem das crianças e alu-
nos estagiários.
Deste modo, torna-se necessário estreitar a
ligação entre a escola de formação e o local
de estágio, recorrendo a estratégias que fa-
cilitem a reconstrução do conhecimento e o
desenvolvimento dos seus actores e poten-
ciem a criação de alternativas com um refe-
rencial teórico comum, bem como articular
a formação dos supervisores cooperantes
com a formação dos futuros educadores,
uma e outra desenvolvendo-se sob os mes-
mos princípios teóricos e estratégicos.

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