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© EDIPUCRS, 2007

Capa: Vinícius de Almeida Xavier

Diagramação: Carolina Bueno Giacobo e Gabriela Viale Pereira

Revisão: Daniela Origem

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Z38a Zatti, Vicente


Autonomia e educação em Immanuel
Kant e Paulo Freire / Vicente Zatti. - Porto Alegre
: EDIPUCRS, 2007.

ISBN 978-85-7430-656-8
Publicação Eletrônica

1. Kant, Immanuel - Crítica e


Interpretação. 2. Freire, Paulo - Crítica e
Interpretação. 3. Educação - Filosofia. 4.
Autonomia - Educação. I. Titulo.
CDD 370.1

Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de Processamento Técnico


da BC-PUCRS

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EDIPUCRS:
Jerônimo Carlos Santos Braga - Diretor
Jorge Campos da Costa - Editor-chefe

Vicente Zatti, nascido em 19 de agosto de 1980 em Frederico Westphalen, é


Licenciado em Filosofia pela FAFIMC, Mestre em Educação na área de
Filosofia da Educação pela UFRGS, professor Substituto de Filosofia da
Educação na UFRGS e professor de História na Rede Municipal de Novo
Hamburgo.
AGRADECIMENTOS

O presente trabalho é parte de minha dissertação de mestrado


defendida na Faculdade de Educação da UFRGS. Agradeço aos
professores Dr. Laetus Mário Veit, Dr. Balduino Andreola, Drª. Rosa
M. F. Martini, Dr. Luiz Carlos Bombassaro e, também a Ana Maria
Freire.
"Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua
menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a
incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de
outro indivíduo.(...) Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu
próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento [Aufklärung]".

Immanuel Kant

Alguém poderia dizer que cada um de nós modifica a si mesmo, se


modifica até o ponto em que muda as relações complexas das quais é
o eixo.

Gramsci
 INTRODUÇÃO

 CAPÍTULO I - A AUTONOMIA

 CAPÍTULO II - O CONTEXTO FILOSÓFICO DO ILUMINISMO E A CENTRALIDADE


DA AUTONOMIA NA FILOSOFIA PRÁTICA DE KANT
2.1- O ILUMINISMO E SUA NOÇÃO DE AUTONOMIA
2.1.1 - Razão iluminista
2.1.2 - Antropologia iluminista
2.1.3 - O iluminismo radical
2.2 - ROUSSEAU E A AUTONOMIA
2.3 - KANT: HERANÇA E SUPERAÇÃO DA NOÇÃO DE AUTONOMIA
ILUMINISTA
2.4 - KANT: RAZÃO PRÁTICA E AUTONOMIA
2.5 - A PEDAGOGIA KANTIANA E A AUTONOMIA

 CAPÍTULO III - A HETERONOMIA A QUE PAULO FREIRE SE OPÕE


3.1 - A OPRESSÃO
3.2 - MASSIFICAÇÃO E MEDO DA LIBERDADE
3.3 - COLONIALISMO E INVASÃO CULTURAL
3.4 - SECTARIZAÇÃO E IRRACIONALISMO
3.5 - AÇÃO ANTIDIALÓGICA
3.6 - CONCEPÇÃO BANCÁRIA DA EDUCAÇÃO E A OPOSIÇÃO
PROFESSOR/ALUNO
3.7 - NEOLIBERALISMO E A ÉTICA DE MERCADO
3.8 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A HETERONOMIA HOJE

 CAPÍTULO IV - A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA EM PAULO FREIRE


4.1 - INCONCLUSÃO DO SER HUMANO E A AUTONOMIA
4.2 - EDUCAR É FORMAR: IMPRESCINDIBILIDADE DA ÉTICA E ESTÉTICA
4.3 - AUTORIDADE E LIBERDADE
4.4 - CURIOSIDADE, CRITICIDADE E A AUTONOMIA
4.5 - CONSCIENTIZAÇÃO E EDUCAÇÃO DIALÓGICA
4.6 - EDUCAR PARA TRANSFORMAR

 CAPÍTULO V - PENSAR A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA HOJE A PARTIR


DAS CONFLUÊNCIAS E DISSONÂNCIAS ENTRE KANT E FREIRE
5.1 - IMMANUEL KANT E PAULO FREIRE: CONFLUÊNCIAS E DISSONÂNCIAS
5.2 - FORMAÇÃO POLÍTICA E A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA
5.3 - FORMAÇÃO ÉTICA E A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA
5.4 - FORMAÇÃO ESTÉTICA E A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA

 CONCLUSÃO

 BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO

O interesse em pesquisar o tema autonomia e educação tomando como referência


Immanuel Kant1 e Paulo Freire2 surgiu a partir da constatação de situações do meio
escolar e social atual que levam a ou se caracterizam como situações de heteronomia.
Destaco dentre essas situações a forma como grande parte dos alunos desenvolvem
uma capacidade de compreensão insuficiente, se mostram arredios à leitura, seguem a
moda irrefletidamente, apresentam dificuldade em pensar por conta própria e discutir
criticamente os assuntos que envolvem, inclusive, seu cotidiano. A nível social destaco
a estetização do mundo da vida que leva ao individualismo, à indiferença com o
humano, à irresponsabilidade, à massificação e a conseqüentes formas de pensar e
agir homogeneizados, não autênticos e autônomos. Além disso, a razão instrumental
promove hoje a colonização de diversas esferas do mundo da vida, gerando uma
sociedade em muitos aspectos desumanizante e irracional, que prioriza o econômico
em detrimento do humano.

A realidade social permeada pela estetização, pela racionalidade instrumental, e


que se caracteriza como sociedade de massa, ecoa diretamente sobre a educação. Os
modelos educacionais elaborados a partir de um pensamento tecnicista-instrumental
não abordam a educação em sua totalidade formativa, se mostrando, portanto,
insuficientes na formação do educando enquanto homem e cidadão. Dessa forma,
sociedade e escola acabam gerando um ser humano incapaz de formular juízos
próprios e autônomos, incapaz de pensar certo3, como diz Paulo Freire, tanto no nível
de conhecimento como em nível moral. Permanecem as pessoas, então, dependentes
e determinadas por pensamentos, normas de conduta, ideais, projetos que não são
seus, normalmente "impostos" pelos meios de comunicação ou pelo senso comum
vigente. E a determinação passiva do sujeito pelo que lhe é externo é heteronomia. A
autonomia supõe que o sujeito seja capaz de fazer uso de sua liberdade e determinar-
se4.

Além do acima exposto, as condições sociais desfavoráveis como pobreza, miséria,


favelamento, em que grande parte da população brasileira vive, são elementos que
dificultam e até impossibilitam a autonomia. Em geral a pobreza econômica condiciona
a uma situação de pobreza cultural, o que dificulta e limita o exercício autônomo da
cidadania, pois, privados de boa formação, não conseguem estabelecer-se como
sujeitos no contexto social por não terem condições iguais de intercomunicação e não
terem condições iguais para disputar as oportunidades, inclusive de emprego. As
condições sociais desfavoráveis limitam o poder ser autônomo, tendo em vista que a
autonomia engloba tanto a liberdade de dar a si os próprios princípios, quanto a
capacidade de realizar os próprios projetos. Por isso, pensamos que é papel da escola
promover uma educação que leve o educando a pensar livremente e, também,
capacitá-lo para realizar os projetos que estabelece para si.

Mas por que estudar Kant e Paulo Freire para iluminar essa problemática?

Quem definiu o conceito de autonomia na modernidade e fez dele um conceito


central em sua teoria foi Kant. Nesse ideal viu o fundamento da dignidade humana e
do respeito, o que foi central para o desenvolvimento dos sistemas legais, dos sistemas
educacionais e da sociedade moderna como um todo. A concepção kantiana de
liberdade como autodeterminação influenciou muito a educação e o modelo escolar
criado a partir da modernidade. Mas para entendermos melhor a concepção de
autonomia de Kant, veremos também a concepção de autonomia defendida pela
filosofia de sua época, o iluminismo.

Paulo Freire traz uma contribuição extremamente importante para a educação,


especialmente de países em que situações de opressão são características marcantes,
como é o caso do Brasil. Ele formulou uma proposta educacional que procura
transformar o educando em sujeito, o que implica na promoção da autonomia. Seu
método propõe uma alfabetização, uma educação, que leve à tomada de consciência
da própria condição social. A conscientização possibilitaria a transformação social, pela
práxis que se faz na ação e reflexão. Teríamos, então, um sujeito emancipado de uma
condição social opressora. Em Freire, a libertação das heteronomias, normalmente
impostas pela ordem sócio-economica-educacional injusta e/ou autoritária, é condição
necessária para a autonomia.

As propostas de Kant e Freire possuem em comum uma aposta esperançosa na


humanidade, no potencial humano de fazer-se melhor e construir um mundo melhor.
A questão que se coloca nessa obra é refletir sobre as possibilidades de as concepções
de educação para a autonomia de Immanuel Kant e Paulo Freire iluminarem uma
educação que vise formar para a autonomia hoje, uma educação capaz de formar para
a superação das heteronomias do nosso tempo.

No primeiro capítulo, faço a definição do conceito de autonomia e uma exposição


da compreensão de autonomia de alguns pensadores ao longo da história. No segundo
capítulo, procuro demonstrar o contexto filosófico do iluminismo no qual o
pensamento kantiano se desenvolveu, definir a concepção de autonomia dos
iluministas e demonstrar contra quais heteronomias se colocam, demonstrar que a
concepção de autonomia dos iluministas é considerada heteronomia por Kant,
demonstrar porque no pensamento de Kant há a centralidade dos conceitos de
autonomia e razão prática, identificar contra quais heteronomias Kant se coloca. Ainda
no segundo capítulo, analiso os aspectos da pedagogia kantiana relacionados com o
problema da educação para a autonomia.

O terceiro capítulo procura analisar contra que heteronomias Paulo Freire se opõe,
o que será feito partindo de temas como opressão, massificação, medo da liberdade,
colonialismo, invasão cultural, prescrição, sectarização, irracionalismo, ação
antidialógica, concepção bancária de ensino, neoliberalismo, ética de mercado.
Também coloco aspectos da atualidade da questão heteronomia. O quarto capítulo se
debruça sobre a concepção de educação para a autonomia em Paulo Freire
procurando analisar como devem ser as relações professor/aluno e as relações sociais
para a promoção da autonomia, analisar a concepção antropológica e social freireana
bem como suas implicações em uma educação para a autonomia, demonstrar a
conscientização e a educação dialógica como necessárias para a libertação e gestação
da autonomia. O quinto capítulo procura comparar Freire e Kant estabelecendo
confluências e dissonâncias, destacar aspectos de ambos que auxiliam na problemática
atual e, a partir de ambos os autores, analisar a educação enquanto formação política,
ética e estética e suas implicações com a autonomia.
Essa obra não pretende ser um manual prático que oriente procedimentos para a
educação que vise à autonomia, pretende ser um trabalho teórico que pensa aspectos
de uma educação que forme para a autonomia hoje a partir de Kant e Freire. Ao
tratarmos do tema autonomia, sabemos que uma autonomia absoluta da forma como
foi pensada na modernidade não é possível. As estruturas sociais, o contexto no qual
estamos imersos, a debilidade da razão que possui seus limites, a nossa constituição
racional intersubjetiva impedem uma autonomia absoluta5. Mas defendemos a
possibilidade da emancipação do homem para a vivência da condição humana e
liberdade, a fim de poder determinar sua própria vida autonomamente. E a educação
possui papel central na formação desse homem capaz de desvencilhar-se das
heteronomias e fazer a si e ao mundo com autonomia.

CAPÍTULO I - A AUTONOMIA

Etimologicamente autonomia significa o poder de dar a si a própria lei, autós (por si


mesmo) e nomos (lei). Não se entende este poder como algo absoluto e ilimitado,
também não se entende como sinônimo de auto-suficiência. Indica uma esfera
particular cuja existência é garantida dentro dos próprios limites que a distinguem do
poder dos outros e do poder em geral, mas apesar de ser distinta, não é incompatível
com as outras leis. Autonomia é oposta a heteronomia, que em termos gerais é toda
lei que procede de outro, hetero(outro) e nomos (lei). Ferrater Mora (1965) define
autonomia como uma realidade que é regida por uma lei própria. Ainda sugere dois
sentidos para o termo autonomia: o sentido ontológico se refere a certas esferas da
realidade que são autônomas em relação às outras, por exemplo, a realidade orgânica
é distinta da inorgânica, o sentido ético se refere a uma lei moral que tem em si seu
fundamento e a razão da própria lei. O último sentido de autonomia foi desenvolvido
por Kant. Segundo Abbagnano (1962, p. 93), é bastante usada a expressão "princípio
autônomo" no sentido de que o princípio tenha em si, ou coloque por si mesmo, a sua
validez ou a regra de sua ação.

Mas a definição que nos parece mais apropriada por designar melhor o sentido de
autonomia é a do Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia: "Etimologicamente
autonomia é a condição de uma pessoa ou de uma coletividade cultural, que
determina ela mesma a lei à qual se submete".(LALANDE, 1999, p. 115). Como a
autonomia é "condição", como ela se dá no mundo e não apenas na consciência dos
sujeitos, sua construção envolve dois aspectos: o poder de determinar a própria lei e
também o poder ou capacidade de realizar. O primeiro aspecto está ligado à liberdade
e ao poder de conceber, fantasiar, imaginar, decidir, e o segundo ao poder ou
capacidade de fazer. Para que haja autonomia os dois aspectos devem estar presentes,
e o pensar autônomo precisa ser também fazer autônomo. O fazer não acontece fora
do mundo, portanto está cerceado pelas leis naturais, pelas leis civis, pelas convenções
sociais, pelos outros, etc, ou seja, a autonomia é limitada por condicionamentos, não é
absoluta. Dessa forma, autonomia jamais pode ser confundida com auto-suficiência.

Se autonomia é a condição de quem determina a própria lei, a condição de quem é


determinado por algo estranho a si é heteronomia. Segundo Lalande (idem),
heteronomia é "Condição de uma pessoa ou de uma coletividade que recebe do
exterior a lei à qual se submete". Situações como ignorância, escassez de recursos
materiais, má índole moral, etc, impõe determinações que limitam ou anulam a
autonomia, sendo caracterizadas, portanto, como heteronomia. A autonomia exige
uma existência que não é de antemão determinada, a fim de que o sujeito possa
exercer o poder de determinar-se.

Apesar de o conceito de autonomia ter sido definido e adquirido centralidade na


modernidade, especialmente com Kant, já no pensamento grego era desenvolvida uma
noção de autonomia. Ao longo da história essa noção vai adquirindo significados
diferentes e, assim, vai sendo elaborada. Por isso, para entendermos a concepção de
autonomia de um autor, precisamos olhar a qual heteronomia ele se opôs e o contexto
histórico e teórico que o envolvia.

Na Grécia antiga, historiadores como Tucídides e Xenofonte citam povos que se


rebelavam e buscavam sua independência (cf. BOURRICAUD, 1985, p. 52), o que
mostra a presença da idéia de autodeterminação política das cidades. Mas a noção de
autonomia dos historiadores gregos fica restringida à idéia de autodeterminação das
unidades políticas, as cidades. Ela é distinta da noção de soberania, de autarquia, de
poder absoluto. É aproximada do conceito de autarcia, suficiência, de não ter
necessidade de ninguém (cf. idem).

Platão (428/427 a.C. - 347 a.C.) desenvolve uma concepção pouco mais elaborada.
Ao definir uma comunidade perfeita, a define como autarcia, acrescentando o aspecto
da suficiência econômica.(cf. ibid). Em Platão a noção de autonomia ainda não possui
caráter moral, mas ele, indiretamente, contribui para o desenvolvimento do caráter
moral do conceito moderno de autonomia por ter pensado o autodomínio, somos
bons quando a razão governa e maus quando dominados por nossos desejos (cf.
TAYLOR, 1997, p. 155). Platão distingue entre partes superiores e inferiores da alma,
dominar a si mesmo é fazer com que a parte superior da alma controle a inferior, ou
seja, fazer com que a razão controle os desejos. O governo da razão instaura a ordem,
enquanto os desejos representam o reino do caos. Somos bons quando a razão passa a
governar e não somos mais dominados por nossos desejos (cf. idem, p. 156). "Ser
governado pela razão era estar voltado para as Idéias6 e, portanto, ser movido pelo
amor a elas" (ibid, p. 189). Enfim, para Platão ser governado pela razão, ser racional, é
ser senhor de si mesmo (cf. ibid, p. 157), pensamento que inclui uma noção de
autonomia. Em Aristóteles (384/383 a.C. - 322 a.C.) a noção de autarcia recebe uma
dimensão moral. Agora se refere ao indivíduo humano e o que ele visa na busca da
felicidade. O Bem se basta por si mesmo, é o seu próprio fim, é livre de toda
necessidade. Assim a felicidade e a autonomia se dão ao sujeito que possui tal
Bem7.(cf. BOURRICAUD, 1985, p. 52).

Os estóicos8, embora ainda não usassem o termo autonomia, trouxeram idéias que
contribuíram muito para a evolução da noção, como independência de toda regulação
e de todo constrangimento vindo do exterior, satisfação das próprias necessidades
sem que a cidade ou o indivíduo precise estar em dependência de outro. (cf. idem).
Para eles, há uma Razão divina (Natureza) que rege o mundo segundo uma ordem
necessária e perfeita, da mesma forma que o animal é guiado pelo instinto, o homem é
guiado, infalivelmente, pela razão (cf. ABBAGNANO, 1962, p. 356). Frente a isso, resta
ao homem escolher entre duas atitudes, uma de passividade e ignorância e outra de
consentimento reflexivo ou recusa. A autonomia do sujeito se situa ao nível de
julgamento, que compreende a capacidade de prever e escolher.(cf. BOURRICAUD,
1985, p. 52). A partir dessa dupla capacidade, qualquer um pode construir sua própria
personalidade, pode se guiar pela própria razão, saindo da dependência das emoções.
A contribuição mais original do estoicismo para a noção de autonomia é a identificação
entre liberdade e obediência à Razão. No entanto, os pensadores estóicos estavam
ainda distantes do sentido que a autonomia tem hoje, o qual foi definido a partir da
modernidade.

Na modernidade, Maquiavel (1469-1527) desenvolveu seu conceito pioneiro de


autonomia política, na obra Discursos (cf. CAYGILL, 2000, p. 42), combinando dois
sentidos de autonomia. Um primeiro como liberdade de dependência, e o segundo
como poder de autolegislar. Em Martinho Lutero (1483-1546) a autonomia como
liberdade de dependência passa a ser liberdade espiritual, interior, em relação ao
corpo e suas inclinações. Assim, o sujeito seria autônomo na medida em que estivesse
livre das inclinações do corpo e poderia obedecer a Deus (cf. idem).

Os iluministas apresentam uma noção de autonomia que é antítese à Escolástica 9, à


religião, à tradição10, ao Antigo Regime11 (Ancien Régime). Sua concepção de
autonomia se refere à razão que se dobra a evidências empíricas e matemáticas,
libertando o homem da superstição e da ignorância. Defendiam a razão natural como
uma espécie de tribunal contra o qual se despedaçaria toda e qualquer forma de
conhecimento sem credenciais construídas pela associação entre racionalidade
dedutiva e empirismo indutivo. Assim o homem, à revelia da tradição, da religião, deve
ousar pensar por si mesmo e não admitir nada, exceto o que discerne a partir da razão
e da experiência. A busca pela felicidade passou a ter importância central, por isso a
sensualidade passa a ser exaltada. Concebem o homem como mônada, ou seja, apenas
sua existência física é considerada. A autonomia aqui está ligada à possibilidade de
viver uma vida feliz, o que incluiria a vivência da sensualidade e a redução do
sofrimento que seria possibilitado pela razão com eficácia instrumental. A
caracterização do homem como mônada faz com que os iluministas percam o sentido
de autonomia como um todo, o tornando um conceito reduzido.

É em Kant que o problema da autonomia ganha maior força e centralidade, ele faz
uma transposição filosófica e crítica da autonomia religiosa de Lutero para a
autonomia moral. Ainda, Kant combina os dois sentidos usados por Maquiavel numa
explicação de determinação da vontade12. Autonomia, para ele, designa a
independência da vontade em relação a todo objeto de desejo (liberdade negativa) e
sua capacidade de determinar-se em conformidade com sua própria lei, que é a da
razão (liberdade positiva). Na obra Sobre a Pedagogia, ele vai propor a disciplina como
a parte negativa e a instrução como a parte positiva de uma educação formadora de
sujeitos autônomos.

Kant busca recuperar o sentido de autonomia considerando a totalidade do ser


humano, considerando a racionalidade em sentido mais amplo que o instrumental, o
que havia sido perdido pelos iluministas. No entanto, acaba perdendo o sentido
empírico da autonomia, não considerando devidamente o homem sensível em sua
corporeidade, o homem em sua busca pela felicidade. Kant recupera, em certo
sentido, a concepção de dignidade humana fundada por Descartes (1596-1650), o qual
liga a concepção de dignidade ao seu modelo de domínio racional. "Para Descartes, a
hegemonia da razão é uma questão de controle instrumental" (TAYLOR, 1997, p. 198).
Essa nova definição do domínio da razão traz consigo uma internalização das fontes
morais. Segundo Taylor (idem, p.200), quando a hegemonia da razão passa a ser
entendida como controle racional, como capacidade de objetificar o corpo, o mundo e
as paixões, ou seja, assumindo uma postura instrumental em relação a eles, a fonte da
força moral não pode mais ser vista como exterior a nós. "Se o controle racional é uma
questão de a mente dominar um mundo desencantado de matéria, então o senso de
superioridade do bem viver, e a inspiração para chegar a ele, devem vir da percepção
que o agente tem de sua própria dignidade como ser racional" (ibid). Em Kant, a
natureza racional existe como fim em si mesma, dessa forma, os seres racionais
possuem dignidade particular, e diferentemente do restante da natureza, são livres e
autodeterminantes. Kant retomou de Descartes a idéia da natureza racional como
fonte de dignidade, e a idéia de dignidade está inseparavelmente ligada à idéia de
autonomia.

Kant formulou sua posição a partir da crítica de certas posições de sua época que
denominou heterônomas por dependerem da vontade, de causas e/ou interesses
externos. Tais princípios heterônomos podem ser empíricos quando advindos do
princípio de felicidade e baseados no sentimento físico ou moral, ou racionais quando
advindos do princípio de perfeição e baseados em um conceito racional de perfeição
como um possível efeito de nossa vontade ou no conceito de uma vontade
independente (Deus) determinante de nossa vontade.(cf. CAYGILL, p. 170). Nesses
casos, teríamos uma vontade heterônoma, pois a lei é dada pelo objeto e, os princípios
daí produzidos seriam imperativos hipotéticos13. Nesse sentido, Kant se contrapõe a
tradição filosófica aristotélica14, cuja ética estabelecia a felicidade como o fim último
do homem, e as correntes filosóficas ligadas às religiões que situavam a fonte de
preceitos para o homem em um Deus ou outros seres exteriores ao homem.

Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1974a) a vontade autônoma


concebe para si a própria lei, por isso é distinta da vontade heterônoma cuja lei é dada
pelo objeto. A vontade é autônoma na medida em que não é simplesmente submetida
a leis, já que é também sua autora. O princípio da autonomia é o imperativo
categórico, sua formulação geral15 é: "Age apenas segundo uma máxima tal que possas
ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal" (KANT, 1974a, p. 223). Tal
princípio só é possível na pressuposição da liberdade da vontade; a vontade deve
querer a própria autonomia e sua liberdade consiste em ser lei para si mesma. A
formulação do imperativo categórico que se refere à autonomia é "a idéia da vontade
de todo ser racional concebida como vontade legisladora universal" (idem, p.231).
Segundo tal princípio, a vontade absolutamente boa não é simplesmente submetida à
lei moral universal, mas sim submetida de tal maneira que tem de ser considerada
também como legisladora ela mesma, por isso é submetida à lei que ela mesma é
autora (ibid). Daí este ser o "princípio da autonomia". Mas para que haja autonomia, a
lei promulgada pela vontade terá de ser uma lei universal válida para todo ser racional,
em caso contrário, a lei estará condicionada a algum interesse subjetivo, e a vontade
será dependente do objeto de interesse, e, portanto, heterônoma. "A autonomia da
vontade para Kant é a característica da vontade pura enquanto ela apenas se
determina em virtude da própria essência, quer dizer, unicamente pela forma
universal da lei moral, com exclusão de todo motivo sensível" (LALANDE, 1999, p. 115).
Quando a vontade é autônoma, promulga leis universais isentas de todo interesse, que
reclamam a obediência por puro dever, que é a própria idéia do imperativo categórico.
Dessa forma Kant considera a autonomia da vontade o princípio supremo da
moralidade (cf. KANT, 1974a, p.238). A esta idéia de autonomia se prende a idéia de
dignidade da pessoa. O ser racional ao participar da legislação universal, ao se
submeter à lei que ele próprio se confere, é fim em si, não possui valor relativo, mas
uma dignidade, um valor intrínseco. "A autonomia é pois o fundamento da dignidade
da natureza humana e de toda a natureza racional".(idem, p. 235).

Kant não foi um estudioso de educação, foi um filósofo, professor universitário que
se interessou pelos problemas da educação. Em seus textos encontramos muitos
pensamentos referentes à educação. Ele possui uma obra que trata especificamente
desse tema, traduzida para o português com o título Sobre a Pedagogia e publicada
originalmente por Theodor Rink, seu discípulo. No entanto, essa obra não é um tratado
sobre educação, é um conjunto de artigos resultantes dos cursos de Pedagogia
ministrados pelo filósofo entre 1776 e 1787. Não sabemos se Rink as publicou
integralmente e na ordem como foram escritas, mas sabemos que o próprio Kant
autorizou sua publicação. A idéia que perpassa toda a obra acima citada é a de uma
educação pelo exercício racional que leva à autonomia. "O homem não pode tornar-se
verdadeiro homem senão pela educação" (KANT, 1996b, p. 15). Esta afirmação de Kant
revela que a educação tem o papel de formar o homem. É pelo fato dos seres
humanos nascerem um nada, por não terem instintos que lhes determinem, que
precisam ser formados pela educação, precisam de sua própria razão para se tornarem
homens. Nesse sentido, o objetivo principal da educação será educar para a
autonomia, para que se possa fazer o uso livre da própria razão. Se objetivarmos uma
educação para a autonomia, temos que entendê-la como formação, como processo
percorrido, realizado pelo próprio homem.

Poderíamos objetar "contra" Kant que a educação não deve visar apenas à
autonomia ético-moral, mas também às condições para uma vida feliz. Para Kant,
somos autônomos na medida em que obedecemos a lei que damos a nós mesmos 16,
independente de qualquer causa alheia e de qualquer objeto. Essa concepção de
autonomia é "absoluta", pois submete o homem ao formalismo da lei moral, não
deixando espaço devido para a vivência de suas tendências sensíveis. Defendemos que
a autonomia também envolve a própria realização e felicidade. Discípulos de Kant
como Schiller (1759-1805) e Herder (1744-1803) perceberam isso e procuraram pensar
um homem mais inteiro, em sua totalidade. Atentos a isso, "Definamos o indivíduo
autônomo (em oposição à autonomia absoluta de Kant) como aquele que se
determina, não apenas pela sua razão, mas ao mesmo tempo pela sua razão e por
aquelas suas tendências que concordam com ela" (JACOB apud LALANDE, 1999, p.
115).
O projeto pedagógico de Kant, de certa forma, é continuador do projeto
pedagógico de Rousseau (1712-1778). "A educação para a razão e a liberdade
transforma-se no objetivo positivo do projeto pedagógico de Rousseau" (FREITAG,
1991, p. 17). Em Rousseau, educar para a razão e a liberdade implica em educar para a
autonomia. Para ele, "o impulso do puro apetite é escravidão, e a obediência à lei que
se estatuiu a si mesma é liberdade" (ROUSSEAU, 1973, p. 43). No contrato social a
vontade geral constrange a vontade particular a abrir mão de seus desejos inserindo a
noção de dever. Na passagem do estado de natureza para o estado civil, o homem
adquire moralidade, pode consultar sua razão antes de ouvir suas inclinações (cf. idem,
p. 42). Mas como submeter indivíduos a leis comuns e assegurar autonomia? Rousseau
postula uma identidade entre os indivíduos e faz dessa identidade um ideal a ser
realizado pela vontade de cada um, os quais reconhecem a liberdade dos outros como
condição para a própria liberdade. Assim a autonomia é um ideal que deve ser regra
de todos (cf. BOURRICAUD, 1985, p. 53).

Outro pensador, herdeiro da temática educacional desenvolvida por Rousseau e


Kant, que, portanto, faz da autonomia um dos principais objetivos da educação, é
Piaget (1896-1980). Segundo Kamii (1988, p.68), a partir da teoria de Piaget podemos
dividir a autonomia em dois aspectos, o moral e o intelectual. Para a autonomia moral,
é importante que as crianças tornem-se capazes de tomar decisões por conta própria,
que sejam capazes de considerar os aspectos relevantes para decidir o melhor
caminho a seguir. Isso implica aprender a levar em conta os pontos de vista das outras
pessoas, já que para este autor, a autonomia moral se alcança a partir da inter-relação
com as demais pessoas. Autonomia intelectual é a capacidade de seguir a própria
opinião, enquanto a heteronomia é seguir a opinião de outra pessoa. Nessa obra não
discutiremos as contribuições de Piaget quanto ao tema autonomia e educação devido
à delimitação necessária.

CAPÍTULO II - O CONTEXTO FILOSÓFICO DO ILUMINISMO E A CENTRALIDADE DA


AUTONOMIA NA FILOSOFIA PRÁTICA DE KANT

2.1 - O ILUMINISMO E SUA NOÇÃO DE AUTONOMIA

2.1.1 - Razão iluminista

Em termos gerais podemos dizer que iluminismo é "A linha filosófica caracterizada
pelo empenho de estender a crítica e o guia da razão em todos os campos 17 da
experiência humana" (ABBAGNANO, 1962, p. 509). O próprio Kant no Prefácio à
primeira edição da Crítica da razão pura, define a sua época como de crítica:

A nossa época é por excelência uma época de crítica à qual tudo deve submeter-se.
De ordinário, a religião, por sua santidade, e a legislação, por sua majestade, querem
subtrair-se a ela. Mas neste caso provocam contra si uma justa suspeição e não podem
fazer jus a uma reverência sincera, reverência esta que a razão atribui exclusivamente
àquilo que pode sustentar-lhe o exame crítico e público. (KANT, 2005a, p. 15).

A filosofia iluminista possui uma confiança decidida na razão humana, propõe um


despreconceituoso uso crítico da razão voltada para a libertação em relação aos
dogmas metafísicos, aos preconceitos morais, às superstições religiosas, às relações
desumanas e tiranas políticas, os quais representam para os iluministas heteronomia.
A libertação dessas heteronomias por meio do uso crítico da razão possibilitaria
experiências de autonomia.

A definição dada por Kant ao iluminismo18 talvez seja a mais conhecida e para esse
trabalho é com certeza a mais elucidativa:

Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele


próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento
sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a
causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e
coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem
coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento
[Aufklärung]" (KANT, 2005c, p. 63-64).

É bom lembrar que embora Kant seja um iluminista, ele se afasta do iluminismo em
aspectos essenciais, que serão esclarecidos ao longo do capítulo. Fica claro a partir da
citação acima, que em Kant o Aufklärung, significa mais que conhecer simplesmente,
acima de tudo, significa a realização de sua filosofia prática, que busca a moralização
da ação humana através de um processo racional. Segundo Rouanet (1987, p. 209) o
lema Sapere aude (ouse saber) refere-se à razão em seu sentido mais amplo, não
exclusivamente à razão científica. O Aufklärung implica na superação da menoridade,
que é uma condição de heteronomia, requer a decisão e a coragem de servir-se de si
mesmo, ou seja, de servir-se de sua própria razão para pensar por conta própria, e
guiar-se sem a direção de outro indivíduo. Segundo Mühl (2005, p. 309), o princípio
fundamental da pedagogia kantiana está relacionado à palavra Aufklärung, o
esclarecimento, dado pelas luzes da razão, "possibilita o indivíduo abandonar a
ignorância, permitindo sua ascensão a um nível superior de cultura, educação e
formação" (idem). Kant alerta que é difícil para um homem desvencilhar-se da
menoridade quando ela se tornou para ele quase uma natureza (cf. KANT, 2005c, p.
64). Mesmo assim, para que tal ocorra, nada mais se exige a não ser liberdade de fazer
uso público da razão em todas as questões (cf. idem, p. 65). Kant (ibid, p.66) entende
como uso público da razão aquele que qualquer homem, enquanto sábio, faz dela
diante do grande público letrado, todavia, entende como uso privado aquele que
qualquer homem pode fazer de sua razão em um cargo público ou função a ele
confiado. A liberdade de fazer uso público da razão é necessária para que possa haver
autonomia de pensamento (pensar por conta própria), autonomia da ação e também
autonomia da palavra.

A filosofia iluminista é otimista porque acredita no progresso por meio do uso


crítico e construtivo da razão. No entanto, a razão não é mais um complexo de idéias
inatas dadas antes da experiência nas quais se manifesta a essência absoluta das
coisas. A razão não é um conteúdo fixo, mas muito mais uma faculdade que só se pode
compreender plenamente em seu exercício e explicação.

Em suma, os iluministas têm confiança na razão - e, nisso, são herdeiros de


Descartes, Spinoza ou Leibniz -, mas, diversamente das concepções desses filósofos, a
razão dos iluministas é aquela do empirista Locke, que analisa as idéias e as reduz
todas à experiência. Trata-se, portanto, de uma razão limitada: limitada à experiência
e fiscalizada pela experiência. A razão dos iluministas é a razão que encontra o seu
paradigma na física de Newton, que não aponta para as essências, não se
perguntando, por exemplo, qual é a causa ou a essência da gravidade, não formulando
hipóteses nem se perdendo em conjecturas sobre a natureza última das coisas, mas
sim, partindo da experiência e em contínuo contato com a experiência, procura as leis
do seu funcionamento e as submete à prova. (REALE, 1990, p. 672).

Portanto, a razão iluminista é uma razão independente das verdades religiosas e


das verdades inatas dos racionalistas. Assim, a noção de autonomia iluminista se refere
a uma razão que se dobra a evidências empíricas e matemáticas.

O iluminismo proclama tanto para a natureza quanto para o conhecimento o


princípio da imanência. A natureza e o espírito são concebidos como plenamente
acessíveis, não como algo obscuro e misterioso.

Para descobrir essa lei devemos abster-nos de projetar na natureza as nossas


representações e os nossos devaneios subjetivos; devemos, pelo contrário, acompanhar
o seu próprio curso e fixá-lo pela observação, experimentação, medida e cálculo. Mas
os nossos elementos de mediação não devem basear-se somente em dados sensíveis,
devem decorrer igualmente a essas funções universais de comparação e de contagem,
de associação e distinção, que constituem a essência do intelecto. Assim, à autonomia
da natureza corresponde a autonomia do entendimento. Num só e mesmo processo de
emancipação intelectual, a filosofia iluminista procura mostrar a independência da
natureza ao mesmo tempo que a independência do entendimento. (CASSIRER, 1997, p.
74-75).

No discurso dos iluministas, natureza e razão aparecem em relação constante.


Segundo Hazard (sd, p. 95), "a natureza era racional, a razão era natural, acordo
perfeito". Dessa forma, para os iluministas, o conhecimento físico tinha potência quase
ilimitada, inclusive como possibilitador de autonomia para o homem. Para eles, o
homem não se reduz à razão, mas tudo pode ser investigado por meio da razão:
princípios do conhecimento, a ética, as instituições políticas, os sistemas filosóficos, as
crenças religiosas, sistemas educacionais. O homem autônomo para o iluminismo,
diferentemente do que para Kant, é esse homem imanente, que por meio de sua razão
pode a tudo submeter à investigação científica.

2.1.2 - Antropologia Iluminista

As antropologias do século XVIII têm em comum o objetivo de realizar o estudo


positivo do homem. A pluralidade de dimensões epistemológicas abre caminho à
fragmentação do saber em função da especialização crescente das diversas disciplinas,
tendo o homem como objeto comum. O iluminismo elevou a antropologia a
fundamento de todos os saberes, deslocando a teologia que até então realizava esse
papel.
A antropologia das "Luzes" é expressão de uma crença profunda na inteligibilidade
racional do domínio humano. Segundo Falcon (1986, p. 59), tendo como premissas
gerais o primado da razão e o caráter universal e eterno da natureza humana, os
iluministas desenvolvem os temas da humanidade, da civilização e do progresso.
Também, os iluministas ligam sua concepção de autonomia a esses temas.
A idéia de humanidade representa para os iluministas a imanência contra a
transcendência do homem, representa a afirmação do valor da realidade terrena em si
mesma, a importância das ciências do homem segundo princípios da ciência
experimental. O homem transcendente é para eles o homem heterônomo, já o
homem imanente, que possui verdades desse mundo fornecidas pelas ciências
experimentais, é o homem autônomo.

O iluminismo, em geral, considera o homem apenas em sua existência física.


Segundo Holbach (1725-1789), o homem como tudo mais no universo é um ser
inteiramente físico (cf. TAYLOR, 1997, p. 420). Para Helvétius (1715-1771) a dor e o
prazer físicos são os princípios ignorados de todas as ações humanas (cf. idem, p. 423),
portanto não há distinção de espécie alguma entre corpo e alma, e o homem é visto
como mônada, ou seja, apenas enquanto existência física. Tanto a razão quanto uma
visão moral não distorcida levariam o homem a lutar pela autopreservação e pela
satisfação, a fim de aumentar a felicidade. Nesse contexto, a sensualidade adquire
valor, e a vivência dos desejos que emanam espontaneamente do homem
representaria uma espécie de autonomia. O homem autônomo dos iluministas é um
homem sensualista, que busca satisfação na realização dos seus desejos e na
diminuição dos sofrimentos. Por isso, conforme Taylor (ibid, p. 415), a ética do
iluminismo é utilitarista, baseando o julgamento das ações em suas conseqüências.

Nas concepções de homem e de civilização iluminista, a pedagogia possui papel


essencial, "Só ela poderia propiciar a eliminação, no futuro, do abismo que separava os
espíritos bem-pensantes, moralmente bem-formados e socialmente bem-educados da
plebe ignorante, supersticiosa, inclinada aos maus costumes e mal-educada" (FALCON,
1986, p. 62-63). No entanto, a pedagogia é vista pelos iluministas como uma ciência
tão exata quanto a geometria, o que possibilitaria a ela produzir bons cidadãos,
homens esclarecidos e autônomos.

A noção de autonomia dos iluministas deriva de sua concepção antropológica e


pressupõe a imanência, a historicidade, o materialismo, a atividade do homem, que,
por meio do poder quase irrestrito das ciências, suplanta os mitos, as superstições,
medos, opressões, imoralidades e assim se constrói rumo a um progresso certo em
todos os campos de sua vida, garantido pela positividade, pela exatidão das ciências.
Ainda, é um homem que encontra a autonomia na vivência dos próprios desejos.
Caberia à educação formar esse homem "esclarecido", "autônomo".

2.1.3 - O Iluminismo radical

O ideal da razão auto-responsável como fonte de dignidade, herdado de Descartes,


desempenhou um papel essencial na radicalização do iluminismo. Sua realização mais
influente foi a postura de desprendimento radical, de suplantação da tradição, que
para os iluministas era fonte de heteronomia. Essa postura contribui para a definição
iluminista de filósofo como pensador autônomo. Vejamos como Diderot (1713-1784)
apresenta no verbete sobre o ecletismo:

Eclético é um filósofo que, calcando sob os pés o preconceito, a tradição, a


respeitabilidade, a concordância universal, a autoridade - numa palavra, tudo quanto
intimida o povo -, ousa pensar por si mesmo, ascender aos mais claros princípios
gerais, examiná-los, discuti-los e não admitir nada exceto pelo testemunho de sua
própria razão e experiência. (DIDEROT apud TAYLOR, 1997, p. 418).

O iluminismo trazia consigo o desejo de anular grilhões. Essa rejeição/libertação


compreende a negação da religião e da metafísica e a afirmação da bondade e da
importância da natureza. Para o iluminismo, o pleno exercício da razão auto-
responsável produz a maior clareza possível sobre sua própria natureza e seu
significado (cf. TAYLOR, 1997, p. 451). O exercício da razão desacorrentada leva ao
desmascaramento do erro, liberta a dignidade da natureza e possibilita a autonomia. O
resultado seria o progresso tanto do conhecimento quanto dos costumes. Para os
iluministas o avanço da racionalidade científica possibilitaria por si um "aumento" da
autonomia. Mas segundo Foucault (1996, p. 107-108), a relação entre crescimento das
capacidades científicas e o crescimento da autonomia não são tão simples quanto
supunham os iluministas. Para ele, as tecnologias diversas transmitiam formas de
relações de poder com fins econômicos ou de regulação social, o que em vez de
possibilitar a autonomia gerava uma nova forma de heteronomia.

Os iluministas radicais aderiram ao materialismo e ao ateísmo, não somente como


resultado final da razão auto-responsável, mas também como forma de serem fiéis às
exigências de sua concepção de natureza (cf. TAYLOR, 1997, p. 420). Para Holbach, por
exemplo, o homem é um ser inteiramente físico, e a dimensão moral é sua existência
física considerada relativamente a algumas de suas formas de agir (cf. idem). Assim, o
homem teria um impulso inerente de se autopreservar que corresponde ao amor por
si, que é uma tendência a buscar a felicidade, o bem-estar, o prazer. O homem lutando
por necessidade para preservar e aumentar sua felicidade é para ele, a verdadeira base
da vida moral e da autonomia.

O utilitarismo de Bentham (1748-1832) e Helvétius reconhecia apenas um bem: o


prazer (cf. ibid, p. 428). Queriam acabar com a distinção entre bens morais e não-
morais e tornar todos os desejos humanos dignos de consideração. Na sua teoria
moral, dor e prazer são os critérios da ação correta, mas não da forma como afetam
um indivíduo e sim da forma como afetam a todos. Devemos procurar a maior
felicidade para o maior número possível de pessoas. Essas concepções aparecem como
uma reivindicação de autonomia como auto-responsabilização e busca do aumento da
felicidade por meio do progresso racional. O ideal de auto-responsabilidade
influenciou Kant embora ele não o conceba exatamente como os iluministas. Já o
utilitarismo para ele, não atende a reivindicação de autonomia e é, portanto,
heteronomia.

Hume (1711-1776) também pode ser considerado um iluminista radical. Defendia


que o método do raciocínio experimental preconizado por Bacon (1561-1626) e
Newton (1642-1747), o qual já havia construído sólida visão da natureza física, deveria
ser aplicado também à natureza humana, ou seja, não apenas aos objetos, mas
também aos sujeitos. Ele reduz a origem das idéias a impressões, a hábitos, o que
contrapunha as idéias de ciência e metafísica dos filósofos racionalistas.
Nos Prolegômenos (KANT, 1959, p. 28), Kant afirma que foi Hume que o despertou do
"sono dogmático". Mas para Kant sua contribuição não vai muito além disso, todo
sistema filosófico kantiano vai ter como um dos objetivos contrapor-se ao empirismo
cético de Hume.
Para Hume as paixões são algo original e próprio da natureza humana,
independente da razão. A própria vontade pode ser redutível às paixões, ou ainda,
redutível a uma impressão que deriva do prazer e da dor. "Para ele, livre-arbítrio seria
sinônimo de não-necessidade, vale dizer, causalidade, constituindo assim, um absurdo.
Segundo Hume, aquilo que habitualmente se chama liberdade nada mais seria que a
simples espontaneidade, ou seja, a não coação externa" (REALE, 1990, p. 572). Ao não
considerar a determinação interna, Hume proclama a vitória do jogo das paixões, e
assim, nega a razão prática, nega que a razão possa guiar a vontade. Essa noção de
autonomia de Hume como simples ausência de coação externa para que as paixões
possam ser vivenciadas, é oposto ao defendido por Kant, e representa muito bem o
que este filósofo designou como heteronomia.

2.2 - ROUSSEAU E A AUTONOMIA

O utilitarismo simplificava a vontade humana ao dedicá-la apenas a felicidade,


promovendo uma espécie de nivelamento. Bem e mal se tornaram uma questão de
instrução, conhecimento e esclarecimento. A autonomia, para esses iluministas, era
uma questão que se referia à racionalidade científica e à vivência da própria felicidade.
Rousseau formulou uma nova concepção de autonomia, de um homem que não é
apenas corpo, mas também espírito, se distanciando, assim, dos iluministas.

Rousseau começou como amigo dos enciclopedistas, em especial de Diderot, e


acabou como inimigo, por haver um núcleo de discordância filosófica em seus
pensamentos (cf. TAYLOR, 1997, p. 456). Para Rousseau o mal humano não poderia ser
compensado pelo aumento do conhecimento ou do esclarecimento. Ele resgata a
noção fundamentalmente agostiniana de que o homem pode ter "dois amores", ou
seja, duas orientações básicas da vontade. O amor de si mesmo é o sentimento
naturalmente bom que nasce com o ser humano, o amor-próprio é o sentimento de
paixões "repulsivas" que surgem com a socialização. A socialização e o conseqüente
aumento do amor-próprio levam o homem à alienação, pois passa a comparar-se com
os demais e perde a busca de viver bem consigo mesmo19. Para Rousseau, ambas as
orientações de vontade, se permanecerem fechadas em si mesmas, serão vontades
heterônomas.

"Rousseau não pode aceitar a noção naturalista do Iluminismo de que o que


precisamos para nos tornar melhores é de mais razão, mais cultura, mais lumières"
(idem, p. 459). O progresso não necessariamente nos torna melhores, nem
autônomos, pelo contrário, é muito freqüentemente acompanhado pela decadência
moral. Para ele, o progresso da razão calculista é um dos indícios da corrupção. Essa
oposição entre moralidade e progresso não deve ser interpretada no sentido
primitivista. Rousseau não propunha a volta ao estágio pré-social20. A idéia de
recuperar o contato com a natureza é uma forma de escape da dependência calculista
do outro, por meio da fusão entre razão e natureza. A consciência é a voz da natureza
que se manifesta em um ser social que dispõe de linguagem e razão.

Ora, é do sistema moral formado por essa dupla relação consigo mesmo e com suas
relações com seus semelhantes que nasce o impulso da consciência. Conhecer o bem
não é amá-lo: o homem não tem o conhecimento inato dele. Mas logo que sua razão o
faz conhecer, sua consciência o leva a amá-lo: este sentimento que é inato.
(ROUSSEAU, 1995, p. 337-338).

Libertadas todas distorções devido à dependência do outro ou da opinião, a


vontade geral representa as exigências da natureza por meio da lei publicamente
reconhecida.
Para Rousseau, não somos individualmente autônomos, apenas o somos como
membros de um tipo especial de sociedade. Segundo Schneewind (2001, p. 559),
quando o contrato social cria uma nova idéia de bem comum o pensamento ativa em
cada indivíduo um amor inato que permite controlar os desejos privados e agir como
membros de um todo moral. Passamos a ser livres e autônomos porque podemos
romper com a escravidão dos nossos desejos e viver sob uma lei que proporcionamos
a nós mesmos21. No estado natural o homem desfruta de uma liberdade natural que é
física e não vai além de suas forças. No contrato social o homem renuncia a liberdade
natural em favor da liberdade civil, que é circunscrita pela vontade geral. No estado
civil o homem adquire liberdade moral, já que ele passa a obedecer à lei que ele
instituiu a si próprio em vez de seguir o impulso (cf. ROUSSEAU, 1973, p. 43). O papel
da educação seria de elevar a natureza do homem para além da animalidade, numa
esfera onde existem leis. Em outras palavras, também podemos dizer que o papel da
educação é tornar sociável a insociabilidade contida no amor de si mesmo e no amor-
próprio. Assim, o filósofo está na origem de concepções morais que fazem da
liberdade autodeterminante a chave para a virtude. Dentre elas, a de moralidade
como autonomia desenvolvida por Kant. Mas a concepção de autonomia de Rousseau
é para Kant heterônoma. Para este, a lei moral não pode ser definida por qualquer
ordem externa, nem pelo impulso da natureza em mim. Para que haja autonomia, a
moralidade não pode estar fora da vontade racional do homem.

2.3 - KANT: HERANÇA E SUPERAÇÃO DA NOÇÃO DE AUTONOMIA ILUMINISTA

Kant com sua concepção de autonomia refuta, principalmente, o deísmo, o


utilitarismo, o naturalismo, o voluntarismo, portanto, nesse sentido, se opõe também
aos iluministas. Esses, não deixam espaço para a dimensão moral e, dessa forma, para
a liberdade, pois a liberdade precisa de uma dimensão moral. Para Kant, a moralidade
não deve ser definida segundo qualquer resultado, mas sim segundo o motivo que é a
conformidade da ação com a lei moral.

Isso é liberdade, porque agir moralmente é agir de acordo com o que realmente
somos, agentes morais/racionais. A lei da moralidade, em outras palavras, não é
imposta de fora. É ditada pela própria natureza da razão. Ser um agente racional é agir
por razões. Por sua própria natureza, as razões são de aplicação geral. Uma coisa não
pode ser uma razão para mim agora sem ser uma razão para todos os agentes numa
situação relevantemente semelhante. Assim, o agente de fato racional age com base
em princípios, razões que são entendidas como gerais em sua aplicação. É isso que
Kant quer dizer por agir de acordo com a lei. (TAYLOR, 1997, p. 465).

A lei moral não deve ser definida de acordo com resultados específicos. Dessa
forma a decisão de agir moralmente é a decisão de agir com o propósito de conformar
a minha ação com a lei universal. Isso corresponde a agir segundo minha verdadeira
natureza raciona, e agir de acordo com as exigências de minha razão é ser livre. Para
Kant, a vontade dos seres racionais é capaz de promulgar a legislação universal a que
se submetem, e esse é o princípio da autonomia. Seguir apenas os ditames do desejo é
cair na heteronomia. Kant discorda da noção do humanismo iluminista segundo a qual
os desejos emanam de nós e a vivência deles representaria uma espécie de
autonomia. "A visão kantiana encontra sua segunda dimensão na idéia de uma
autonomia radical dos agentes racionais. A vida da mera satisfação dos desejos não é
apenas rasa, mas também heterônoma. A vida plenamente significativa é aquela
escolhida pelo próprio sujeito" (idem, p. 491). Segundo Vincenti (1994, p. 8), existir
como sujeito significa não precisar referir-se a outro ser ou existência para definir,
compreender ou justificar o que se é, sujeito é aquele que se sustenta ele mesmo na
existência, por isso a idéia de sujeito está ligada à autonomia. Para Kant, o que
realmente "emana de mim" é produzido pela razão, e ela exige que se viva de acordo
com princípios. Essa perspectiva se rebela contra as que afirmam que a ação é
determinada pelo fato dado, pelos fatos da natureza, em favor da própria atividade
como formuladora da lei racional.

A partir do pensamento de Kant podemos afirmar que tudo que há na natureza se


conforma com suas leis, exceto o homem. Isso porque o homem, na condição de ser
racional, conforma-se às leis universais que ele próprio formula. Por isso os seres
racionais são autônomos e têm uma dignidade particular22, se destacam da natureza
por serem livres e autodeterminantes. (cf. TAYLOR, 1997, p. 467). Esse status racional
nos impõe a obrigação de viver como agente racional. A natureza racional é a única
coisa que existe como um fim em si mesma. Esse caráter racional confere ao homem
dignidade, todas as outras coisas têm um preço, mas o homem possui dignidade. O
homem, como ser racional, possui valor absoluto e não pode jamais ser tratado como
meio, o que podemos ver em uma das formulações de Kant ao imperativo categórico:
"Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de
qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como
meio" (KANT, 1974a, 229). Por isso, na visão kantiana, a pretensão do naturalismo
iluminista em submeter também o homem às leis da natureza nada mais é que
heteronomia.

"O sentido da revolução copernicana23 consiste em ter ele acabado com o


predomínio absoluto do pensamento físico e da filosofia naturalista [...]". (MESSER,
1946, p. 342). A libertação do naturalismo iluminista que impunha uma necessidade
natural onipotente e não deixava lugar genuíno para a liberdade, consiste na
descoberta de que o objeto considerado pela física, a natureza, não é a realidade
absoluta. Assim, a natureza não é mais considerada coisa em si, mas sim o sistema
regular daquilo que o eu se representa. O eu se torna o Sol em torno do qual os
objetos giram. Ainda segundo Messer (idem, p. 343), Kant não teria realizado tal
revolução se seu pensamento não se achasse tão profundamente enraizado na sua
consciência moral, se não tivesse levado em conta a vontade que se determina a si
própria e a lei que a vontade impõe a si própria, ou seja, se não estivesse enraizado em
sua concepção de autonomia moral.

O conhecimento das ciências deve ser estimulado dentro de seus limites, não pode
ser a última instância para a nossa concepção de mundo e da vida. Kant está certo de
que o imperativo categórico da consciência é regulativo e que a vontade tem que ser
independente das leis da natureza. Ainda, com isso Kant pensa o homem como
cidadão de dois mundos, o mundo sensível do conhecimento natural e o mundo supra-
sensível da liberdade; assunto que retomaremos em seguida e é central para
entendermos a concepção de autonomia desse autor.

"Kant segue Rousseau em sua condenação do utilitarismo. O controle instrumental-


racional do mundo a serviço de nossos desejos e necessidades só pode degenerar num
egoísmo organizado [...]" (TAYLOR, 1997, p. 466). Kant parte das fontes morais da
internalização ou subjetivação, inauguradas por Rousseau, mas fornece uma nova
base. Para ambos, a lei moral vem de dentro e não pode ser definida por qualquer
ordem externa. No entanto, para Kant, ela não pode ser definida pelo impulso da
natureza "em mim", mas apenas pela razão prática que exige uma ação de acordo com
princípios gerais. Qualquer concepção moral que derive seus propósitos normativos de
uma ordem cósmica ou de uma ordem dos fins da natureza humana acarreta a
abdicação da responsabilidade de gerar a lei por nós mesmos e cai na heteronomia.
Assim, a exaltação da natureza como fonte é, para Kant, tão heterônoma quanto o
utilitarismo.

A concepção de autonomia de Kant também se alia aos antivoluntaristas. Ele


reprovava fortemente o pensamento de dependência de um ser racional às ordens e
aos desejos de outro, mesmo que este seja Deus, considerando essa concepção, de
certa maneira, oposta à nossa ação livre essencial. "A moralidade da autonomia
kantiana é decisivamente oposta ao voluntarismo, porque a racionalidade da lei moral
que guia Deus e nós é tão evidente para nós quanto para ele" (SCHNEEWIND, 2001, p.
556).

Kant não condena a razão instrumental voltada para o controle racional. Considera
que o desenvolvimento da razão instrumental, necessário para o homem superar
obstáculos da natureza e sobreviver, pode levá-lo à racionalidade em sentido mais
amplo (cf. TAYLOR, 1997, p. 468). Ele manteve-se um homem do Iluminismo, herda da
filosofia de sua época a problemática da maioridade e autonomia, mas se opôs em
aspectos essenciais. Preservou a centralidade da razão, mas a pensou em sentido mais
amplo que a razão instrumental. A diferença fundamental é que a questão crucial
quanto à autonomia para Kant é o crescimento em racionalidade, moralidade e
liberdade, não em felicidade.

O erro do naturalismo iluminista é ter interpretado mal o espírito com o qual a vida
deve ser vivida, o fim básico que deve presidir tudo. Não é a felicidade, mas a
racionalidade, a moralidade e a liberdade. O homem pode, de fato, atingir um alto
grau de civilização sem se tornar realmente moral. (idem).

Enfim, Kant manteve a leitura empírica e matemática da natureza que os


iluministas haviam recebido de Galileu e Descartes, no entanto a restringiu à natureza,
não a aplicando ao homem, como haviam feito os iluministas. Quanto ao homem, Kant
o pensou como dotado de alma espiritual com o poder de pensar o universal,
vinculando a isso, sua liberdade e dignidade, sua autonomia.

2.4 - KANT: RAZÃO PRÁTICA E AUTONOMIA


Na Crítica da Razão Pura, Kant demonstrou a possibilidade das ciências
matemáticas e naturais e acabou chegando à negação de uma metafísica que se apóia
na mesma objetividade e universalidade dessas ciências. A razão teórica ficaria
limitada ao âmbito da experiência. Só podemos conhecer os fenômenos que nos são
acessíveis pelos sentidos; liberdade, imortalidade da alma e Deus, temas da metafísica,
não são objetos de conhecimento. Rousseau já havia condenado a pretensão da
filosofia iluminista de buscar o bem no acréscimo de conhecimento. O progresso
humano no campo especulativo não significa o progresso moral do homem. A partir da
impossibilidade da metafísica enquanto conhecimento, Kant precisa construir uma
crítica para conhecer as possibilidades que a razão dispõe para elaborar uma
metafísica.

Na Crítica da Razão Prática, Kant demonstra que a razão pura é prática por si
mesma, ou seja, ela dá a lei que alicerça a moralidade, a razão fornece as leis práticas
que guiam a vontade. Leis práticas são princípios práticos objetivos, regras válidas para
todo ser racional. Elas se diferenciam das máximas que são princípios práticos
subjetivos, regras que o sujeito considera como válidas apenas para sua própria
vontade. "Admitindo-se que a razão pura possa encerrar em si um fundamento
prático, suficiente para a determinação da vontade, então há leis práticas, mas se não
se admite o mesmo, então todos os princípios práticos serão meras máximas" (KANT,
sd, p. 31).

Para Kant, se os desejos, os impulsos, impressões, ou qualquer objeto da faculdade


de desejar forem condições para o princípio da regra prática, então o princípio será
empírico, não será lei prática, não haverá unidade nem incondicionalidade do agir, e
assim, não garantirá a autonomia. A lei moral deve independer da experiência. Uma
vontade boa determina-se a si mesma, independentemente de qualquer causalidade
empírica, sem preocupar-se com prazer ou dor que a ação possa provocar. Uma moral
que se determina por causas empíricas cai no egoísmo. "Todos os princípios práticos
materiais são, como tais, sem exceção, de uma mesma classe, pertencendo ao
princípio universal do amor a si mesmo, ou seja, à felicidade própria" (idem, p. 33).
Para Kant a busca da felicidade própria concerne à faculdade inferior de desejar, ela se
relaciona às inclinações da sensibilidade e não à razão. O princípio do amor por si ou
da felicidade jamais poderiam servir de fundamento para uma lei prática, tendo em
vista sua validade que é apenas subjetiva. Cada um coloca o bem estar e a felicidade
em uma coisa ou outra, de acordo com sua própria opinião a respeito do prazer ou da
dor. Se formulássemos uma lei subjetivamente necessária como lei natural, seu
princípio prático seria contingente e não garantiria a autonomia.

Somente a razão, determinando por si mesma a vontade, é uma verdadeira


faculdade superior de desejar. "Um ser racional não deve conceber as suas máximas
como leis práticas universais, podendo apenas concebê-las como princípios que
determinam o fundamento da vontade, não segundo a matéria, mas sim pela forma"
(ibid, p.37). Um ser racional não pode conceber seus princípios subjetivos práticos,
suas máximas, como leis universais. A vontade para ser moral não deve determinar-se
pelo objeto, deverá abstrair a matéria da lei para reter-lhe apenas a forma, a
universalidade.
Em suma: ou um ser racional não pode conceber os seus princípios subjetivamente
práticos, isto é, as suas máximas como sendo ao mesmo tempo leis universais ou, de
forma inversa, deve admitir que a simples forma dos mesmos, segundo a qual se
capacitam eles para uma legislação universal, reveste esta de característico
conveniente e apropriado. (ibid).

Para o filósofo de Königsberg, a vontade só pode ser determinada pela simples


forma legislativa das máximas. A mera forma da lei só pode ser representada pela
razão e não pelas leis naturais que regem os fenômenos. A vontade deve ser
independente da lei natural dos fenômenos, e essa independência se denomina
liberdade. Então, a vontade que tem como lei a mera forma legisladora das máximas é
uma vontade livre. "A razão pura é por si mesma prática, facultando (ao homem) uma
lei universal que denominamos lei moral" (ibid, p. 41). A força da lei moral está em sua
absoluta necessidade e em sua universalidade. Ora, a universalidade da lei moral, para
Kant, significa que ela tem de valer não só para os homens, mas para todos os seres
racionais em geral (cf. KANT, 1974a, p. 214). Em Kant, universalidade significa
racionalidade, se o dever ordena universalmente é porque é racional. Já a absoluta
necessidade denota uma necessidade que não seja condicionada a nenhum outro fim,
mas que seja necessária por si mesma. Por isso a lei moral deve ser um mandamento,
um imperativo, que seja categórico e não hipotético. Em virtude de ser incondicional e
universal, o imperativo categórico possui apenas conteúdo formal, sendo, portanto,
uma fórmula. A lei moral deve ser assim formulada, em termos de imperativo
categórico24: "Age de tal forma que a máxima de tua vontade possa valer-te sempre
como princípio de uma legislação universal" (KANT, sd, p. 40). Segundo Kant, nós
temos consciência imediata dessa lei, ela se impõe como um fato, um fato da razão.
Mas não é um fato empírico, é o único fato da razão pura que se manifesta como
originariamente legisladora, impõe-se a nós de forma a priori.

Todavia, no homem, a lei possui [...] a forma de um imperativo, porque, na


qualidade de ser racional, pode-se supor nele uma vontade pura; mas, por outro lado,
sendo afetado por necessidades e por causas motoras sensíveis, não se pode supor nele
uma vontade santa, isto é, tal que não lhe fosse possível esboçar qualquer máxima em
contraposição à lei moral. Para aqueles seres a lei moral, portanto, é um imperativo
que manda categoricamente, porque a lei é incondicionada. (idem, p. 42).

A lei moral é para nós um dever. É a consciência do dever que nos mostra que a
razão é legisladora em matéria moral, que a razão é prática em si mesma e que o
homem é livre. A partir disso, Kant na Crítica da razão prática formula o seguinte
teorema: "A autonomia da vontade é o único princípio de todas as leis morais e dos
deveres correspondentes às mesmas" (ibid, p.43). O princípio da moralidade é a
independência da vontade em relação a todo objeto desejado, ou seja, de toda
matéria da lei e, ao mesmo tempo, a possibilidade da mesma vontade determinar-se
pela simples forma da lei. Assim, a liberdade possui o aspecto negativo e o positivo, os
quais convergem na idéia de autonomia. A lei moral apenas exprime a autonomia da
razão pura prática, ou seja, a liberdade.

Fica demonstrada assim a possibilidade e a centralidade da razão prática e da


autonomia na teoria kantiana:
Revela esta analítica que a razão pura pode ser prática, isto é, pode determinar por
si mesma a vontade, independentemente de todo elemento empírico; - e demonstra-o
na verdade mediante um fato, no qual a razão pura se manifesta em nós como
realmente prática, ou seja, a autonomia, no princípio da moralidade, por meio do que
determina a mesma a vontade do ato. - Por sua vez, a Analítica mostra que este fato
está inseparavelmente ligado à consciência da liberdade da vontade, identificando-se,
além disso, com ela. (ibid, p. 49).

A lei moral implica que a vontade possa ser livre na medida em que se determina
por um motivo puramente racional. Mas o homem está sujeito às leis da causalidade
enquanto pertencente ao mundo sensível, e por outro lado tem consciência que é livre
enquanto participante da ordem inteligível.

Pelo dever, o homem sabe, pois, que não é somente o que aparenta a si mesmo,
isto é, uma parte do mundo sensível, um fragmento do determinismo universal, mas é
também uma coisa em si, a fonte de suas próprias determinações. A razão prática
justifica assim o que a razão teórica tinha concebido como possível no terceiro conflito
da antinomia: a conciliação da liberdade que possuímos como noúmenos, com a
necessidade de nossas ações como objetos da experiência no fenômeno 25. (BRÉHIER,
sd, p.205).

Dessa forma, Kant confere ao homem dois mundos, o mundo da causalidade, no


qual não é possível prever grau de liberdade para um fenômeno físico e, o mundo da
liberdade26, que é o âmbito da razão prática no qual é possível autonomia. O homem é
considerado como fenômeno, sujeito à necessidade natural, e como coisa em si27, ou
livre. A liberdade só é possível porque a coisa em si não está determinada e, portanto,
não é cognoscível. A razão teórica não atinge o "ser noumênico", já a razão prática se
refere ao "ser noumênico". Assim, os conhecimentos devem limitar-se à síntese entre
a sensibilidade e categorias do entendimento, ou seja, aos fenômenos. Já no domínio
prático, "a razão se aplica a motivos determinantes da vontade, enquanto faculdade
de produzir objetos correspondentes, podendo determinar-se a si mesma,
engendrando sua própria causalidade, na sua atuação em relação a si mesma"
(MARTINI, 1993, p. 114). Assim, como participantes do mundo noumênico, somos
livres, e como participante do mundo fenomênico, somos determinados. No entanto,
segundo Bréhier (sd, p. 199), o determinismo é uma lei do nosso conhecimento, não
uma lei do ser, se aplica à realidade tal como a conhecemos, e não tal como ela é.

A distinção kantiana entre dois mundos abre um espaço legítimo para o livre-
arbítrio, já que o mundo noumênico não é determinado pelas leis da causalidade que
determinam o mundo fenomênico. Se o livre-arbítrio não deixar fundamentar-se pelo
dever, que é dado na razão prática, ou fundamentar-se em algo que é contrário a esse
dever, a ação será heterônoma. Em resumo, ação autônoma é aquela que se guia pela
própria lei, que é lei da razão prática, e ação heterônoma é aquela que se guia por algo
que é externo ou contrário à lei da razão prática.

Quando a vontade busca a lei, que deve determiná-la, em qualquer outro ponto que
não seja a aptidão das suas máximas para a sua própria legislação universal, quando,
portanto, passando além de si mesma, busca essa lei na natureza de qualquer dos
objetos, o resultado é então sempre heteronomia. (KANT, 1974a, p. 239).
Para Kant, a liberdade prática é, então, a independência da vontade em relação a
toda lei que não seja a lei moral. O homem não é determinado pela natureza, e, pelo
livre-arbítrio, pode escolher agir por dever, e nisso consiste sua autonomia. Ainda, a
distinção kantiana entre o caráter inteligível e o sensível, além de negar o
determinismo do homem pela natureza, nega o determinismo teológico. O homem
assume a reinvidicação de responsabilidade total.

No entanto, penso que a concepção de autonomia de Kant mantém a questão


estética subjugada ao dever, seu formalismo restringe demasiadamente o sentido
empírico, existencial da autonomia. Dessa forma, podemos dizer que Kant também
promove um reducionismo28 da autonomia, no entanto, no sentido inverso ao que os
iluministas haviam feito. E, é importante destacarmos que a dimensão estética deve
estar bem presente numa educação ou pensamento que vise formar para a
autonomia, por ser de caráter diretamente individuante, é instância que
necessariamente integra o ser autônomo do homem.

Na Crítica da razão pura e na Crítica da razão prática, Kant enfatiza a distinção


entre razão teórica e razão prática, na Crítica da faculdade do juízo ele aponta a
faculdade de julgar como possibilitadora da passagem de um domínio para outro,
propõe a tarefa de tentar uma mediação entre os dois mundos. Assim o entendimento
é a fonte dos conhecimentos, a razão o princípio de nossas ações e o juízo tem a
função de pensar o mundo sensível em referência ao mundo inteligível (cf. PASCAL,
1999, p. 177). É na faculdade do juízo29 que Kant encontra o intermediário procurado.
Dessa forma, Kant procura na terceira crítica resgatar a dimensão estética da
autonomia que fica subjugada ao formalismo da lei moral na segunda crítica. No
entanto, mesmo na terceira crítica, a idéia de felicidade permanece submetida à idéia
de dever e à universalidade, e, portanto, em Kant, a dimensão estética da autonomia
não é devidamente acionada. Segundo Suzuki (1989, p. 12), Schiller vai procurar acabar
a tarefa iniciada por Kant na Crítica da faculdade do juízo, conseguindo dar maior
ênfase à dimensão estética da autonomia.

2.5 - A PEDAGOGIA KANTIANA E A AUTONOMIA

Na obra Sobre a Pedagogia, Kant (1996b, p. 30) fala sobre a importância de a ação
educativa seguir a experiência. A educação não deve ser puramente mecânica e nem
se fundar no raciocínio puro, mas deve apoiar-se em princípios e guiar-se pela
experiência (cf. idem, p. 29). A partir da pedagogia kantiana, podemos dizer que uma
educação que vise formar sujeitos autônomos deve unir lições da experiência e os
projetos da razão. Isso porque no caso de basear-se apenas no raciocínio puro, estará
alheia à realidade e não contribuirá para a superação das condições de heteronomia e,
no caso de guiar-se apenas pela experiência, não haverá autonomia, pois para Kant a
autonomia se dá justamente quando o homem segue a lei universal que sua própria
razão proporciona.

Mas essa imprescindibilidade da experiência como caminho para a educação possui


segundo Philonenko (1966, p. 25-26) uma razão metafísica, a liberdade humana. Na
condição de livre, o homem não pode ser objeto de ciência, de conhecimento, como
pretendiam os iluministas. Apenas os fenômenos possuem uma essência determinada
pelas leis da natureza. As coisas podem ser conhecidas porque possuem uma essência
que o entendimento pode perceber a priori. No entanto, dizer que um ser é livre é
dizer que ele não tem essência que determine a sua existência, ou ainda, não ter
essência determinada é o que faz do homem livre. Por isso, não possuir a existência de
antemão determinada é um fator sem o qual não se pode falar em autonomia.

A tarefa central da educação é orientar um ser que não pode ser conhecido por não
ter essência determinada, e que, por isso, pode tomar diferentes direções, o homem é
livre e por isso ele pode ser educado. Mas, a liberdade está inclinada para o bem ou
para o mal? Kant não fala em uma natureza humana exatamente má, mas o homem
não nasce isento de vícios. No entanto, ao mesmo tempo em que nasce com
disposição para seguir impulsos, vícios, o homem nasce com a lei moral dentro de si.
Em Sobre a Pedagogia afirma: "A única causa do mal consiste em não submeter a
natureza a normas. No homem não há germes senão para o bem" (KANT, 1996b, p.
24). Com isso quis dizer que não pode se afirmar no homem uma vontade, uma razão
praticamente legisladora que desejasse o mal. Então, considerando seu caráter
inteligível, a humanidade é integralmente boa. Cabe ao homem optar por guiar-se pela
sua razão ou não. Mas ele será autônomo na condição de guiar-se pela razão, por isso
a educação deve objetivar a racionalidade, isso porque o ser racional pode promulgar
para si a lei universal e assim, ser autônomo. Já que o homem não nasce determinado
para o bem ou para o mal, Kant propõe uma educação como aprendizagem do
exercício das regras no plano teórico e prático.

Como Kant pensa o homem enquanto participante do mundo sensível e do


inteligível, propõe que a educação deve disciplinar para impedir que a selvageria, a
animalidade, prejudique o caráter humano (cf. idem, p. 26). Se nada se opõe na
infância e na juventude, o indivíduo conservará uma selvageria a vida toda. Por isso a
educação deve ter uma parte negativa que Kant chama de disciplina. A disciplina educa
para a obediência. No entanto, a obediência possui dois aspectos: o primeiro deve ser
obediência absoluta das determinações de um governante, e o segundo é a obediência
à vontade que o próprio sujeito reconhece como racional e boa (cf. ibid, p. 82). A
criança sendo habituada a trabalhar por constrangimento na escola está submissa a
uma obediência passiva, o que no início da educação é bom, para que ela discipline sua
vontade. Aos poucos a disciplina se interioriza e a criança passa a obedecer a si
mesma, quando descobre a liberdade. Torna-se então uma obediência voluntária, não
fundada na autoridade do outro, mas na obediência à razão30, a si mesmo,
descobrindo assim a autonomia. Dessa forma a educação moral kantiana conjuga
disciplina e liberdade. Por isso para Kant a disciplina não é oposta à autonomia, ao
contrário, a disciplina é necessária para que o homem aprenda a guiar sua vontade
pela razão e assim possa ser autônomo. A visão antropológica kantiana dualista
segundo a qual o homem é, ao mesmo tempo, um ser animal (irracional) e racional
auxilia o entendimento do papel da disciplina que é converter a animalidade em
humanidade. A disciplina, que é negativa, coage os impulsos animais para que o
homem se guie pela razão e assim, possa ser autônomo.

Para Kant, a disciplina é extremamente necessária para que a vontade não seja
corrompida pelas inclinações sensíveis. No entanto, a disciplina não pode tratar as
crianças como escravos, elas precisam sentir sua liberdade, mas de modo que não
ofendam os demais (cf. ibid, p. 53). O respeito à dignidade da criança sempre deve
estar presente para que não se promova um simples adestramento. A vontade da
criança não pode ser quebrada, o que acarretaria um modo de pensar escravo e,
portanto, heterônomo. Mas a vontade deve ser disciplinada para que possa se guiar
pela razão e assim haja autonomia. Em outras palavras, educação para a autonomia
em Kant não se funda na disciplina, embora ela seja necessária para "domar as
paixões" e "abrir espaço para a razão".

Quanto ao desenvolvimento, Kant distingue três períodos da educação: a educação


do corpo ou física, a educação intelectual e a educação moral (cf. PHILONENKO, 1996,
p. 43). A educação do corpo se refere aos cuidados materiais dispensados por quem
cuida da criança. Os dois aspectos principais que devem ser observados quanto à
educação do corpo a fim de gestar nas crianças a autonomia, são: educá-las para que
não sejam escravas das próprias inclinações e assim possam seguir a própria razão, e
proporcionar uma educação ativa para que as próprias crianças por meio de suas
atividades possam ir se desenvolvendo e desenvolvendo seus conhecimentos e
habilidades.
A partir da pedagogia de Kant, somos levados a pensar uma educação intelectual
que busca desenvolver as diferentes potencialidades humanas, não apenas, por
exemplo, a memorização. Segundo Philonenko (1966, p. 55), Kant resgata o verdadeiro
sentido de educação intelectual, ela deve ser antes de tudo um exercício da
inteligência. A educação deve ter uma finalidade interna, e o exercício de uma
faculdade contribui para o aperfeiçoamento das demais. Está aqui contida uma crítica
ao ensino tradicional, já que este sacrifica o entendimento, o juízo e a razão mesmo
em função de privilegiar a memorização. "O entendimento é conhecimento do geral. O
juízo é a aplicação do geral ao particular. A razão é a faculdade de distinguir a ligação
entre o geral e o particular" (KANT, 1996b, p. 67). Ele considera o cultivo da memória
necessário, já que o entendimento não acontece senão após impressões sensíveis, e
cabe à memória guardá-las (cf. idem, p. 68). No entanto, uma cultura fundada
exclusivamente na memória é superficial, pois forma pessoas que não podem produzir
por si mesmo algo razoável, constituindo-se como Kant fala, metaforicamente, "burros
de carga do Parnaso" (ibid, p. 67), e deformada porque aniquila o julgamento. Penso
que a memorização dissociada das outras capacidades forma um indivíduo sem
capacidade de pensar por conta própria, sem autonomia intelectual.

O perigo que subjaz numa educação que prime pela memória é que esta leve o
homem a servilidade. Uma pessoa servil não é capaz de dar as próprias regras, se
restringe a imitar ou obedecer aos demais, caracterizando uma situação de
heteronomia. Kant contrapõe o verbalismo da memorização sistemática em favor do
realismo pedagógico. "A memória deve ser ocupada apenas com conhecimentos que
precisam ser conservados e que têm pertinência com a vida real" (ibid, p. 69). Kant na
obra Sobre a Pedagogia (ibid, p. 88-89) afirma que a criança não deve se tornar um
imitador cego, sob a pena de que jamais seja um homem ilustrado e de mente serena.
"Entretanto, não é suficiente treinar as crianças; urge que aprendam a pensar" (ibid, p.
28).

Para Kant "O homem pode ser, ou treinado, disciplinado, instruído mecanicamente,
ou ser em verdade ilustrado" (ibid, p. 27). Os animais são treinados e o homem
também pode ser, mas para este, o treinamento é insuficiente. O treinamento não é
um fim e por isso não pode ser usado como conceito sintético que mediatiza natureza
e cultura, animalidade e humanidade, disciplina e liberdade. Como a educação consiste
em exercer uma espécie de imposição de limites sobre o estado da natureza a fim de
que a liberdade possa se expandir abrindo espaço para a cultura, Kant busca um
conceito sintético que concilie essa passagem e os dois conceitos de liberdade
subsumidos nela, liberdade como espontaneidade e liberdade como autonomia. Indica
esse conceito sintético no conceito de trabalho. "É de suma importância que as
crianças aprendam a trabalhar. O homem é o único animal obrigado a trabalhar. Para
que possa ter seu sustento, muitas coisas deve fazer necessariamente para tal" (ibid, p.
65). O trabalho traz consigo a necessidade, a submissão ao outro, o peso do mundo,
mas ao mesmo tempo o trabalho é liberdade, pois nele o homem se descobre obra de
si mesmo. Assim, liberdade e obediência são unidas sinteticamente na noção de
trabalho, mediante a passagem da natureza à cultura.

Concluindo, podemos ver que as Reflexões sobre a Educação de Kant encontram na


idéia de trabalho, na sua acepção mais ampla, uma forma de integrar experiência de
cada geração humana ao operar o mundo com a questão metafísica da liberdade que
permite a ligação dessas experiências a um ideal de humanidade esclarecida e
emancipada. (MARTINI, 1993, p. 113).

Kant nos inspira a pensar uma educação para a autonomia que busca desenvolver
as capacidades dos educandos para que tenham condições de perseguir as metas as
quais se propõe livremente. Os conhecimentos aprendidos na escola são importantes
por instrumentalizarem os sujeitos a realizar seus projetos aos quais se propõe
racional e livremente. Ou seja, o conhecimento, a razão teórica, pode alargar as
condições para que o homem seja autônomo. Conforme o pensamento de Kant, o
conhecimento pode possibilitar autonomia, idéia com a qual concordo, no entanto,
penso que a razão teórica não é tão inocente, tão neutra, quanto ele a pensava, o
conhecimento não está imune à ação das ideologias, e isso deve ser levado em conta
ao se pretender educar para a autonomia.

No pensamento educacional kantiano, com a educação moral chegamos ao termo


do desenvolvimento dos outros momentos da educação. A cultura moral deve fundar-
se sobre máximas e não sobre a disciplina (cf. KANT, 1996b, p. 80). A disciplina não se
justifica por si mesma, ela é necessária na medida em que prepara a inserção no
universo da razão. O primeiro esforço da cultura moral é lançar fundamentos para a
formação do caráter. "Caráter consiste no hábito de agir segundo certas máximas"
(idem, p. 81). Para Kant, a formação do caráter possui três traços essenciais: a
obediência, a verdade e a sociabilidade. A obediência possui um duplo aspecto, ela
pode ser obediência absoluta ou obediência reconhecida como boa e razoável (cf. ibid,
p. 82). A primeira procede da autoridade e é importante para que a criança aprenda o
respeito às leis que deverá seguir como cidadão. Mas a mais importante é o segundo
tipo de obediência que é voluntária. Como já vimos, a obediência deve interiorizar-se
para ser obediência a si mesmo, o que possibilitaria pensar por si mesmo, como ser
racional e ser autônomo. O segundo traço que se deve ter em vista na formação da
criança é a veracidade. "Este é o traço principal do caráter. Uma pessoa que mente não
tem caráter e, se há nela algo de bom, deriva-se do temperamento" (ibid, p. 86).
Verdade é sempre pensar de acordo consigo próprio, e mentir é entrar em desacordo
consigo mesmo. Esse desacordo promove o rebaixamento da dignidade humana.
Portanto em Kant, a idéia de verdade está ligada à idéia de dignidade, e esta à idéia de
autonomia. O terceiro traço da formação do caráter é a sociabilidade (cf. ibid, p. 87).
Ela envolve a disposição de sempre entender e se colocar na posição do outro. É bom
lembrarmos que autonomia não é auto-suficiência.

A consolidação do caráter consiste na resolução firme de pensar algo e realmente


colocá-lo em prática (cf. ibid, p. 93). A melhor maneira de solidificar o caráter moral é
através de deveres a cumprir. Estes podem ser deveres para consigo, se referem à
manutenção da dignidade humana em sua própria pessoa, ou para os demais, se
referem ao direito da humanidade. A educação deve fazer a criança perceber a
dignidade que há na própria pessoa e em toda humanidade (cf. ibid, p. 96). Ou seja, a
consolidação do caráter depende que a criança esteja impregnada não pelo
sentimento, mas pela idéia de dever. Já vimos que o homem não é bom nem mau por
natureza, porque ele não é moral por natureza. "Torna-se moral apenas quando eleva
a sua razão até os conceitos de dever e da lei" (ibid, p. 102). Também vimos que as
inclinações e os instintos o impulsionam para os vícios, enquanto sua razão o
impulsiona para a moralidade. A maior parte dos vícios provém do estado natural de
barbárie animal, por isso nossa destinação é sair desse estado, que é de heteronomia.
"[...] há uma lei do dever e esta não deve ser determinada pelo prazer, pelo útil ou
semelhante, mas por algo universal que não se guia conforme os caprichos humanos"
(ibid, p. 105). Esse algo universal é o imperativo categórico, lei universal que cada um
dá a si pela sua racionalidade e que é o princípio da autonomia.

A educação é uma das formas de realização da filosofia prática de Kant, por meio
da formação da criança, contribui para que na fase adulta possa agir de acordo com a
lei moral e assim, possa ser autônomo. O homem deve ser formado para poder ser
livre. A subordinação da educação à moralidade, promovida por Kant, a insere no
núcleo de sua filosofia prática.

Em Kant, a realização do bem e da liberdade não dependem do mundo sensível,


elas são construções do homem. "O que o homem é ou deve vir a ser moralmente,
bom ou mau, deve fazê-lo ou sê-lo feito por si mesmo. Ambos devem ser um efeito de
seu livre arbítrio" (KANT, 1974b, p. 384). Como no homem as disposições naturais não
se desenvolvem por si mesmas, o homem precisa fazer-se, precisa educar e ser
educado. É a conseqüência da liberdade humana, a radical auto-responsabilização que
incute no homem a necessidade de fazer a si mesmo. E para Kant, é na medida em que
o homem se constrói a si mesmo, guiado pela sua razão universal, que ele pode ser
autônomo. "Daí a importância da educação: o homem é resultado desse processo; é
uma construção. O progresso da sociedade vai depender do homem, especialmente no
que se refere a sua ação reguladora" (PRESTES, 1993, p. 67). O intuito de toda
educação no pensamento kantiano, tanto a física quanto a prática, vai propondo o
acompanhamento da criança para que ela possa tornar-se capaz de se guiar pela razão,
o que a torna capaz de ser livre, a torna autônoma. Nesse sentido, refuta o
espontaneísmo, a criança precisa ser acompanhada, orientada, disciplinada,
incentivada a agir por conta própria, para que deixe de se guiar pela sua natureza, seus
impulsos, e se guie pela razão e assim se construa como homem. Para tal, a ação é
imprescindível, a criança deve correr, jogar, saltar, etc, exercitar seus sentidos para
que suas potencialidades sejam desenvolvidas. "Aprende-se mais solidamente e se
grava de modo mais estável o que se aprende por si mesmo" (KANT, 1996b, p. 75). A
educação também deve ser essencialmente raciocinada para que a criança possa
aprender a servir-se do próprio entendimento e dar a própria lei em vez de copiar
mecanicamente regras, modelos, conhecimentos prontos. Na passividade ninguém é
autônomo e não se torna o próprio construtor, para tal é preciso ação racionalmente
dirigida.

A proposta kantiana é que o homem aprenda a pensar por si mesmo. "Pensar por si
mesmo significa procurar em si mesmo a suprema pedra de toque da verdade (isto é,
em sua própria razão); e a máxima que manda pensar sempre por si mesmo é o
esclarecimento [Aufklärung]" (KANT, 2005b, p. 61). Isso não significa apenas ter muitos
conhecimentos, pois, muitas vezes, pessoas com riqueza de conhecimentos mostram-
se menos esclarecidas que outras desprovidas de tais. Servir-se da própria razão é
perguntarmos em tudo que devemos admitir, se a nossa regra ou máxima pode se
estabelecer como princípio universal (cf. idem). Qualquer indivíduo pode realizar esse
exame, e ele é a garantia da libertação de superstições e devaneios. Por isso à
educação cabe habituar as crianças e jovens desde cedo a essa reflexão. Esse é um
trabalho penoso e demorado, pois há muitos obstáculos que dificultam a realização
dessa educação. No entanto, em Kant, é esse exame para ver se a própria máxima
pode ser um princípio universal que garante a autonomia. Fica claro a partir do
pensamento kantiano, que pensar por si mesmo não se dá apenas pelo conhecer,
antes de tudo, implica na realização da sua filosofia prática que busca a moralização da
ação humana através de um processo racional. Ainda, segundo Caygill (2000, p. 184),
Kant acreditava que a liberdade para pensar criava a capacidade para agir livremente,
embora o contrário não fosse necessariamente verdadeiro. Por isso a autonomia se dá
quando se pensa por si próprio.

Segundo Kant (2005b, p. 59), a liberdade de pensar se opõe à coação civil que
estabelece a submissão do sujeito a leis externas não reconhecidas como racionais e
boas, o que consiste em heteronomia. A coação civil quando retira do homem a
liberdade de falar, de escrever, também retira a liberdade de pensar, pois nós
pensamos em conjunto com as outras pessoas na medida em que nos comunicamos.
Portanto, a supressão da liberdade de comunicar também é supressão da liberdade de
pensar. Isso também pode acontecer quando alguém não tem acesso à educação
formal e de qualidade. Não ter acesso à escola, normalmente faz com que o sujeito
seja impossibilitado de manifestar-se ou não sinta necessidade de fazê-lo. Isso suprime
a autonomia de pensamento e a autonomia da palavra. Aqui se percebe a importância
de condições que possibilitem a concretização da autonomia, dentre elas, a educação
de qualidade.

Para Kant, a liberdade de pensar também se opõe à coação à consciência moral (cf.
idem), o que é promovido normalmente pela fé cega e irracional. Liberdade de
pensamento implica que a razão não se submeta a qualquer outra lei senão aquela que
dá a si própria (cf. ibid). Sem nenhuma lei nada pode exercer-se por muito tempo,
portanto, se a razão não quer se submeter à lei que ela dá a si própria, tem que se
curvar ao jugo das leis que um outro lhe dá e, nesse caso, a liberdade de pensar fica
perdida. Se a liberdade de pensamento proceder de modo independente da razão,
destrói-se a si mesma, cai em heteronomia.

No sistema filosófico kantiano há a primazia da razão prática sobre a razão pura,


tendo em vista que a consciência moral vai permitir atingir verdades metafísicas, o
mundo próprio do homem, que é dotado de razão e liberdade (cf. PRESTES, 1993, p.
68). Por isso, a grande tarefa da educação para a autonomia a partir do pensamento
de Kant é educar o homem para uma vida racional.

CAPÍTULO III - A HETERONOMIA A QUE PAULO FREIRE SE OPÕE

Paulo Freire no livro Pedagogia da autonomia afirma que o educador que trabalha
com crianças deve "estar atento à difícil passagem ou caminhada da heteronomia para
a autonomia" (FREIRE, 2000a, p. 78). Este é um dos grandes temas que atravessam o
pensamento de Freire. Ele não diz textualmente o que entende por autonomia e
heteronomia, mas a partir de seu pensamento sócio-político-pedagógico podemos
afirmar que autonomia é a condição sócio-histórica de um povo ou pessoa que tenha
se libertado, se emancipado, das opressões que restringem ou anulam a liberdade de
determinação. A autonomia tem a ver com o que Freire (1983, p. 108) chama de "ser
para si" e no contexto histórico subdesenvolvido dos oprimidos para quem e com
quem Freire escreve, autonomia está relacionada com a libertação. Já heteronomia é a
condição de um indivíduo ou grupo social que se encontra em situação de opressão,
de alienação31, situação em que se é "ser para outro" (idem, p. 38). Segundo o que
defendemos a partir de Freire, as opressões, em geral, vão configurar uma situação de
heteronomia, e uma educação voltada para a libertação pode conduzir as pessoas a
serem autônomas. Também destacamos que os escritos de Freire são uma denúncia
aos sistemas social, político, econômico, educacional, que favorecem a perpetuação da
heteronomia. Ele denuncia as realidades que levam a heteronomia e propõe uma
educação que busca construir uma realidade social que possibilite a autonomia,
propõe um processo de ensino que possibilite a construção de condições para todos
poderem ser "seres para si".

Freire cria um pensamento engajado, pensamento que é práxis32 com e para o


povo oprimido. Sua opção é pelos mais fracos, pelos esquecidos, em especial pelos
povos chamados subdesenvolvidos, que historicamente mais foram oprimidos com o
colonialismo, com os neocolonialismos, com as ditaduras militares e com o
neoliberalismo. Sua opção é de professor democrático e progressista que busca a
superação da heteronomia e construção da autonomia. Neste capítulo vamos ver quais
as heteronomias a que ele se opôs com seu pensamento.

3.1 - A OPRESSÃO

A opressão, realidade histórica concreta da qual parte da humanidade é vítima, é a


negação da vocação do homem de "ser mais" (FREIRE, 1983, p.35), é a negação da
liberdade, negação do homem como "ser para si" (idem, p. 189), portanto, a condição
de opressão é uma condição de heteronomia. Ao anular a vocação humana de ser
mais, a opressão insere a dura realidade de ser menos. A opressão se verifica hoje em
situações concretas como a miséria, a desigualdade social, a exploração do trabalho do
homem, as relações autoritárias, etc, situações que fazem o homem viver em condição
de heteronomia já que limitam ou anulam sua liberdade de optar e seu poder de
realizar. A opressão é uma realidade desumanizante "que atinge aos que oprimem e
aos oprimidos"33 (ibid, p. 35). A humanização é resultado da ação da própria
humanidade, é o homem que se faz homem, e isso só é possível porque possui
liberdade. Toda opressão, que em si mesma é alienante, leva o homem a ser para
outro e ser menos, é negação da liberdade humana, é negação de seu caráter criativo
e criador, é heteronomia.

Segundo Freire (ibid, p. 44-45), a proibição de ser mais estabelecida pela opressão é
em si mesma uma violência34. A resposta dos oprimidos a essa violência deve ser no
sentido de buscar o direito de ser, sua luta é no sentido de fazer-se homem. Nas
nossas sociedades, o processo de violência passa de geração em geração, o que vai
formando uma consciência possessiva do mundo e dos homens, tudo é transformado
em mercadoria, o dinheiro é a medida para tudo e o lucro torna-se o objetivo principal.
No momento em que por meio dessa ganância desmedida dispõe da vida de pessoas,
tirando-lhes a dignidade e a liberdade, transformando-as em coisa, as legam a situação
de heteronomia.

Para Freire (ibid, p. 52), a consciência do oprimido se encontra geralmente dentro


de um mundo mágico e mítico, o que faz com que o destino, a sina, a vontade de Deus,
sejam postos como causa da opressão. Nesse caso a causa é vista com caráter mítico,
sendo assim, inacessível, inatingível, a mudança torna-se irrealizável e a heteronomia
não é superada. Esse "fatalismo" (ibid) é um dos principais perpetuadores de situações
de menoridade, de opressão, de heteronomia, pois leva ao imobilismo. Outra
característica dos oprimidos é a "autodesvalia" (ibid, p. 55), ela ocorre quando o
oprimido introjeta a visão que o opressor possui dele. Daí consideram-se incapazes,
enfermos, dizem não saber nada, etc. Para superar a autodesvalia é necessário superar
a visão mítica do mundo e descobrir a verdadeira causa da opressão. Para Freire, é na
luta pela libertação que começam a crer em si mesmos e criam condições para superar
a condição de heteronomia.

Um aspecto que contribui para a continuidade de situações ou condições de


heteronomia é a adesão do oprimido ao opressor. O oprimido acaba adquirindo os
valores dos opressores, e assim o modelo de humanidade que vai procurar realizar é o
do opressor. Passa a defender a visão individualista de liberdade, o que lhe impede de
lutar pela própria libertação. "Em sua alienação, os oprimidos querem a todo custo
parecer-se com o opressor, imitá-lo, segui-lo" (FREIRE, 1980, p. 60). No momento em
que passam a desejar ser como o opressor, interiorizam suas opiniões e passam a
desprezar a si mesmos, a se ver como incompetentes, incapazes, etc. Isso representa
uma espécie de "dependência emocional" (FREIRE, 1983, p. 57), e constitui uma forma
de heteronomia, já que o oprimido não busca ser ele mesmo e ser para si, mas busca
ser como o opressor, e dessa forma, acaba sendo para o opressor. Muitas vezes, os
oprimidos se reconhecem como tais e buscam sair da opressão, mas isso, no contexto
de contradição e opressão em que vivem, significa ser opressor, por isso que libertação
precisa implicar em superação da contradição opressor-oprimido. É a superação da
contradição que traz ao mundo o homem novo, não mais oprimido nem opressor (cf.
idem, p.36), o homem que é para si, o homem autônomo.

3.2 - MASSIFICAÇÃO E MEDO DA LIBERDADE


Paulo Freire (1983, p. 34) observou que em muitos oprimidos, o que impede a
libertação é o medo da liberdade35, medo que os conduz a manterem-se na situação
de oprimidos, medo que impede a autonomia. O medo da liberdade surge a partir da
prescrição. "Toda prescrição é a imposição da opção de uma consciência a outra"
(idem). Por isso ela é alienante, faz com que uma consciência "hospedeira" (ibid, p.
35), a do oprimido, se guie por uma pauta estranha a si, a pauta dos opressores. Dessa
forma, o homem oprimido se encontra em uma situação de heteronomia, já que sua
consciência é pautada pelo outro (hetero) que o oprime. Os oprimidos "(...) introjetam
a 'sombra' dos opressores e seguem suas pautas, temem a liberdade, na medida em
que esta, implicando na expulsão desta sombra, exigiria deles que 'preenchessem' o
'vazio' deixado pela expulsão, com outro 'conteúdo' - o de sua autonomia" (ibid). De
acordo com Freire (ibid, p. 36), oprimidos vivem um trágico dilema entre querer ser e
temer ser. Ao se descobrirem oprimidos, descobrem que não são livres. A luta se trava
internamente, a vontade de serem autênticos, de expulsar o opressor, de sair da
alienação, de serem atores da própria vida (autônomos) entra em conflito com o medo
da liberdade. Por isso o autor diz que a libertação é um "parto doloroso" (ibid).

A massificação transforma os homens em seres passivos, acomodados, ajustados,


incapazes de decidir, sem liberdade, e, portanto, heterônomos. Por isso, o homem não
deve acomodar-se36 no mundo, e sim integrar-se37 no e com o mundo. "A integração
resulta da capacidade de ajustar-se à realidade acrescida da vontade de transformá-la
a que se junta a de optar, cuja nota fundamental é a criticidade" (FREIRE, 1977, p. 42).
A integração é um conceito ativo que envolve além do ajustamento, a opção e a ação
transformadora de um homem sujeito enraizado no seu mundo, por isso promove a
autonomia. A acomodação é fruto da prescrição que minimiza as decisões e faz com
que se perca a capacidade de optar, por isso impede a autonomia. A acomodação vai
implicar no simples ajustamento e na conseqüente massificação, situação em que a
liberdade do sujeito e sua autonomia são negadas. Freire (idem, p. 43) denunciou que
as tarefas do tempo do homem moderno em vez de serem fruto de decisão consciente
a partir da própria realidade, são decisões de uma elite que por meio da prescrição,
massifica, domestica, acomoda, rebaixando o homem à condição de objeto, fazendo-o
heterônomo.

A escola promove a massificação enquanto pratica a mera repetição de idéias


inertes, nega a participação, o debate e a análise dos problemas. Quando reduz a
teoria a verbalismo transforma o processo educacional em ato mecânico. A educação
que é verborosa, que prima apenas pela memorização mecânica, que não instiga o
educando a superar suas posições ingênuas, está contribuindo para formar um ser
humano com medo da própria liberdade, um ser humano incapaz de expulsar a
consciência hospedeira, incapaz de superar a massificação, e, portanto, um ser
humano que vive em condição heterônoma. Paulo Freire denuncia que o verbalismo
na cultura brasileira está relacionado à nossa experiência democrática: "Cada vez mais
nos convencemos, aliás, de se encontrarem na nossa experiência democrática, as
raízes deste nosso gosto pela palavra oca. Do verbo. Da ênfase nos discursos" (ibid, p.
95). O verbalismo revela uma atitude mental do nosso povo que está ligada à ausência
de criticidade e a superficialidade com que os problemas são tratados, há poucos
espaços democráticos para que sejam dialogados e aprofundados. A criticidade está
ligada à democracia (cf. ibid). Quanto menos democrática for uma nação, menor o
conhecimento crítico da realidade, menor a participação, as formas de perceber a
realidade serão ingênuas e as formas de expressá-la verborosas. Por isso, relações e
espaços antidemocráticos, autoritários, são geradores de heteronomia.

3.3 - COLONIALISMO E INVASÃO CULTURAL

Para Freire (1983, p. 189), sociedades colonizadas ou invadidas culturalmente são


sociedades alienadas. No Brasil, nos momentos em que houve princípio de
participação popular efetiva, surgiram assistencialismos ou forças impositoras que
procuraram imobilizar o povo brasileiro e manter o que Freire chama de sociedade
fechada (cf. FREIRE, 1977, p. 65s). A sociedade fechada, de que fala Freire, é a
sociedade colonial, escravocrata, sem povo, antidemocrática (cf. idem). O Brasil
cresceu em condições negativas às experiências democráticas, nossa colonização foi
fortemente predatória: exploração econômica, escravidão, concentração das terras,
mandonismos, falta de liberdade de expressão e de livre iniciativa, etc. (cf. ibid, p. 67).
Não havia o desejo por parte dos colonizadores de construírem uma nação, uma
civilização, sua empreitada era apenas comercial: enriquecer e voltar para a Europa. O
homem brasileiro surgiu nessa condição culturológica, ela é a origem do paternalismo,
do mutismo, da tradição pouco propensa ao diálogo e à democracia que nos
acompanha ao longo da história.

De acordo com Freire, como a economia colonial era marcadamente autárquica,


impediu a participação popular e o autogoverno, necessários para uma nação
constituir-se autonomamente. "Não há autogoverno sem dialogação, daí ter sido entre
nós desconhecido o autogoverno ou dele termos raras manifestações" (ibid, p. 70).
Não houve participação popular na vida pública do país, quem governava era um
poder externo ao povo, o senhor das terras, os fiscais da Coroa, nobres membros da
Coroa, etc, (cf. ibid, p. 71), o que criou uma consciência hospedeira da opressão,
consciência habituada a seguir leis e preceitos de outros, portanto, heterônoma, em
vez de consciência livre e criadora necessária para um regime democrático (cf. ibid).
Não houve uma vivência comunitária que pudesse criar um senso de participação. E
assim, proibidos de falar, proibidos de crescer, o país foi se formando em meio a
condições heterônomas.

Quando o Brasil iniciou a tentativa de criar um Estado democrático, o fez


importando modelos e sem considerar o contexto próprio, atitude típica de um povo
alienado culturalmente (cf. ibid, p. 79). Importávamos uma solução pronta para os
nossos problemas sem termos nenhuma experiência de autogoverno e sem que a
democracia fizesse parte de nossa cultura. Freire afirma que um dos problemas
cruciais para o Brasil é "O de conseguir o desenvolvimento econômico, como suporte
da democracia, de que resultasse a supressão do poder desumano de opressão das
classes muito ricas sobre as muito pobres. E de coincidir o desenvolvimento com um
projeto autônomo da nação brasileira" (ibid, p. 86-87). Hoje podemos afirmar que a
consolidação da democracia é fundamental para o desenvolvimento de um projeto de
nação autônoma, e a superação da alarmante desigualdade social é necessária para
mudar a condição de heteronomia a que milhões são submetidos devido à carência de
condições materiais.
Os sistemas coloniais, ao longo da história, invadiram também o contexto cultural
dos povos colonizados, impondo sua visão de mundo, ocorrendo assim, invasão
cultural. A invasão cultural é sempre alienante e violenta, uma forma perversa de
heteronomia. Segundo Freire (1983, p. 178), a invasão cultural possui dupla face, é ao
mesmo tempo dominação e tática de dominação. A invasão já é uma forma de
dominar econômica e culturalmente, de dispor, de objetificar o invadido. Mas a
invasão cultural também promove a alteração nos valores do invadido, fazendo com
que ele veja a realidade sob a ótica do invasor, e isso garante a estabilidade do invasor
e se torna uma tática de dominação. E, defendemos que pensar sob a ótica do outro
em vez de pensar por si mesmo, é heteronomia.

De acordo com Freire podemos afirmar que para ter êxito a invasão cultural precisa
convencer os invadidos de que eles são inferiores, assim passam a ver os invasores
como superiores, adquirem seus valores, seus hábitos, sua maneira de vestir, de falar,
de produzir, de pensar. Dessa forma, são submetidos a condições concretas de
opressão e são incapazes de lutar para se libertar delas, são incapazes de perceber a
própria heteronomia e se acomodam a ela. Por meio da submissão à opressão os
homens se alienam, pois passam a ser "seres para outro" (idem, p. 188), e assim,
passam a viver em uma condição de heteronomia. É importante destacar que o
homem é o único animal que é ser para si, e, assim, é o único que se desenvolve.
"Como seres históricos, como "seres para si", autobiográficos, sua transformação, que
é desenvolvimento, se dá no tempo que é seu, nunca fora dele" (ibid). Só há
desenvolvimento para os oprimidos quando superam a contradição opressor-oprimido
e se fazem seres para si. As sociedades também apenas podem se
desenvolver38 quando escaparem da alienação e forem "seres para si".

Segundo o pensamento de Freire, a sociedade que não busca o desenvolvimento,


que não busca ser para si, que não busca a autonomia, reforça as estruturas da cultura
do silêncio39 construídas ao longo da dominação. Freire (1980, p. 62) defende que há
relação necessária entre dependência e cultura do silêncio, já que ser silencioso é
seguir as prescrições daqueles que impõe a sua voz e não ter voz própria. "Ser
silencioso não é ter uma palavra autêntica, mas seguir as prescrições daqueles que
falam e impõem sua voz" (idem). Essa cultura do silêncio nasce das relações
opressoras do dominante em relação ao dominado (cf. FREIRE, 1982, p. 70). Podemos
afirmar que a invasão cultural é um exemplo disso, pois promove o silenciamento do
dominado enquanto impõe a forma de pensar do dominante. Outro exemplo é a
educação bancária, que procura silenciar o aluno para que ele seja uma espécie de
receptáculo dos conhecimentos do professor. Tanto a invasão cultural quanto a
educação bancária são opostas à autonomia, pois ao silenciarem, anulam a autonomia
de dizer a própria palavra.

Ainda, o silenciamento produzido nas relações de dominação entre as nações é


reproduzido no interior da sociedade colonizada. "O silêncio da sociedade-objeto, em
relação à sociedade-dirigente, repete-se nas relações que se estabelecem no seio da
mesma sociedade-objeto" (FREIRE, 1980, p. 65). Da mesma forma que as elites
silenciam frente ao país ou países dominadores, fazem que o povo silencie frente a
elas. Foi o que fizeram, por exemplo, os governos militares após o golpe de 1964,
adotaram uma política de servilismo em relação aos Estados Unidos e uma violenta
imposição de silêncio ao povo. Todas essas situações de silenciamento impedem a
autonomia das nações, sociedades, e indivíduos que vivem nelas.

3.4 - SECTARIZAÇÃO E IRRACIONALISMO

Toda relação de dominação, opressão, exploração é violenta, não importa se os


meios usados para tal o são (cf. FREIRE, 1977, p. 50). Toda desumanização é uma
forma de violência. Frente a tais situações as pessoas podem adotar atitudes
diferentes: radicais ou sectárias. Paulo Freire afirma ser um grande mal para a
sociedade brasileira o fato de o homem brasileiro, inclusive suas elites, em momentos
desafiadores da história do país ter "descambado" (idem, p. 51) para a sectarização. "A
sectarização tem uma matriz preponderantemente emocional e acrítica, por isso é
irracional. É arrogante, antidialogal e por isso anticomunicativa" (ibid). A sectarização,
como qualquer irracionalismo, é uma forma de heteronomia, já que a autonomia
supõe que o sujeito possa dar a própria lei ou os próprios princípios de sua ação pela
própria razão ou em concordância com ela.

Segundo Freire (ibid, p. 52), o sectário de esquerda, como o de direita, se põe


diante da história como seu único fazedor, como seu dono, por isso o povo não tem
importância, é reduzido à massa. O povo é apenas um meio para seus fins. O sectário
procura pensar pelo povo e o vê como "menor" que deve ser protegido. Freire (ibid, p.
50-51) coloca a radicalização como oposta a sectarização. A radicalização é
preponderantemente crítica, é dialógica, não procura impor sua opinião, é amorosa.
Ela não admite comodismos diante do poder opressor que desumaniza. Por isso não
aceita em silêncio a violência, mas sua ação não é ativismo, é ação submetida à
reflexão.

Conforme Freire (1983, p. 22), a sectarização se nutre pelo fanatismo, é mítica e


alienante, o contrário da radicalização que é crítica e libertadora. Libertadora porque
seu enraizamento engaja os homens na transformação concreta da realidade, criando
uma condição favorável à autonomia. "A sectarização, porque mítica e irracional,
transforma a realidade numa falsa realidade, que, assim, não pode ser mudada"
(idem). Portanto, é um obstáculo para a emancipação40 dos homens (cf. ibid). O
sectário em sua irracionalidade não percebe a dinâmica da realidade, o que lhe
impossibilita perceber a unidade dialética. Por isso mesmo o homem de esquerda ao
tornar-se sectário equivoca-se na sua interpretação pretendida dialética da realidade e
cai em posições fatalistas transformando o futuro em algo já dado, pré-estabelecido. O
sectário de direita pretende "domesticar" (ibid, p. 23) o presente para que o futuro
seja igual, pretende evitar que a transformação ocorra. Ambas formas são reacionárias
porque negam a liberdade, se fecham em suas verdades, em seus "círculos de
segurança" (ibid), fechando-se para o diálogo. Como é alienante, antidialogal,
irracional e mantém a situação de opressão, a sectarização é uma forma de
heteronomia.

O irracionalismo41 fez-se presente freqüentemente na história do país na defesa de


privilégios inautênticos. O povo, vítima dos altos índices de analfabetismo ou semi-
analfabetismo e historicamente sem hábito de participar ativamente, em muitos
momentos foi manipulado por irracionalismos. Isso reforça a necessidade de um
processo educativo que promova a responsabilidade social e política, de uma ação
educativa criticizadora, que promova o esclarecimento e emancipação do homem,
com acento cada vez maior de racionalidade42.

3.5 - AÇÃO ANTIDIALÓGICA

Para definir diálogo43, Freire (1977, p. 107) faz referência a Jaspers e afirma ser uma
relação horizontal entre A e B, que nasce de uma matriz crítica e gera criticidade. O
diálogo é oposto ao antidiálogo, que implica numa relação vertical de A sobre B. Dessa
forma o antidiálogo é acrítico, desamoroso, auto-suficiente, desesperançoso,
arrogante, por isso não comunica e impede a autonomia.

"Paulo Freire acredita que o dado fundamental das relações de todas as coisas no
Mundo é o diálogo. O diálogo é o sentimento do amor tornado ação" (BRANDÃO,
1991, p. 103). Dessa forma, a relação entre homem e natureza é regida originalmente
pelo diálogo, a natureza se dá ao homem que por meio do seu trabalho sobre ela cria a
cultura. É pela relação dialógica homem/natureza que o mundo é transformado e a
história é feita. A relação entre os homens é outro momento do mesmo diálogo. "O
trabalho é uma relação entre os homens através da natureza" (idem, p. 104). Por isso,
o trabalho deveria ser o principal domínio de diálogo entre os homens, que por meio
dele humanizariam o mundo. A história concreta do homem nega o diálogo de muitas
formas. Relações sociais em que uns sobrevivem do trabalho dos outros, em que uns
criam aparatos culturais, econômicos, tecnológicos, para explorar e oprimir, são
exemplos disso. Inclusive o sistema educacional, às vezes, é usado em favor da
manutenção do antidiálogo, da opressão, de um sistema social que leva à
heteronomia.

Característica bastante comum na educação antidialógica é o verbalismo. "Este


modo de pensar, dissociado da ação que supõe um pensamento autêntico, perde-se
em palavras falsas e ineficazes" (FREIRE, 1980, p. 87). Para Freire a palavra autêntica é
práxis44, deve manter o diálogo constante entre teoria e prática. Por isso, também a
palavra que é só ação se transforma em ativismo. O diálogo é incompatível com a
auto-suficiência e exige um pensar autêntico. Pensar que percebe a realidade
historicamente e assim é capaz de superar a dicotomia homem-mundo. O homem é
um ser da práxis, do quefazer, diferente dos animais que são seres do puro fazer. "Os
homens, pelo contrário, como seres do quefazer, 'emergem' dele e, objetivando-o,
podem conhecê-lo e transformá-lo com seu trabalho" (FREIRE, 1983, p. 145). O que
torna o homem ser do quefazer é o fato de seu fazer ser ação e reflexão, ser práxis (cf.
idem). Quefazer é o fazer do homem que é teoria e prática, ação e reflexão. De acordo
com Freire, podemos dizer que os dominadores negam às massas populares a práxis
verdadeira, o direito de dizer sua palavra. Para eles as massas não devem admirar,
questionar, denunciar e transformar o mundo, devem apenas se adaptar à realidade
que eles, dominadores, determinam.

Freire (ibid, p. 156) denuncia que a ideologia opressora promove a absolutização da


ignorância. Dessa forma, os opressores se reconhecem como os que nasceram para
saber e reconhecem nos outros o seu oposto. Assim o diálogo fica impossibilitado e a
opressão, a heteronomia se mantém. A desmistificação dessa idéia de ignorância das
massas deve ser fruto do processo de libertação, os opressores jamais vão fazer isso,
pois eles se beneficiam dessa situação. Aliás, o antidialógico, o dominador, quer
conquistar aquele que lhe é oposto.

Toda conquista implica num sujeito que conquista e num objeto que é conquistado.
O sujeito da conquista determina suas finalidades ao objeto conquistado, que passa,
por isto mesmo, a ser algo possuído pelo conquistador. Este, por sua vez, imprime sua
forma ao conquistado que, introjetando-o, se faz um ser ambíguo. Um ser, como
dissemos já, "hospedeiro" do outro. (ibid, p. 162).

A conquista do oprimido é um traço marcante da ação antidialógica. Por meio dela


os opressores matam a admiração que os oprimidos têm pelo mundo, inculcando neles
a admiração por um falso mundo. Esse falso mundo é um engodo, é um mundo mítico,
irreal para as camadas populares, que assim mantêm-se cada vez mais alienadas, cada
vez mais imersas na heteronomia. Para manter essa situação de conquista, de
alienação e heteronomia vários mitos45 são mantidos pela ordem opressora (cf. ibid, p.
163). Um deles é que a ordem opressora é ordem da liberdade, de que todos são livres
para fazer o que quiserem, trabalhar onde quiserem (cf. ibid). Há muitos outros mitos
como: todos por meio de seu esforço podem se tornar empresários bem sucedidos,
todos tem direito a educação, todos são iguais independente da classe social que
ocupam, o assistencialista é generoso, a revolução é um pecado contra Deus, uns são
inferiores e outros superiores, etc. (cf. ibid, p. 164). Paulo Freire (ibid) denuncia que
esses mitos são introjetados nas massas populares pelos meios de comunicação. Eles
são um dos principais mecanismos que mantêm a estrutura social opressora e
desumanizante e que geram heteronomia.

Outra forma antidialógica que os dominadores usam para manter seu status quo é
a divisão das massas populares (cf. ibid, p. 170). Dividido, o povo é presa fácil para a
dominação, ou seja, não possui força para se libertar, para tornar-se autônomo, e
como nos diz Freire, a forma que os homens possuem para se libertar, para Ser Mais, é
em comunhão (cf. ibid, p. 86). Ainda, outra característica da ação antidialógica é a
manipulação das massas oprimidas (cf. ibid, p. 172). Pela manipulação os opressores
conformam as massas de acordo com seus interesses e objetivos. "A manipulação, na
teoria da ação antidialógica, tal como a conquista a que serve, tem de anestesiar as
massas populares para que não pensem" (ibid, p. 174). É a manipulação que impede ao
oprimido de pensar certo, que implicaria na conscientização, caminho para a
libertação. As elites sabem disso e por isso obstacularizam aos oprimidos pensar. E,
pensar por si mesmo é imprescindível para que alguém seja autônomo.

Defendemos que uma estrutura social rígida, dominadora, antidialógica, favorece o


desenvolvimento de pessoas que aceitam a dominação. Também favorece para que as
pessoas e instituições que participam dela sejam antidialógicas. Assim, as relações
entre pais e filhos, por exemplo, acabam refletindo as condições autoritárias e
dominadoras do contexto social. Quanto mais autoritária for a sociedade, mais
freqüente é o autoritarismo dos pais e dos mestres, e mais esse autoritarismo será
introjetado nos filhos e alunos. Com isso, cria-se uma cultura de acatar
irrefletidamente os preceitos verticalmente estabelecidos, apenas obedecer sem
pensar. E isso é impossibilitador da autonomia, já que ela pressupõe que o sujeito
possa pensar por si mesmo e para tal, as relações devem ser dialógicas, não
autoritárias.
3.6 - CONCEPÇÃO BANCÁRIA DA EDUCAÇÃO E A OPOSIÇÃO PROFESSOR/ALUNO

Exemplo de educação antidialógica é a "concepção bancária da educação" (FREIRE,


1983, p. 66), a qual mantém a contradição entre educador-educando (cf. idem, p. 67).
A concepção bancária distingue a ação do educador em dois momentos, o primeiro o
educador em sua biblioteca adquire os conhecimentos, e no segundo em frente aos
educandos narra o resultado de suas pesquisas, cabendo a estes apenas arquivar o que
ouviram ou copiaram. Nesse caso não há conhecimento, os educandos não são
chamados a conhecer, apenas memorizam mecanicamente, recebem de outro algo
pronto. Assim, de forma vertical e antidialógica, a concepção bancária de ensino
"educa" para a passividade, para a acriticidade, e por isso é oposta à educação que
pretenda educar para a autonomia.

Freire denuncia que a narração e a dissertação são características marcantes da


educação bancária. "Narração ou dissertação que implica num sujeito - o narrador - e
em objetos pacientes, ouvintes - os educandos" (ibid, p. 65). Mantendo a contradição
entre educador e educando, a narração não promove a educação: "narração de
conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-se algo quase
morto" (ibid). Essa educação apresenta retalhos da realidade de forma estática, sem
levar em conta a experiência do educando. "Desta maneira, a educação se torna um
ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o
depositante" (ibid, p. 66). Por isso, Freire a chama de concepção "bancária da
educação" (ibid, p. 67), em que cabe ao educando apenas ser depósito, arquivar
informações. Mas, como nos fala Freire, "os grandes arquivados são os homens" (ibid),
na medida em que essa educação sem práxis nega a criatividade, não há
transformação, não há saber, os homens não podem tornar-se autônomos. A visão
bancária possui papéis rigidamente definidos, o educador é o sábio que possui o
conhecimento enquanto o educando é sempre aquele que não sabe. Em resumo, o
educador é que educa, sabe, pensa, diz a palavra, disciplina, opta e prescreve a opção,
atua, escolhe o conteúdo programático, identifica a autoridade do saber com sua
autoridade funcional, e finalmente, é o sujeito do processo. Os educandos, ao
contrário, são educados, não sabem, são pensados, escutam docilmente, são
disciplinados, seguem a prescrição, têm papel passivo, não são ouvidos, devem
adaptar-se às determinações do educador, e são meros objetos (cf. ibid, p. 66-67). Por
isso, nessa visão distorcida de educação os homens são seres de adaptação e
ajustamento. O problema é que quanto mais são tratados como depósitos, menos
serão capazes de consciência crítica e de libertarem-se da situação de opressão. Essa
educação autoritária inibe a capacidade de perguntar, poda a curiosidade (cf. FREIRE e
FAUNDEZ, 1986, p. 46), gera um homem passivo, ingênuo, que não é capaz de um
pensar autêntico. Assim, há a aceitação passiva das estruturas que tornam os homens
seres para outro, heterônomos. Ela, em vez de transformar o homem em ser
autônomo, de realizar sua vocação de Ser Mais, o torna autômato 46, o que é uma
forma de heteronomia.

A educação bancária mantém a "inconciliação entre educador-educando" (FREIRE,


1983, p. 71) e também sugere uma "dicotomia inexistente homens-mundo" (idem), na
medida em que põe os homens como meros "espectadores e não recriadores do
mundo" (ibid). Por isso, a educação bancária condiciona as pessoas para que se
adaptem ao mundo, vivam nele aceitando a opressão sem se revoltar contra os
patrões, os governantes, ou quem quer que possa os oprimir. Ou seja, para que
trabalhem, cumpram as leis, sem questionar o próprio papel que ocupam na
sociedade. Isso nega o homem como sujeito de suas ações e como ser de opção. Dessa
forma, a educação bancária é educação como prática da dominação, mantém o
educando na ingenuidade e assim, ele se acomoda ao mundo de opressão,
permanecendo na heteronomia.

Ainda, a educação bancária com a pura transferência de conteúdos, a não


participação do educando na produção do conhecimento, é um dos elementos
responsáveis pela desmotivação, pela falta de interesse em estudar o que é "passado"
em sala de aula (cf. FREIRE e SHOR, 1987, p. 15s). Freire chama a atenção para um
produto genuíno da educação bancária, os altos índices de déficit quantitativo e
qualitativo na educação, que constituem obstáculo para o desenvolvimento do país e
para sua emancipação. Segundo Freire (1997, p. 11), o termo evasão escolar é
ideológico, pois é posto de uma forma a dar a entender que as crianças estão fora da
escola por vontade delas, mas na verdade elas são expulsas da escola, excluídas
especialmente pela organização bancária. O termo correto é "expulsão escolar"
(FREIRE, 1995, p. 46). Isso está relacionado ao despreparo científico dos educadores e
a educação atrelada à ideologia elitista que alfabetiza não a partir da realidade do
educando. Expulsar uma criança da escola é condená-la ao silêncio, se não tem como
ler e escrever ou os faz de forma precária, não conseguirá manter relações
verdadeiramente dialógicas em uma sociedade que existe pela palavra, dependerá de
idéias e temas externos, e assim não conseguirá conquistar a própria autonomia.

3.7 - NEOLIBERALISMO E A ÉTICA DE MERCADO

As concepções de Paulo Freire me levam a pensar que hoje o neoliberalismo é algo


que nega a autonomia, na medida em que promove uma crescente desigualdade social
e, dessa forma, deixa a maioria das pessoas e nações em condições econômicas de
pobreza. Situações de pobreza e miséria limitam a autonomia na medida em que
restringem o poder de realizar. Ainda, a ideologia neoliberal amacia a verdadeira
realidade, promove modos de pensar massificados, o que nega a liberdade de cada
qual pensar por si mesmo, negando assim, a autonomia. Paulo Freire (2000a, p. 142)
dá alguns exemplos desse amaciamento ideológico: o desemprego que é considerado
pelos neoliberais uma desgraça da época, o pragmatismo pedagógico que treina em
vez de formar afirmando que os sonhos morreram e o importante é preparar para o
mercado de trabalho, etc. A globalização neoliberal é posta como uma evolução
natural da economia, como se não houvesse outra opção, os países têm que se
adaptar, independente das condições históricas com as quais o capitalismo se
desenvolveu neles. Isso nega a autonomia das nações.

"O discurso da globalização que fala da ética esconde, porém, que a sua ética é a
ética do mercado e não a ética universal do ser humano, pela qual devemos lutar
bravamente se optamos, na verdade, por um mundo de gente" (idem, p. 144). Paulo
Freire identifica uma "ditadura do mercado" (ibid) que impõe uma ética do lucro, bem
diversa da ética universal defendida por ele. "A liberdade de comércio não pode estar
acima da liberdade do ser humano" (ibid, p. 146). Para que tenhamos um homem
autônomo, a liberdade e a dignidade humana não podem ser desrespeitadas ou
esquecidas em favor dos interesses de grupos econômicos.

Os neoliberais possuem um discurso pragmático que sugere a simples adaptação,


em vez da intervenção.

[...] negando à prática educativa qualquer intenção desveladora, reduzem-na à


pura transferência de conteúdos 'suficientes' para a vida feliz das gentes. Consideram
feliz a vida que se vive na adaptação ao mundo sem raivas, sem protestos, sem sonhos
de transformação. (FREIRE, 1995, p. 27).

A visão de História contida nesse pensamento imobiliza, leva ao determinismo.


Freire (2003a, p. 33-34) destaca duas dessas visões deterministas, a primeira considera
o futuro como pura repetição do presente, pensamento típico dos dominadores. Na
segunda, o futuro é um pré-dado, uma espécie de sina, não é problemático, é
inexorável, típico do povo que perdeu a esperança, a capacidade de sonhar. Esses
pensares negam a História como possibilidade e negam o caráter criativo, criador,
libertador da educação e a autonomia que os sujeitos devem conquistar por meio
dela.

Para Freire (1995, p. 32), a perspectiva neoliberal procura reforçar a "pseudo-


neutralidade da prática educativa, reduzindo-a a transferência de conteúdos",
reduzindo a formação ao treino de técnicas e procedimentos. Considera toda prática
educativa que vai além disso, que procura superar a dicotomia leitura do
mundo/leitura da palavra, leitura do texto/leitura do contexto, como mera ideologia
(cf. idem, p. 32-33). Ainda, a educação de caráter neoliberal procura promover o
individualismo com um discurso que incentiva os alunos a subir na vida por si mesmos,
a terem sucesso material e profissional, e assim ensina as pessoas a desistirem de seus
direitos à autonomia e pensamento crítico (cf. FREIRE e SHOR, 1987, p. 150). É o
discurso da educação para a ética do mercado: bom é o mais forte. Essas concepções
educacionais neoliberais mantêm e agravam uma situação social que nega a dignidade
e limita a autonomia de grande parte da população mundial.

Pelo tecnicismo, o neoliberalismo reduz o homem a um simples objeto da técnica,


em vez de autônomo transforma o ser humano em autômato. Sendo autômato, não
tem determinação própria, é determinado por outro e assim, é heterônomo. "[...] o
indivíduo cessa de ser ele mesmo; adota inteiramente o tipo de personalidade que lhe
é oferecido pelos padrões culturais e, por conseguinte, torna-se exatamente como
todos os demais são e como estes esperam que ele seja" (FROMM, 1977, p. 150).
Transformando-se em autômato, vive na ilusão de que possui vontade própria, de que
possui estilo, opiniões e sentimentos próprios. O medo da liberdade e as dúvidas são
substituídos pela ilusão de uma individualidade que possui sua segurança em uma
autoridade externa. O autômato vive da ilusão da autonomia, mas na verdade é
heterônomo.

Os tecnicistas, "Deformados pela acriticidade, não são capazes de ver o homem na


sua totalidade, no seu quefazer-ação-reflexão, que sempre se dá no mundo e sobre
ele" (FREIRE, 1981, p. 23). É a racionalidade fria e calculista da civilização ocidental
sobrepondo interesses egoístas e individualistas sobre os valores humanos e o bem
estar comum. A civilização ocidental "Degenerada num projeto de mundo identificado
com o des-amor da ganância fratricida, da posse, do lucro e da especulação financeira,
conduziu a humanidade à beira da destruição total" (ANDREOLA, 2000, p. 24). Penso
que as configurações atuais do mundo ocidental são um alerta; o projeto neoliberal
está negando às pessoas do mundo, a possibilidade de viver com mais dignidade e
autonomia. Em vez disso, está levando o mundo à beira da autodestruição.

3.8 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A HETERONOMIA HOJE47

Um dos aspectos que definem nossa época é a falta de sentido, o que pode estar
associado à perda de horizonte (cf. TAYLOR, 1997, p. 35). As configurações tradicionais
perderam a credibilidade, não há mais nada que se apóia na natureza do ser, tudo
parece se apoiar em interpretações humanas mutáveis. Essa perda de horizonte foi
antecipada especialmente por Nietzsche (1844-1900) na obra A gaia ciência, nas
palavras de seu louco: "Para onde foi Deus?... Nós o matamos - vocês e eu. Somos
todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente
o mar? Quem nos deu a esponja para apagar todo o horizonte?" (NIETZSCHE, 2001, p.
147-148). A falta de horizonte se reflete na crise de identidade que é uma forma de
desorientação, ela geralmente é expressa pelas pessoas em dúvidas como não saber
quem são, e não saber em que posições se colocam. Isso é perceptível hoje em
qualquer círculo humano, inclusive em sala de aula. Uma das perguntas mais
freqüentes que tenho ouvido como professor no ensino fundamental trabalhando em
escolas públicas é: Para que estudar? Essa pergunta poderia ser confundida com uma
pergunta/pretexto para não estudar, coisa de adolescente. Mas é muito mais que isso,
ela é reveladora da perda de horizonte, da desorientação, da falta de sentido, que as
pessoas em geral vivem hoje. Isso é preocupante, pois quando as pessoas não têm um
sentido próprio a partir de si e das relações que estabelecem, viverão de acordo com
sentidos e sob orientações externas, o que as fará heterônomas.

Há hoje um modo de vida instrumental48 que esvazia a vida de significado e ameaça


a liberdade pública (TAYLOR, 1997, p. 638). As pessoas não têm aspiração alguma na
vida a não ser o que está ligado ao conforto frívolo, ao consumo desmedido, ao ganho
de dinheiro. A auto-responsabilização que a liberdade pública e, conseqüentemente, a
autonomia requerem, cede espaço para o individualismo e o consumismo. Uma das
formas de a sociedade instrumental produzir esse comportamento é por meio das
imagens de vida que apresenta e cultua. Essas imagens são transmitidas pelos meios
de comunicação de massa, que ocultam os significados mais profundos e acabam
"vendendo" ideais superficiais de vida. Os meios de comunicação de massa possuem
hoje uma forte influência na formação das pessoas, em geral propõe uma visão
despolitizada do mundo e procuram formar consumidores popularizando certos
"ideais" e "padrões". Penso que isso tem se tornado um grave obstáculo para a
autonomia.

O modo de vida instrumental também dissolveu as comunidades tradicionais e os


estilos de vida mais antigos, destruiu as matrizes onde o significado anteriormente
podia florescer (cf. idem). Em conseqüência disso, os hábitos e as relações acabam se
tornando cada vez mais parecidos, mais massificados. A massificação é uma forma de
heteronomia, pois faz com que grandes multidões adotem valores e padrões que não
se originaram de si ou de sua cultura. Além da tendência nociva de destruir a liberdade
pública, o modo de vida instrumental solapa os focos locais de autogoverno, gera
relações desiguais de poder que negam a igualdade política. Dessa forma, a
democracia não ocorre, serve para manter privilégios e aumentar o poder dos já
poderosos, mantendo e agravando situações de heteronomia. Por isso que Vattimo
questiona a democracia atual. "A democracia como a praticamos já não funciona.
Transformou-se em um sistema que idiotiza as pessoas para criar consensos favoráveis
às classes dominantes" (VATTIMO, 2004, p. 3). Assim, a democracia se torna, em
muitos casos, mais uma ilusão que oculta a realidade e mantém situações de privilégio,
opressão, heteronomia. Note-se que se está colocando em questão a forma como a
democracia está sendo praticada e não a própria democracia.

A racionalidade de eficácia instrumental que sobrepõe as emoções, sentimentos,


compulsões, possibilita uma espécie de distanciamento e autocontrole. Alguns
filósofos românticos, Nietzsche, a escola de Frankfurt, etc., desenvolveram a idéia de
que a hegemonia racional, o controle racional, pode endurecer-nos, secar-nos,
reprimir-nos, o autodomínio racional pode ser auto-subordinação ou escravidão, ou
seja, heteronomia. Há uma "dialética do Iluminismo", em que a razão que promete ser
libertadora, acaba sendo seu oposto (cf. TAYLOR, 1997, p. 157). A razão humana que
potencialmente é libertadora, promotora de autonomia, acaba sendo fonte de
heteronomia. No entanto, esses filósofos em vez de condenar apenas a razão
instrumental que ultrapassou seus limites intervindo em esferas da vida das pessoas
que não eram de alçada instrumental, condenaram a razão. Isso gera um certo
pessimismo, uma desesperança na possibilidade de humanização do mundo, o que
contribui para a manutenção de condições de heteronomia.

Outro fenômeno comum na atualidade que parece negar a autonomia é uma


supervalorização da fama, o que está ligado à estetização da vida. "A vida superior é
marcada pela aura da fama e da glória que se vincula a ela, ou, ao menos, aos casos
notáveis daqueles que encontram nela um sucesso brilhante" (idem, p. 36). É claro que
isso está relacionado aos meios de comunicação de massa e à difusão de certos ideais
de vida. As pessoas querem se tornar visíveis, o que está sendo possível às massas
pelas novas tecnologias que possibilitam expor ao público a própria vida privada. Ao se
tornar visível, a vida privada se torna controlável e isso pode representar um risco à
autonomia. Já o fato de viver buscando a aura da fama representa heteronomia na
medida em que envolve a abdicação ao viver autenticamente em nome do viver
segundo um padrão estabelecido por outro. Esse padrão estabelece modos de vida,
hábitos de consumo, ideais, que massificam e fazem as pessoas se distanciarem de sua
cultura de origem.

Nas escolas há hoje muitos resquícios da educação bancária, ainda ocorrem


práticas verticais, antidialógicas, em que o aluno é tratado como um depósito, o que,
como já foi visto, impede a gestação da autonomia. Além disso, as mudanças na
sociedade brasileira estão, ao mesmo tempo, conferindo mais responsabilidade e
dificultando o trabalho da escola. A nova configuração familiar, a cultura do consumo e
satisfação imediata estão fazendo com que as crianças cheguem na escola, em geral,
sem educação alguma da vontade, com valores distorcidos, e, como já foi dito, sem
sentido próprio. Outro problema que perdura nas escolas de nosso país, embora esteja
diminuindo, são os altos índices de reprovação e evasão. A exclusão escolar e a
educação de má qualidade negam o direito de pensar. Ler e escrever são habilidades
necessárias para a comunicação, e o pensamento é resultado da comunicação com os
outros. Se alguém está impedido de se comunicar, também está impedido de pensar
por não poder comunicar seu pensamento. E é essencial para a autonomia poder
aprender a dizer sua palavra49 e pensar por si mesmo.

CAPÍTULO IV - A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA EM PAULO FREIRE

Paulo Freire propõe uma pedagogia da autonomia na medida em que sua proposta
está "fundada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando"
(FREIRE, 2000a, p. 11). Optamos por usar a expressão "educação para a autonomia"
com o objetivo de enfatizar que a autonomia deve ser conquistada, construída a partir
das decisões, das vivências, da própria liberdade. Ou seja, embora a autonomia seja
um atributo humano essencial, na medida em que está vinculada à idéia de dignidade,
defendemos que ninguém é espontaneamente autônomo, ela é uma conquista que
deve ser realizada. E a educação deve proporcionar contextos formativos que sejam
adequados para que os educandos possam se fazer autônomos.

A temática da autonomia que ganhou centralidade nos pensadores e na educação


moderna, ganha em Paulo Freire um sentido sócio-político-pedagógico: autonomia é a
condição sócio-histórica de um povo ou pessoa que tenha se libertado, se emancipado,
das opressões que restringem ou anulam sua liberdade de determinação. E conquistar
a própria autonomia implica, para Freire, em libertação das estruturas opressoras. "A
libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo
conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela" (FREIRE, 1983, p.32).
Não há libertação que se faça com homens e mulheres passivos, é necessária
conscientização e intervenção no mundo. A autonomia, além da liberdade de pensar
por si, além da capacidade de guiar-se por princípios que concordem com a própria
razão, envolve a capacidade de realizar, o que exige um homem consciente e ativo, por
isso o homem passivo é contrário ao homem autônomo.

4.1 - INCONCLUSÃO DO SER HUMANO E A AUTONOMIA

A concepção de educação de Freire está fundada no caráter inconcluso do ser


humano. O homem não nasce homem, ele se forma homem pela educação. Por isso
educação é formação.

O que quero dizer é que a educação, como formação, como processo de


conhecimento, de ensino, de aprendizagem, se tornou, ao longo da aventura no mundo
dos seres humanos uma conotação de sua natureza, gestando-se na história, como a
vocação para a humanização [...] (FREIRE, 2003a, p. 20).

Não é possível ser gente senão por meio de práticas educativas. Esse processo de
formação perdura ao longo da vida toda, o homem não pára de educar-se, sua
formação é permanente e se funda na dialética entre teoria e prática. A educação tem
sentido porque o mundo não é necessariamente isto ou aquilo, e os seres humanos
são tão projetos quanto podem ter projetos para o mundo (cf. FREIRE, 2000b, p. 40).
O homem é inacabado e possui consciência de seu inacabamento, isso é
importante para que ele se torne autônomo. Segundo Freire (2000a, p.56s), com a
liberdade o ser humano foi transformando a vida em existência e o suporte em
mundo. Para Freire (idem, p. 56), a experiência animal se dá no suporte, que é espaço
restrito em que o animal é treinado, adestrado para caçar, defender-se, sobreviver, e é
graças a esse suporte que os filhotes dependem de seus pais por menos tempo que as
crianças. A explicação do comportamento animal se encontra muito mais na espécie
do que no indivíduo. Eles não possuem liberdade, assim não criam um mundo para si,
não são autônomos. Já o homem possui existência. "O domínio da existência é o
domínio do trabalho, da cultura, da história, dos valores - domínio em que os seres
humanos experimentam a dialética entre determinação e liberdade" (FREIRE, 1982, p.
66). É no domínio da existência que os homens se fazem autônomos. A partir da
invenção da existência não foi mais possível ao homem existir sem assumir o seu
direito e dever de decidir. Por isso, assumir a existência em sua totalidade é necessário
para que o homem seja autônomo.

Enquanto inacabados, homens e mulheres se sabem condicionados, mas a


consciência mostra a possibilidade de ir além, de não ficar determinados. "Significa
reconhecer que somos condicionados mas não determinados" (FREIRE, 2000a, p. 21).
A construção da própria presença no mundo não se faz independente das forças
sociais, mas se essa construção for determinada, não há autonomia. Se minha
presença no mundo é feita por algo alheio a mim, estou abrindo mão de minha
liberdade, de minha responsabilidade ética, histórica, política e social, estou abrindo
mão de minha autonomia. "Afinal, minha presença no mundo não é a de quem apenas
se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser
apenas objeto, mas sujeito também da História" (idem, p. 60). A presença no mundo
de quem é sujeito da História é uma presença autônoma.

4.2 - EDUCAR É FORMAR: IMPRESCINDIBILIDADE DA ÉTICA E ESTÉTICA

Para Freire (2000a, p. 37), educar é substantivamente formar, por isso o ensino dos
conteúdos não pode se dar alheio à formação moral e estética do educando. Um
ensino tecnicista, que visa apenas o treinamento, diminui o que há de
fundamentalmente humano na educação, o seu caráter formador. Há hoje uma
tendência em certas instituições, inclusive de ensino superior, em criar cursos com
caráter puramente técnico. Ninguém quer condenar a técnica e a ciência, nem se trata
de divinização ou diabolização (cf. idem), ambas são formas superficiais de
compreender os fatos e implicam em pensar errado. Apesar de ser necessário, o
ensino técnico-científico é insuficiente, apenas ele não favorece a construção, a
conquista da autonomia. Uma educação que vise formar para a autonomia deve incluir
a formação ética e, ao seu lado, a formação estética50. "Decência e boniteza de mãos
dadas" (ibid, p. 36). Homens e mulheres, enquanto seres histórico-sociais, se fazem
capazes de comparar, julgar, valorar, escolher, intervir, recriar, dessa forma são
responsáveis e se fazem seres éticos e estéticos (cf. ibid). Como nos fazemos seres
humanos, a nossa obra enfeia ou embeleza o mundo, daí a impossibilidade de nos
eximirmos da ética, fazemos nosso mundo a partir da nossa liberdade. Ele vai ser belo
ou feio dependendo também da opção ética que fizermos. É nossa liberdade que nos
insere um compromisso ético e uma perspectiva estética. Penso que só podemos ser
autônomos graças a nossa liberdade, por isso uma educação que vise formar para a
autonomia engloba necessariamente a dimensão ética e estética.

Uma das dimensões éticas que uma educação que busca formar para a autonomia
deve atentar é a corporeificação da palavra pelo exemplo do educador (cf. ibid, p.38).
De nada adianta um professor em seu discurso exaltar a criticidade, a democracia, o
pensamento autônomo, se sua prática é antidialógica, vertical, bancária. A ação
generosa que testemunha a palavra a torna viva, a faz palavra viva, dando um
significado especial a ela. Assim, não é uma prática puramente descritiva, "mas algo
que se faz e que se vive enquanto dele se fala com a força do testemunho" (ibid, p.
41). O testemunho concreto de um professor que possui uma prática autônoma é
essencial em uma educação que vise a autonomia.

A educação para a autonomia supõe o respeito às diferenças, assim, rejeita


qualquer forma de discriminação, seja ela de raça, classe, gênero, etc. Como a
autonomia não é auto-suficiência, ela inclui estar aberto à comunicação com o outro,
com o diferente, e estar aberto à comunicação com o outro, segundo Freire (ibid, p.
42), é pensar certo. "Não há por isso mesmo pensar sem entendimento e o
entendimento, do ponto de vista do pensar certo, não é transferido mas co-
participado" (ibid, p. 41). Toda inteligência, se não distorcida, é comunicação do
inteligido, portanto, a inteligibilidade se funda na comunicação, na intercomunicação,
na dialogicidade. O pensar certo é dialógico, é aberto ao outro, igual enquanto
membro da humanidade e diferente enquanto sujeito único. Portanto, a autonomia
supõe o respeito tanto à dignidade do sujeito enquanto membro da humanidade,
quanto o respeito às suas especificidades de indivíduo.
De acordo com o pensamento de Freire, para a prática de uma educação que visa a
autonomia, uma das tarefas mais importantes é possibilitar condições para que os
educandos possam "assumir-se" (ibid, p. 46). Isso envolve assumir a condição sócio-
histórica, a condição de ser pensante, comunicante, transformador, criador, sonhador,
que ama e sente raiva (cf. ibid). Essa assunção do eu não significa a auto-suficiência, a
exclusão dos outros, "É a 'outredade' do 'não eu', ou do tu que me faz assumir a
radicalidade o meu eu" (ibid). Essa assunção está ligada à identidade cultural que faz
parte, ao mesmo tempo, da dimensão individual e de classe dos educandos. "Tem que
ver diretamente com a assunção de nós por nós mesmos" (ibid, p. 47). O assumir-se
como sujeito da própria assunção possibilita que o sujeito possa ser ele mesmo, possa
ser autônomo. "A aprendizagem da assunção do sujeito é incompatível com o
treinamento pragmático ou com o elitismo autoritário" (ibid). Assumir-se implica em
ser autêntico, em ser o que se é a partir de si mesmo, por isso, para ser autônomo o
homem precisa assumir-se. A assunção, enquanto exige autenticidade, engloba as
dimensões ética e estética. Para que haja tal assunção, o educador deve respeitar a
autonomia do educando.

Outro ponto essencial ao se pretender uma educação para a autonomia, é a


questão ética do respeito aos professores. É direito e dever dos educadores lutar por
sua valorização, e isso inclui lutar por salários dignos, menos imorais. "A elevação
urgente da qualidade de nossa educação passa pelo respeito aos educadores e
educadoras mediante substantiva melhora de seus salários, pela sua formação
permanente e reformulação dos cursos de magistério" (FREIRE, 1995, p. 46). Penso
que a limitação nociva da autonomia dos educadores devido a condições econômicas e
formativas desfavoráveis inegavelmente prejudica a qualidade da educação e tem
reflexos diretos na limitação da autonomia dos educandos.

Defendemos que uma educação que visa promover a autonomia deve atentar para
a formação do ser humano e não apenas para o ensino-aprendizagem de conteúdos.
Dessa forma, precisa atentar para todos elementos envolvidos na educação: a postura
do professor, da direção, a situação material da escola, a participação dos pais, os
conteúdos a serem apreendidos, etc. A formação ocorre na interação de todos
elementos que envolvem a educação, por isso todos eles devem ser pesados de tal
forma a contribuir para a aprendizagem crítica e para a construção gradativa da
autonomia do educando.

4.3 - AUTORIDADE E LIBERDADE

O educador, que em sua prática busca promover a autonomia dos educandos, deve
estar atento à relação autoridade-liberdade. Para que haja a necessária disciplina sem
haver autoritarismo ou licenciosidade, o equilíbrio entre ambas é necessário. "O
autoritarismo é a ruptura em favor da autoridade contra a liberdade e a licenciosidade,
a ruptura em favor da liberdade contra a autoridade" (FREIRE, 2000a, p. 99). Assim o
autoritarismo não é mais autoridade, mas abuso de autoridade, a licenciosidade não é
mais liberdade, mas depravação da liberdade. Ambos são nocivos à autonomia, já que
o autoritarismo mantém o educando excessivamente dependente da autoridade e
poda a liberdade de escolher e fazer por si mesmo. Já a licenciosidade impede a
aprendizagem da auto-responsabilização e permite que o educando se torne
dependente dos próprios impulsos e desejos. Tanto a dependência excessiva da
autoridade externa quanto a dependência dos próprios impulsos são formas de
heteronomias, pois impedem que o sujeito haja de acordo com sua própria lei,
impedem que o sujeito seja ele mesmo.

Para Freire (idem, p. 102-103), a autoridade docente precisa estar fundada na


autoridade da competência, não que a competência técnica na área em que atua seja
suficiente para garantir a autoridade, mas a incompetência profissional a desqualifica.
A autoridade está relacionada com promover, incentivar, por isso demanda
generosidade. Relações justas e generosas geram um clima em que a autoridade do
professor e a liberdade do aluno se assumem em sua eticidade (cf. ibid, p. 103). A
autoridade não pode cair no autoritarismo, caso em que educará para a servilidade,
que é uma forma de heteronomia. A autoridade que é democrática se preocupa com a
construção de um clima de real disciplina, de respeito. Procura levar o educando a
construir, por meio de sua liberdade e fundado na responsabilidade, a autonomia.
Assim, a autoridade democrática é a que se empenha em realizar o seguinte sonho
fundamental:

O de persuadir ou convencer a liberdade de que vá construindo consigo mesma, em


si mesma, com materiais que, embora vindo de fora de si, sejam reelaborados por ela,
a sua autonomia. É com ela, a autonomia, penosamente construindo-se, que a
liberdade vai preenchendo o 'espaço' antes 'habitado' por sua dependência. Sua
autonomia que se funda na responsabilidade que vai sendo assumida. (ibid, p. 105).
Dessa forma, a escola deve ter conteúdos programáticos, mas deve ficar claro que
o essencial na aprendizagem dos conteúdos é a "construção da responsabilidade da
liberdade que se assume [...] é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua
autonomia" (ibid). Enquanto gente posso vir saber o que não sei e posso aperfeiçoar o
que sei, tanto mais saberei quanto mais construir minha autonomia em respeito à dos
outros.

Segundo Freire (1999, p.83), na constituição da necessária disciplina não há como


identificar o ato de estudar, de aprender, de conhecer, de ensinar, com o puro
entretenimento. A prática educativa é difícil, é exigente, não pode ter "regras frouxas",
no entanto, também não pode ser um ato insosso, desgostoso, enfadonho, deve ser
prazeroso. Há alegria embutida na aventura de conhecer, de descobrir, sem a qual o
ato educativo pode se tornar desmotivador. Mesmo assim, "Estudar é, realmente um
trabalho difícil. Exige de quem faz uma postura crítica, sistemática. Exige uma
disciplina intelectual que não se ganha a não ser praticando-a" (FREIRE, 1982, p. 9). É a
postura ativa, criativa, crítica, necessária para a construção da autonomia, que a
disciplina típica da educação bancária abafa e a disciplina respeitosa da educação
dialógica promove.

A construção respeitosa da disciplina deve incluir a educação da vontade. A


vontade só se torna autêntica em sujeitos que assumem seus limites. "A vontade
ilimitada é a vontade despótica, negadora do outras vontades e rigorosamente, de si
mesma" (FREIRE, 2000b, p. 34). A vontade despótica é negadora da própria autonomia
e da autonomia dos outros. Por isso a disciplina da vontade é uma prática difícil mas
necessária, é por meio dela que se constitui a autoridade interna a partir da introjeção
da autoridade externa (cf. idem, p. 35), o que permitirá a liberdade viver plenamente
suas possibilidades, as quais incluem a construção da própria autonomia. A vivência da
tensão dialética entre liberdade e autoridade nos mostra que elas podem não ser
antagônicas necessariamente uma da outra (cf. ibid).

O melhor para a promoção da autonomia, é que a liberdade possa se constituir


assumindo seus limites criticamente. O confronto com as demais liberdades e com a
autoridade dos pais, professores, do Estado, é bom e necessário, pois amadurece a
liberdade, ela descobre que não é absoluta, mas é cerceada por outras liberdades e
pela autoridade, e sua autonomia não é absoluta ou auto-suficiente. Por isso é
indispensável que os pais tomem parte nas discussões sobre as decisões dos filhos, o
que não pode é tomar a decisão por eles, mas devem mostrar que a decisão é um
processo responsável e acarreta em conseqüências. Ninguém é autônomo antes de
decidir, a autonomia se faz ao longo da vida pelas decisões que tomamos, por isso a
importância em assumir a própria liberdade responsavelmente.

O que é preciso, fundamentalmente mesmo, é que o filho assuma eticamente,


responsavelmente, sua decisão, fundante de sua autonomia. Ninguém é autônomo
primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias,
inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. (FREIRE, 2000a, p. 120).

A autonomia é conquistada gradualmente, é processo que consiste no


amadurecimento do ser para si, por isso a educação deve possibilitar experiências que
estimulem as decisões e a responsabilidade. Freire (2000b, p. 37) fala que mais
importante do que o testemunho espontâneo dos pais é aproveitar a força do
testemunho de pai para exercitar a "liberdade do filho no sentido da gestação de sua
autonomia" (idem). Segundo o autor, quanto mais os filhos vão se tornando "seres
para si", tanto mais são capazes de reinventar seus pais, em vez de copiá-los ou até
negá-los (cf. ibid).

O educador que busca criar condições para que seus alunos criem sua própria
autonomia e que não quer ter uma prática autoritária, deve saber escutar51. Falar para
os alunos como se fosse o portador da verdade é uma prática bancária, é preciso
escutar, e a partir da escuta aprender a falar com eles e não para eles (cf. FREIRE,
2000a, p. 127). Se quisermos promover no educando a autonomia, o processo
educativo como um todo deve ser de falar com. Pode haver momentos de falar para,
desde que como um momento do falar com (cf. idem, p. 131). A escuta é fundamental
para que o processo educativo ocorra, como ensinar não é transferir conhecimento, e
sim exige a problematização e acompanhamento para que os educandos vão
construindo seus conhecimentos, a escuta do outro é essencial, sem isso, o processo
educativo de construção da autonomia fica comprometido. Também é importante que
os educandos aprendam a fazer o uso responsável da palavra, que aprendam a falar
autonomamente.

De acordo com Freire (ibid), para que haja uma comunicação dialógica, que não
seja nem licenciosa nem autoritária, é indispensável, em sala de aula, a disciplina do
silêncio. Mas silêncio não é silenciamento. Educador e educando devem ser sujeitos do
diálogo. E, da mesma forma que não deve ser autoritário, o educador não deve ser
licencioso, deve assumir sua autoridade e educar para possibilitar o exercício
responsável e racional da liberdade, a fim de que a autonomia possa ser gestada.

4.4 - CURIOSIDADE, CRITICIDADE E A AUTONOMIA

A educação que vise formar para a autonomia deve fomentar nos educandos a
curiosidade e a criticidade. Um educador que busca despertar a curiosidade e a
criticidade em seus educandos, não pode basear-se na memorização mecânica. Pensar
mecanicamente é pensar errado. "Pensar certo significa procurar descobrir e entender
o que se acha mais escondido nas coisas e nos fatos que nós observamos e
analisamos" (FREIRE, 2003b, p. 77). E pensar certo é condição para ensinar certo e ele
só se faz no respeito à unidade entre teoria e prática. "E uma das condições
necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas"
(FREIRE, 2000a, p. 30). A arrogância de achar-se o detentor de verdades imutáveis e
inquestionáveis também é pensar errado. Os homens e mulheres como seres
históricos podem intervir no mundo, conhecê-lo e transformá-lo. O conhecimento
também por eles produzido, igualmente é histórico. Dessa forma, os conhecimentos
que temos hoje superaram conhecimentos produzidos por gerações passadas, mas tais
conhecimentos, também serão superados por outros produzidos por gerações que
virão. Esse processo de superação é constante e não há nenhum conhecimento que
seja absoluto. Por isso é tão importante estar aberto a novos conhecimentos e buscar
produzi-los, quanto conhecer o que a humanidade já produziu (cf. idem, p. 31). A
educação para a autonomia só é possível havendo essa possibilidade de recriar o que o
passado nos legou e criar o novo.
Paulo Freire (ibid, p. 32) defende a indissociabilidade entre ensino e pesquisa, pois
faz parte da natureza da prática docente indagar, buscar, pesquisar. A pesquisa
possibilita conhecer a novidade e contribui para que a curiosidade vá se tornando cada
vez, metodicamente, mais rigorosa, e assim saia da ingenuidade e transforme-se em
curiosidade epistemológica52 (cf. ibid). A curiosidade ingênua é o que caracteriza o
senso comum, é um saber feito apenas da experiência sem rigorosidade metódica. A
ingenuidade é nociva à autonomia, pois impede, inclusive, a percepção dos elementos
de heteronomia que nos cercam. A rigorosidade metódica é necessária para que
conheçamos melhor o mundo e a nós, e, assim, tenhamos maior capacidade de nos
determinarmos, elemento essencial para sermos autônomos.

Freire (ibid, p. 34s) considera que a diferença e a distância entre ingenuidade e


criticidade não se dá na ruptura entre elas, mas na superação. A curiosidade ingênua
sem deixar de ser curiosidade, ao criticizar-se se torna curiosidade epistemológica.
Essa superação ocorre devido à rigorosidade metódica na aproximação do objeto, que
caracteriza a segunda curiosidade. A essência da curiosidade permanece a mesma, o
que muda é a qualidade. A curiosidade é condição para a criatividade, ela é a
"indagação inquietadora" (ibid, p. 35) que nos move no sentido de desvelar o mundo
que não fizemos e acrescentar a ele algo que nós fazemos. A prática educativa
progressista que visa educar para a autonomia deve promover a superação para a
curiosidade epistemológica, não há como ser autônomo sem criticidade, mantendo
uma visão ingênua do mundo.

A partir das concepções de Freire a educação envolve o movimento dialético entre


o fazer e o pensar sobre o fazer. Práticas espontâneas produzem geralmente um saber
ingênuo. O conhecimento crítico, necessário para a autonomia, se alcança com
rigorosidade metódica. O pensar certo não é presente dos deuses ou fruto de uma
iluminação especial sobre uma ou outra mente privilegiada, o pensar certo é possível a
todos e deve ser produzido; na escola ele deve ser produzido pelo educando em
comunhão com seu educador. Todos somos curiosos, a curiosidade faz parte do
fenômeno vital. O conhecimento sempre começa pela pergunta, pela curiosidade (cf.
FREIRE e FAUNDEZ, 1986, p. 46). Mas o que deve ser obra do sujeito é a passagem da
curiosidade espontânea, ingênua para a curiosidade epistemológica. Isso só é feito
com reflexão crítica sobre a prática. Quanto mais a reflexão crítica ajudar o sujeito a se
perceber e perceber suas razões de ser, mais consciente está o tornado, mais está
reforçando a curiosidade epistemológica, e assim, haverá condições para que ele seja
sujeito autônomo.

4.5 - CONSCIENTIZAÇÃO E EDUCAÇÃO DIALÓGICA

A teoria pedagógica de Freire, sua "filosofia existencial" (WEFFORT, 1977, p.12),


tem como grande proposta, como grande utopia, a libertação dos oprimidos. Como
ninguém liberta ninguém, a libertação acontece a partir da autoconfiguração
responsável. "Os caminhos da libertação são do oprimido que se liberta: ele não é
coisa que se resgata, é o sujeito que se deve autoconfigurar responsavelmente" (FIORI,
1983, p. 3). Ao se libertarem pela autoconfiguração responsável, os homens estão
fazendo-se autônomos, pois estão suprimindo situações que limitavam sua autonomia
e ao mesmo tempo fazendo-se por si mesmos. Há então, uma relação entre libertação
e autonomia, na medida em que a libertação das condições opressoras possibilita o
aumento do poder de se autodeterminar, de ser para si, e conseqüentemente do
poder de ser autônomo.

Em Freire, a construção da autonomia passa pela conscientização, ele propõe a


conscientização como um esforço de "conhecimento crítico dos obstáculos" (FREIRE,
2000a, p.60) que impedem a transformação do mundo, que impedem a superação das
condições de heteronomia. O homem é o único ser vivo que consegue tomar distância
do mundo, objetificá-lo, admirá-lo, para promover uma aproximação maior, para
conhecê-lo. Aí a dialogicidade aparece como exigência epistemológica (cf. FREIRE,
1995, p. 74). Mas essa aproximação espontânea que o homem faz do mundo ainda
não é uma posição crítica sobre ele, é uma posição ingênua, é tomada de consciência,
mas não é conscientização. A última "não pode existir fora da 'práxis', ou melhor, sem
o ato ação-reflexão" (FREIRE, 1980, p. 26). A conscientização está baseada na relação
consciência-mundo, e implica em transformar o mundo, é inserção crítica na História e
exige que os sujeitos criem a própria existência com aquilo que o mundo os dispõe. A
conscientização exige que ultrapassemos a esfera da espontaneidade, que
substituamos a consciência ingênua53 pela consciência crítica54. Freire diz que a
consciência do homem pode evoluir em diferentes níveis. A consciência ingênua ou
consciência semi-intransitiva representa uma aproximação espontânea em relação ao
mundo sem que o homem se reconheça como agente, permanece mero expectador. A
consciência ingênua-intransitiva se caracteriza por ampliar a capacidade de
compreensão e de resposta aos desafios do meio (cf. BECKER, 1998, p. 48). Na
consciência transitivo-crítica o homem cria e recria suas ações, é sujeito, conhece a
causalidade dos fenômenos sociais, assimila criticamente a realidade e tem
consciência da historicidade de suas ações. É a consciência transitivo-crítica que
possibilita a construção da autonomia.

É na práxis do distanciamento/aproximação que o mundo é problematizado,


decodificado, que os seres humanos se descobrem instauradores do próprio mundo,
descobrem que não apenas vivem, também existem. A consciência do mundo e
consciência de si crescem juntas. "Mas ninguém se conscientiza separadamente dos
demais. A consciência se constitui como consciência do mundo" (FIORI, 1983, p. 9).
Não há um mundo para cada consciência, elas se desenvolvem em um mundo comum
a elas, se desenvolvem essencialmente comunicantes, por isso se comunicam. A
intersubjetividade das consciências se dá junto com a mundaneidade e a subjetividade.
O sujeito se constitui em sua subjetividade pela consciência do mundo e do outro. "O
diálogo fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade humana; ele é
relacional e, nele, ninguém tem iniciativa absoluta" (idem, p. 10). O diálogo é o próprio
movimento constitutivo da consciência, que é consciência do mundo. Ao objetivar o
mundo, o homem o historiciza, o humaniza, ele passa a ser mundo da consciência que
é uma elaboração humana. Assim, o mundo passa a ser um projeto humano, o homem
se faz livre e pode ser autônomo.

Nesse sentido, os temas geradores55 possuem importância central nos processos de


alfabetização. "Procurar o tema gerador é procurar o pensamento do homem sobre a
realidade e a sua ação sobre esta realidade que está em sua práxis" (FREIRE, 1980, p.
32). A atitude ativa de procurar o próprio tema gerador vai possibilitar que o educando
tome consciência de sua realidade e também de si. É a práxis sobre a realidade que
possibilita a tomada de consciência crítica, que permite a decisão, a escolha, a
liberdade, a conquista do poder de ser autônomo. Uma educação desconectada da
realidade, não fará mais que domesticar, adequar, ou seja, reforçar a situação de
heteronomia.

Para Freire (idem, p. 35), é a partir da reflexão sobre seu contexto, do


comprometimento, das decisões, que os homens e mulheres se constroem a si
mesmos e chegam a ser sujeitos, chegam a ser autônomos. O ser humano percebe sua
temporalidade, reconhece que não vive num eterno presente, e por isso é histórico.
Também se reconhece em relação com outros seres e com a própria realidade. A
realidade com o seu devir e as relações que estabelece impõe ao ser humano desafios.
As respostas dadas a esses desafios não mudam apenas a realidade, mas mudam o
próprio homem. "No ato mesmo de responder aos desafios que lhe apresenta seu
contexto de vida, o homem se cria, se realiza como sujeito, porque esta resposta exige
dele reflexão, crítica, invenção, eleição, decisão, organização, ação [...]" (ibid, p. 37).
Assim o homem não se adapta apenas à realidade, ele a configura, e na práxis
configuradora se constrói como homem. A partir das concepções de Freire, afirmamos
que esse é o processo pelo qual os seres humanos conquistam sua autonomia,
processo pelo qual são construtores de si próprios.

A proposta de Freire é de uma educação problematizadora, dialógica, oposta à


educação bancária, por isso não trata os alunos como depósitos de conteúdos, busca
promover caminhos para que o próprio aluno seja sujeito e construa sua autonomia,
dessa forma, a contradição educador-educando, em que o professor era o sujeito e o
aluno objeto passivo, é superada. "Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco
ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados
pelo mundo" (FREIRE, 1983, p. 79). Por isso a proposta freireana é essencialmente
dialógica. Para Freire os elementos constitutivos do diálogo são ação e reflexão. "Não
há palavra verdadeira que não seja práxis" (idem, p. 91). Por isso o diálogo implica na
transformação do mundo. A pronúncia do mundo é um ato de criação e recriação, é
um ato de amor (cf. ibid, p. 94). Nas relações de dominação, diálogo e amor estão
ausentes. Diálogo é o encontro dos homens para Ser Mais (cf. ibid, p. 97), para
construir sua autonomia. Para que a educação promova no educando a autonomia, é
essencial que ela seja dialógica, pois assim há espaço para que o educando seja sujeito,
para que ele mesmo assuma responsavelmente sua liberdade e, com a ajuda do
educador, possa fazer-se em seu processo de formação.

4.6 - EDUCAR PARA TRANSFORMAR

Para Freire (2000a, p. 80), é uma contradição um ser consciente de seu


inacabamento não buscar o futuro com esperança, não sonhar com a transformação,
enfim, não buscar a construção de um mundo onde todos possam realizar-se com
autonomia. Cabe à educação problematizar o futuro para que a utopia 56 de um mundo
melhor não se perca. Dizer que a educação vai suprimir todas as injustiças, opressões,
e assim mudar completamente a sociedade suprimindo todas heteronomias, é
ingenuidade, da mesma forma que dizer que a educação não pode realizar mudança
alguma. Temos que estar conscientes do nosso condicionamento, mas não somos
determinados, há possibilidade da transformação. "A compreensão da história como
possibilidade e não determinismo,..., seria ininteligível sem o sonho, assim como a
concepção determinista se sente incompatível com ele e, por isso, o nega" (FREIRE,
1999, p. 92). Ao se reconhecer a possibilidade e manter vivo o sonho, o papel histórico
da subjetividade, de transformar, recriar o mundo, adquire papel relevante. Como não
estamos determinados, estamos abertos ao "inédito viável" (idem, p. 98). O poder de
se autodeterminar é necessário para que o sujeito fuja do determinismo, esteja aberto
ao inédito viável e, assim, possa ser autônomo.

Freire (ibid, p. 99) insiste no que ele chama de humanização como vocação
ontológica do ser humano, ou ser mais. Essa "vocação" não é um a priori, mas é algo
que vem sendo construído pelo homem ao longo da história. A vocação para ser mais é
expressão da natureza humana que se constitui na História e precisa de condições
concretas sem as quais será distorcida. "Esta vocação para ser mais que não se realiza
na inexistência de ter, na indigência, demanda liberdade, possibilidade de decisão, de
escolha, de autonomia" (FREIRE, 2003a, p.10). Ou seja, a indigência, a pobreza, a
insuficiência de recursos materiais, limitam a possibilidade de decisão, limitam a
liberdade, e assim, limitam a autonomia. Por esse motivo, uma educação que busca
formar para a autonomia deve estar preocupada com a transformação dessas
condições concretas que limitam a autonomia. Essa transformação tem caráter
político, por isso a educação está vinculada indissociavelmente com a política.

Uma educação que vise formar para a autonomia deve encarar o futuro como
problema e não como inexorabilidade, a História como possibilidade e não como
determinação. O mundo não apenas é, ele está sendo, o papel dos homens no mundo
é de quem constata e intervém. A constatação só faz sentido se eu não apenas me
adaptar, mas tentar mudar, intervir na realidade. A conquista do poder de ser
autônomo exige a transformação das condições heterônomas que o limitam. Por isso,
é preciso que a compreensão do futuro como problema, que a vocação para ser mais
em processo de estar sendo, sejam fundamentos para a rebeldia de quem não aceita
as injustiças do mundo. A autonomia encerra em si certa rebeldia, na medida que
implica a não aceitação passiva e acrítica do mundo.

Para que as condições concretas que limitam a autonomia sejam transformadas, é


preciso reinventar o mundo de hoje e a educação é indispensável nessa reinvenção.
Essa reinvenção do mundo exige comprometimento. Da mesma forma que não é
possível entrar na chuva sem se molhar, não é possível educar sem revelar a própria
maneira de ser, de pensar politicamente57 (cf. FREIRE, 2000a, p. 108). Por isso a
importância da coerência entre o que se diz e o que se faz. Freire (idem, p. 110) nos diz
que o professor não pode ser um sujeito de omissão, mas de opções. Como
experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no
mundo, o que implica além do conhecimento dos conteúdos, um esforço de
reprodução ou desmascaramento da ideologia dominante. Neutra em relação à
ideologia dominante a educação não pode ser (cf. ibid, p. 111). Freire (ibid) destaca
que os interesses dominantes procuram promover uma educação cuja prática é
imobilizadora e ocultadora de verdades. Mas os fatalismos que procuram deixar as
coisas como estão devem ser negados, eles ajudam a manter uma situação que é
imoral e heterônoma. A prática educativa que propomos deve ser uma tomada de
posição frente ao mundo no sentido de transformá-lo para que condições
heterônomas sejam superadas, para que se estabeleçam relações e condições que
possibilitem a autonomia.

CAPÍTULO V - PENSAR A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA HOJE A PARTIR DAS


CONFLUÊNCIAS E DISSONÂNCIAS ENTRE KANT E FREIRE

Como vimos, Immanuel Kant e Paulo Freire, em suas respectivas épocas,


formularam concepções peculiares de autonomia e, a partir disso, identificaram
heteronomias contra as quais se opunham. Por meio da análise das confluências e
dissonâncias das concepções de autonomia desses autores, de seus limites, e das
perspectivas para que apontam, vamos procurar tematizar elementos para uma
educação que vise formar para a autonomia hoje.

5.1 - IMMANUEL KANT E PAULO FREIRE: CONFLUÊNCIAS E DISSONÂNCIAS

Em suas obras, Paulo Freire não citou nenhum livro de Kant e também não o citou
como teórico que o tenha influenciado58. Freire anotou a compra de apenas uma obra
de Kant, em 1942, Filosofia da história, mas ele lia em diversas bibliotecas e deixou de
anotar os livros adquiridos a partir de 1955, de tal forma que não há como saber se ele
leu algo mais de Kant, isso segundo Ana Maria Freire59.

Freire na obra Medo e ousadia (1987, p. 62s) fala de uma necessária iluminação
sobre a realidade que deve ser feita em conjunto por professor e aluno para
desocultar a obscuridade da realidade. Usa, portanto, a grande metáfora do
iluminismo, que inclusive deu nome ao movimento filosófico da época de Kant. Mas na
afirmação de Freire fica claro que o que promove a iluminação, e também o que
promove a autonomia, não é a razão com seus atributos transcendentais a priori,
como em Kant, e sim a ação e reflexão dialética sobre o mundo.

A relação que há em Freire entre autonomia e libertação já ocorria no iluminismo,


no entanto, o educador brasileiro propõe a libertação em relação às opressões da
realidade social injusta causada pelo sistema capitalista, já os iluministas propunham a
libertação em relação às opressões causadas pela tradição, pela religião e pelo Antigo
Regime. Tanto para os iluministas quanto para Freire, cabe à educação formar um
sujeito crítico, que enquanto tal seja capaz de se libertar, se emancipar da condição de
menoridade. Nesse sentido Paulo Freire é herdeiro do iluminismo60. No entanto, a
concepção de homem de Freire, bem como a de Kant, toma distância da maior parte
dos iluministas ao pensar um homem cuja autonomia não se dá apenas pelo progresso
da razão teórica. Ainda, a herança iluminista de Freire se dá também pelos
pressupostos filosóficos formulados por Kant e que estão presentes em suas obras,
como a concepção de sujeito, de racionalidade e de dignidade humana, o que faz do
educador brasileiro um herdeiro indireto de Kant. Freire diz se enquadrar em um
ponto de vista pós-modernamente progressista (cf. FREIRE, 1999, p. 81), mas possui
pressupostos filosóficos modernos, como os acima citados. Ainda, o intuito de formar
sujeitos autônomos, característico de Kant, se mantém em Freire, mas reelaborado de
acordo com o contexto e especificidade de seu pensamento.

Hoje sabemos que não podemos pensar uma sociedade e indivíduos que se fazem
autonomamente a partir de uma racionalidade pura, e nem pensar uma autonomia
absoluta que é garantida pela racionalidade. Freire sabe disso, mas também reconhece
a importância da racionalidade ao se manifestar tantas vezes contra o irracionalismo.
Também afirma que a educação deve ser usada com acento cada vez maior de
racionalidade (cf. FREIRE, 1977, p. 90). O educador brasileiro usa a definição que
Popper dá à racionalidade ou racionalismo, resgata o sentido socrático, segundo o qual
racionalidade é a consciência das próprias limitações, a modéstia intelectual dos que
sabem quantas vezes erram e o quanto dependem dos outros até para esse
conhecimento (cf. idem). Ou seja, não é uma racionalidade auto-suficiente, é uma
racionalidade que reconhece o "não saber socrático", que se coloca em atitude de
quem não sabe tudo e muito tem ainda a aprender. A proposta de educação para a
autonomia de Freire não faz da racionalidade seu principal meio de realização, pois
sabe de seus limites e de sua dupla face que possibilita tanto a libertação quanto a
opressão. Para ele, a razão por si só não possibilita a autonomia, no entanto, ele
reconhece a necessidade da racionalidade. A partir da análise da proposta freireana,
defendemos que ela pressupõe uma razão no sentido dado por Kant. Os iluministas
reduziam a razão ao seu sentido instrumental; a autonomia dependia do aumento de
conhecimento, da razão científica. Kant mostra que a racionalidade humana não se
reduz a isso, ela é "mais ampla", e a autonomia não pode ser alcançada apenas pela
razão instrumental. Freire é herdeiro dessa concepção de razão formulada por Kant.

Em Kant a educação que possibilita a autonomia é a educação racional do homem.


A ação racional é o bem constitutivo, só ela tem dignidade. O homem não tem instinto
e precisa se guiar pelos projetos de sua própria razão, a ação racionalmente dirigida
permite ao homem ser construtor de si. A educação deve acostumar o homem a
obedecer aos preceitos da razão para que ele possa ser autônomo. Rousseau já
defendia que a razão deveria substituir a autoridade para que a criança aprendesse a
raciocinar, e, assim, pudesse desenvolver opinião própria. Kant nos mostrou a
necessidade de uma educação que forme para uma vida racional, de uma educação
que possibilite aos sujeitos a construção de si, nisso ele possui importância atual. No
entanto, esse empreendimento é possível hoje a partir de uma nova concepção de
razão, que não a transcendental de Kant, e de uma nova concepção de sujeito. Nesse
sentido, Freire apresenta avanços fundamentais por considerar o caráter
essencialmente social da constituição do sujeito, e por pressupor uma razão que não é
transcendental nos moldes kantianos61, é encarnada, histórica.

Kant possui um pensamento genuinamente moderno que, como tal, está incluso no
que é chamado de filosofia do sujeito, ou seja, seu princípio é a subjetividade. Vincenti
(1994, p. 7) faz uma explicação etimológica da palavra sujeito. A etimologia latina sub-
jectum significa estar submetido, como por exemplo, um súdito estar submetido a um
monarca. Mas o significado que esse termo possui na filosofia moderna "adota o
contrapé dessa significação" (idem), e em vez de uma subordinação, passividade,
acentua o seu elemento ativo, a atividade de sustentação. "O sujeito torna-se, então,
aquele que se sustenta ele mesmo na existência. Existir como sujeito significa, assim,
que não preciso referir-me a um outro ser, a uma outra existência para definir-me,
para compreender-me, para justificar o que eu sou" (ibid, p. 8). Só é verdadeiramente
eu mesmo o que em mim depender de mim, só sou autônomo se me guiar por minha
razão, nesse sentido, autonomia está vinculada com autenticidade. Vincenti (ibid, p.
10) propõe que é com o sujeito kantiano que a primeira real filosofia do sujeito se
impõe, há o surgimento de uma responsabilidade plena e total do sujeito, não apenas
em relação ao conhecimento, mas também em relação ao mundo. O sujeito moral
passa a ser fundamento também do saber. "Tudo o que o sujeito é, tudo o que o
sujeito constitui e tudo o que ele faz depende do próprio sujeito" (ibid). Nesse sentido,
pode-se dizer que a concepção de sujeito dos iluministas, e também de Kant, é
monológica62, na medida em que não faz referência a uma segunda pessoa.

Defendemos que o pensamento freireano possui como pressuposto a concepção


de sujeito formulado por Kant, na medida em que ambos pensam o homem como
sujeito que pela sua liberdade constrói o mundo e a si. Nos textos de Freire perpassa a
idéia de que a educação deve tornar o educando sujeito, assim ele será autônomo.
Mas, a diferença em relação a Kant é que ele aborda o sujeito considerando seu
caráter essencialmente dialógico, a intersubjetividade possui papel estruturante. Pela
problematização e decodificação crítica do mundo, o homem se descobre como
instaurador do mundo de sua experiência. Segundo Fiori (1983, p. 9), a consciência do
mundo e de si crescem juntas e em razão direta, por isso ninguém se conscientiza
separadamente dos demais. "As consciências não são comunicantes porque se
comunicam: mas comunicam-se porque comunicantes. A intersubjetivação das
consciências é tão originária quanto a mundaneidade ou sua subjetividade" (idem,
p.10). Na intersubjetivação as consciências também se põem como consciência de si e
consciência do outro. O monólogo é a negação do homem, é o fechamento da
consciência, uma vez que a consciência é aberta (cf. ibid). O diálogo é o movimento
constitutivo da consciência, que é consciência do mundo que se busca a si mesma num
mundo que é comum. Como o mundo é mundo das consciências intersubjetivas, a sua
elaboração é colaboração. "Em diálogo circular intersubjetivando-se mais e mais, vai
assumindo, criticamente, o dinamismo de sua subjetividade criadora" (ibid, p. 12).
Freire (1983, p. 43) diz que o objetivo da pedagogia do oprimido é resgatar a
intersubjetividade. Isso porque a intersubjetividade é constitutiva, o sujeito não existe
aprioristicamente, ele forma-se com o outro. Por isso Freire ilumina o conceito de
autonomia especialmente quanto aos aspectos sociais nele envolvidos.
Tanto para Freire quanto para Kant, o homem é construtor de si. A diferença é que
para Kant o homem retira de si, da própria razão, os meios para se fazer homem, já em
Freire é a ação dialógica feita no mundo com os outros que possibilita a própria
construção. Há em Kant intersubjetividade na medida em que o sujeito pensa o
universal, o imperativo categórico busca a intersubjetividade e, ao agir por dever já
estou com os outros. Assim, a partir do pensamento de Kant, o homem autônomo ao
obedecer aos preceitos da razão universal estaria sendo espontaneamente
intersubjetivo. Mas nesse caso, a intersubjetividade não é constitutiva do sujeito, ela é
atingida pelo sujeito enquanto participante da universalidade. Em Freire fazer a si
implica em fazer-se intersubjetivamente. "O sujeito, em todas as suas dimensões,
constrói-se na relação coletiva, sem nada subtrair da dimensão individual. Ao
contrário, o coletivo realiza o individual assim como o individual realiza o coletivo"
(BECKER, 1998, p. 53). A proposta freireana enfatiza a constituição social do sujeito,
com isso, há uma superação (no sentido clássico da Aufhebung hegeliana)63 em relação
à idéia de sujeito de Kant, e, diferentemente de certas correntes pós-modernas,
preserva a idéia de sujeito, havendo a possibilidade da autonomia.

Inspirados em Freire e Kant, podemos pensar a educação para a autonomia como


processo de formação em que o homem faz a si próprio de acordo com projetos que
estabelece racional e livremente para si. O homem só pode ser livre, autônomo, se
formado, espontaneamente não o será. A educação entendida como processo de
formação é indispensável para um homem conquistar sua autonomia. Podemos dizer
que a possibilidade de formação do sujeito constitui o núcleo do pensamento
educacional de ambos. Isso afirma a importância de que todos tenham acesso à
educação humanizante e de qualidade.

Kant discriminou três faculdades na mente humana: conhecer (entendimento),


querer (razão que orienta a vontade) e julgar (julga o verdadeiro, o útil e o belo). Por
isso escreveu as três críticas: Crítica da razão pura, Crítica da razão prática e Crítica da
faculdade do juízo. Subjacente a cada uma das três instâncias encontra-se um
princípio a priori, assim o entendimento não teria condições de elaborar conceitos se
não partisse do princípio a priori da causalidade, o juízo não teria condições de julgar
se não partissem da finalidade e a razão não poderia exprimir a sua vontade se não
aceitasse a idéia de "último fim" (cf. FREITAG, 1991 p. 46-47). Para Piaget essas
faculdades não são inatas, elas resultam de um processo de construção e reconstrução
permanente, decorrente da ação e interação do indivíduo com o mundo (cf. idem, p.
50). Em Piaget, a autonomia não é pressuposto da razão prática que tem como
princípio o imperativo categórico, mas a autonomia é o resultado de um processo de
desenvolvimento. Quanto a esse aspecto Freire se diferencia de Kant e se aproxima de
Piaget, pois não pensa nenhuma faculdade a priori, todas são constituídas nos
processos históricos de interação, processos que são intersubjetivos e elaborados em
colaboração pelos homens. Por isso, Freire enfatiza os aspectos históricos, sociais, que
possibilitam ou limitam a autonomia.

Ciente da distância que há entre teoria e prática no domínio pedagógico, na


obra Sobre a Pedagogia, Kant preocupa-se menos em estabelecer um sistema de
educação a priori, mas em unir as lições da experiência com os projetos da razão,
pensamento e experiência se enlaçam, se esclarecem mutuamente. Em Kant, uma
educação que vise formar para a autonomia deve envolver a experiência concreta
aliada aos projetos da razão. Por isso não pensa uma escola utópica, mas racional (cf.
PHILONENKO, 1966, p. 53), embora haja em seu pensamento educacional um aspecto
utópico, a orientação em vista ao ideal de humanidade64. A metafísica intervém na
pedagogia, mas não para propor caminhos abstratos e sim para reconduzir ao
concreto. Mas a mediação entre teoria e prática feita pelo juízo, nesse caso pelo juízo
reflexivo do trabalho, permanece problemática, pois fica apenas como exigência do
dever, havendo primazia do dever. Kant lança bases para a compreensão do projeto
moderno como projeto educativo do esclarecimento, mas ele mantém o dualismo
sujeito-objeto, natureza e liberdade, ser e dever ser, determinismo metódico e
indeterminismo prático, separando as esferas da cultura nos domínios da ciência, da
moral e da arte (cf. MARTINI, 1996, p. 20).
Já em Freire não há essa separação. A educação, o processo de aprendizagem e a
própria relação do homem com o mundo é visto como práxis. Na visão freireana a
educação e as relações humanas devem ser dialógicas, o que permite a superação das
contradições. O diálogo é constitutivo do sujeito que se faz intersubjetivamente. A
educação que busca promover a autonomia do sujeito deve ser dialógica, para que o
próprio sujeito refaça o mundo e se faça pela ação e reflexão.

Ambos pensam uma educação ativa, repudiam o verbalismo, mas não se igualam a
Rousseau que pensou uma educação totalmente fundada na experiência e que negava
qualquer educação formal. Kant pensa uma educação baseada na experiência, mas a
concebe em referência ao ideal de humanidade, segundo o qual a educação é
experiência de toda a humanidade. Já Freire enfatiza a educação que leva em conta a
experiência concreta do aluno para que ele possa aprender o mundo, fazer-se
consciente de sua realidade e transformá-la. A passividade é uma forma de
heteronomia, a autonomia supõe a atividade humana no sentido de ampliar a
compreensão do mundo.

Também aparece como ponto em comum entre ambos o repúdio à memorização


mecânica, ela nega a condição humana de ser construtor de si, nega o pensar por si
mesmo, essencial para a autonomia, nega a curiosidade humana que sempre está
aberta a aprender. Tal educação "formará" seres humanos dependentes e acríticos,
incapazes de assumir seu papel de sujeitos na história. Não se trata de banir a
memorização, pois ela é necessária, se trata de atribuir-lhe uma importância auxiliar,
já que o objetivo da educação que pensamos é formar homens que sejam autônomos
e não autômatos.

Tanto em Freire quanto em Kant, o conhecimento técnico deve ser ensinado com
vistas à promoção do ser humano, com vistas à promoção da autonomia. O
conhecimento é importante para que se tenham meios para realizar os projetos
estabelecidos para si, portanto, o conhecimento pode65 proporcionar autonomia. Mas
a educação não deve ser apenas treinamento, pois assim sendo, o homem dificilmente
terá disposição para elaborar os próprios projetos. É preciso educar para a liberdade
para que o ser humano possa propor o que há de propor livremente. É preciso educar
para que o ser humano seja capaz de exercer racionalmente sua liberdade. Por isso
educação é formação e muito mais que treinamento, envolve ética, estética, política,
deve envolver o ser humano em sua totalidade.

Kant (2005c, p. 63-64) em Resposta à pergunta: Que é Esclarecimento


[Aufklärung]? afirma que o homem é culpado pela própria menoridade se a causa dela
não for a falta de entendimento, e sim, a falta de coragem, a preguiça, a covardia. Ele
usa a expressão sapere aude, ouse saber, tenha a coragem de saber, a qual já havia
sido usada por Horácio. Há nesse texto uma recusa ao conformismo, um clamor para
que o homem abandone sua cômoda situação de menor, tenha coragem de se
responsabilizar por sua própria história, o que é condição para o esclarecimento e para
a maioridade. A proposta é que o homem saia do estado de menoridade culpada. A
menoridade é um estado de heteronomia, já que é a incapacidade de fazer uso do
entendimento sem a direção de outro. Kant percebeu que é mais cômodo ser menor,
pensar por si implica na coragem de superar o medo de criar algo por si. Em Freire,
como já vimos, a alienação (ser para outro) é uma das principais formas de
heteronomia. Ele (1981, p. 25) identificou que a alienação funciona como um inibidor
que gera timidez, insegurança e um medo da aventura de criar. A alienação provoca o
medo da liberdade, que na verdade é o medo de se ver livre da consciência hospedeira
que o aliena. Nesse sentido, é necessária coragem porque a superação da alienação, a
construção da autonomia envolve riscos. Por isso a esperança é tão necessária, é ela
que estimula a coragem a superar o medo. No entanto, é preciso esclarecer que
apenas a coragem não consegue tudo transformar, embora ela seja necessária para
que o sujeito se comprometa, a transformação de uma situação sócio-histórica de
heteronomia depende da transformação da totalidade, dos meios pelos quais a
sociedade produz seus modos de vida. Freire concebe a transformação de forma
dialética, os indivíduos interagem com a totalidade agindo reciprocamente um sobre o
outro, por isso há um espaço de ação subjetiva que é condicionado, mas não
determinado.

É preciso coragem para superar a menoridade, para superar o medo da liberdade,


para assumir o próprio caráter inconcluso humano e, a partir daí, produzir um sentido
próprio. Ambos os autores partem do pressuposto que o ser humano se faz,
diferentemente dos animais que possuem instintos. Os homens, como diz Freire,
precisam produzir a própria existência. É devido a essa incompletude que os homens
podem ser formados pela educação, e é também devido a ela que os homens podem
ser livres e autônomos.

5.2 - FORMAÇÃO POLÍTICA E A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA

Quando falamos em educação para a autonomia é essencial que falemos em


política. Autonomia não é auto-suficiência, ela acontece na ação no mundo e
relacionamentos com os outros sujeitos, portanto, envolve a dimensão política.
Autonomia também implica na realização dos próprios projetos pelos quais o ser
humano se faz a si e ao mundo, numa ação criadora e recriadora. É por meio da ação
política que condições sociais mais favoráveis ou desfavoráveis para a realização da
autonomia são estabelecidas.

De acordo com Philonenko (1966, p. 29-30), para Kant, em certo sentido, a


educação é indissociável da política66, na medida em que é o mais poderoso meio de
ação na História, é reflexão concreta, atual sobre a experiência da humanidade que é
transmitida de geração em geração e permite a realização do ideal de humanidade.
Kant (1989, p. 33) defendeu que a constituição de um Estado deveria ser instituída
segundo os princípios da liberdade dos membros da sociedade (como homens), da
dependência de todos a uma legislação comum (como súditos), da igualdade dos
homens (como cidadãos). O respeito à dignidade e à liberdade são necessários para a
autonomia. Kant denunciou, já em seu tempo, governantes que em vez de promover
uma educação como formação, que tornasse o homem autônomo, a reduziam à
formação técnica tendo em vista os próprios interesses. "No máximo desejam que eles
tenham um certo aumento da habilidade, mas unicamente com a finalidade de poder
aproveitar-se dos próprios súditos como instrumentos mais apropriados aos seus
desígnios" (KANT, 1996b, p. 26). Essa educação que hoje chamamos de tecnicista
impede a realização do "estado futuro melhor" da humanidade e empobrece o homem
pois o torna um autômato.
Kant mostrou-se avesso em seu tempo à dominação de caráter religioso, político ou
civil, e fundamentou tal aversão à dominação no conceito de dignidade humana: o
sujeito racional é digno por si mesmo, não pode jamais ser usado como meio, o sujeito
racional é autônomo. A concepção de dignidade humana deixada por Kant é o chão do
qual brota o pensamento político-humanista-pedagógico de Paulo Freire. No entanto,
destacamos que quanto à educação política, há muita diferença entre ambos.

Para Freire (2000b, p. 43), uma das tarefas primordiais da pedagogia crítica radical
libertadora é trabalhar a legitimidade do sonho ético-político da superação da
realidade injusta. A realidade injusta oprime, desumaniza, é fonte de heteronomia e
deve ser superada. Para tal, a educação deve levar em conta a vida como um todo, nos
seus aspectos éticos, estéticos, sociais, etc, o que lhe confere caráter radicalmente
político. "Freire pensou a educação como um fazer político que transcende a sala de
aula e se projeta para os grandes problemas vividos pela humanidade, sobretudo os
problemas gerados pelas diferentes formas de opressões" (BECKER, 1998, p. 48). Em
Freire processo pedagógico é fundamentalmente processo político, tendo em vista a
impossibilidade da neutralidade. Também o conhecimento não é neutro, inocente, ele
não está imune a ideologias e pode transmitir heteronomias, por isso é necessário
criticidade. Essa suspeita sobre a razão teórica Kant não havia lançado. Ainda, Freire dá
importância central para a formação política por considerar o caráter social da
formação da consciência, o que não estava presente na obra de Kant.

A pedagogia freireana traz consigo a utopia de construir e aperfeiçoar a


democracia. Sua concepção de democracia é de um Estado que se recuse a posições
autoritárias e licenciosas respeitando realmente a liberdade dos cidadãos, não
abdicando de seu papel regulador das relações sociais, portanto, diferente do Estado
dito liberal (cf. FREIRE, 2000b, p. 48). Ele recusa a democracia fundada na ética do
mercado, ética que é norteada pelo lucro e nega a própria democracia (cf. idem, p. 49).
O neoliberalismo globalizante é uma expressão pós-moderna de autoritarismo, em que
a unilateralidade do sistema financeiro dita o destino dos povos. Também em função
disso é que milhões de pessoas no Brasil permanecem sem as mínimas condições de
viverem dignamente e a autonomia é algo tão difícil de ser conquistado. Por isso a
democracia que defendemos e que possibilita autonomia deve estar baseada não
apenas na igualdade jurídica, mas também na igualdade social.

A formação da vontade dos cidadãos é fundamental para uma democracia


verdadeira. A democracia repousa sobre a formação da vontade de cada indivíduo, a
escolha dos representantes supõe que cada indivíduo seja capaz de fazer uso de seu
próprio entendimento, que cada um seja capaz de uma decisão consciente e
autônoma. A democracia supõe que seus membros possam ser capazes de tomar
decisões numa condição de autodeterminação e autonomia. Por isso, a democracia é
uma forma de organização política que respeita a dignidade e autonomia dos sujeitos.
Mas é claro que para tal, as condições de heteronomia como opressão e condições
econômicas de miséria devem ser superadas para que realmente haja a possibilidade
de autodeterminação.

Defendemos que a educação que busca formar para a autonomia deve ser
democrática, mas democracia orientada pelos princípios da razão. As relações vividas
na escola devem ser momentos de aprendizagem da democracia, devem ser
momentos de exercício racional e responsável da liberdade, a práxis educativa deve
ser conscientizadora para que possam ser construídos espaços sociais mais
democráticos e justos. Numa sociedade mais justa, em que todos tenham igualdade de
acesso aos bens culturais, bens materiais, às oportunidades, etc, haverá condições
para que os cidadãos sejam autônomos. Assim, para além do individualismo,
poderemos construir um novo sentido, o sentido de um mundo feito em colaboração,
em comunidade, em que cada um possa ser autêntico.

5.3 - FORMAÇÃO ÉTICA E A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA

Freire e Kant são contrários à educação que se restringe ao treinamento, eles


entendem educação como processo de formação da totalidade do humano. Por isso,
para ambos, um dos elementos imprescindíveis na educação é a formação ética 67. Essa
formação é indispensável para que as pessoas respeitem sua própria dignidade, a
dignidade dos demais e sejam autênticos. A autonomia pressupõe a dignidade e
autenticidade humana. Em consonância com isso, apontamos a formação da vontade
como uma questão importantíssima para a educação que queira formar para a
autonomia hoje, tendo em vista a freqüente estetização da vida, que promove o
isolamento e a massificação.

Gadotti (1995) afirma que a temática da formação da vontade ou formação do


caráter foi substituída por uma nova roupagem, a da opção. Isso porque a temática da
formação da vontade é um tema central na pedagogia tradicional, e por isso que
alguns pedagogos progressistas lhe deram nova roupagem. Freire não usa esse termo,
aberta e claramente, para abordar a temática, a não ser na obra Pedagogia da
indignação, publicada postumamente por sua esposa Ana Maria Araújo Freire a partir
dos escritos que estavam sendo feitos quando da morte do educador em 1997.

Segundo Freire (2000b, p. 34), em discursos lúcidos e em práticas democráticas, a


vontade só se autentica na ação de sujeitos que assumem seus limites. A vontade
ilimitada é despótica, negadora das outras vontades, é a vontade ilícita dos "donos do
mundo", é vontade egoísta. Nenhuma educação que pretenda estar a serviço da
boniteza da presença humana no mundo, a serviço da rigorosidade ética, do respeito
às diferenças, da justiça, pode-se realizar ausente da dramática relação entre
autoridade e liberdade (cf. idem). Por isso, a liberdade que vive plenamente suas
possibilidades é aquela que aprende a constituir vivencialmente a autoridade interna
pela introjeção da externa. Mas os limites devem ter uma assunção lúcida, ética, não
pode ser uma obediência medrosa e cega (cf. ibid, p. 35). A liberdade deve ser
exercitada no sentido da gestação da autonomia, para que os educandos vão se
tornando "seres para si".

Freire (ibid, p. 47) reconhece importância na vontade compondo um tecido


complexo com a resistência, com a rebeldia na confrontação ou na luta contra o
inimigo que oprime, seja ele um vício ou a exploração capitalista. Tanto para um
oprimido quanto para um subjugado pelas drogas; falta amanhã, falta esperança. A
superação dessas situações passa pelo fortalecimento da vontade. Freire (ibid, p. 46)
cita como exemplo a sua experiência pessoal de decisão e fortalecimento da própria
vontade para largar o vício de fumar cigarros. A educação da vontade é necessária para
se fazer livre da heteronomia da escravidão dos próprios desejos e da vontade ilícita
do outro que procura oprimir.

Em Kant a educação da vontade é central, pois é a autonomia da vontade (razão


prática), vontade guiada pela razão, livre de coação externa e dos impulsos, que
garante a autonomia dos sujeitos. Por isso a educação da vontade deve começar desde
muito cedo. A disciplina é necessária para que a vontade não seja corrompida, para
que a animalidade seja coagida a fim de que a razão guie o homem. Vontade
autônoma é aquela guiada pelos princípios da razão, e o princípio da razão prática que
garante a autonomia da vontade é o imperativo categórico. Assim, a liberdade está em
poder dar a si a própria lei, que é lei moral e determina que o sujeito haja por dever.
No pensamento kantiano, o que garante a dignidade e a autonomia é a exigência da
universalidade, e não o desenvolvimento da racionalidade instrumental, como
pensavam os iluministas. Segundo Caygill (2000, p.43), essa purificação que Kant faz da
vontade, eximindo-a da influência de qualquer princípio ou objeto heterônomo, foi
sistematicamente criticada desde Hegel, em particular por Nietzsche e Scheler, na
melhor das hipóteses como vazia, formalista e irrelevante, e na pior como tirânica.
Entendemos que não é possível formar para a autonomia sem uma educação da
vontade. Essa contribuição de Kant continua atual. No entanto, não é mais possível
pensar a vontade guiada infalivelmente pelo imperativo categórico, mas é possível
pensar a educação de uma vontade que seja guiada por princípios racionais desde que
o entendimento de razão seja de uma razão que não é transcendental nos moldes
kantianos. Por isso, não pensamos a educação da vontade como subordinação da
vontade à moralidade. Pensamos uma educação da vontade no sentido de torná-la
capaz de assumir seus limites e sua condição humana eticamente. Dessa forma,
pensamos uma vontade guiada racional e esteticamente, para que possa ser uma
vontade autônoma e ética.

Como a formação é imprescindível para que o homem seja livre, a educação da


vontade é necessária para a promoção da autonomia. A auto-responsabilização requer
a educação da vontade. Em tempos em que se está optando por vigiar em vez de
formar, propomos uma aposta no ser humano, em sua possibilidade de ser autônomo
e auto-responsabilizar-se. Propomos uma valorização da educação da vontade como
uma das coisas necessárias para uma educação democrática, para uma educação em
que os sujeitos possam fazerem-se com autonomia e reconheçam a dos demais como
legítima.

5.4 - FORMAÇÃO ESTÉTICA E A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA

Na Crítica da razão pura, Kant ocupou-se da razão teórica e conclui que o


conhecimento humano é incapaz de ultrapassar o mundo sensível, o mundo dos
fenômenos. NaCrítica da razão prática tratou da liberdade e concluiu que ela exige a
suposição de um mundo inteligível. Promove assim a ruptura entre mundo sensível e
mundo inteligível, entre fenômeno e noúmeno. Na Crítica da faculdade do juízo ele se
propõe a tarefa de tentar uma mediação entre os dois mundos, o que faz por meio do
juízo teleológico e juízo estético. Mas segundo críticos de Kant como Schiller, Hegel,
Derrida, Lyotard, o uso do quadro de juízos para descrever a experiência estética foi
pouco judiciosa, a experiência estética não pode estar contida numa estrutura lógica
tomada da filosofia teórica (cf. CAYGILL, 2000, p. 131). Portanto permanece uma cisão
entre matéria e forma, em que a felicidade e o prazer são subjugados à forma do
dever. Por isso, hoje devemos definir o indivíduo autônomo não como aquele que se
determina apenas pela razão, mas como aquele que se determina pela razão e pelas
tendências que concordam com ela (cf. JACOB apud LALANDE, 1999, p. 115). A busca
da felicidade, a experiência do belo, vividos de forma a concordar com a razão e não
subjugados a ela, representam vivências de autonomia.

Embora Kant (1996b, p. 21) tenha se referido à educação como uma arte, a
educação estética, em suas obras, não é devidamente acionada. Seu "idealismo"
concebe a educação como arte da humanidade a ser aperfeiçoada por várias gerações
e na prática educativa a subordinação ao dever, ao formalismo do imperativo
categórico, não deixa o espaço devido para a ação estética. No entanto, é essencial
destacarmos que Kant buscou resgatar a questão estética na Crítica da faculdade do
juízo, mas esse empreendimento permaneceu inacabado.

Schiller68 buscou completar o empreendimento iniciado e não terminado por Kant,


que deduzia o juízo do gosto a partir do jogo subjetivo entre imaginação e
entendimento69. Schiller tentou dar ao juízo do gosto uma pretensão de validade
universal determinada na própria razão, por isso seu grande empenho em mostrar
como acontece a amarração do juízo estético aos princípios da razão (cf. SUZUKI, 1989,
p. 13). Para tal, procura mostrar que o belo não é um conceito da experiência, mas um
imperativo, e que deve ser encontrado não na ordem do ser e sim do dever ser,
portanto, utiliza-se do mesmo procedimento utilizado por Kant na filosofia prática,
donde formula o imperativo estético: age esteticamente. Mas Schiller vai evitar o
formalismo kantiano, tendo em vista a impossibilidade de uma vontade santa que
obedeça incondicionalmente a razão em detrimento da inclinação sensível. Ele vai
pensar o impulso lúdico alcançado pela educação estética, e que possibilita razão e
sensibilidade atuarem juntas sem que uma sobreponha a outra. "Através do belo, o
homem é como que recriado em todas as suas potencialidades e recupera sua
liberdade tanto em face das determinações do sentido quanto em face das
determinações da razão" (idem, p. 16-17). Essa liberdade estética não deve ser
confundida com a liberdade ou autonomia, encontrada na filosofia prática de Kant.

No impulso lúdico o homem não desfruta de uma liberdade moral stricto sensu (cf.
ibid, p. 17), e sim uma liberdade em meio ao mundo sensível, por isso, ao contemplar o
belo o homem projeta a própria liberdade ao objeto, a razão empresta sua autonomia
ao mundo sensível, por isso o belo é a liberdade do fenômeno. Assim o homem
educado esteticamente é capaz de enobrecer também o universo da matéria, o que
modifica a proposição kantiana, segundo a qual o homem é fim em si mesmo e todo o
demais é puro meio. Não apenas o ente racional, mas tudo que está a sua volta é
dotado de autonomia (cf. ibid, p. 18).

Para Kant, a autonomia se dá na medida em que a razão determina, infalivelmente,


a vontade. A vontade é uma faculdade de escolher aquilo que a razão,
independentemente da inclinação, reconhece como necessário, como bom. Schiller,
em vez da avaliação moral unilateral, proporá uma faculdade de escolher que não
identifique razão e vontade, e que leve em conta o ser humano plenamente, não
apenas sua razão. Não propõe a supressão dos impulsos da natureza pela razão. "O
homem cultivado faz da natureza uma amiga e honra sua liberdade, na medida em que
apenas põe rédeas a seu arbítrio" (SCHILLER, 1989, p. 33).

Schiller identifica a presença de dois impulsos essenciais no ser humano. "Somos


instados ao cumprimento dessa dupla tarefa (dar realidade ao necessário em nós e
submeter a realidade fora de nós à lei da necessidade) por duas forças opostas, que
nos impulsionam para a realização de seus objetivos e que poderíamos chamar
convenientemente de impulsos" (idem, p. 67). O primeiro é o impulso sensível70 e o
segundo é o impulso formal71. Os dois impulsos parecem muito opostos já que um
exige modificação e o outro imutabilidade. No entanto, o impulso sensível não exige
que a modificação se estenda à pessoa e seu âmbito, e o impulso formal não reclama
que haja unidade de sensações (cf. ibid, p.71). É tarefa da cultura vigiar e assegurar os
limites de cada impulso, impedindo que um subordine incondicionalmente o outro.
Ambos têm limites, o impulso sensível tem que ser contido pela personalidade para
não penetrar no âmbito da legislação, e o impulso formal deve ser contido pela
receptividade ou pela natureza para não penetrar no âmbito da sensibilidade (cf. ibid,
p. 75). Ambos possuem uma ação recíproca, a eficácia de cada um, ao mesmo tempo,
funda e limita o outro. O impulso sensível exclui a liberdade e o impulso moral exclui a
dependência e a passividade. "Os dois impulsos impõe necessidade à mente: aquele
por leis da natureza, este por leis da razão. O impulso lúdico, entretanto, em que os
dois atuam juntos, imporá necessidade ao espírito física e moralmente a um só tempo"
(ibid, p. 78). O objetivo do impulso sensível é a vida, o objetivo do impulso formal é a
forma, o objetivo do impulso lúdico é a forma viva, "um conceito que serve para
designar todas qualidades estéticas dos fenômenos, tudo que em resumo entendemos
no sentido mais amplo de beleza" (ibid, p. 81). O Ideal do belo deve ser procurado na
ligação e no equilíbrio mais perfeito entre realidade e forma, embora ele não possa
jamais ser plenamente realizado.

Ambos impulsos fundamentais tão logo se desenvolvem, empenham-se por sua


satisfação, e como os dois se esforçam em objetivos opostos, se suprimem
reciprocamente, e a vontade afirma sua perfeita liberdade entre ambos (cf. ibid, p.
102). Daí o homem passa a ser caracterizado por sua vontade e, a origem da liberdade
está nessa natureza mista humana. O homem deve substituir a determinação sensível
e formal para percorrer o estado de determinabilidade. O estado de determinabilidade
real e ativa é o estético. E é esse estado de determinabilidade que possibilita, para
Schiller, a autonomia.

Esta disposição intermediária, em que a mente não é constrangida nem física nem
moralmente, embora seja ativa dos dois modos, merece o privilégio de ser chamada de
uma disposição livre, e se chamamos físico o estado de determinação sensível, e lógico
e moral o de determinação racional, devemos chamar estético o estado de
determinabilidade real e ativa (ibid, p. 106-107).

A disposição estética confere ao homem a liberdade que ele não possui no caso de
coação unilateral, ou da natureza na sensação ou da legislação da razão, possibilitando
a autonomia. Pela cultura estética permanecem indeterminados o valor e a dignidade
pessoal de um homem, à medida que este só pode depender dele mesmo, o que torna
possível fazer de si mesmo o que quiser (cf. ibid, p. 110). Uma das tarefas principais da
cultura é submeter o homem à forma em sua vida meramente física para torná-lo
estético, pois o estado moral só pode nascer do estético e nunca do físico (cf. ibid, p.
119). Para tornar o homem verdadeiramente racional é preciso antes torná-lo estético.
O impulso estético ergue um terceiro reino, alegre, de jogo e aparência, libertando o
homem da coação física e moral. A educação estética é a educação para a liberdade,
para a autonomia, porque beleza é liberdade. Então, para Schiller a formação estética
está de mãos dadas à formação moral, na medida em que a primeira engloba a
segunda. Por isso, o pleno desenvolvimento do impulso lúdico, o cumprimento do
imperativo estético que é "age esteticamente", abre a possibilidade de ser
espontaneamente moral e também autônomo.

Para Habermas (2002, p. 69), a utopia estética de Schiller concebeu a arte como a
personificação genuína de uma razão comunicativa72. Apresenta a realização da razão
como uma "ressurreição do sentido comunitário destruído" (idem, p. 68), ela não pode
resultar somente da natureza ou da liberdade, mas apenas de um processo de
formação que põe fim ao conflito entre ambas. O mediador desse processo de
formação é a arte, pois provoca uma mediação intermediária em que a mente não é
constrangida nem física nem moralmente e se faz ativa dos dois modos. Ainda para
Habermas (1993, p. 296), Kant confundiu a vontade autônoma com a vontade
onipotente, para poder pensá-la como vontade pura e soberana, ele teve de transpô-la
ao reino do inteligível, assim, "apenas a vontade conduzida pelo conhecimento moral e
inteiramente racional pode chamar-se autônoma" (idem). A concepção de autonomia
de Schiller supera esse formalismo kantiano e procura conciliar o conceito de
autonomia com o homem concreto. Para Hermann (2005, p. 71-72), a principal
importância da teoria de Schiller, são as possibilidades nela implícitas, o filósofo não
pretende uma mera estetização da vida, por isso se afasta do isolamento e
massificação que assistimos hoje.

Paulo Freire também mantém a unidade entre ética e estética, para ele decência e
boniteza andam de mãos dadas (cf. FREIRE, 2000a, p. 36). Como o ser humano cria a
sua existência e a si próprio por meio da educação entendida como processo contínuo,
a obra de sua criação pode enfear ou embelezar o mundo, daí a impossibilidade de nos
eximirmos da ética, fazemos nosso mundo a partir da nossa liberdade (cf. idem, p. 57).
Aqui Freire mostra que existe uma ligação entre ética e estética, a obra humana
embeleza ou enfeia o mundo, responsabilidade da qual não podemos nos eximir,
portanto, a ação humana é estética e implica em responsabilidade ética. Isso lhe dá
certa proximidade a Schiller. Outra semelhança entre a concepção de autonomia de
Freire e Schiller, é que eles pensam o homem enquanto totalidade, superando a cisão
típica do pensamento kantiano entre homem racional e homem irracional.

O processo formativo é um processo artístico, é por ele que os seres humanos


fazem a si e ao mundo como obra de arte. A formação estética que propomos como
caminho para a autonomia é formação que engloba a totalidade do ser humano e
requer a formação da sensibilidade aliada à formação moral, a fim de que haja
conciliação da felicidade com uma vida auto-responsável.

CONCLUSÃO

A temática da autonomia, central no pensamento iluminista, especialmente em


Kant, reaparece como central no pensamento de Paulo Freire, e esse é um dos
aspectos que fazem do educador brasileiro um herdeiro indireto de Kant e do
Iluminismo. Na teoria de ambos os autores, há a centralidade de a idéia da
possibilidade e capacidade do sujeito conseguir determinar sua vida de forma
autônoma, de o sujeito superar as condições de heteronomia, no que a educação
possui papel essencial. No último capítulo mostramos que a herança kantiana,
presente em Freire mesmo que indiretamente, se manifesta em suas concepções de
razão, sujeito e dignidade humana. Ambos comungam que a razão não se restringe à
razão instrumental, há uma racionalidade enquanto totalidade que é promotora da
humanidade e da autonomia. Em consonância com os autores, defendemos ao longo
do trabalho a possibilidade da racionalidade guiar a consciência crítica para que as
situações de heteronomia sejam desveladas e, assim, pela práxis transformadora o
homem possa emancipar-se, construir o poder de pensar, agir, falar, autonomamente.
Freire herda a concepção de sujeito fundada por Kant, de um sujeito ativo, que assume
reivindicação de responsabilidade total, mas acrescenta o elemento dialógico,
intersubjetivo, como constitutivo. Os dois autores pensam um sujeito com a liberdade
e poder de fazer frente às heteronomias, capaz de transformar situações de alienação,
opressão, ignorância. Para ambos, a dignidade humana é constitutiva, o homem possui
valor intrínseco, é fim em si mesmo, ou seja, não possui valor relativo. Ainda, é
importante destacarmos que a herança iluminista de Freire se dá, além de via Kant,
principalmente por meio de Marx e Hegel, o que não é tematizado nessa obra.

As reflexões filosófico-educacionais realizadas ao longo da obra se voltam


criticamente sobre os modelos sociais e educacionais promotores de heteronomia,
para, a partir de Kant e Freire, refletir sobre caminhos para a autonomia, caminhos
para uma educação que busca formar homens que não tenham sua individualidade e
liberdade anuladas por mecanismos e sistemas massificadores, caminhos para superar
a estetização do nosso tempo que leva ao individualismo e à indiferença ao humano,
caminhos para superar a colonização que a razão instrumental promove nas diversas
esferas do mundo da vida gerando uma sociedade em muitos aspectos desumanizante
e irracional.

Nesse sentido, propomos uma educação voltada para o exercício racional da


liberdade para que os determinismos sejam superados e o homem possa fazer-se a
partir de projetos que se propõe racional e livremente. O ser humano não está
enclausurado ao determinismo, ele é inconcluso, e enquanto inconcluso, precisa
humanizar-se, o que abre a possibilidade de ser livre, de construir-se a si mesmo, mas,
ao mesmo tempo, o torna um ser responsável por si mesmo. Por isso uma educação
que busca promover a autonomia do educando precisa educar para a
responsabilidade. Uma vida auto-responsável é aquela que faz a si como obra de arte
de tal forma que possa conciliar ética e estética.

Ao falarmos em educação para o exercício racional da liberdade, não entendemos


racionalidade como racionalidade instrumental, mas a pensamos enquanto totalidade,
com um poder, embora não absoluto, de criticidade e esclarecimento. Como a razão
não é absoluta, é razão histórica e encarnada, em educação as lições das experiências
humanas e os aspectos estéticos da existência devem estar aliados à racionalidade. A
vivência das tendências sensíveis, desde que concordem com a razão, pode
representar experiências de autonomia. Por isso, a educação para a racionalidade não
pode suprimir as tendências sensíveis. O que propomos a partir dos autores
trabalhados, nesse sentido, é a formação para a autodeterminação inteligente da
vontade, o que envolve guiar-se por princípios racionais e pelas tendências que
concordam com a razão, a fim de que a vontade não permaneça determinada por
impulsos ou por coações externas, mas também para que a dimensão estética não seja
suprimida. Ao pensarmos a autonomia não em termos absolutos e considerarmos os
aspectos estéticos nela envolvidos, somos levados ao reconhecimento e ao respeito à
multiplicidade e à pluralidade, mas sem negar a unidade.

A educação promotora da autonomia é a que promove a formação da totalidade do


humano, o que além da capacitação técnico-científica, envolve formação política, ética
e estética. A educação tecnicista, verbalista, que prima pela memorização mecânica
inibe a curiosidade, a criatividade e a criticidade, obstaculizando a promoção da
autonomia, por isso, a educação precisa ser ativa, instigadora da imaginação,
instigadora do ato de perguntar e investigar, mas sem anular a memória que deve
existir a serviço das demais faculdades. Embora autonomia e conhecimento possuam
uma relação de contingência, a capacitação, a aquisição de conhecimentos, é
necessária para que haja a possibilidade de realização dos projetos livremente
estabelecidos para si. A ampliação dos conhecimentos amplia o poder de realizar, e,
em conseqüência, o poder de ser autônomo.

A educação possui um papel político na transformação das realidades injustas e


opressoras, que aniquilam o humano, que massificam e impõem heteronomias. Daí a
importância de uma educação que promova a criticidade. Nesse sentido, a proposta de
educação libertadora de Freire tem como um dos principais méritos mostrar os
aspectos sociais da autonomia, e, que por isso, sua concretização demanda condições
sociais que a possibilitem. A educação que objetive formar para a autonomia precisa
ser dialógica, precisa educar para a participação soberana e o diálogo constante, dessa
forma, a educação está preparando para o exercício da democracia. A democracia
supõe que os sujeitos sejam capazes de liberdade, autodeterminação e autonomia.

Defendemos a educação como formação do humano que se dá como processo de


gestação da autonomia do pensamento, da ação e da palavra. Do pensamento, na
medida em que leva a pensar por si mesmo de acordo com princípios racionais e a
revelia das coações externas, dogmas, mitos, ignorâncias, alienações, etc. Da ação, na
medida em que capacita para a realização dos projetos que o homem se propõe
livremente. Da palavra, na medida em que na nossa sociedade existimos pela palavra,
por isso, para que alguém seja autônomo precisa aprender a dizer a sua palavra.

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