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ARTIGO ARTICLE S91

“É muito dificultoso!”: etnografia dos cuidados


a pacientes com hipertensão e/ou diabetes na
atenção básica, em Manaus, Amazonas, Brasil

“It sure ain‘t easy!”: an ethnographic study of


primary health care for patients with hypertension
and/or diabetes in Manaus, Amazonas State, Brazil

Maximiliano Loiola Ponte de Souza 1


Luíza Garnelo 1,2

Abstract Introdução

1 Centro de Pesquisa Leônidas


This paper analyzes the results of an evaluative O envelhecimento populacional apresenta-se
e Maria Deane, Fundação
Oswaldo Cruz, study in the city of Manaus, Amazonas State, como um fenômeno global 1, associando-se ao
Manaus, Brasil. Brazil, on primary health care for patients with aumento da morbi-mortalidade por doenças car-
2 Universidade Federal do
hypertension and/or diabetes. The ethnographic diovasculares 2. A hipertensão arterial sistêmica e
Amazonas, Manaus, Brasil.
approach used access to services and compre- o diabetes mellitus são agravos independentes
Correspondência hensiveness of health care as core analytical e freqüentemente sinérgicos cuja combinação
M. L. P. Souza
categories, comparing the health practices de- redunda em grave comprometimento à saúde.
Centro de Pesquisa Leônidas
e Maria Deane, Fundação veloped by Family Health Program (FHP) units Ambos necessitam de acompanhamento a longo
Oswaldo Cruz. with traditional non-FHP primary care units. prazo; exigem mudança de hábitos 3,4 e, por ve-
Rua Teresina 476, Manaus,
Access to family health care units in low-income zes, o uso de medicação por toda a vida.
AM 69057-070, Brasil.
maximiliano@amazonia. communities is limited by the precarious sur- O Ministério da Saúde 5, ao propor o Plano
fiocruz.br rounding urban infrastructure. The main bar- de Reorganização da Atenção à Hipertensão Ar-
rier to access to primary care units is distance. terial Sistêmica e ao Diabetes Mellitus, reconhece
The lack of a referral system between the various a importância da Atenção Básica, na abordagem
levels of complexity jeopardizes patients’ access desses agravos, feita por meio do modelo de
to tests and specialists. The care supplied by the atenção programática denominada HIPERDIA
two units is limited to patient conditions that (Sistema de Cadastramento e Acompanhamen-
can be treated pharmacologically, thus com- to de Hipertensos e Diabéticos) que possibilita
promising the comprehensiveness of care. The o desenvolvimento de ações contínuas e de al-
health professionals display a limited capacity ta capilaridade. Sugere que o cuidado ofertado
to hear problems outside the immediate focus deva ir além do binômio queixa-conduta, que
of the program activity. The paper highlights the permita identificar assintomáticos, monitorar o
potential for using ethnography in evaluative tratamento, estabelecer vínculos entre equipe de
research on health systems and services. saúde-pacientes-cuidadores e realizar educação
em saúde, incorporando a realidade social do pa-
Primary Heath Care; Cultural Anthropology; ciente a esse processo.
Hypertension; Diabetes Mellitus Na implementação da Atenção Básica no
Brasil, o Programa Saúde da Família (PSF) se des-
tacou como uma via de extensão de cobertura
e de vigilância em saúde dirigida a grupos em

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situação de vulnerabilidade. Nos últimos anos, Manaus encontra-se habilitada na gestão


o programa foi redimensionado na forma de plena da atenção básica desde 2003. Na rede
um conjunto de ações estratégicas capazes de municipal de saúde, coexistiam, na época da co-
reordenar o modelo assistencial e viabilizar a in- leta de dados, unidades básicas de saúde com
tegração entre as diversas formas de cuidados e e sem-PSF; essas últimas atendiam à demanda
níveis de atenção 6,7, no Sistema Único de Saúde espontânea, não operando em bases territoriais.
(SUS). Para viabilizar tal objetivo, diversas ativi- Parte das unidades não-PSF possuía o Programa
dades, dentre as quais, uma pesquisa avaliativa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Per-
das ações do programa nos municípios com mais sistiam áreas descobertas por ambos os modelos
de 100 mil habitantes, foram desenvolvidas em assistenciais.
todo o território nacional, sob a coordenação do De acordo com o Sistema de Informação da
Projeto de Expansão e Consolidação do Saúde Atenção Básica (SIAB), em 2005, havia, em Ma-
da Família (PROESF), voltado para o apoio à re- naus, 655.999 pessoas cadastradas no PSF. Tal
estruturação da Estratégia Saúde da Família. Na número expressava uma cobertura de apenas
Amazônia ocidental, a investigação foi realiza- 39,9% da população-alvo do programa estima-
da em cinco municípios: Manaus, Boa Vista, Rio da para 70% da população nos municípios com
Branco, Porto Velho e Ji-Paraná. mais de 100 mil habitantes. De acordo com a nor-
Os dados que dão origem a este artigo são ma técnica, cada equipe PSF deve acompanhar,
parte dessa pesquisa de linha de base, produzi- em média, 3.450 pessoas 9; nesse caso, o PSF, em
dos a partir de uma etnografia das práticas sa- Manaus, necessitaria de 190 equipes, mas tinha
nitárias da atenção pré-natal e do programa de apenas 173 atuando no período da pesquisa.
controle da hipertensão e do diabetes mellitus Considerando-se completas as equipes que pos-
(HIPERDIA) na rede básica do Município de Ma- suíssem um médico, um enfermeiro, dois auxilia-
naus. O componente antropológico foi desen- res de enfermagem e um número de agentes co-
volvido ao longo de oito meses, entre os anos de munitários de saúde equivalente ao número de
2005-2006. As categorias analíticas centrais do micro-áreas de abrangência da unidade, apenas
estudo foram o acesso aos serviços e a integra- 34,1% do total de equipes atuantes preenchiam
lidade do cuidado na rede básica de saúde. Na esse critério.
investigação, as supracitadas formas de atenção
programáticas foram consideradas como con-
dições traçadoras, aqui entendidas como um Metodologia
meio de “sinalizar, monitorar ou evidenciar as-
pectos substantivos da qualidade de serviços de O marco teórico e as estratégias de investigação
saúde” 8 (p. 536). O presente texto efetua a análi- foram únicos para todo o componente etnográ-
se das informações coletadas junto ao programa fico, variando apenas a análise realizada para
HIPERDIA. Os dados sobre atenção pré-natal cada condição traçadora. A investigação, de tipo
serão discutidos em outra publicação. avaliativo, pautou-se pela proposta de Contan-
driopoulus et al. 10, para os quais este tipo de es-
tudo exige a produção de julgamento de uma in-
Dimensões organizativas da Atenção tervenção a partir de métodos e procedimentos
Básica à Saúde no Município de Manaus científicos. A etnografia foi caracterizada como
uma “pesquisa de campo com observação prolon-
Em 2005, Manaus tinha uma população estima- gada do objeto de estudo, seguida pela produção
da em 1.644.688 habitantes. O grupo etário com de dados em condições discursivas e dialógicas
60 anos ou mais correspondia a 4,67% do total da expressos através de formas textualizadas” 11
população. Tal número representava um incre- (p. 67); ela foi a via de abordagem qualitativa do
mento de 17,33% nessa faixa etária, em compa- cenário da pesquisa, “caracterizando-se pela ín-
ração com valores de vinte anos atrás. No mesmo tima e dinâmica interação entre o observador e
período, a população menor de 15 anos sofreu o objeto” 12 (p. 142) e pelo “status central dado à
uma redução de 17%. Acompanhando a tendên- interpretação do significado das ações sociais” 13
cia de envelhecimento populacional, observou- (p. 106). Esta investigação deve ser considerada
se que, em 2005, 6,11% das internações hospi- como um estudo de caso, aqui entendido como
talares no SUS foram geradas por doenças do um sistema de relações instituídas em torno de
aparelho circulatório, um valor 1,8 vez maior do uma prática social 14 que permitiu inferir pro-
que o ocorrido em 1995. Em 2004, a mortalidade priedades gerais do modus operandi da Atenção
proporcional por doenças do aparelho circula- Básica à Saúde no Município de Manaus.
tório foi de 17,8%, em contraponto aos 14,7% de A escolha do HIPERDIA como condição tra-
1984, o que representou um incremento de 21%. çadora levou em consideração ser esse, de acor-

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do com a avaliação dos gerentes municipais de Resultados e discussão


saúde, um programa efetivamente implantado
na rede básica de Manaus; a influência da hiper- A unidade de saúde da família estudada localiza-
tensão arterial sistêmica e do diabetes mellitus se em uma área de invasão, caracterizada pela
no perfil de morbi-mortalidade no país 2 e as evi- precariedade sócio-sanitária. A implantação des-
dências que o adequado controle dessas condi- se serviço representou uma extensão de cober-
ções impacta positivamente nesses indicadores tura e viabilizou a prestação de ações de saúde a
de saúde 5. uma população anteriormente excluída. Porém,
O acesso como uma das categorias analíticas a carência de outros meios de infra-estrutura ur-
da pesquisa foi enfocado como um dos elemen- bana compromete o acesso da clientela aos ser-
tos-chave da organização dos sistemas de saúde, viços ofertados na unidade PSF.
aqui abrangendo os aspectos referentes à entra- “Descendo a ladeira enlameada, a paciente es-
da no serviço de saúde e à continuidade dos cui- corregava bastante. Resolvemos que uma pessoa
dados prestados 15. A integralidade foi abordada iria à frente e outra a apoiaria, segurando seu bra-
como uma forma totalizante de organização das ço. Ela escorregou três vezes. (...) A sensação que
práticas sanitárias que busca atender as neces- tive era de estar participando de uma operação de
sidades de saúde dos usuários do SUS 16. Esse resgate do Corpo de Bombeiros”.
componente priorizou a investigação do acolhi- O trecho acima, oriundo do diário de cam-
mento, responsabilização, vínculo e escuta nos po dos pesquisadores, descreve a experiência de
serviços oferecidos na atenção básica 17. acompanhar uma paciente hipertensa e seqüe-
O trabalho de campo foi desenvolvido em lada de acidente vascular cerebral no percurso
uma unidade de saúde do PSF e em outra uni- entre sua casa e a unidade de saúde da família.
dade básica de saúde não-PSF. A perspectiva Sob a chuva, vencer as íngremes ladeiras de uma
comparativa foi priorizada devido à existência rua enlameada é o primeiro obstáculo – sobretu-
de formas competitivas de “modelos [que] aten- do para os idosos – a ser superado para acessar o
dem a populações-alvo similares e representam a atendimento. Soma-se a essa dificuldade a bai-
porta de entrada ao sistema para os atendimentos xa cobertura do PSF no município, fazendo com
eletivos” 8 (p. 536) na oferta de Atenção Básica no que grandes áreas urbanas tenham as unidades
Município de Manaus. A seleção das unidades foi do PSF como o único serviço de saúde disponí-
definida em conjunto com os gestores do muni- vel. Em conseqüência, além de penosas, as cami-
cípio, por representarem unidades típicas do sis- nhadas podem ser longas.
tema que desenvolviam o HIPERDIA e pertence- Já a unidade básica de saúde conta com arre-
rem a uma mesma área geográfica, propiciando o dores urbanizados, mas sua localização em área
entendimento de interações complementares ou portuária, com tráfico de drogas e prostituição
competitivas entre elas. nos arredores também gera dificuldade de acesso
A etnografia realizada propiciou uma “des- à unidade. O serviço não opera em bases territo-
crição densa” da realidade social e a integração riais. Isso não seria problema para os usuários
de informações de diversos atores sociais que circunvizinhos, caso não houvesse um grande
atuam numa mesma micro-realidade, palco de número de clientes oriundos de outros locais da
interações e conflitos 13,18. Dentre as técnicas cidade, e até do interior do estado, atraídos pela
de pesquisa utilizadas, realizou-se a observação oferta de exames complementares de diagnós-
participante das ações do HIPERDIA nos dois ti- tico e de especialistas como cardiologista, gine-
pos de unidades de saúde, etnografando o aten- cologista e pediatra. A unidade dista mais de um
dimento médico, de enfermagem, as rotinas de quilômetro do principal aglomerado de domicí-
pré e pós-consultas e o deslocamento de pacien- lios do bairro. A inexistência de linha de ônibus
tes selecionados, desde seus domicílios até as que interligue as residências à unidade obriga os
unidades de saúde, assim como o trajeto inverso. usuários a enfrentarem essa distância a pé.
Complementarmente realizaram-se grupos fo- O atendimento feito essencialmente por
cais e entrevistas com profissionais e usuários meio da demanda espontânea e o afluxo de gran-
da atenção programática investigada. A apresen- de número de usuários de diversas origens gera-
tação e discussão dos resultados foram feitas de vam pressão de demanda, dificultando o acesso
modo comparativo, alternando-se os dados obti- aos cuidados. A falta de pré-marcação exigia que
dos nos dois tipos de unidades pesquisadas. os usuários saíssem de casa antes do amanhe-
cer, expondo-se à violência urbana para chegar
bem cedo à unidade de saúde e obter consulta.
Ressalte-se que a clientela oriunda da unidade
de saúde da família mais próxima, onde também
coletamos dados para a pesquisa, não obtinha

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atendimento preferencial em suas demandas à que o enfermeiro cobria as tarefas da auxiliar de


unidade básica de saúde. Tais fatores compro- enfermagem que, por ser estudante universitá-
metiam a regularidade do contato dos pacientes ria e estar em período de estágio, comparecia ao
com os serviços, inviabilizando a prevenção de trabalho uma única vez na semana; ele também
complicações e o adequado controle da hiper- realizava consultas quando o médico se ausenta-
tensão arterial e do diabetes mellitus 19,20. va da unidade. No entendimento do médico, as
Na unidade de saúde da família, durante o saídas do enfermeiro da unidade comprometiam
período da pesquisa, observou-se que a baixa co- o suporte que o mesmo deveria oferecer às con-
bertura e a forte pressão de demanda tendiam a sultas médicas.
restringir a ação da equipe às atividades no inte- “Antes da chegada do médico à unidade, o
rior da unidade, com prioridade para as consultas enfermeiro sai em seu carro para visitar uma se-
médico-curativas. A coordenação do PSF tinha nhora diabética e cega. Um pouco mais tarde, o
uma atitude ambígua a esse respeito, havendo médico inicia o atendimento do HIPERDIA, ig-
uma divisão de opiniões sobre a pertinência (ou norando a saída do enfermeiro. Reclama que não
não) da visita domiciliar como instrumento prio- foram calculados os índices de massa corporal
ritário de ação. Tal condição refletia-se no tra- dos pacientes; sob sua mesa há uma calculadora
balho local das equipes, reforçando a tendência e acima dela a fórmula e os valores de referência
espontânea dos profissionais de nível superior para o cálculo do índice de massa corporal. Era
de se limitarem às ações intramuros, particular- patente seu desconforto com a situação, visto que
mente pelo temor da violência urbana. ‘não tinha ninguém para auxiliá-lo’. O auxílio
A etnografia do cuidado flagrou a recomen- demandado consistia em trazer para o consultório
dação a um idoso com hipertensão severa com amostras de remédios que orientassem os pacien-
quadro de angina instável e histórico de acidente tes sobre a posologia ou em informar os usuários
vascular cerebral para que comparecesse à uni- sobre possíveis locais de realização de exames e de
dade, duas vezes por semana, para aferição de acesso à especialistas. Para o médico, o trabalho
sua pressão arterial. De acordo com o médico da preferencial do enfermeiro devia ser o auxílio à
unidade de saúde da família, tal procedimento consulta médica” (diário de campo – observação
permitiria um melhor controle da pressão arte- do atendimento).
rial do paciente e o estimularia a desenvolver ati- Evidências na literatura apontam que a ati-
vidade física. O usuário “confidenciou” aos pes- vidade de enfermeiros de saúde pública pau-
quisadores que não seguiria essa recomendação tar-se-ia por uma subordinação epistêmica ao
porque não teria como “vencer as ladeiras”. No modelo médico 22. Na situação investigada, essa
controle desses agravos, o exercício físico é uma subordinação ia além. O enfermeiro incorporava
medida não-farmacológica recomendada tanto as atribuições de outros profissionais ausentes,
para pacientes hipertensos quanto para diabéti- propondo-se a suprir as lacunas que ocorriam
cos 3, entretanto, ele deverá ter um caráter regular nas rotinas do serviço. Ele parecia ter dificulda-
e com intensidade adequada à condição clínica de em delimitar um espaço próprio de atuação e
do doente, sob pena de agravar seu quadro 21. em demonstrar, para o médico, a especificidade
Distorções como essas podem estar ligadas à de suas tarefas que, certamente, ultrapassavam a
falta de capacitação dos profissionais que atuam mera função de “auxiliar de consultório”.
orientados apenas pelo seu senso comum e pela A subalternização profissional alia-se à bai-
precariedade operacional do programa que não xa capacidade resolutiva da atividade domiciliar,
disponibilizava meios adequados para a avalia- como se pode observar no relato abaixo:
ção correta dos casos clínicos e nem para efeti- “Retornando da visita, o enfermeiro relatou
vação das visitas domiciliares. Dá-se, então, uma que a glicemia da paciente visitada estava ‘acima
reinterpretação da legislação que ampara o ido- de 500’. Sua conduta frente ao caso foi orientar
so, das normas técnicas do programa HIPERDIA que a paciente acionasse o serviço de ambulân-
e do próprio modelo de atenção preconizado cias de resgate domiciliar para ser levada a um
pelo programa de saúde da família, levando os pronto-socorro. Ele próprio não fez contato com
profissionais a priorizarem o atendimento bio- a unidade de emergência, não definiu o serviço a
médico individual em detrimento de ações de ser procurado e nem efetuou o encaminhamento
promoção à saúde. por escrito; tampouco aguardou, no domicílio, a
As rotinas de trabalho do enfermeiro da uni- chegada da ambulância. De acordo com o enfer-
dade de saúde da família não previam agenda- meiro, sua conduta é um procedimento rotineiro,
mento de visitas domiciliares; eram realizadas pois a equipe do PSF não dispõe de contatos que
“de acordo com a necessidade”. Na época da pes- viabilizem a internação de emergência de doen-
quisa, essa atividade estava comprometida pela tes atendidos pelo programa, cabendo tal ônus
carência de profissionais na unidade, uma vez aos clientes. Enunciou sua própria descrença no

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resgate dessa paciente e considerou que sua per- “A paciente ‘S’ começa a consulta relatando
manência no domicílio pouco contribuiria para que entrou no climatério há três meses, que agora
uma maior resolutividade do problema. Aparen- sente ‘um calorão’ e sua pressão disparou: ‘antes
temente não lhe ocorreu acionar o médico da uni- era 12, depois passou para 14 e agora está em 18’.
dade PSF para insulinizar a paciente” (diário de O médico registra essas informações no prontuá-
campo). rio e, em seguida, inicia um ‘diálogo’: ‘A senhora
Ao focalizar-se nas situações “problemáticas”, fuma? – Não. Faz atividade física? – Agora comecei
a visita domiciliar do enfermeiro perde seu cará- a caminhar”. Ele lê o prontuário da paciente para
ter preventivo. Deparando-se com situações que o pesquisador; recita: ‘paciente virgem de trata-
extrapolam a complexidade do nível básico de mento, com história familiar de hipertensão, ale-
atenção, seus esforços mostram-se pouco reso- gando estar no climatério, após o que teria ocor-
lutivos. Fica igualmente patente a inexistência de rido a elevação de pressão arterial’. Na seqüên-
mecanismos de articulação da rede do PSF com cia, comenta que não costuma procurar dados
os níveis mais especializados de atendimento. familiares e sociais no prontuário, pois isso pode
Na unidade básica de saúde, a visita domici- interessar para pesquisa, mas, na rotina, não têm
liar aos pacientes do HIPERDIA por profissional importância, porque a hipertensão atinge pobres
de nível superior, embora possível, dada a exis- e ricos. Prossegue falando que, ‘nesses casos vir-
tência do programa de agentes comunitários de gens de tratamento’, costuma recomendar dieta e
saúde na unidade, padece de diversas limitações. atividade física, mas, como a paciente é hiperten-
Como parcela importante dos pacientes hiper- sa classe III, prescreverá medicação. Solicita um
tensos e diabéticos ali atendidos reside em locais Eletrocardiograma e bioquímica de rotina. Define
distantes, sua visitação é inviável. Para os que re- o esquema terapêutico: ‘você vai tomar captopril
sidem nas proximidades, a atividade é prejudica- de 12 em 12 horas e passiflorine de 8 em 8 horas’”
da pela não-delimitação de área de abrangência (diário de campo).
da unidade, que se superpõe à área de atuação de É perceptível que o profissional não valorizou
outra unidade básica de saúde existente no bair- os sintomas de climatério, mesmo sendo essa
ro. Ambas disputam a exclusividade do registro uma condição associada à gênese e progressão
da clientela em suas respectivas estatísticas e sis- de cardiopatias 23. Seu foco se manteve na pres-
tema de cadastro sem que isso redunde em me- crição de anti-hipertensivo. Aparentemente, ele
lhoria da cobertura ou da qualidade da atenção. também interpretou as queixas da paciente co-
Os pacientes do HIPERDIA que consigam mo um quadro de ansiedade, condição apontada
adentrar ao serviço serão atendidos na unidade pela literatura como potencialmente relaciona-
de saúde da família, em um único dia da sema- da à hipertensão arterial sistêmica 24. Porém, a
na, pelo médico da família. Na unidade básica prescrição de um fitoterápico, sem eficácia tera-
de saúde, há consulta diária de cardiologista e de pêutica comprovada como ansiolítico 25, é pouco
clínico geral. Aqui, não há critério definidor de promissora. O especialista demonstrou desco-
acompanhamento do paciente pelo clínico ou nhecer as normas técnicas do programa e ale-
pelo especialista, isso depende exclusivamente gou preferência em seguir sua experiência; após
da compatibilidade entre o horário do profissio- algum tempo de conversa, admitiu nunca ter lido
nal e a vinda do paciente à unidade. Caso chegue as normas técnicas do programa HIPERDIA.
no horário matutino, terá acesso ao especialista, A focalização em alguns aspectos biológicos
do contrário, será atendido pelo clínico. Não há da hipertensão arterial e do diabetes mellitus não
um sistema de triagem para maximizar a ativida- é uma exclusividade da unidade básica de saú-
de do cardiologista; sua mão-de-obra é subutili- de. Na unidade de saúde da família pesquisada,
zada e, muitas vezes, esse recebe pacientes com uma paciente do HIPERDIA procurou o serviço
outras patologias apenas para completar sua co- com queixa de dificuldade visual. Foi orientada
ta de dezesseis atendimentos por turno de traba- a retornar em outro momento, pois aquele era “o
lho. Ambas as unidades oferecem atendimento dia do HIPERDIA” e só, no dia seguinte, haveria
de enfermagem para essa clientela. atendimento de clínica geral. O evento apreende
O cuidado ofertado é centrado no indivíduo a dificuldade de articulação de queixas, mesmo
doente e focaliza aspectos biomédicos, sobre- no interior de uma única ação programática,
tudo farmacológicos para o controle da hiper- tendo-se ignorado a associação recorrente entre
tensão arterial e do diabetes mellitus. O atendi- diabetes e comprometimento visual 26, que leva
mento médico relatado abaixo foi observado na à recomendação de que os diabéticos se subme-
unidade básica de saúde e será utilizado como tam à investigação periódica da saúde ocular.
fio condutor para discutir características dos cui- De forma similar, não observamos, durante as
dados oferecidos aos pacientes do HIPERDIA, na consultas, preocupação com outras ações pre-
Atenção Básica de Manaus. ventivas, tais como a indicação de exames col-

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pocitológicos, mamografia ou outros meios de te comunitário se posicionou: “Às vezes, o médico


monitoramento da saúde do idoso. diz que não pode comer certas coisas ou que tem
Em ambas as unidades, o exame físico mos- que comer certo tipo de comidas para fazer dieta,
trou-se um procedimento excepcional. Após a co- mas os pacientes não têm como fazer isso. Como
leta sumária das queixas, os médicos efetuavam eu conheço a vida deles sei o que eles conseguem
a prescrição medicamentosa. Na unidade básica e o que não conseguem comer, e posso explicar
de saúde, o cardiologista realizava um exame fí- isso para o médico”. De acordo com o observado,
sico simplificado e apressado. Tal atitude parecia os médicos pouco interesse demonstraram por
inusitada para os pacientes que mostravam sur- tal conhecimento. O maior contato dos enfer-
presa quando o médico se encaminhava em sua meiros com os agentes comunitários de saúde
direção para examiná-los; alguns perguntavam favorecia a partilha dessas informações; porém,
como proceder durante o exame, levando-nos a em ambos os tipos de unidade, os enfermeiros
concluir que tais atitudes do médico decorriam não conseguiam incorporá-las às suas rotinas
da presença dos pesquisadores no consultório e de atendimento. O depoimento de enfermeira
não de uma rotina de trabalho. Nossos achados da unidade básica de saúde reforçou essa idéia:
corroboram os de Paiva et al. 2, no Município de “Vemos a miséria horrível em que eles vivem; os
Francisco Monorato, em São Paulo, que demons- problemas imensos que têm. Mas e daí? Só vemos;
traram as deficiências na realização desses pro- não podemos fazer nada (...). De que adianta ver
cedimentos no PSF daquele município. o que acontece na comunidade? Não tem como
A desvalorização do conhecimento das con- melhorar! Só aconselhar não adianta!”.
dições de vida dos usuários e suas repercussões A fala, enunciada em tom de desabafo, ex-
no tratamento representaram entraves para a pressa sentimentos de angústia e impotência
adequada abordagem dos agravos controlados frente ao contato com a vida social dos usuários.
pelo HIPERDIA 1,20,27. Essas variáveis implica- Mas demonstra também a lógica implícita do
vam negativamente no uso regular de medica- modelo de organização da atenção básica. A et-
mentos pelos pacientes que moram em locais nografia dos cuidados prestados pelos profissio-
distantes da unidade cujos limites de acesso nais de nível superior, particularmente os médi-
dificultavam o retorno às consultas. Os pesqui- cos, mostrou que eles se estruturam em torno da
sadores também observaram dificuldades no demanda espontânea e dos sintomas atuais, va-
seguimento das dietas prescritas, seja pela falta lorizando apenas aqueles passíveis de tratamen-
de poder aquisitivo para adquirir os alimentos to medicamentoso. A observação mostrou que,
recomendados ou pelo significado simbólico e mesmo para as doenças crônicas cujo cuidado
afetivo da partilha de refeições em família preju- pressupõe uma longa convivência entre doente
dicada pelo rigor de uma dieta “sem graça”. Tais e profissional de saúde, o tipo de atendimento
contextos eram ignorados pelos profissionais prestado persiste orientado para a queixa atual
que atribuíam os problemas nessa esfera, exclu- e não para o seguimento longitudinal do usuá-
sivamente, à falta de compromisso dos doentes rio. A lógica do atendimento pontual obscurece
com o tratamento. a apreensão da temporalidade na produção da
Identificou-se, ainda, um importante erro de doença e dificulta, mesmo no plano biológico, a
foco nas prescrições dietéticas, pois a recomen- compreensão das inter-relações dos diversos sis-
dação de restrição de sal, de açúcar e de gordura temas corporais progressivamente comprometi-
era dirigida aos idosos, mas a pesquisa eviden- dos e das mudanças na constelação sintomática
ciou que as jovens mulheres das famílias, pou- à medida que a patologia avança.
co ou nada sensibilizadas para a importância da É em decorrência dessa perda da totalidade
dieta, costumavam ser as encarregadas do pre- da expressão histórica da doença que um porta-
paro das refeições. Nessas circunstâncias, a re- dor de diabetes que se queixa de problemas de
tórica da equipe de saúde era desperdiçada com visão pode ser rechaçado por vir à unidade no
o idoso destituído de poder de decisão sobre as “dia do HIPERDIA”. Da mesma forma, não ob-
formas de preparo da comida. Conselhos e in- servamos escuta e acolhimento das queixas rela-
formações técnicas não alcançavam aquelas que tivas às crises vitais que acompanham a história
poderiam contribuir para a redução do risco de pessoal de adoecimento, às limitações físicas e
complicação da hipertensão arterial e diabetes sociais que se instalam e às repercussões da con-
mellitus. dição de doente crônico na vida cotidiana. Des-
Os agentes comunitários de saúde da unida- crença na cura, conflitos familiares e dificuldades
de de saúde da família detinham não apenas um financeiras são dimensões do adoecimento que
amplo conhecimento do cenário social em que não encontram meios de expressão na consul-
vivia a clientela, mas também reconheciam sua ta. O modo como o cuidado é ofertado elimina
importância. Em um dos depoimentos, um agen- a possibilidade de acompanhamento dessas di-

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mensões da vida do doente, comprometendo a essencialmente prescritivo 27, com ênfase na


integralidade. necessidade de uso correto da medicação e no
A Atenção Básica deve operar como um nível cumprimento da dieta.
de atenção orientado pelo uso de tecnologias le- A dificuldade de acesso aos níveis de maior
ves 28, pautadas pela confiança, relacionamento complexidade do sistema também compromete
positivo, capacidade de diálogo e de negociação a efetividade do cuidado. Ao atender uma ido-
por parte dos profissionais. Porém, o atendimen- sa com seqüelas de acidente vascular cerebral,
to ambulatorial encontrado nas unidades inves- o médico da unidade de saúde da família lhe
tigadas tem como parâmetro implícito de ação perguntou em que poderia ajudá-la; a senhora
o modelo emergencial-curativo, mostrando-se respondeu que gostaria de ter um remédio para
incapaz de produzir uma atenção personalizada curar sua perna debilitada. Em retorno, o profis-
e de criar vínculo com o paciente. O peso exces- sional lhe disse que poderia ofertar apenas um
sivo do componente farmacológico desvaloriza encaminhamento para o especialista; dirigiu-se,
a dimensão relacional do cuidado. Ainda que o em seguida, ao enfermeiro e perguntou: “Como a
medicamento seja peça fundamental no contro- gente faz para conseguir neurologista?”. O enfer-
le da hipertensão e do diabetes, sozinho, ele é in- meiro respondeu: “Não consegue, manda para o
suficiente para garantir uma adesão permanente Serviço A ou para o Serviço B. Só quem tem neuro-
do doente aos cuidados oferecidos pela unidade logista é a Secretaria Estadual, e eles não aceitam
de saúde 3. nossos encaminhamentos”. O “não conseguir”
Nessas circunstâncias, a autonomia do usu- sintetizava a inexistência de um sistema orga-
ário, o poder de tomar decisões e o direito de nizado de referência. O termo “manda” indicava
aderir ou rechaçar as prescrições são vistos co- que a paciente seria enviada à procura de aten-
mo obstáculos à melhoria da organização dos dimento sem qualquer garantia de consegui-lo.
serviços. Reduzidos à impotência, os profissio- Ouvindo esse diálogo, a senhora exclamou indig-
nais apontam a intensificação do investimento nada: “É por isso que as pessoas não procuram o
tecnológico como alternativa de aprimoramento médico. É muito dificultoso!”. O empréstimo da
da qualidade da atenção e de garantia da adesão fala dessa usuária para intitular esse artigo se de-
dos doentes às suas prescrições. São os meios ve à forma sintética como ela expressou as difi-
que buscam para vencer o chamado “problema culdades enfrentadas pelos pacientes em busca
cultural”, o rótulo sob o qual enquadram os com- de acesso aos serviços e ao cuidado integral para
portamentos recalcitrantes dos usuários. suas necessidades de saúde.
No âmbito da educação em saúde, desta-
que-se a limitada habilidade dos profissionais
de nível superior, principalmente dos médicos, Conclusões
em orientar a dieta dos pacientes. É uma dificul-
dade potencializada pelo desconhecimento dos A utilização da etnografia nesta pesquisa avalia-
hábitos alimentares da população. A orientação tiva, tendo o HIPERDIA como condição traça-
dietética observada limitava-se a listar uma série dora, mostrou-se uma experiência exitosa. A ob-
de alimentos que não poderiam ser consumidos; servação direta e comparativa do cotidiano das
porém, não ofereciam orientações sobre a dieta unidades de saúde com e sem-PSF trouxe à tona
adequada. Igualmente, era deficiente a capaci- as rotinas desenvolvidas nas mesmas, indo além
dade de escuta dos profissionais em relação às do discurso dos pacientes e dos profissionais. A
queixas e/ou problemas trazidos pelos pacien- eleição do HIPERDIA como condição traçadora
tes sobre aspectos não biomédicos, mas interve- possibilitou a análise não só das características
nientes na dieta como, por exemplo, as dificulda- desse programa, mas da própria organização da
des de aquisição dos alimentos mais saudáveis. Atenção Básica em Manaus.
Tais achados são compatíveis com um estu- A potencialidade do PSF em facilitar o acesso
do realizado em unidade básica de saúde de Ri- da população aos serviços de saúde é inviabili-
beirão Preto que demonstrou que apenas 17,2% zada pela baixa cobertura do programa e pela
da amostra de pacientes diabéticos receberam precariedade da infra-estrutura urbana das áreas
orientações adequadas para seu tratamento 29. mais carentes. A inexistência de um efetivo sis-
Um inquérito populacional, realizado no Rio tema de referência e contra-referência torna-se
Grande do Sul, mostrou que a adequação das uma barreira, por vezes intransponível, para o
orientações a pacientes hipertensos era direta- acesso dos usuários a cuidados de maior nível
mente proporcional ao seu lugar no nível mais de complexidade. Na unidade básica de saúde,
elevado da escala social 3, ao passo que a edu- com maior capacidade instalada, mas que não
cação em saúde, quando realizada no âmbito opera em bases territoriais, observa-se uma si-
dos atendimentos individuais, tinha um caráter tuação inversa; nela, encontrou-se maior facili-

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S98 Souza MLP, Garnelo L

dade de acesso a exames e a certos especialistas nhecimento gerava, por vezes, sentimentos de
e uma menor facilidade de entrada no serviço. angústia e impotência, mas não se observou a
Pode-se afirmar também que as unidades com e produção de estratégias que propiciassem a in-
sem-PSF operavam de forma desarticulada, com corporação das informações sobre as condições
fragmentação do cuidado e desconhecimento de vida nos processos de trabalho desenvolvidos
das dimensões sociais do adoecimento. A maior nas unidades.
capacidade instalada da unidade básica de saúde As categorias analíticas centrais da pesquisa
não era aproveitada em favor dos usuários das (acesso e integralidade) mostraram-se ferramen-
unidades com PSF mesmo quando havia proxi- tas eficientes na comparação e análise da oferta
midade geográfica. de cuidados em unidade básica de saúde não-
Na unidade de saúde da família e na unidade PSF e em unidade de saúde da família. Os resul-
básica de saúde, o cuidado com as demandas de tados da investigação não mostraram diferença
saúde estava centrado na doença, pautando-se significativa entre elas no que tange à qualidade
pelo enfoque individual e medicalizador, com e integralidade do cuidado ofertado. Ambas par-
pouca penetração das atividades de educação tilhavam baixa capacidade de responsabilização,
em saúde no cotidiano das práticas sanitárias. de vínculo, escuta e acolhimento de problemas
A proximidade da equipe (ou de parte dela, co- que fugissem do foco imediato da ação progra-
mo o programa agentes comunitários de saúde mática e mesmo de ações não-medicamentosas
da unidade básica de saúde) com a comunidade previstas nas rotinas do HIPERDIA. Os resultados
permitia que o conhecimento da realidade social da investigação reforçam a idéia de que há um
fosse acessível a alguns profissionais, sobretudo longo caminho a ser percorrido na qualificação
agentes comunitários de saúde e enfermeiros, da Atenção Básica, em busca de alcance pleno
ainda que os médicos o desvalorizassem. Tal co- dos princípios que regem o SUS.

Resumo Colaboradores

O texto analisa os resultados de pesquisa avaliativa L. Garnelo e M. L. P. Souza participaram conjuntamente


da Atenção Básica à Saúde do paciente com hiper- da concepção do artigo, da análise nele contida e da
tensão e/ou diabetes em Manaus, Amazonas, Brasil. revisão do texto final.
A abordagem etnográfica utilizou, como categorias
analíticas centrais, o acesso aos serviços e a integrali-
dade do cuidado, comparando-se as práticas sanitá- Agradecimentos
rias desenvolvidas em unidade do Programa Saúde da
Família (PSF) e em unidade básica de saúde não-PSF. Os autores agradecem ao Dr. Eronildo Felisberto, ao De-
A facilitação do acesso à unidade de saúde da famí- partamento de Atenção Básica, do Ministério da Saúde
lia implantada em comunidade carente é limitada e às Dras. Maria Helena Mendonça e Maria do Carmo
pela precariedade de infra-estrutura urbana do seu Leal, da Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação
entorno. A unidade básica de saúde tem, nas grandes Oswaldo Cruz, pelo apoio institucional para realização
distâncias, a sua principal barreira de acesso. A inexis- desta pesquisa. Pesquisa financiada pelo Ministério da
tência de sistema de referência entre os distintos níveis Saúde, no âmbito do projeto Monitoramento e Avalia-
de complexidade compromete o acesso dos pacientes a ção do Programa de Expansão e Consolidação da Saúde
exames e especialistas. O cuidado oferecido nas duas da Família (PROESF), para o Desenvolvimento de Estu-
unidades é restrito às queixas físicas passíveis de abor- dos Avaliativos – Linhas de Base – de Municípios.
dagem farmacológica, comprometendo a integralida-
de. Há baixa capacidade de escuta dos profissionais
para problemas distintos do foco da ação programá-
tica. Destacam-se as potencialidades da utilização da
etnografia na pesquisa avaliativa de sistemas e servi-
ços de saúde.

Atenção Primária à Saúde; Antropologia Cultural;


Hipertensão; Diabetes Mellitus

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 24 Sup 1:S91-S99, 2008


CUIDADOS A PACIENTES COM HIPERTENSÃO E/OU DIABETES NA ATENÇÃO BÁSICA S99

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