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Lições sobre meio-jogo: 1ª aula - Valtercides Silva

O jovem, que mal acabara de aprender os movimentos iniciais do jogo de xadrez, chegou
devagar, olhar apreensivo. A casa da qual se aproximava era de pintura um tanto velha e
desgastada, transmitindo um ar de mistério.

Era rumor geral que o morador da misteriosa casa tinha um perfil também invulgar, excêntrico.
Viúvo, solitário, pouca conversa. Sua pequena aposentadoria, diziam, custeava-lhe os poucos
gastos, com sobra, não proporcionando, porém, luxos maiores. Era modesta a sua casa e não
se via visita freqüentando o cinqüentão enigmático.

A apreensão do jovem aprendiz talvez tivesse algum fundamento, pois, pensava ele: "terei que
enfrentar, afinal, nesta pequena cidade não há ninguém que sabe mais teoria de xadrez,
segundo dizem!..."

Passou pelo portãozinho de madeira que estava apenas encostado. Ainda indeciso subiu dois
degraus que antecediam uma pequena varanda e parou diante da porta, também um pouco
desgastada.

Tocou a campainha.

Após cinco longos minutos apareceu a figura excêntrica. Corpo magro, barba preta, cabelo um
tanto em desalinho. A olhar inquiridor, perguntou ao aprendiz:

– O que deseja?

O jovem, como que a pesar cada palavra, tentou preâmbulo:

– Posso conversar com o senhor sobre xadrez?

O estranho personagem, sem responder, apanhou duas cadeiras de treliças, colocou-as frente
à frente na pequena varanda. Olhou para o jovem de modo cortês e fez sinal para que
sentasse.

– Pois não. Respondeu, com longo atraso e certo entusiasmo.

Encorajado pelas atitudes hospitaleiras do anfitrião, o aprendiz soltou-se:

– Eu soube que o senhor tem uma boa teoria de xadrez e vim aqui pedir se pode me ensinar.

– Qual o seu nível?

– Sou principiante. Faz um mês que aprendi os movimentos iniciais.

– Não tem teoria nenhuma?

Nesse momento o aprendiz criou coragem de argumentar mais.

– Pela internet eu estou tendo aulas de final e abertura. Pela filosofia do curso, apenas depois
que eu dominar bem as sutilezas do final é que terei aulas de meio-jogo. E, enquanto passam a
matéria mais puxada de finais, passam também as idéias básicas das aberturas. Acontece que
eu não consigo apenas estudar a teoria e fico curioso para jogar partidas. Jogo com colegas,
com computador, mesmo não sabendo nada de tática e estratégia ...

– Talvez a razão que o trouxe aqui seja a dificuldade de entrar no meio-jogo... Interrompeu o
anfitrião.
– Sim. Vim pedir ao senhor que me adiantasse idéias do meio-jogo. Fico completamente
perdido, sem saber o que fazer, logo que saio da abertura.

O senhor cinqüentão fechou os olhos por um momento. Depois olhou para o aprendiz e disse:

– O que eu posso passar a você não é muito. Sou apenas alguém solitário, que para preencher
o tempo faz alguns estudos, entre eles, o de xadrez. Não tenho quase nenhuma prática.
Acredito, entretanto, que por você estar no início dos estudos, talvez eu possa pelo menos
indicar alguns livros. Pode ser assim?

– Pode. Respondeu o aprendiz. – Mas, o senhor não podia, além de indicar livros, orientar-me
também?

– Certamente. Mas o que quero dizer é que depende muito mais do seu estudo do que
propriamente de minhas aulas. Acredito que mesmo não sendo nenhuma autoridade no
assunto estou à altura de lhe passar alguma coisa, já que moramos neste fim de mundo e é
bem pouca gente que se interessa por um assunto desse.

– Levando em conta que você já está estudando finais e aberturas, continuou o senhor anfitrião
e, portanto, não dispõe de tanto tempo assim - e que eu também não tenho todo o tempo do
mundo - vou fazer-lhe uma proposta. Encontraremos uma vez por mês. Em cada encontro eu
lhe mostro algum resumo de obras que li, retirados de uma relação de livros que pode
aprofundar seus estudos e resolver algumas dúvidas que porventura tiver. Concorda que seja
assim?

Rapidamente o aprendiz, com um sorriso nos lábios, respondeu:

– Claro que concordo. Para mim está ótimo. Que dia podemos começar, mestre?

O mestre respondeu também sorrindo:

– Agora.

Levantou-se, foi até o escritório, e depois de vasculhar os guardados, voltou com alguns papéis
datilografados.

– Vou passar-lhe esses resumos. São uma seqüência de passos que deverá seguir.
Obviamente que você, de imediato, não entenderá profundamente todos eles, mas deverá
tentar segui-los à risca, no que puder. À medida que seus conhecimentos forem aumentando
irá entendendo com mais profundidade, naturalmente.

– Eis aqui os resumos - disse o mestre e passou-os ao aprendiz. – Primeiro esse de regras
fundamentais da abertura (que você já deve ter visto, mas que não custa nada repetir):

Regras fundamentais na abertura

1- Abra o jogo com 1.e4 (deixe para uma outra fase 1.d4, ou qualquer outra).

2- Faça um ou dois movimentos com peões na abertura, não mais.

3- Jogue para obter o domínio do centro.

4- Não saia com a dama muito cedo.

5- Faça o roque o quanto antes, de preferência o do flanco do rei (pequeno roque).


Estratégia geral

1. É preciso desenvolver rapidamente todas as peças.

- Não convém jogar duas vezes a mesma peça durante a abertura.

- Não se deve bloquear o desenvolvimento das próprias peças. Se não for possível impedi-lo,
pelo menos que seja durante o menor tempo possível.

- Quanto possível, todo bom lance de desenvolvimento deve encerrar alguma ameaça.

2. É imprudente o desenvolvimento prematuro da dama.

- Na abertura, não se deve fazer mais do que um lance com a dama, a fim de cooperar com o
desenvolvimento geral das peças.

3. É fundamental o domínio do centro.

- O domínio do centro, que é a base do xadrez nas aberturas, é também o segredo de sua
técnica durante a maior parte da partida.

4. O ganho de tempo é uma vantagem importante.

- Xeque desnecessário é uma perda de tempo, que favorece o adversário.

- Constitui perda de tempo aceitar uma troca de peças com o adversário, se a sua peça tiver
executado mais movimentos do que a dele, na abertura, principalmente.

5. Os peões são a verdadeira base de toda a estratégia do xadrez e mesmo da teoria das
aberturas.

- A ação dos peões será tanto mais eficiente quanto menor for o número de grupos em que eles
estiverem divididos.

- Os peões em ziguezague são um absurdo estratégico. Mas agrupá-los dois a dois é


perfeitamente aceitável.

- É preciso meditar profundamente antes de avançar um peão à quinta fila.

- Evite os peões dobrados, isolados, ou atrasados. Os peões dobrados são aceitáveis só nas
quatro colunas centrais. Peões dobrados na coluna da torre é um absurdo.

- Fixar um peão isolado adversário (por exemplo, colocando-se um cavalo à sua frente) às
vezes é ainda mais forte do que capturá-lo.

6. Não se deve realizar uma troca sem que haja para isso uma boa razão.

- Quando se tem vantagem material deve-se trocar as peças, sobretudo as damas.

- O bispo é melhor do que o cavalo em todas as posições, menos nas bloqueadas.

O Mestre esperou que o aprendiz lesse as regras. Depois completou:

– Veja agora os "passos" de que lhe falei:


Análise da posição (qual bando está em vantagem)

1. Posição do rei.

2. Os peões centrais estão sólidos e bem defendidos?

3. Peões débeis? Casas débeis? Como está a estrutura de peões?

4. As peças estão desenvolvidas? Qual a função de cada uma?

5. Existem colunas abertas?

6. Existem diagonais abertas?

Depois que o aprendiz os leu, o mestre voltou à carga:

– Quando tiver saído da abertura, desenvolvido as peças, ou quando achar conveniente, faça
uma pausa para avaliar a posição. Lembre-se “o jogador só pode considerar-se bom, quando
estiver fazendo adequadamente a análise da posição”. Pois é a partir da análise, que você fará
seu lance corretamente. Se estiver em vantagem, buscará um lance de iniciativa, de ataque. Se
estiver em desvantagem, fará lance de defesa ou, vamos dizer, de “arrumação de casa”
primeiro. E daí por diante, mas se a análise estiver errada, seu planejamento sairá incorreto.

"Não se preocupe nem tenha pressa. A evolução vem por si, basta estudar. Quanto mais
conhecimento for adquirindo, melhor vai avaliando a posição.

Por enquanto, baseie-se no conhecimento que tem e faça, na medida do possível, uma análise,
seguindo os passos que agora lhe transcrevo, mais ou menos assim:

Passo número um - veja a posição dos reis. Olhe se ambos estão em segurança. Se um dos
bandos não estiver em segurança, marque um pontinho de vantagem para o outro lado. Se der
empate, não marque nada.

Passo número dois - observe se os peões centrais estão bem defendidos (sempre de ambos
os bandos. Marque ponto ou não, conforme o explicado no parágrafo anterior).

Passo número três - verifique os demais peões, de ambos os lados, se estão bem defendidos
ou não. Continue marcando ponto para quem o merecer. Tente perceber casas débeis (onde
possa alojar peça contrária sem ser molestada). Marque mais ponto ( se for o caso). Analise se
os peões obedecem às regras da estratégia geral (estudada na aula 1). Continue marcando
ponto, se precisar.

Passo número quatro - olhe se todas as peças estão desenvolvidas, de ambos os bandos.
Tente entender a principal função de cada uma, e continue marcando os possíveis pontos.

Passo número cinco - veja se há colunas abertas. (coluna aberta é aquela cujo peão não se
encontra mais nela). Se houver, tente descobrir qual bando domina a mesma e não se esqueça
de marcar o possível ponto.

Passo número seis - faça o mesmo que o anterior para as diagonais abertas.

Após esse pequeno estudo, some os pontos de cada bando e tente avaliar, dando o peso que
achar conveniente a cada questão, quem está em vantagem, ou se ela é mínima e nula.

Existem algumas regras práticas sintetizadas por notáveis jogadores e teóricos, como Kotov e
Steinitz:

1. Em xadrez vence só o atacante. O talento é a força secundária do


jogador. Pode atacar aquele que tenha melhor posição. Aquele que está
com vantagem tem não só o direito de atacar, senão o dever. Pois, pode
correr o risco de perder tal vantagem, se não o fizer.

2. Quem estiver em desvantagem deverá defender-se. O defensor há de


querer defender-se e fazer concessões, mas tem que aproveitar a ocasião
de contra-atacar quando a oportunidade se lhe apresentar.

3. Deve-se atacar o ponto fraco do adversário.

4. Um ataque sem o domínio do centro dá uma grande chance de um


contra-ataque no centro.

5. Um jogador deve se abster de suas preferências, se preciso, e agir de


acordo com o que pede a posição.

De tudo isso que foi dito, sintetizou-se análise de posição e suporte para fazê-lo. Da sua
análise vai resultar sua decisão de atacar, defender, fazer jogada neutra. Entretanto, para saber
em que setor se deve atuar, você deve complementar o estudo da posição com:"

O Mestre disse e passou o segundo resumo ao aprendiz.

Centro – características (em qual setor devo atuar)

1.Centro fixo - somente peças no centro.


O que se deve fazer? Estender a influência das peças pelos flancos.

2. Centro fechado - peões sólidos e bem defendidos no centro.


O que se deve fazer? Avançar peões pelos flancos.

3. Centro aberto - peões vulneráveis ou falta deles no centro.


O que se deve fazer? Manobrar peças no centro. Será um fracasso o ataque pelos flancos.

4. Centro indefinido - peças ou peões no centro, com forte de tendência de modificações.


O que se deve fazer? Movimento de espera, ou manobras para modificar a característica do
centro.

– Finalmente - continuou o mestre - podemos dar nossa aula de hoje por encerrada. A próxima
aula constará de um estudo sobre conformação de peões. Espero que estude estes pequenos
tópicos de hoje, durante este mês, tente aplicá-los em suas próximas partidas. E que me
apareça, depois, com muitas perguntas ou sugestões. Até a próxima.

Lições sobre meio-jogo: 3ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 2

Naquela tarde ensolarada o aprendiz caminhava satisfeito. Já se fizera um mês de seu último
encontro com o mestre. Agora econtrava-se no trajeto de sua casa rumo à casa do enigmático
senhor.

Sentiu-se mais confiante e tinha muito para contar de suas aventuras enxadrísticas. Passou
pelo portãozinho e bateu na porta, esperançoso. A figura única do mestre surgiu.

O aprendiz vendo a figura misteriosa e agradável, o aspecto intelectual, o indecifrável aspecto


humano mesclado de inatingível e ao mesmo tempo palpável, cortês, inteligente, resumido,
raciocínio lógico, não teve como não comparar aquilo com tudo com características de: xadrez.
Ainda brincando com seus pensamentos juvenis, ouviu a voz firme do mestre:

- Entre.

Sorrindo, pensou, mais uma vez: “É o xadrez deixando de ser tangente e passando a ser
secante.”

Sentaram-se novamente na varanda. O mestre perguntou:

- E então? Tem alguma coisa para me contar?

“Certamente que não contarei essas comparações de mistério do mestre com o mistério do
xadrez” - pensou o aprendiz.

- Sim, tenho algumas novidades. Posso contar? - falou o jovem.

A um aceno do mestre, o aprendiz continuou entusiasmado.

- Para começar: tenho um computador, o Escalibur, com 72 níveis de jogo. Eu tinha muita
dificuldade de jogar em qualquer nível. Já ganhei uma partida do nível 20. (Está anotada aqui e
eu trouxe para o senhor ver). Do meu colega Marcelo, com quem jogo quase todos os dias,
passei a ganhar mais dele do que ele de mim (o contrário do que acontecia). Com outro
detalhe. Eu e Marcelo jogávamos umas trinta partidas por vez. Agora, tem dia que a gente só
consegue jogar uma ou duas, mais demoradas, mais pensadas.

A uma pequena parada do aprendiz, o mestre disse:

- Muito bem. Esta evolução é muito boa. Aproveitando o aspecto que você citou de que você e
seu amigo Marcelo jogam quase todos os dias, quero reforçar um conceito: Tudo que você
quiser aprender na vida, meu caro aprendiz, se possível faça todos os dias. É como se fosse
para treinar o “reflexo”. Isto eu percebi lendo livros de teoria de diversas áreas, tais como
desenho, pintura, até natação.

Após os comentários do mestre e mais histórias da aventura de um mês de nosso aprendiz, a


aula prosseguiu.

- Meu caro jovem. Vamos dar seqüência ao nosso estudo. Esta partida, que você jogou com o
computador e está me entregando, eu não vou analisá-la agora. Deixarei para analisá-la
juntamente com outras que você me apresentar no mês que vem, para compararmos depois do
resumo sobre peões que lhe passarei hoje. E, por falar em partida anotada, quero lhe pedir que
anote em um caderno, daqui para frente, sempre que possível, todas as partidas que fizer, com
data e duração das mesmas.
Quanto à nossa matéria de hoje e dos próximos encontros, tenho a dizer-lhe o seguinte:
retrocendo ao nosso primeiro encontro, lembro-me que você me pediu dicas de meio-jogo.
Passei-lhe seis passos a serem seguidos para análise da posição. Do resultado dessa análise,
você concluiria se estaria em vantagem, desvantagem ou empate, e, em conseqüência,
decidiria se atacaria, defenderia, faria jogada neutra, ou contra-atacaria. Em seguida passei-lhe
4 passos a serem seguidos sobre características do centro, para mostrar-lhe em que setor do
tabuleiro você iria atuar. Falta uma pequena parte para seu estudo, sugerida por Kotov, que
oportunamente passarei a você. Trata-se de como será seu plano, se “mono-escalonado ou
multi-escalonado”. E depois, poderemos falar alguma coisa da tática, também de Kotov, a
famosa “árvore”. Por enquanto, estudaremos as vantagens e desvantagens da colocação de
cada peça no tabuleiro, cujo material mais interessante eu encontrei nos quatro volumes do
livro de Roberto G. Grau, Tratado geral de xadrez.

- Começaremos nossos estudos específicos sobre as peças, pelos peões.

Falando isso, o mestre passou ao aprendiz um novo resumo:


Estudos específicos
Peões

(Segue um resumo do livro Tratado Geral de Xadrez, de Roberto G. Grau, tomo III)

Philidor foi o primeiro enxadrista que compreendeu cientificamente o xadrez. Seu princípio
sobre a base fundamental, que significava a configuração de peões, revolucionou o xadrez e
originou toda a estratégia atual do jogo. Hoje, é mais fácil fazer-se compreender a verdade de
seu princípio, que é o princípio fundamental da vida do xadrez: de acordo com a disposição
que se assegure aos peões devem efetuar-se as manobras futuras.

Deduz-se disso, que o esqueleto técnico do jogo, sua armação estratégica, é a ordenação das
linhas de peões, que são as linhas avançadas de combate, de cuja ruptura e desmembramento
depende a sorte de uma luta.

Os avanços de peões são a debilidade necessária que impõe a luta para defender-se. Este
paradoxo tem fácil comprovação em xadrez.

Toda teoria dos pontos fortes, da centralização de peças, dos bispos bons e maus, das colunas
abertas, dos sacrifícios, dos temas de combinação, das cadeias de peões, do jogo aberto e
fechado, tem como base o esqueleto de peões.

Regras práticas

Geral

1. Os peões unidos e agrupados em uma mesma linha em sua posição central (e4-d4, ou c4-
d4, ou e4-f4) são o ideal de eficiência e garantia de não ceder pontos débeis importantes.

2. Quanto menos grupos estiverem divididos os peões, tanto mais fácil é a ação dos mesmos.

3. Os peões não devem avançar à quinta linha, sem meditar as conseqüências desse avanço,
já que ele provoca debilidades sérias. Um peão na quinta obriga a estirar a cadeia de peões e
deixa débeis as casas laterais do peão avançado. Porém, em certo momento da partida, é
necessário valer-se desse tipo de manobra decisiva, e é quando se faz o ponto culminante da
mesma. Portanto, o avanço de peão à quinta casa só deve ser feito confiadamente, quando
está sustentado por uma sólida cadeia de peões, ou nada pode evitar que esta seja construída.

4. Um peão na quinta significa uma debilidade, compensada ou não por outros detalhes
estratégicos, quando as casas laterais do mesmo podem ser ocupadas por peças rivais.

5. Um peão na quinta, com peão adversário diante, ou seja, imóvel, é uma manobra que deve
ser muito meditada, se para sustentá-lo tivermos que recorrer a peças de maior valor.

6. Um peão que avança à quinta sem propósitos imediatos de ataque cria uma obrigação de
adotar uma configuração determinada de peões e enseja o começo de uma rigidez perigosa na
conformação dos mesmos. Deve ser muito bem estudada, já que há muitas posições em que
esta manobra é necessária.

7. O avanço de um peão à quinta justifica-se, nas posições de ataque, pois serve para
desalojar peças que defendem os roques e abre brechas para que um bispo atue.
8. Em troca, o avanço à quinta é um aventura estratégica que abarca toda a partida, se se trata
de uma posição de manobras lentas, em que há que resignar-se a uma demorada luta de
planos indiretos. Nestes casos, habitualmente, o peão imobilizado na quinta se converte no
vértice de uma ação tenaz do adversário.

9. Os peões em zig-zag (h2-g3-f2-e3-d2 etc.) são um absurdo estratégico. Agrupá-los dois a


dois, por exemplo, h3-g3-f2-e2-d4-c4-b2-a2, é, em troca, perfeitamente aceitável, porque não
cede quase nenhuma casa ao adversário.

10. Levar peões do flanco ao centro, mediante a troca dos mesmos é quase sempre uma
manobra estratégica proveitosa. Trocar um peão central por outro do flanco, significa
habitualmente ceder a fiscalização do centrro ao adversário.

11. Todo ataque a um peão central por um peão lateral é geralmente bom e pode ser um tema
tático.

12. Torna-se melhor, quase sempre, defender um peão central, do que capturar um peão do
flanco.

13. Toda a força do peão radica em sua mobilidade.

14. Quando se luta com três peões unidos contra dois peões, nunca se deve avançar o peão
central.

Peões isolados

15. Peão isolado, é aquele que não tem nas colunas vizinhas peões do seu próprio bando. A
tática de isolar um peão central e acumular peças em sua agressão significa uma vantagem
apreciável: a iniciativa e habitualmente, superioridade em espaço.

16. O peão isolado é débil, especialmente se se encontra em uma coluna aberta (coluna aberta
é aquela que não possui peão. No caso, obviamente, o peão branco, por exemplo, estaria em
uma coluna sem o respectivo peão negro adversário, e nem teria peão branco em nehuma
coluna adjacente). Porém, oferece a compensação de que as casas, que fiscaliza, serem
pontos fortes para uma peça própria. Ademais, significa abundância de temas de ação nas
colunas abertas laterais.

17. Quando se pressiona um peão isolado central, deve-se colocar à sua frente uma peça, já
que a verdadeira debilidade do peão isolado radica no ponto forte para o rival, que é casa
diante dele. Ponto forte, porque não pode ser atacado por nenhum peão.

18. Fixar um peão isolado na maioria dos casos é mais forte que a captura do mesmo.

19. A entrega de um peão isolado pode ser uma boa tática.

Peões dobrados

20. Quando os peões de uma mesma cor encontram-se em uma mesma coluna são chamados
de peões dobrados. Os peões dobrados são aceitáveis só nas quatro colunas centrais e
oferecem abundantes compensações. Produzem-se habitualmente nas colunas bispo da dama
e bispo do rei e só se devem temer por eles, se se tornam isolados ou se avançam
defeituosamente.

21. Os peões dobrados e isolados em uma coluna aberta são habitualmente um mal
irreparável. Em troca, os peões dobrados em colunas fechadas centrais (rei e dama) não são
fáceis de ser exploradas e oferecem como compensação o domínio das casas e4-e5 e c4-c5,
se são dobrados na coluna da dama, ou d4-d5, e f4 e f5, se estão dobrados na coluna do rei,
com o que trabalham grande parte do planos rotineiros dos jogos.

22. A debilidade dos peões dobrados se agrava à medida que a posição se abre e se chega ao
final. A possível debilidade do peão avançado é a casa lateral do mesmo.

Peão passado

23. Peão passado é aquele que não pode mais ser combatido por outro peão, quer da mesma
coluna ou da coluna vizinha. Ter um peão passado no meio jogo é uma vantagem muito
relativa, quando não existe possibilidade de provacar um rápido final.

24. Todo peão passado e sustentado deixa um ponto forte ao rival, que é a casa que se
encontra diante do peão.

25. Colocar um cavalo na casa que se encontra diante o peão passado é uma manobra muito
boa, pois, além de deter o peão, pode-se atacar a sua sustentação.

26. Um peão passado e livre cria, quase sempre, uma posição rígida de peões que vão
sustentá-lo, o que pode dar ao adversário uma considerável vantagem, pois os peões que
podem mover-se são muito mais fortes que os imóveis.

27. Os peões passados livres, sustentados por peões que se encontram à sua vez em colunas
abertas, são muito débeis, pois abre ao adversário a facilidade de agredir os sustentáculos de
todas as forças.

28. A verdadeira forma de agredir a um peão passado é minar sua sustentação, com a
provocação lateral a um peão que o apoia.

29. O peão passado e sustentado é muito forte nos finais de partida e nas posições abertas,
onde a simplificação é fácil. Entretanto, nas posições de bloqueio, sua força diminui muito.

30. Se se dominar com outras peças a casa diante do peão passado, ele se torna muito forte.

31. Em síntese, o peão passado é forte em muitas posições, porém em outras não, e o jogador
deve analisar e considerar em cada caso as vantagens e desvantagens que isto pode
ocacionar, sem crer no axioma que afirma que o peão passado e defendido é decisivo nas
posições normais.

Maioria de peões no flanco afastado do rei

32. A superioridade no número de peões no flanco afastado do rei é vantagem inquestionável e


oferece possibilidades apreciáveis nos finais de partidas.

33. Quem tem maioria de peões na ala afastada do rei inimigo deve buscar a simplificação de
peças, já que à medida que se apresente simplificada a posição, esta superioridade de peões
acentua a superioridade posicional.

34. Quem tem desvantagem de peões na ala afastada do rei, ao chegar ao final, ou pré-final,
deve levar o seu Rei até ela, para neutralizar tal vantagem adversária.

Relação entre os avanços de peões

35. Fianqueto é a ação de levar o peão do cavalo à terceira casa, para posteriormente colocar
um bispo na segunda casa do cavalo. É habitualmente um erro o fianqueto dama, antes ou
depois de jogar e4, porque se sobrecarrega a ação do bispo dama, que deve proteger a casa
f4, a par de atuar na grande diagonal que abriu o fianqueto.

36. A jogada g3 merece meditação, quando se tem jogado d4, porquanto fica difícil defender as
casas c4, f3 e h3, que o avanço do peão da coluna g deixa privadas do apoio de um peão.

37. É ainda perigoso o fianqueto na ala da dama conjugado com e4, porquanto habitualmente o
rei roca curto e para fiscalizar o ponto f4 se faz necessário jogar g3, o que debilita
decisivamente o roque.
38. É habitualmente um erro jogar o fianqueto rei e Bg5 , ou, fianqueto dama e Bb5, quando se
deseja conservar o bispo, já que esta peça carece, às vezes de uma retirada natural por via h4
e g3 ou a4 e b3.

39. O avanço do peão a f4 é perigoso, quando o peão de e4 não está defendido pelo peão de
d3.

40. Quando se tem jogado e4, deve-se meditar antes de jogar c3 se não se pode fiscalizar
solidamente o ponto d3, quando o adversário dispõe da possibilidade de abrir a coluna central
entre ambos os peões, por meio de ...d5.

41. Quando se colocam os peões solidamente nas casas centrais negras, e4 e d3, não se deve
jogar Bg5, porque não é bom trocar o bispo pelo cavalo, já que aquela peça precisa custodiar
as casas laterais dos peões avançados. O mesmo se passa, quando os peões estão fixos em
casas centrais brancas, com o bispo negro.

Conclusão

Obviamente, se a gente quiser que nosso jogo não tenha nenhuma fraqueza de peões, nunca
jogaremos nenhuma partida, pois o primeiro avanço de peão que fazemos já enfraquece um
pouco a posição. Essas regras são passadas para que o principiante não cometa absurdos, ou,
quando se deparar com alguma fraqueza em sua posição, tente consertá-la, e quando verificar
uma fraqueza na estrutura do adversário, saiba tirar proveito. Nunca, porém, tombe seu rei, ao
perceber que um peão seu ficou isolado na coluna da dama. Principalmente, se houve alguma
compensação por isso, como por exemplo uma coluna aberta que pode ser aproveitada.

Como foi dito no início, a partir do estudo da estrutura de peões é que se passou a
compreender cientificamente (vamos dizer assim) o xadrez. Cabe a cada um de nós avaliar o
peso, na partida, de cada uma das fraquezas analisadas.

- Pois bem - disse finalmente o mestre. Tenho em mãos a partida que ganhou do nível 20 do
seu computador para ser analisada na próxima aula, juntamente com alguma outra que me
trouxer. Até a próxima, então.

Lições sobre meio-jogo: 4ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 3

– Finalmente chegou o dia de visitar o mestre – falou para si mesmo o aprendiz, enquanto
caminhava pela calçada. Abriu o portãozinho, foi até à varanda e bateu na porta.

Atendeu-o o mestre sorridente. Deixava transparecer que estava satisfeito com o encontro e
demonstrou isso logo nas primeiras palavras:

– Estive analisando sua partida e gostei muito. Para quem começou recentemente você está
muito bem. Está gostando do seu progresso, acha que progrediu bastante?

– É sobre isso que eu quero falar. Gostei tanto de saber sobre os peões e sua importância, que
posso dizer ao senhor que hoje, depois de estudar a teoria dos peões, minha maneira de ver o
xadrez mudou por completo. Tanto, que já não estou gostando tanto da partida que trouxe para
o senhor mês passado...

– Muito bem – disse o mestre. Vamos fazer assim, então. Hoje, no final da aula, discutiremos
sobre ela. E sempre que você trouxer mais alguma, falaremos sempre na aula seguinte.

O aprendiz o interrompeu:

– Aqui está outra partida que joguei ontem.


Com um sorriso que substituía qualquer palavra, o mestre, guardou a anotação da partida
numa pasta, e de uma maneira abrupta, estranha até, mas carregada de toda objetividade,
passou-lhe a seguinte matéria:

A luta do bispo contra o cavalo


(Continuando com as idéias de Roberto G. Grau)

Um dos problemas mais sérios que se apresentam ao principiante em xadrez é saber quando é
conveniente chegar a um final com bispo ou com um cavalo.

Poder-se-ia antecipar que o valor de ambas as peças é igual e que só a situação que no
tabuleiro ocupam os peões é que vai determinar a maior ou menor importância de um ou de
outro.

Constitui, pois, um fundamental problema a conformação de peões (boa ou má), para


determinar, sobretudo nos finais de partida, qual o melhor: cavalo ou bispo.

Podemos reafirmar, então, que “o xadrez é simplesmente um problema de colocação dos


peões e que em conseqüência desta colocação, gira toda a armação estratégica do jogo, suas
dificuldades e quase todos os seus problemas táticos, inclusive o estudo de bispo e cavalo”.

Regras práticas

Empate

1. Os bispos e cavalos têm um valor parecido em quase todas as posições


normais e especialmente quando se trata da luta de somente um bispo
contra somente um cavalo.

2. Quando se tem um bispo no final de partida com apenas um peão no


tabuleiro, o que poderia parecer à primeira vista uma grande vantagem, não
acontece: geralmente não há vantagem, ou seja, é empate.

Vantagem para o bispo

1. Dois bispos (a famosa vantagem do par de bispos) são muito superiores a


dois cavalos.

2. Nas posições com mobilidade de peões e simplificadas, com linhas e


diagonais abertas, o bispo é levemente superior ao cavalo.

3. Os bispos podem se mover e continuar a dominar um determinado ponto,


enquanto que os cavalos que não podem contar com um apoio em sua
ação, geralmente não servem como peça defensiva nos finais, porquanto ao
serem desalojados, deixam sem apoio o peão que eles defendiam.

4. Os bispos são muito superiores nos finais de reis e peões, quando existe
igual número de peões, porém desequilibrados em ambos o flancos, por
exemplo: quatro contra dois na ala de dama, e um contra três na ala do rei.
Nesses casos, o bispo aumenta sua ação pela possibilidade de apoio aos
avanços do peão, sem comprometer sua ação defensiva.

5. Quando nos finais de peões e reis se possui um bispo, assegura-se uma


notável vantagem. Uma exceção, porém, é quando existe apenas um peão
no tabuleiro, pois, nesse caso, o que acontece geralmente é um empate
(como já foi mencionado anteriormente).
6. Nos finais de partida de bispo e peão contra cavalo, ganha-se em quase
todas as posições em que o rei inimigo esteja atrás do peão que pretende
coroar-se, pois o cavalo não pode mover-se sem se descuidar da zona de
avanço do peão.

7. Nos finais de bispo e peão contra cavalo, quando o referido peão é o da


torre, o que ocorre geralmente é que o cavalo não consegue conter o
avanço do peão, porque o cavalo precisa ser sustentado e, nessas
condições, nem sempre o rei pode sustentá-lo e então o bispo pode
“obrigar” o cavalo a se mover e, conseqüentemente, deixar de conter o
avanço do peão.

8. O bispo sozinho contra cavalo e peão pode deter o avanço do referido


peão, se este for da dama ou do rei, e o rei estiver a quatro casas de
distância do peão. A causa disso é que há duas diagonais amplas para o
bispo evitar o avanço. O único procedimento que existe, para o bando que
tem o peão, de ganhar é obstruir a ação do bispo, interpondo o cavalo.

9. Novamente no caso de bispo contra cavalo e peão, é mais difícil para o


bispo conter o avanço do peão, se este for do flanco (do bispo, do cavalo ou
da torre).

Vantagem para o cavalo

1. Nos finais de reis e peões, quando estes não oferecem desníveis em


número e têm conformação quase simétrica, os cavalos são superiores aos
bispos, pela possibilidade de atacar os peões, qualquer que seja a
conformação que possuam.

2. Nas posições de bloqueio, onde há peões entrelaçados e pontos débeis


(“hole”), o cavalo é levemente superior ao bispo, quando este se acha em
quadros de cor distinta que seus próprios peões, e o cavalo se torna
decididamente superior ao bispo, quando este se encontra em casa da
mesma cor de seus peões, principalmente se estes estiverem bloqueados.

3. Os cavalos só servem como peça defensiva nos finais de partida, se


estão apoiados, caso contrário, ao serem desalojados, deixam sem apoio o
peão que eles defendiam.

Conclusão

1. No início e meio jogo os cavalos e bispos têm valores parecidos. Nos


finais de partida, geralmente a vantagem é para os bispos. Portanto, já
pensando no final, deve-se evitar a troca de um bispo por um cavalo, o que
só deve ser feito, ou por uma compensação, ou para evitar um mal maior.

2. Só se deve simplificar a luta para reduzi-la a um peão de vantagem,


quando o rei do bando que o peão a menos, está muito longe da zona em
que o peão pode coroar-se.

3. Quando nos finais se tem um bispo contra cavalo e peão, o procedimento


para ganhar, por parte do detentor do peão, é obstruir a ação do bispo,
interpondo-lhe o cavalo.

4. No final de peão e cavalo contra bispo, estando o rei que deve conter o
peão atrás deste, deve-se colocar o rei frente ao rei inimigo, para evitar que
o cavalo interponha-se. Por exemplo, se as peças brancas tiverem a
seguinte colocação: Rc6 – Pb5 – Ca6, contra o bispo das pretas em g1, a
posição ideal para o rei negro é em c4, para evitar Cc5 do branco.

5. Ainda no final de peão e cavalo contra bispo, convém ter o bispo na


diagonal que está mais longe da ação do rei inimigo; desta maneira, nunca
será possível a obstrução.

6. Os finais de bispo e peão ou cavalo e peão só se ganham, se, a despeito


de não estar o rei em desvantagem posicional diante do peão que avança, o
rei de quem possui o peão esteja apoiando devidamente o avanço.

7. Para apoiar os avanços, em todos os casos, o rei deve estar, se possível,


uma linha adiante do peão que vai avançar, porém em uma coluna lateral.
Por exemplo, para as brancas, se Pb5 – Rc6. Se Pd6 – Re7 ou Rc7, e
assim, sucessivamente.

8. Quem possui a vantagem dos dois bispos deve tratar de trocar as outras
peças para chegar a um final puro de bispos. Quem luta contra eles deve,
em troca, evitar tal final e trocar um dos bispos rivais.

9. Os cavalos necessitam de pontos de apoio para serem fortes. Por isso


são eficazes quando se infiltram entre os peões avançados, por exemplo,
em e5, contra Pf5 e Pd5 adversários pretos. Porém, em troca, são carentes
de eficácia quando os peões adversários podem desalojá-los.

10. Quem joga com dois bispos não deve deixar pontos débeis no tabuleiro
nos quais possam colocar-se cavalos inimigos defendidos, pois em muitas
oportunidades deverá trocar um bispo por este cavalo, e a vantagem se
dissipará.

Bispo (complemento)

a. O bispo dama fechado (dentro de uma cadeia de peões) não é um bispo


mau, senão em muitas raras oportunidades.

b. O bispo dama das negras deve continuar em sua casa de origem em


muitas oportunidades, especialmente quando o plano futuro é se jogar Pc5
ou Pe5, rompendo o jogo no centro do tabuleiro, pois somente existindo este
bispo, estas jogadas não oferecem perigos derivados das debilidades das
casas laterais.

c. O bispo dama é uma peça que deve por-se em jogo com muito tato, já
que não dispõe de boas casas naturais na maioria das aberturas. É
prudente sacá-lo de sua posição inicial somente quando a estratégia
medular da partida estiver bem definida.

d. Como os bispos são superiores aos cavalos, sobretudo quando atuam


juntos, a conservação do bispo atrás dos peões evita trocas, que podem ser
desfavoráveis.

e. Quem mantém o bispo atrás de seus peões deve evitar que os peões
rivais consigam bloquear totalmente seus próprios peões.

f. O bispo dama e sua mobilidade é o problema mais sutil de xadrez. Não se


deve preocupar com outra coisa que a possibilidade de um bloqueio
absoluto que o imobilize.

g. Um bispo de cada bando, um em casa branca outro em casa negra, nos


finais, quase sempre é empate. (Existem alguns casos específicos que
merecem estudo à parte e que podem desequilibrar, obviamente, e que
estudaremos oportunamente).

Lições sobre meio-jogo: 5ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 4

O mestre, após entregar os resumos ao aprendiz, passou a discorrer sobre a partida que
prometera análise. Disse:

- Caro jovem, vejamos finalmente alguma coisa prática. Vamos à análise de sua partida.
Faremos as considerações juntos. Primeiramente quero ouvi-lo, depois darei meu parecer.
Sente-se aqui à mesa. Você vai fazendo os movimentos que eu ditar, ok?

- Comecemos, disse o mestre. E ditou: 1.e4 c5 2.Cf3 d6 3.d4 cxd4 4.Cxd4 Cf6 5.Cc3 e6
6.Be2 d5 7.e5

Interrompeu o ditado e perguntou:

- Por que o lance 7.e5?

Respondeu o aprendiz:

- Este foi o primeiro lance que tomou bastante tempo, pois calculei que se o centro se abrisse,
a minha posição ficaria bastante inferior, pois o computador é muito bom em cálculo. Joguei e5
sabendo que teria problemas, mas quis bloquear o centro. Eu avancei o peão com essa idéia.
E quando o computador retirou o cavalo para d7, nunca imaginaria que ele aproveitaria para
fazer um sacrifício em cima deste mesmo peão. Achei que este meu peão, com f4 ou Bf4
estaria bem defendido....

O mestre ouviu com atenção, e prosseguiu:

- 7...Cfd7 8.f4

Perguntou, a seguir:

- Por que você optou f4 ao invés de Bf4?

- Porque, de acordo com aquela teoria de que o bispo dama na sua casa inicial não é ruim e
pelo fato de que já tive problemas quando numa Defesa Siciliana anterior não contei com este
bispo por perto para conter os contra-ataques na ala da dama. Por último, em função de que
gosto de jogar a Siciliana avançando o peão a f4, sempre que possível.

- Vejamos mais: 8...Bb4 9. Bd2. Qual a razão dessa jogada?

- Observe: se eu não coloco o meu bispo em d2, quando as negras tormassem o cavalo, teria
que jogar bxc3, deixando um peão isolado na coluna da torre e peões dobrados na coluna do
bispo e não obteria nenhuma compensação por essas fraquezas. Sem contar que tirei a
cravada sobre meu cavalo.

- 9...Cxe5

O mestre disse com um leve sorriso:

Aqui, você deve ter levado um susto e tanto...

- Lógico. Não estou acostumado a ver o meu Excel 68000 fazer combinações. Fiquei
aguardando, portanto, chumbo grosso para o meu lado. Mas não vi outra alternativa senão
jogar fxe5 a seguir, aceitando o sacrifício, pois pensei que se não o fizesse, deixaria meu
adversário numa posição privilegiada, por exemplo, com possibilidade de ir com o cavalo a c4.
- Prossigamos: 10.fxe5 Dh4+ . Outro susto?!

- Sim. Meu coração mudou de ritmo. Achei que aquele lance já decretava minha derrota, pois o
quando o computador adianta a dama, quase sempre me causa grandes problemas, pois ele a
coloca entre as peças sem medo de cálculo errado. Depois me acalmei um pouco e, a despeito
de achar que já estava tudo perdido, resolvi dar o máximo de trabalho a meu opositor. Num
primeiro momento lembrei que ganhara do computador uma vez em razão de ele também ter
avançado a dama pelo seu flanco. Naquela oportunidade eu ainda estava dominando a famosa
casa d4, agora, porém, os caminhos são outros.

Com isso me acalmei e antes que iniciasse minha análise geral, verifiquei que num primeiro
momento eu deveria resolver o problema presente: estava em xeque! E como só havia dois
lances jogáveis, g3 ou Rf1, optei por g3, para não perder o roque, que além das vantagens
inerentes, colocaria minha torre do rei numa coluna aberta.

- Então, vamos lá. Vocês jogaram 11.g3 Dxd4. E aí? Este lance também foi surpresa?

- Não, este não foi surpresa. Mas me desagradou bastante, pois um dos trunfos que gosto de
contar é a colocação do meu cavalo na frente de um peão adversário isolado (ou ´´semi-
isolado``, vamos dizer assim). Depois do lance 11, eu raciocinei por uma meia hora para fazer a
análise geral. Segui os seguintes passos:

Análise (balanço geral).

1. Posição do rei - igual.


2. Peões centrais (sólidos e bem defendidos) - vantagem do adversário.
3. Peões débeis/casas débeis/estrutura - igual. Pois, apesar de meu peão central estar
prestes a cair, a estrutura de ambos os lados, no momento estão parecidas. E o computador
também tem casas débeis próximas ao seu rei.
4. Peças desenvolvidas/funções - leve vantagem para mim, apesar de tudo, pois se ele tem
um bispo e a dama desenvolvidos, eu tenho (pode-se dizer) dois bispos e um cavalo e a dama
prestes a desenvolver. E ele tem um bispo, por enquanto, bloqueado. As funções delas,
honestamente, não me aprofundei.
5. Colunas, diagonais e horizontais abertas - igual. A dama adversária domina diagonal e
horizontal. Eu tenho uma diagonal aberta para o bispo. Existe, também, (e que me despertou
mais interesse) uma coluna aberta, que pode ser usada por minha torre.

Dessa análise da posição, confirma-se, obviamente, que a vantagem é dele. Portanto, tem o
dever de atacar, como está efetivamente fazendo. A mim me cabe defender ou contra-atacar.

Parti, então, para a segunda fase da análise, a que vai me orientar o setor e se com peças ou
peões devo jogar.

Centro: características - (em qual setor devo atuar)

O centro está aberto, pois, apesar de nossos peões do rei estarem bloqueando um ao outro, o
peão da dama dele logo iria poder avançar livre, quando ele fizesse Dxe5. Logo, o correto -
pela teoria - é: como o computador está com vantagem posicional e o centro se encontra
aberto e dominado por seus peões tem o dever de atacar, e atacar com manobras de peças
pelo centro. Então, eu terei que me precaver.

Esperei, portanto, que ele optasse por 12...Dxe5, jogada esta que eu não via como evitar.

Completei, enfim, minha análise, com o tipo de partida.

Tipo de partida

1. Tático-combinatória - cálculo de variantes.


2. Manobras estratégicas - plano mais detalhado.
a) Plano monoescalonado.
b) Plano pluriescalonado.

Deduzi que o meu caso seria um plano estratégico pluriescalonado. Que só é pluri, porque
existe mais de uma idéia, mas que é simples.

E ele foi elaborado assim: como estou em desvantagem e não tenho como evitar a abertura do
centro (com o suposto Dxe5), vou tentar tirar proveito do que eu tenho de melhor a meu favor:
as casas débeis do adversário e a coluna f aberta.

Pensei em dois pulos para meu cavalo: b5 e em seguida d6, pois indo a b5, inicialmente já
incomodaria o bispo de b4. Depois tentaria colocar o bispo ou a dama próximo ao meu cavalo.
E, numa outra etapa, colocaria uma torre em f1.

O mestre, após ouvir com atenção, mas sem comentar, disse:

- Vamos continuar: 12.Cb5 Bxd2. E este movimento, o que achou? Parece que você esperava
que ele tomasse o peão central com a dama...

- Esta é apenas outra arma que meu adversário poderia usar contra mim, ou seja, aquela idéia
de que "quem está com vantagem material, sobretudo de peão, é interessante trocar peças".
Portanto este lance é facilmente previsível, porém não afeta fortemente o meu plano. Pois
minhas respostas serão quase que forçadas.

- Muito bem. Na seqüência 13.Dxd2 Dxe5 14.Db4. Você certamente seguia seu plano...

- Exatamente. Foi isso que me deu uma certa confiança. Achei que estava conseguindo o
propósito de perder da maneira mais honrada possível. Pois, com este lance, eu estava
defendendo b2 e ao mesmo tempo contra-atacando suas casas débeis. E notei, aí, que a
diagonal a3-f8, dominada pela minha dama, coincidia uma casa (f8) com a coluna f aberta, o
que poderia me dar uma chance, quem sabe até de eu conseguir um empate. Por isso, alguns
lances depois, não tive receio de fazer o roque e deixar o bispo de e2 sem defesa, como
veremos a seguir.

O meste continuou:

Mas 14...Cc6 ocasionou novo susto?

- Estaria mentindo se falasse que não. Mas foi apenas um pequeno susto. Neste momento eu
já estava mais tranqüilo. Resolvi voltar a dama a a3, para não perder o domínio dela sobre a
diagonal a3-f8. E como havia chance de dar um xeque atacando uma peça, resolvi fazer Cd6+
antes que Da3, mesmo porque impediria o roque contrário.

- Continuemos: 15.Cd6+ Rf8 16.Da3 Rg8.

- Este lance - interveio o aprendiz - me transmitiu mais tranqüilidade. Percebi que o adversário
já começava a se preocupar com minhas jogadas.

- Correto. Vamos em frente: 17.O-O!.

Aqui - disse o mestre - você correu um risco calculado: sacrificar material, em troca de usar a
coluna aberta e conseguir talvez um empate...

- Correto.

E o mestre prosseguiu: 17...Dxe2 18.Cxf7 h6.

Neste momento ele disse:

- Com este lance das pretas, você deve ter ficado satisfeito...
- Como fiquei! Vou mais além, comecei a pensar em tentar até uma vitória.

- Vamos ver então como prosseguiu: 19.Cxh8 Rxh8 20.Df8+ Rh7 21.Tf7 De3+ 22.Rh1 De4+
23.Rg1 Dd4+ 24.Rh1 Dxb2 25.Taf1 b5 26.T1f6. Daqui para frente é apenas uma questão de
técnica. Terminemos a partida apenas para saborearmos como foi o final. 26...Dxf6 27.Txf6
Bb7 28.Df7 Cd8 29.Dg6+ Rg8 30.Tf4 Bc6 31.Tg4 Rf8 32.Dxg7+ Re8 33.Tf4 Cf7 34.Txf7 d4+
35.Rg1 Rd8 36.Df8+ Be8 37.De7+ Rc8 38.De8++.

O mestre ao ditar o final da partida, falou um tanto formalmente.

- Parabéns, meu rapaz! Estamos progredindo bastante. Estou contente com a sua aplicação
nos estudos e satisfeito que a nossa "tabelinha" de análise passo a passo tenha ajudado você
a escolher um bom plano.

Devemos, porém, acrescentar algo sobre a lição dessa partida. Primeiro, não se deixe levar por
otimismo exagerado. Existem bastantes degraus de níveis no xadrez e, portanto, esta partida,
que para nós principiantes foi boa, para o pessoal de nível mais elevado não teria sido
conduzida da maneira como foi, pois ter-se-iam corrigidos erros logo no início. E isto nos leva a
encará-la como uma ótima partida no nível que nos encontramos e que estamos no caminho
certo para galgar outros níveis, mas devemos fazê-lo com humildade e competência. Com
perseverança, mas sem atropelos, porque a gente para caminhar só pode dar um passo de
cada vez, e pular ou correr para chegarmos mais depressa pode nos ocasionar um tombo.

Vou tentar fazer uma análise um pouco diferente da sua, com o objetivo de orientá-lo sobre
situações futuras, mas repetindo que a sua performance, no meu modo de ver, está ótima."

Vamos lá, falou por fim o mestre ao aprendiz.

Lições sobre meio-jogo: 6ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 5

Fez uma breve pausa, como se retocasse a última linha de raciocínio e falou:

– Como eu já disse, você foi muito bem. Aplicou corretamente os conceitos, tentou desenvolver
a teoria com calma, e o mais importante para um principiante, não se prendeu
demasiadamente à mesma, tentando ser criativo.

– Também não se abalou e teve sangue frio suficiente para sacrificar mais uma peça para
continuar com a iniciativa e prosseguir no ataque, ao efetuar valentemente 17.0-0!.

O mestre tomou um fôlego e continuou:

– Vamos agora tentar corrigir aquilo que realmente norteou a partida,


o movimento 6...d5 e a resposta 7.e5, sem nos atermos
demasiadamente ao cálculo de variantes e às complicações táticas,
discutindo a posição sobre seu caráter estratégico.

– É verdade que para um melhor aproveitamento do jogo deveríamos


realizar uma análise séria, procurando encontrar os melhores lances
em cada posição. Porém, isso demandaria um conhecimento mais
amplo da teoria enxadrística e deixaremos esse estudo mais
aprofundando para uma lição posterior.

– Passemos, então, ao ponto-chave da partida, que ocorreu ainda bem cedo, nos primeiros
lances da abertura.

– Como as negras quebraram a seqüência natural do desenvolvimento na Defesa Siciliana,


realizando precocemente o movimento liberador 6...d5, isso exigiu de você uma resposta
enérgica, já que do contrário o negro poderia assumir a iniciativa e ficar com vantagem. Penso
que foi justamente aí que sua resposta não foi muito adequada, já que o avanço do peão à
quinta casa no 7º lance resultou nas dificuldades futuras - levando-se em conta, obviamente,
que você disse ter feito o mesmo sem estar muito convicto.

– Lembre-se do que disse Steinitz: "Todo plano há de ter um fundamento, que não radique na
personalidade do jogador, e sim na situação que se apresenta no tabuleiro".

– Você falou que após o surpreendente lance das pretas 6...d5, optou por 7.e5 para bloquear o
centro, simplesmente porque tem preferência por partidas com o centro bloqueado.

– Se você conseguir conciliar o que pede a posição com a sua preferência, tudo bem. Caso
contrário, opte pelo que pede a posição.

– Vejamos. Se ao invés de 7.e5, tivesse optado por 7.exd5, a partida poderia seguir assim:
7...Cxd5 8.Bb5+ Bd7 9.Cxd5 exd5 (Para 9...Bxb5 10.Cxb5 exd5 11.Dxd5 Dxd5 12.Cc7+ Rd7
13.Cxd5 com um peão de vantagem) 10.0-0 e as brancas teriam jogo tranqüilo por causa do
peão isolado adversário.

– Vale acrescentar, meu caro aprendiz, que você correu um risco muito grande ao permitir a
invasão da dama preta em seu território, minando suas forcas.

À pequena parada do interlocutor, o aprendiz disse:

– Obrigado, mestre. Vou me lembrar dos seus conselhos nas próximas partidas.

– A propósito, continuou o aprendiz, estou percebendo que me falta a capacidade de prever


alguns lances. Por exemplo, voltando ao movimento crítico 7.e5, como disse, eu o fiz com o
objetivo de bloquear o centro, não de desalojar o cavalo de f6.

– Como o cavalo preto se viu obrigado a se mover, e o fez para d7, eu não me preocupei com o
seu novo posicionamento e calculei erroneamente que a simples defesa de e5, com 8.f4,
resolveria meu problema.

– Presumo, portanto, que o fato de eu não prever o sacrifício do cavalo é um erro que preciso
corrigir com urgência.

– Não vejo assim, interpelou o mestre. Acredito que a cada partida você evoluirá de forma
natural neste quesito. Acho que não precisa se preocupar demasiadamente em tentar descobrir
muitos lances à frente, por enquanto. Futuramente passarei a você o notável estudo do
conceituado treinador russo Alexander Kotov, extraído de seu livro "Pense como um grande
mestre", sobre a famosa árvore da análise, quando então discutiremos mais detalhadamente
tal assunto.

– Por enquanto, como exercício, na partida que ora estudamos, você pode tentar descobrir
quais os melhores lances de ambos os lados. Mas, faça de forma leve, sem se desgastar
demais...

Lições sobre meio-jogo: 7ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 6

Nesse momento, o mestre parou a conversa e fez fixo o olhar num ponto imaginário, no infinito.
Disse solenemente, como se falasse a si mesmo.

– Meu caro jovem, parece que nosso estudo está caminhando bem. Qual será o próximo
passo? São tantos os temas abordados tão sabiamente nos livros e que tentamos passar à
frente, que às vezes nem sabemos por onde começar. São tantas teorias bem desenvolvidas
pelos mestres escritores, que para eu repassá-las fica difícil a escolha de qual será a primeira.
Mais uma vez vamos pedir uma “mãozinha” ao Grau.
Como se voltasse a si, continuou:

– Outra coisa que está me deixando satisfeito é a evolução natural que estou percebendo neste
nosso pequeno estudo. As coisas estão se encaixando bem, quer ver?

– Eu pensava em reservar um capítulo à parte ao estudo da dama, por sua importância, e pela
dificuldade que o principiante tem em lidar com ela.

– Dizem-nos que o avanço prematuro da dama é perigoso. A seguir, vemos os grandes mestres
às vezes colocarem a preciosa peça na sétima linha, entre as peças adversárias,
aparentemente sem correr risco. Ou então, quando jogamos contra o computador, e ele faz um
avanço de dama contra nossas fileiras, quase sempre nos coloca numa grande enrascada.

– Nosso objetivo é tentar passar-lhe a idéia de que há momentos adequados para o avanço da
dama, e que podem sem explorados. E que, na maioria das vezes, porém, é aconselhável que
a “rainha” fique aguardando o momento oportuno para entrar em ação.

– A sua partida, a que acabamos de analisar veio a calhar, como ilustração. Você deve ter
percebido que até o computador, que é exímio em cálculo, não suportou o seu contra-ataque e
sucumbiu. Portanto nossa primeira recomendação: não é aconselhável sair prematuramente
com a dama.

O aprendiz interveio:

– Existe uma maneira de eu saber quando posso arriscar uma saída mais ousada?

– Sim. Como eu disse há pouco, é o objetivo de nosso próximo estudo: a centralização da


dama. Vou passá-lo a você e pedir que o encare com carinho, para que o discutamos na nossa
próxima aula.

– Antes, porém quero mostrar-lhe um pequeno exemplo. Foi retirado de uma das partidas que
você deixou comigo. Esta aqui, que você jogou recentemente de brancas, numa Defesa
Siciliana.

– A propósito, meu caro jovem, por que você me apresentou quase todas as partidas com a
característica da Siciliana?

– Porque - respondeu o aprendiz - eu estou interessado neste momento em aprender meio-


jogo. Se ficar variando muito de abertura, não me familiarizo com as características de
nenhuma. E, também, optei por jogar partida temática, por enquanto, porque se eu fizer lances
não convencionais na abertura, certamente estarei incorrendo em erro que me dificultará
sobremaneira a condução da partida no meio-jogo. Enquanto não assimilei ainda as idéias
básicas da abertura...

O mestre, balançando afirmativamente a cabeça, disse:

– Concordo com sua idéia. Mas entremeando as temáticas, faça uma ou outra com suas
próprias idéias desde a abertura, como exercício, correto? Capablanca dizia que se você
procurar usar as regras do bom desenvolvimento desde o início, não precisa ficar com medo de
abertura desconhecida.

Atalhou o aprendiz, sorrindo:

– Será?

Também sorrindo o mestre disse:

– Eu disse isso com o objetivo de provocar você. Então, vou completar com uma outra
afirmação do grande campeão mundial Emanuel Lasker: “deve-se desenvolver os cavalos,
antes que o bispo”.

– Abertura de quatro cavalos? Sempre - disse o aprendiz em tom de brincadeira.

Ainda também rindo bastante o mestre completou:

– Já, Ricardo Reti, disse que se Lasker usasse essa teoria em suas próprias partidas, ele
jamais seria campeão do mundo. E disse ainda não se lembrar de nenhuma partida que o
mestre alemão, jogando com as brancas, tenha seguido a sua própria teoria!

Continuou o mestre, depois que conseguiram se controlar:

– Obviamente, estamos brincando. Com certeza o que Lasker quis dizer é se você tiver as
opções como boas jogadas da vez, o desenvolvimento de um bispo ou um cavalo, ambos na
casa inicial, é preferível que seja este último a ser desenvolvido, porque ele pode estar
dominando menos casas do que o bispo, que desde sua casa inicial já domina várias casas, se
não estiver bloqueado, logicamente. Quanto à Capablanca, é certo que para ele deve ser fácil
achar como óbvias as jogadas teóricas de aberturas, e não se dá conta que para principiantes
é uma escuridão total.

– Vamos falar sério. Quando lemos nos livros mais avançados, que a dama é “uma má
defensora” não conseguimos entender direito a mensagem do autor. Quem sabe numa partida
que “um certo aprendiz” fez, a gente consiga entender mais fácil. Eu digo os lances e você os
realiza no tabuleiro, está bem?

– Vejamos: 1.e4 c5 2.Cf3 d6 3.d4 cxd4 4.Cxd4 Cf6 5.Cc3 e6 6.Be2 a6 7.0-0 Be7 8.Rh1 0-0
9.f4 b5 10.a3 Bb7, por que você jogou 11.Dd3?

Compenetrado no jogo, o aprendiz respondeu:

– Para me escapar do ataque duplo ao peão de e4, achei que entre os lances 11.Be3 e 11.Dd3,
este último seria mais completo, por centralizar a dama, facilitar a junção das torres e poder
agir com mais eficiência na ala da dama.

– Muito bem - atalhou o mestre, e em tom de brincadeira continuou: – e tornar a dama alvo de
algum ataque...

– Completemos: 11.Dd3 Cbd7 12.Cb3 Dc7 13.Be3 Cc5 14.Cxc5 dxc5 15.Bf3 Tfd8 16.De2 b3

– Devo reconhecer que você fez uma boa partida, pois ainda venceu em 33 lances. Mas o que
quero enfatizar, é que o lance 11.Dd3 deu chances a que o cavalo “pensasse” em dois pulos
para alcançá-la. A briga das brancas girou em torno da exposição da dama, fato que devemos
estar conscientes para fazê-lo. Acredito que movimentar a dama (adiantando-a) traz
conseqüências semelhantes ao avanço do peão à quinta casa, ou seja, deve ser feito com
muita cautela.

– Portanto, este foi um auto-exemplo, a você, caro aprendiz, sobre o perigo de avanço da
dama. Veremos, agora, um estudo específico de centralização da dama, que você irá levá-lo
para casa, estudá-lo, para depois discutirmos.

A centralização da dama

Um tema valioso é a centralização da dama, por ser ela uma peça delicada
para jogar nas aberturas.

Difícil é saber quando a sua saída não será prematura, e, sim, que será
colocada em posições sólidas.

Como já foi dito, a dama, na abertura, deve tão somente ser movimentada
no sentido de colaborar com o desenvolvimento geral das peças, para não
se expor.

Em contrapartida, a dama centralizada de forma segura exercerá uma ação


tenaz, e dificultará sobremaneira o desenvolvimento das peças inimigas.

A centralização da dama é, pois, mais adequada na casa d4, quando possui


uma ação mais poderosa, pois vulnera a grande diagonal sobre o possível
pequeno roque rival, e toma a outra importante diagonal, que tem o seu
apoio na casa a7 inimiga.

Pode-se, geralmente, centralizar a dama em d4 sempre que o cavalo da


dama rival tenha sido eliminado do jogo.

Por exemplo: 1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.d4 exd4 4.Cxd4, o negro não pode
responder 4...Cxd4, porque logo após 5. Dxd4, a dama branca estaria
solidamente situada no centro do tabuleiro, dispondo de um bom raio de
ação e não poderia ser desalojada por meio de c5, sem deixar uma grande
debilidade para as negras no ponto d5.

Quase não há abertura do rei onde não se produzem situações desse tipo.
Ainda, como por exemplo na Defesa Siciliana, logo após 1.e4 c5 2.Cf3 Cc6
3.d4 cxd4 4.Cxd4, não se deve seguir 4... Cxd4, porque logo após Dxd4 as
brancas centralizam a dama poderosamente e não é fácil desalojá-la com
uma peça menor (e5 deixaria fraco o peão que futuramente irá a d6).

Por isso, enfatiza-se que manter o cavalo em c3 ou c6, quando a coluna da


dama estiver aberta, é de bom alvitre, pois se evita a centralização sólida da
dama inimiga.

No presente exemplo, se o negro não troca o cavalo e as brancas jogam em


seguida Cxc6, e logo a dama a d4, já não conseguem o mesmo resultado,
pois para fazer isso, as brancas deveriam perder um tempo valioso, e, logo
após ...bxc6, pode o peão de c6, oportunamente, ir a c5, desalojando a
dama. Porém, desta feita, sem deixar débil o possível peão de d6.

Resumindo, a dama centralizada é muito forte, especialmente em d4 ou d5


(preferentemente em d4, que é o mais usual), se o adversário não conta
mais com o seu cavalo dama e possui um peão na casa d6 ou d5 dama.
Porém, isto só pode ser eficaz nas posições abertas, quando a dama dispõe
de muitas possibilidades de retirada, caso seja necessário.

Lições sobre meio-jogo: 8ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 7

– Aproveitando o ensejo - continuou o mestre após entregar o resumo ao aprendiz - vamos


falar sobre a troca de damas.

– Você sabia que a troca de damas é também uma decisão bem difícil, e que até os grandes
mestres podem errar em seu julgamento?

– Pois bem, vamos falar sobre o assunto.

– A troca de peças não é sempre feita com valores exatamente iguais, já que as mesmas
trocam de valores, de acordo com a posição que ocupam no tabuleiro. E se essa troca de
valores sucede com as peças menores, no caso das damas o problema cresce em dimensão.

– Convém, pois, guardar algumas regrinhas:

Deve-se procurar ou aceitar a troca de damas


1. Quando o adversário possui diagonais debilitadas e não conta mais com
o bispo que as defenderia. A conseqüência da troca é que eliminamos a
dama que poderia fazer as funções do bispo que já saiu do tabuleiro.

2. Caso estejamos em desvantagem de espaço, e conseqüentemente, nos


encontrarmos na defesa. A razão disto é que a troca elimina uma peça
adversária rica em possibilidades, por outra nossa do mesmo valor técnico,
porém limitada em sua ação.

3. Se nossa dama está inativa e a do adversário tenha realizado alguns


movimentos. Traduz-se a vantagem em tantos ganhos de tempo, quantos
movimentos de mais tenha executado a dama inimiga.

4. Quando temos vantagem na configuração de peões, pois esta


superioridade se amplia consideravelmente para o caso de um final de
peões.

Em síntese, a troca de damas favorece sempre quem tem melhor configuração de peões para
o final, e deve ser recusada quando se tem ataque, vantagem quanto a pontos débeis ou
vantagem em espaço.

Quando se luta com uma posição aberta contra uma posição fechada, a dama deve ser
conservada, porque dispõe de maior quantidade de ameaças. E as peças valem pela
quantidade de ameaças que representam.

– Numa partida entre Bogoljubow, que conduzia as peças brancas, e o grande campeão
mundial Alekhine, após 23 lances, atingiu-se a posição do diagrama.

Depois de 24.Df4, executado por Bogoljubow, Alekhine


criticou a jogada e fez as seguintes considerações:

“A troca de damas que vem a seguir converte uma posição


difícil para as brancas (porém, não sem esperança), em uma
partida perdida.

“É interessante fazer notar que este erro não é ocasional,


senão que característico de Bogoljubow. Em outra partida
que disputamos, ele cometeu um erro parecido e teve que
abandonar após algumas jogadas.

“Coisas parecidas, ainda que não tão típicas, ocorreram em


mais duas partidas de nosso primeiro encontro.

“E o que é mais estranho ainda, meu outro adversário, o Dr. Max Euwe, tem a mesma
tendência singular de trocar as damas em momentos impróprios.

“E, se menciono estas ocorrências, não é de maneira alguma com o fim de criticar
indevidamente meus adversários, senão para recordar aos aficionados o difícil que é resolver
sobre a oportunidade da troca de damas, e quanta atenção merece o assunto.

“Se os mais altos expoentes de nosso jogo falam tão amiúde de suas possibilidades nos finais,
que se pode esperar das dificuldades de menos experimentados?”.

– Pois bem, meu caro aprendiz, percebemos que em todas as esferas o tema é tratado com
respeito. Para encerrar nossa aula de hoje, passarei a você algo sobre o tema duas torres
contra a dama.

Lições sobre meio-jogo: 9ª aula - Valtercides Silva


Veja a aula 8

Temos estudado sobre a troca de peças de parecido valor. Trataremos agora de um tema sobre
troca um tanto mais melindroso, qual seja, a troca de dama por duas torres.

De pronto podemos dizer que nenhum principiante tem a “coragem” de desfazer-se de sua
dama, julgando que ela é sempre uma arma muito poderosa, em qualquer situação. Veremos
que não é bem assim.

A troca de dama por duas torres é um fato que acontece amiúde, e pode-se afirmar que sobre
esse fato há um conceito um tanto equivocado entre a maioria dos jogadores.

A dama é muito forte como peça agressiva e reduz em eficiência quando se obriga a defender
peões. Porém, é mais forte que as torres, se consegue invadir a posição adversária e atacar os
peões inimigos.

A dama é mais eficaz que as duas torres nas posições abertas, com abundantes brechas, e
inferior quando a única coluna aberta é dominada pelo adversário.

Regras

Deve-se trocar a dama por duas torres, quando:

1. Existem cadeias sólidas de peões, mas que haja coluna aberta dominada
pelo adversário.

2. As torres adversárias (ameaçam) ou apoderaram-se da sétima linha.

3. Nos finais, quando ambos os reis estão em segurança absoluta. (As duas
torres são mais fortes nessa situação, já que podem atacar um ponto e
apoderarem-se dele, porquanto se apoiam mutuamente).

4.O adversário tem um peão de vantagem, que pode ser coroado. (As duas
torres podem, sem muito esforço, coroá-lo, contra a melhor defesa da
dama.)

Não se deve trocar a dama por duas torres, quando:

1. Há conformações de peões débeis. (A dama tem ação mais elástica)

2. A posição for muito aberta e as torres adversárias não se apoiarem entre


si. (Nesse caso a dama se torna muito mais poderosa)

3. Há poucos elementos no tabuleiro e os reis não têm peões que os


resguardem. (A dama possui recursos inesgotáveis de xeque-perpétuo).

Um exemplo prático

A partida jogada em 1930, no Torneio de Hastings


(Inglaterra), entre Sultan-Khan e Capablanca, após o lance
22.Rd2, a posição é esta mostrada no diagrama ao lado.

Seguiu-se assim o confronto: 22...T8c2+ 23.Dxc2 Txc2+


24.Rxc2. Temos, então aqui, um caso típico de troca de
dama por duas torres, quando estas tinham domínio de
uma coluna.

Acompanhando-se a partida até o final, ver-se-á como a


dama preta não encontra espaço para trabalhar.
Eis a seqüência: 24...Dc7+ 25.Rd2 Dc4 26.Be2 Db3 27.Tab1 Rf7 28.Thc1 Re7 29. Tc3 Da4
30.b4 Dd7 31.Tbc1 a6 32.Tb1 Dh3 33.Tbc1 Dd7 34.h5 Rd8 35.T1c2 Dh3 36.Rc1 Dh4 37.Rb2
Dh3 etc. Daqui até o fim da partida, que teve 65 lances, aconteceu uma luta desesperada das
pretas para tentar romper com a dama pela ala do rei, sem o conseguir. Resultado final: o
indiano Sultan Khan venceu a nada mais nada menos que Capablanca, usando o conceito de
troca de dama por duas torres, numa das condições favoráveis a isso.

Lições sobre meio-jogo: 10ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 9

Apreensivo o mestre aguardava a chegada do aprendiz.

Ansiava por discutir com ele um tema, que até poucas horas antes não estava muito convicto:
casas fracas e peões fracos.

Quantas vezes já lera sobre essa "fragilidade" sem se dar conta da sua real importância!
Porém só agora começara a entender a magnitude, o vigor desse tema. A sutileza daquela
força, a dificuldade de alcançar, e quão rica proposta didática.

Foi necessária a obrigação de tornar o tema sensível didaticamente, de preparar bem a sua
aula, para se esmerar melhor no entendimento desse que é um tópico tão intrigante.

A campainha tocou.

O aprendiz entrou sorridente, como sempre fazia, transmitindo ao mestre aquela sensação de
confiança e amizade. É o que bastava ao bondoso "velhinho" para que se rejuvenescesse um
bocado.

Pediu ao aprendiz que se sentasse à mesa e sentou-se defronte dele.

– Meu caro jovem, o que você entende por casas fracas?

Respondeu o aprendiz, após meditar por um momento.

– Segundo o que eu li são casas que, por não poderem ser defendidas por peões, tornam-se
alvos de ataques e sua defesa pode comprometer a posição do defensor.

Balançando afirmativamente a cabeça, o mestre continuou a inquisição:

– E peões fracos?

– Peões fracos são aqueles que ocupam casas fracas, ou seja, são aqueles que não podem
ser defendidos por peões.

O mestre perguntou novamente:

– E se um peão fraco estiver defendido por uma peça? Ele deixa de ser fraco?

– Acho que sim - respondeu o aprendiz.

Solenemente, o mestre levantou-se, andou pela sala de um lado para outro.

Voltou a sentar-se, olhou para o aprendiz e falou:

– "Casas fracas e peões fracos constituem outra boa peça que este fabuloso e misterioso jogo,
que se chama xadrez, nos prega.

Você não tem como fazer uma análise de posição, sem levar em conta as casas fracas e os
peões fracos.

Na verdade, eles estão estritamente relacionados à estrutura de peões. E já está mais do que
provado que o grande Philidor estava certo: os peões são a alma do xadrez.

É a partir da avaliação de fraquezas existente ou não, advindas da conformação de peões, que


se monta toda uma estratégia.

Todo avanço de peão, cria uma fraqueza. E não se joga xadrez sem avançar peão.

Essa aparente incongruência é uma das coisas que faz do xadrez uma arte.

Você deve classificar com cuidado uma estrutura de peões, para a partir daí caminhar na sua
avaliação, e decidir, no fim de outros estudos, se irá atacar, defender, contra-atacar. Porém,
uma possível fraqueza detectada de peão ou casa, por si só raramente pode ser explorada
imediatamente. Mas não pode ser ignorada."

Novamente, o mestre levantou-se, caminhou e sentou-se.

Concluiu:

– Vou passar a você um pequeno resumo sobre o assunto de que debateremos hoje. Após
estudá-lo, faça, por favor, uma auto-avaliação sobre as respostas que você me deu hoje quanto
às casas fracas e peões fracos. Você perceberá que seus conceitos não estão todos corretos.
Eis o resumo:

Casas débeis e peões débeis

1. A fraqueza de peões ou casas não depende da configuração de peças.


Depende diretamente da configuração de peões.

2. Casa fraca é aquela que não pode ser defendida por peão. Porém (muito
importante) esta debilidade só se configura, quando pode ser aproveitada
pelo adversário.

3. Peão fraco - há várias classes de peões fracos: atrasados, isolados,


dobrados, adiantados, ou separados da base.

4. Um peão fraco pode estar às vezes defendido por uma peça.


Continuamos a caracterizá-lo como fraco, porque a peça que o defende
pode ser forçada a abandoná-lo.

5. Se, por exemplo, um peão fraco é tomado por um cavalo, continuará fraca
a casa onde se encontrava o peão.
É de certa forma paradoxal o conceito sobre casas fracas e peões fracos. Os grandes mestres
iniciam a análise de uma posição, detectando os peões fracos e as casas fracas do adversário
e de sua própria posição. É a partir daí que eles iniciam sua estratégia; entretanto, estas
fraquezas só trarão resultado prático, se for usado um plano estratégico correto, e uma tática
também correta para tirar proveito de tais fraquezas. De outra forma, é como se não existissem
fraquezas.

– "A moderna estratégia alterou o conceito de peões fracos e casas fracas, transformando-os
em um conjunto de fraquezas, que ajuda a compor a dinâmica de uma posição, com forte
influência na valorização do conjunto de debilidades."

– Na verdade, as partidas que se ganham baseando-se em uma fraqueza são relativamente


raras e normalmente a exploração de uma casa fraca ou de
um peão fraco deve vir acompanhada da exploração de
outras vantagens. Por exemplo:

Na partida entre Botvinnik - Kan, disputada no XI


Campeonato Russo de 1939, após o décimo lance ficou
assim:

Botvinnik observou a séria debilidade de uma casa central


na posição das negras - a casa d5 - e baseou-se nessa
fraqueza para montar toda sua estratégia. O seu plano foi
ocupar a casa d5 com o bispo. Mas para isso, valeu-se de
muitos outros conceitos: 11.dxe5 dxe5 12.Bd3 h6 13.0–0 0–
0 14.f4 Cd7 15.f5 Cf6 16.Ce4 Dd8 17.Cxf6 D xf6 18.Be4
Tb8 19.Tad1 b6 20.h3 Ba6 21.Bd5 b5 22.cxb5 Bxb5. E o
bispo está agora firmemente colocado sobre a casa fraca.

– É necessária uma análise acurada para se determinar a


fraqueza de um peão. Deve-se, quando do planejamento
de como tirar proveito de um peão fraco (ameaçando-o,
tomando-o, colocando uma peça à sua frente), verificar se
a sua manobra para tal, não criará debilidades em suas
próprias fileiras. Por exemplo:

Bronstein escreveu: "Parece que este é o momento de


revelar ao leitor o segredo do peão dama negro na Defesa
Índia do Rei. Ainda que o peão permaneça sobre uma
coluna aberta, e é objeto de constante pressão, parece um
osso duro de roer. Dizemos isto, porque não é fácil capturá-
lo. Tem-se a impressão que o lógico seria retirar o cavalo de d4 , para pressionar o peão.
Porém, a questão é que o cavalo em d4 é muito importante:

- Domina as casas b5, c6, e6 e f5;

- Neutraliza o bispo de g7;

– Interfere direta ou indiretamente nos bons lances das pretas: a3, Be6 e f5.

Portanto, a fraqueza do peão negro de d6 é ilusória."

Bibliografia:

A. Kotov: Piense como un gran maestro e Juegue como un gran maestro.

D’Agostini: Xadrez Básico.

Roberto Grau: Tratado General de Ajedrez.


Lições sobre meio-jogo: 11ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 10

Após uma hora de conversa sobre o tema específico do dia (fragilidades de casas e peões), o
aprendiz deixou a casa do mestre.

Pelo caminho foi remoendo os novos conceitos.

Pensou consigo mesmo: até quando o xadrez poderá mostrar novos rumos, novas maneiras de
ver teorias antigas?

Mal chegou em casa, jogou o material sobre a mesa e foi se encontrar com o vizinho, amigo de
lutas enxadrísticas, e relutante de estudos teóricos.

- Marcelo, vamos jogar uma partida?

Marcelo respondeu com uma pergunta:

- O mestre te ensinou alguma armadilha?

- Mais ou menos isso...

Sortearam as cores e o aprendiz começou com as brancas: 1.e4. Quando Marcelo respondeu
1...c5, o aprendiz argumentou:

- Marcelo, você se importa de entrar noutra linha, para a gente evitar a Siciliana?

- Mas foi você mesmo que me ensinou, que nessa fase de nosso aprendizado, na qual não
estamos interessados em aprender abertura, que o melhor é jogarmos uma só, para irmos
familiarizando pelo menos com ela?

- E eu concordo com a idéia - continuou Marcelo - pois o que pretendemos é jogar da meio-jogo
para a frente. Depois voltaremos a treinar aberturas, aí, sim, cada dia jogaremos uma diferente.
Além do mais, acho que faz parte de sua armadilha me lançar a um começo diferente. Não,
senhor, vamos na Siciliana mesmo.

Disse o aprendiz:

- É que o mestre havia pedido para diversificar de vez em quando...

O argumento do aprendiz não convenceu Marcelo.

Jogaram várias partidas durante o mês. O aprendiz estudou bastante o tema, viu partidas de
mestres, jogou também com o computador, sempre tentando explorar as casas fracas.

Voltou à casa amiga.

Sempre cortês, o anfitrião o aguardava.

Entusiasmado com o progresso que achou ter conseguido, disse ao mestre:

- Trouxe uma partida que joguei com meu amigo. Posso deixar com o senhor, para analisá-la
pra mim?

- Não quer estudá-la agora?

Perguntou o mestre, ao tempo que preparava o tabuleiro sobre a mesa.

- Façamos como sempre - prosseguiu o mestre - eu dito o lance o você o executa no tabuleiro,
fazendo os comentários que achar necessário.

- Vamos lá: 1.e4 c5 2.Cf3 d6 3.d4 cxd4 4.Cxd4 Cf6 5.Cc3 g6 6.Be3 Bg7 7.Be2 Cc6 8.0-0 0-0
9.b3 Cxd4 10.Bxd4 Bd7 11.f4 Da5 12.a3.

- Por que a3? - perguntou o mestre.

Para diminuir o espaço da dama negra no ataque, e ao mesmo tempo adiantar minha estrutura
de peões na ala da dama.

- Está bem. Continuemos: 12...e5 13.b4 Dc7 14.fxe5 dxe5 15.Bc5.

Neste momento o aprendiz disse:

- Neste lance eu quis explorar a fraqueza da casa d6, não deixando de perder a iniciativa.

- Bom. Vejamos a seqüência. 15...Tfd8 16.Txf6.

- Epa! - Disse o mestre - estou vendo aqui um lance ousado. O que foi isso, você previu uns
cinco lances seguintes e verificou que não ficaria em desvantagem?

- Diretamente, não. Mas, as casas fracas, por onde poderia saltar com meu cavalo (d5-f6), se
encarregaram de me dar a condição: é como se eu houvesse previsto as próximas jogadas.
Elas me deram a certeza que eu teria compensação. O meu cavalo poderia atacar e7 e c7.
Mas para isso eu teria que eliminar o cavalo preto de f6. Não pensei duas vezes, confiando que
as casas fracas adversárias seriam mais importantes que a desvantagem que eu teria na troca
da minha torre pelo cavalo preto.

- Você está correto. Continuemos: 16...Bxf6 17.Cd5 Dc6 18.Be7 Dxd5 19.Dxd5 f6xe7 20.Dxb7
Rf8.

O mestre, então, interrompeu a fala, e após uma pequena pausa, voltou-se ao atento aprendiz:

- Parabéns, meu rapaz. Você entendeu a importância das casas fracas e já está tirando
proveito disso. Às vezes, a simplicidade estampada no fato de um aluno confiar no
ensinamento de um professor traz a este mais alegria que espetáculos soberbos.

"Baseando-se nas casas fracas, você usou corretamente o bispo no lance 15, o sacrifício da
torre, os saltos do cavalo, e como agradável conseqüência, no vigésimo lance está com clara
vantagem".

"Estou vendo que você ganhou a partida, mas para nosso estudo o que mais interessa é o que
já temos visto, não havendo, portanto, necessidade de continuarmos."

Após um pequeno intervalo, o mestre mudou de tom e de assunto:

- Meu caro jovem, eu iria hoje falar de outro tema: as colunas abertas. Mas vou aproveitar esta
sua partida e mostrar-lhe algo que vem mais a caráter: as casas conjugadas.

- Nesta partida que acabamos de ver, você, sem querer, usou o conceito das casas
conjugadas, que nada mais é que o estudo sobre os saltos do cavalo através de casas fracas.

O mestre foi até à estante, tomou o resumo referido. Leu-o ao aprendiz, comentou sobre o
assunto e lhe entregou:

Casas conjugadas

1. Casas conjugadas são aquelas por onde o cavalo pode caminhar. Tanto
atacante quanto atacado devem sempre ficar atentos a esses saltos, pois
eles podem decidir partidas.
2. A rede mais típica de casas fracas é: d4-f5-d6 ou h6 e f7. Outra rede,
muito freqüente, surge das aberturas do peão da dama: f3-g5-e6 ou f7. Elas
são quase (podemos afirmar) a base medular da estratégia agressiva do
cavalo.

3. O bando que percebe casas fracas na estrutura do adversário, deve


tentar "adivinhar" quais casas o cavalo pode alcançar, e planejar táticas para
tirar proveito de tal situação.

4. O bando que percebe a possibilidade do uso de suas casas fracas pelo


adversário, deve se prevenir, e pensar numa maneira de se defender de
possíveis investidas, pois só a prevenção consegue algum resultado. Após o
ataque através dos saltos do cavalo, não há defesa satisfatória.

- Vamos ver um exemplo: Capablanca x Aficionado.

1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Bb5 Cf6 4.0-0 d6 5.d4 Bd7 6.Cc3 Be7 7.Td1 exd4 8.Cxd4 Cxd4 9.Dxd4
Bxb5 10.Cxb5 0-0 11.Dc3.

Aqui começa o plano de Capablanca em relação às casas conjugadas. Pelo fato de haver
desaparecido o bispo dama negro, as casas brancas são débeis e isto faz com que o ex-
campeão mundial enxergue as casas relacionadas entre si estrategicamente d4-f5-d6 ou e6 e
f7.

11...c6 12.Cd4 Cd7 13.Cf5 Bf6 14.Dg3 Ce5 15.Bf4 Dc7 16.Tad1 Tad1.

Nesse momento, a posição é essa:

Capablanca, que sabe dos recursos que surgem do domínio


das casas conjugadas, arremata a partida de forma
espetacular:

17.Txd6 Txd6 18.Bxe5 Td1 19.Txd1 Bxe5.

Agora o complemento do uso da teoria das casas


conjugadas, iniciada ainda na jogada 11:

20.Ch6+ Rh8 21.Dxe5 Dxe5 22.Cxf7+ e as negras


abandonaram.

Bibliografia:

- Roberto Grau: Tratado General de Ajedrez.

- Prof. Erich González: www.hechiceros.net.

Lições sobre meio-jogo: 12ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 11

Colunas abertas

Naquela manhã bonita de sábado, sentado em sua poltrona, o mestre lia um jornal. Ao ouvir o
toque da campainha, levantou-se e olhou pela cortina. Óbvio! Era o aprendiz. Não seria um dia
lindo, que tantos outros garotos de sua idade aproveitam para uma piscina, um futebol, que iria
demovê-lo de seu compromisso com o mestre e com a Caissa.

– Entre - disse o mestre apontando o caminho com a mão.

Sentaram-se, e conversaram sobre a escola de segundo grau que o aprendiz freqüentava,


sobre a profissão de engenheiro da qual o mestre era aposentado. Por fim, a aula foi iniciada.

O mestre perguntou:

– Está gostando da maneira como estamos estudando xadrez, ou tem alguma sugestão
diferente?

– Estou gostando da forma como está. O período entre uma aula e outra de xadrez não
atrapalha meus estudos na escola. Assim está ótimo. Considero bom o meu desenvolvimento e
estou bastante satisfeito por estar encarando o xadrez com uma visão bem diferente da que
quando começamos nossos estudos.

– Pois bem, vamos continuar. Na última aula vimos a importância da exploração das casas
conjugadas, que não deixa de ser um complemento do estudo das casas fracas. Você verá que
a idéia de casas fracas continuará nos acompanhando, daqui para frente, sempre interferindo
na elaboração de novas técnicas.

Continuou o mestre:

– Falaremos hoje sobre colunas abertas. O que são colunas abertas? Diz-se que uma coluna
está aberta para determinado bando, quando falta o seu próprio peão nesta coluna. A torre ou a
dama pode apoderar-se dela. É o que geralmente acontece.

"Pode-se também trabalhar com a idéia de coluna aberta em outro caso: se a torre ou dama
encontra-se à frente do peão de uma determinada coluna, esta coluna encontra-se aberta para
essa torre ou dama.

"Desde quando começamos a jogar xadrez percebemos a importância de uma coluna aberta. E
logo cedo também verificamos a possibilidade de usá-las em nosso proveito (sobretudo quando
a coluna encontra-se aberta para nós e também para o adversário) com uma torre ou dama, e
ocuparmos a sétima ou oitava fila. Ou o perigo que representa se o nosso adversário conseguir
isso antes que nós.

"Vejamos a clássica e conhecida partida entre Paul Morphy contra o Duque de Brunswich e o
Conde Isouard: 1.e4 e5 2.Cf3 d6 3.d4 Bg4 4.dxe5 Bxf3 5.Dxf3 dxe5 6.Bc4 Cf6 7.Db3 De7
8.Cc3 c6 9.Bg5 b5 10.Cxb5 cxb5 11.Bxb5+ Cbd7 12.0-0-0 (dominando a coluna aberta
amplamente, de maneira econômica) Td8 13.Txd7 Txd7 14.Td1 De6 15.Bxd7+ Cxd7 16.Db8+
Cxb8 17.Td8++.

"Devemos ter em conta sempre, as aberturas de colunas (e também diagonais). É quase


natural, vamos dizer assim, existir essa preocupação para qualquer pessoa que joga xadrez.
Porém, quero fazer uma observação: o principiante costuma cometer erros bem característicos
de sua iniciação, qual seja, dar xeque desnecessário, avançar peões descontroladamente,
tentar terminar a partida rapidamente, sem preparação etc, e entre esses erros, um outro,
embora um pouco mais sutil, mas que também pode comprometer bastante sua posição: tentar
usar uma coluna aberta com uma torre, sem medir se esta ocupação realmente trará vantagens
naquele momento.

"O nosso objetivo é conscientizá-lo, caro jovem, que além de continuar a se preocupar com
colunas abertas, deve medir os prós e contras no seu uso. E, estender essa preocupação para
antes de a coluna estar aberta, ou seja, tentar prever, já na abertura, a possibilidade da criação
de colunas abertas, principalmente com as trocas de peões centrais.

"Uma vez constatada a existência da coluna aberta deve-se verificar se no momento não seria
interessante deixar o adversário apoderar-se dela, em troca de, por exemplo, o domínio de uma
casa central com o cavalo (casas conjugadas). Ou, obviamente, o contrário: se o seu domínio
sobre uma coluna aberta está estrategicamente superior a uma possível centralização de
cavalo do adversário.

"Quanto a esta última idéia, vamos especificar assim: por exemplo, uma coluna do bispo do rei
aberta por o bando branco, que cede ao adversário o domínio da casa e5, para que nela instale
um cavalo. Desde esse ponto (e5), o cavalo fiscaliza o quadro f7 próprio, onde habitualmente
se encontra um peão agredido pela torre inimiga.

"Porém não é esta, em realidade, a única compensação para quem não possui a coluna aberta,
já que não seria uma aplicação muito ampla. A verdadeira compensação consiste na
extraordinária ação de um cavalo centralizado, que atua sobre oito quadros vitais do tabuleiro.

"Assim, pois, de acordo com a teoria das casas conjugadas, sabemos que um cavalo em e4
não só é uma ameaça direta sobre o ponto c4, senão também um perigo para todas as casas
vinculadas : b2, e3, d2, a5, b6 e a6.

"Vejamos um pequeno estudo da luta da coluna f aberta, contra a casa e4 forte do adversário:

"Numa conformação de peões desse tipo, ou parecida, a


idéia mestra para as brancas é jogar f4, para abrir a coluna f,
a ser ocupada pela torre em f1, após o roque pequeno.

"A réplica ideal das negras é jogar c4, para quebrar a cadeia
de peões das brancas, pois existe um princípio teórico difícil
de violar, que se define assim: é sempre um grande estorvo o
peão adversário que está diante de nosso peão mais
avançado.

"Sucede, porém, que as brancas ao jogar f4 e as negras


exf4, abre-se a coluna f para as brancas. Entretanto, se as
negras poderão instalara um cavalo em e5, quase impossível
de ser desalojado, pretende valer mais que a coluna aberta.
Ou, pelo menos, abre uma grande interrogação e obriga as brancas a pensar minuciosamente,
cada vez que intente fazer esse tipo de manobra estratégica.

"Numa partida entre Lasker e Steinitz, após 21 lances, chegou-se a esta posição:

"Ela se enquadra no nosso tema: trata-se da coluna do rei


aberta para as negras, em troca do quadro e4 em poder das
brancas. Para que a posição seja típica, o cavalo que pode
instalar-se em e4 deve ser difícil de desalojar, e é necessário
haver um peão na coluna f que limite um pouco a ação das
torres rivais na coluna aberta.

A partida seguiu assim: 22. Bxe4 Cf6 23.De3 Cxe4 24.Cxe4


Tf4 As negras tratam de impor a força da coluna aberta, sem
se preocupar com a centralização do cavalo. O mais
prudente seria Bf5, para eliminar o cavalo branco, tratar de
trocar logo o outro cavalo e chegar a um final de torres e
damas. 25.c5 Bf5 Agora é tarde, pois a torre de f4 está
momentaneamente fora de jogo 26.C3g5 Dd7 27.Dxf4 exf4
28.Cf6 Ce6 29.Cxd7 Cxg5 30.Te7 Rg8 31.Cf6+ Rf8 32.Txc7 e as negras abandonaram.

"E, por julgar um item importante o estudo específico da coluna do bispo aberta, quero incluí-lo
no resumo, que lhe passo agora." - completou o mestre, entregando mais um estudo ao
aprendiz.

A um pedido do mestre, o aprendiz leu-o em voz alta:


Resumo da teoria das colunas abertas

Conclusões:

1. A abertura de uma coluna está relacionada quase sempre com a troca de


um peão central inimigo, um dos objetivos de estratégia na abertura.

2. As torres operam com mais eficiência nas colunas c, d, e, f.

3. A finalidade das torres é dominar casas vitais do adversário,


principalmente as casas de sétima e oitava fila, o que constitui um efeito
devastador, via de regra.

4. A luta da casa e4 ou e5 (dependendo do lado que tivermos analisando)


contra a coluna f aberta, ou, da casa d4 ou d5 contra a coluna c aberta é um
tema aplicável a um grande número de sistemas, como por exemplo os que
surgem dos gambitos do rei ou os que nascem da defesa siciliana,
respectivamente.

5. A força da coluna do bispo aberta consiste na agressão ao peão de f2 ou


f7, que o cavalo em e4 (ou e5) e d4 (ou d5), defende economicamente. A
eficácia do sistema está, pois, vinculada à perpetuação de um cavalo nesse
setor.

6. A possessão do quadro e4 (ou e5) e d4 (ou d5) na luta contra a coluna do


bispo aberta perde sua força, se o adversário não conta com o peão à frente
da casa onde o cavalo se instalará, para que sirva de anteparo ao
mencionado cavalo.

7. Num exemplo, se as brancas trocam seu peão do rei pelo peão do bispo
do rei adversário e colocam um cavalo em e4, diante de um peão negro em
e5, este cavalo se torna mais poderoso que a ação das torres negras na
coluna f. O mesmo raciocínio pode ser aplicado com o peão dama contra o
peão bispo dama adversário.

Observação: eliminados os cavalos, os bispos são menos eficazes na


ocupação das casas centrais e4 (ou e5) ou d4 (ou d5), na luta contra as
colunas do bispo abertas, nos sistemas anteriormente estudados.

Bibliografia:

- Roberto Grau: Tratado General de Ajedrez.

- D’Agostini: Xadrez Básico.

Lições sobre meio-jogo: 13ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 12

Diagonais abertas

Após a leitura do aprendiz sobre colunas abertas, este disse:

– Mestre, tenho algo e lhe dizer. Pelo fato de ter este contato com o senhor, adquiri o hábito de
ler teoria. Tento me aprofundar nos estudos, procurando aprender através dos livros as mais
diversas matérias, desde história à matemática. Antes eu estudava apenas pelos apanhados de
classe; hoje sinto necessidade de complementar através dos livros.
Tomei, pois - continuou o aprendiz - o gosto pela leitura, e reconheço a necessidade da
conjugação dela com as aulas para o perfeito entendimento da matéria. Assim, estou
estudando xadrez com o senhor, assimilando seus resumos e lendo mais. Acho importante me
valer dos dois; o seu resumo e a leitura aprofundada; pois se a segunda me fornece uma gama
enorme de possibilidades, o primeiro me norteia e não deixa que eu me perca no grande
emaranhado, e ao mesmo tempo me ajuda a memorizar as "regras".

Numas dessas leituras, eu já havia aprendido algo sobre colunas abertas, mas confesso que
não tive a clareza como dessa forma que me foi exposta pelo senhor.

Na busca natural de uma matéria correlata, pesquisei também algo sobre diagonais abertas e
percebi que não encontrei teoria específica. Será que sou eu que não soube procurar?

– Não - respondeu o mestre - acredito não ser você quem não soube procurar. Acredito mais
ser o assunto diagonais abertas, uma teoria intrinsecamente embutida em outras teorias, como
casas fracas, trocas vantajosas de peças, planejamento ou não de par de bispos contra bispo e
cavalo, ou contra cavalos etc.

Quando você estuda uma abertura profundamente e resolve colocar em prática uma variante,
já estará entrando no "clima" de que o jogo será moldado a colunas ou diagonais abertas ou
não. E quando você opta por trocar um peão central é porque está medindo as conseqüências
de aberturas de diagonais, a seu favor ou contra.

O que não se pode negar é da sua suma importância. Mas, já está ficando repetitivo a gente
alertar sobre a importância de tantos temas. Na verdade todos são importantes, e cabe ao
jogador avaliar a prioridade e a importância de cada tema no decorrer da partida.

Dizia Adriano Valle: "No campo estratégico do xadrez, não basta conhecer os diversos temas
como par de bispos, bispo superior ao cavalo, coluna aberta, estrutura de peões etc. É preciso
saber avaliar quando um tema se aplica em determinada posição." Concluímos, assim, que a
prática nos fará "enxergar" o tema adequado para determinada posição, e para isso, devemos
ter as teorias e os "alertas" arraigados no nosso inconsciente.

Tenho anotada uma partida entre Witt e Belgrano, que irá ilustrar bem sobre idéias de
diagonais abertas. Vamos vê-la, caro jovem:

1.d4 Cf6 2.e3 b6 3.Bd3 Bb7 4.Cf3 g6 5 O-O Bg7 6.Cbd2 c5 7.c3 O-O 8.De2 d6 9.Td1 Cbd7
10.b3?

Um erro técnico, sutil e grave: enquanto o negro desenvolve suas peças dominando o centro
de longe e deixando grande raio de ação a seus bispos, as brancas tentam preparar e4 para
obter um centro sólido. Porém resolvem jogar primeiramente b3 e isto vai criar a obrigação de
colocar o bispo em b2, que não poderá futuramente apoiar o peão a f4, que conjugado com g3
cria grandes dificuldades para o branco.
Com isso as negras já elaboram um plano para usar diagonais abertas e obter a vantagem do
par de bispos.

10...Cd5

Ataca c3 e força Bb2. Porém, o que em realidade dá vigor a este salto de cavalo é a
circunstância de que não pode ser desalojado sem criar debilidades.

11.Bb2 cxd4 12.cxd4 Cc5

O negro tenta trocar o cavalo pelo melhor bispo adversário.

13.Cf1 Cxd3 14.Dxd3

Termina o primeiro ato. As negras eliminaram um dos bispos inimigo, já pensando na


exploração de diagonais abertas.
14...Dd7 15.a3 Cf6 16.C3d2 Tfc8 17.Tac1 Tc6 18.e4

As brancas avançam seu peão a e4, agora que o cavalo negro não pode ir a f4, porém se
esquecem que o rival tem dois bispos e que a abertura de brechas pode ser fatal. Ademais, a
única coluna aberta é a c, e a base da mesma pode ser vulnerada pelo bispo negro desde h6.

18...Tac8 19.Txc6 Txc6 20.Ce3 Dc8 21.b4 Tc7 22.f3

Necessário para poder sacar o cavalo de d2, sem prejuízo para o peão de e4.

22...Ch5

Especulando que o peão branco indo a g3, enfraqueceria bastante o roque.

23.Cb3 Cf4 24.Dd2 Ba6

A última etapa. Começa a pressão dos bispos negros usando as diagonais abertas. A ameaça
de Ce2 ou Cd3 é muito forte.

25.g3 Ce2 26.Rg2 Bh6

O outro bispo entra a atacar a posição das brancas. Observe-se que agora atuam eficazmente
ambos os bispos e a gravidade da pressão sobre a casa c2, que está mal defendida, por estar
o cavalo de e3 clavado. E nem se pode levar o peão a f4, obstruindo a ação do bispo, por
causa de De6, atacando e4.

27.Ca1 (defendendo c2) Cc3 28.Tc1 Ca4

Sentenciou-se a morte do outro bispo.

29.Txc7 Dxc7 30.Dc1 Dd7 31.Cac2 Db5 32.Rh3 Cxb2

Eliminando o segundo bispo, nada pode opor-se à ação avassaladora de ambos bispos negros.

33.Dxb2 Bc8+ 34.g4 De2

E as brancas abandonaram.

Bibliografia:

- Roberto Grau: Tratado General de Ajedrez.

- D’Agostini: Xadrez Básico.

Lições sobre meio-jogo: 14ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 13

Estudo do centro

– Meu amigo, hoje vamos entrar na segunda fase de nosso estudo - disse o mestre.

O aprendiz passara os dias anteriores revendo partidas famosas, onde houvesse exploração
do tema "diagonais abertas", e tentado colocá-las em prática nas partidas contra seu amigo
Marcelo. Viera para essa aula, disposto a discutir sobre isso. Com a iniciativa do mestre,
apressando-se em falar sobre a nova fase, deixou para outra ocasião mostrar as partidas que
trouxera.
Continuou o mestre:

– Vamos recapitular o que foi visto. Faremos, a seguir, um pequeno planejamento de nossos
próximos encontros, mostrando o que será a próxima fase.

Como você deve se lembrar, nas primeiras aulas passei o seguinte quadro:

Análise da posição (qual bando está em vantagem)

1. Posição do rei.

2. Os peões centrais estão sólidos e bem defendidos?

3. Peões débeis? Casas débeis? Como está a estrutura de


peões?

4. As peças estão desenvolvidas? Qual a função de cada


uma?

5. Existem colunas abertas?

6. Há diagonais abertas?

A fase primeira está terminada. Ela tinha o objetivo de dar suporte para que você avaliasse a
posição, sobretudo, num momento crucial da partida, e concluísse se está em vantagem,
desvantagem ou igualdade.

Falamos de estrutura de peões, de particularidades nos movimentos de cada peça, linhas


abertas, casas fracas etc., com intuito de dar mais subsídios à sua análise.

Na segunda fase objetivamos reforçar os conceitos da característica do centro, para que você
tome a decisão correta sobre qual setor deve atuar.

Portanto:

Primeira fase: análise da posição;


Aplicação: característica a adotar nas próximas jogadas: ataque, defesa, contra-ataque ou
neutra.

Segunda fase: estudo do centro;


Aplicação: orientará em qual setor atuar.

Segunda fase: estudo do centro

Nem sempre existe um centro com características rigidamente bem definidas. Para efeito
didático, entretanto, grandes teóricos definem quatro tipos de centro:

Centro fechado (peões bloqueando-se no centro).


Centro aberto (falta ou grande vulnerabilidade de peões no centro).
Centro móvel (peões com grande mobilidade).
Centro fixo (somente peças já instaladas no centro).
Centro indefinido (tensão no centro).

Centro Fechado:

Em algumas variantes da Ruy Lopez, Defesa Nimzoíndia ou Defesa Índia do Rei, os peões
centrais de um bando boqueiam-se uns aos outros, de tal forma que nenhum peão do centro
pode avançar facilmente. Então teremos um centro fechado, com ausência de colunas ou
diagonais abertas. Nenhuma peça pode ocupar as casas centrais.
Que se faz neste caso? Que plano se deve eleger?

Caso ninguém esteja em vantagem, você poderá optar por uma jogada preparatória (neutra), já
visando atuar no setor indicado pela teoria:

Como o jogo no centro está desenhado, a atividade principal se traslada, naturalmente aos
flancos. Cada bando intenta avançar sobre um lado do tabuleiro e procura abrir colunas e
atacar ao exército inimigo pela retaguarda.

Pela análise geral que fizemos na fase 1, elegemos um plano ativo, se estivermos em
vantagem, e um plano defensivo, se a vantagem for do adversário. Os planos são dos
seguintes tipos:

Plano ativo - consiste em organizar uma pressão sobre o lado onde se tem a vantagem. Na
maioria dos casos se empreende um avanço maciço de peões, já que com o centro fechado a
descoberta da posição do próprio rei não é muito explorada. A principal característica é que o
defensor não pode fazer o que normalmente é o mais poderoso contra-jogo a um ataque no
flanco: abrir uma linha no centro.

Plano defensivo - consiste em levantar barreiras ao avanço do inimigo, com a esperança de


bloqueá-lo, diminuindo seu espaço no setor, a fim de lograr um contra-jogo no outro flanco (ou
no centro).

Plano neutro - Caso a sua análise indique que nenhum bando está em vantagem, você poderá
provocar debilidades antes de engendrar um plano ativo, ou se precaver de alguma jogada
adversária que provocaria debilidades em sua estrutura, ou rearrumar as peças para que elas
adquiram maior harmonia entre si.

Um exemplo típico de centro fechado é a partida Kotov - Spassky, Riga, 1958.

Em posições deste tipo, a questão principal é ver quem chegará primeiro ao roque com seu
ataque. Por outra parte, ambos os lados devem estar sempre na expectativa de um possível
contra-ataque central, já que geralmente é a melhor resposta ao jogo nos flancos.

Vamos a ela:

1.d4 Cf6 2.c4 g6 3.Cc3 Bg7 4.e4 d6 5. f3 0-0 6.Be3 e5 7.d5 c5 8.g4 Ce8 9.h4 a6 (diagrama)

Quem chegará primeiro, o branco ao flanco do rei ou o negro


ao flanco da dama? Nestes casos as coisas não devem ser
feitas com lentidão.

O centro está fechado. Em tais posições não se pode permitir


ao oponente abrir linhas no lado onde está atacando.

10.Bd3 b5 11.Dd2 bxc4 12.Bxc4

O branco, se retrocedesse a c2, teria que ir mais lento no


desenvolvimento no flanco da dama, enquanto que agora
Spassky tem a oportunidade de dar o golpe central que tanto
teme o que ataca o flanco.
12...Cd7 13.h5 Cb6 14.Bd3 a5 15.hxg6 fxg6 16.Dh2 Cf6 17.Ch3 De7 18.Ce2

O branco subestima a atividade das negras e isto faz com que o bispo fianquetado e as peças
maiores do negro tenham possibilidades táticas.

18...Tb8 19. Cg3 c4 20.Be2 Cbxd5

Um excelente sacrifício, que abre o centro e daria ao negro uma decisiva iniciativa (que, porém,
Spassky não soube aproveitar com 22...e4).
21.exd5 Txb2 22.Cg5 h6 23.C5e4

O branco toma a iniciativa outra vez.

23...Cxd5 24.Bxh6 Cb4 25.Bg5 Dc7 26.Dh7+ Rf7 27.Th6 Cc2+ 28.Rf1 Cd4 29.Dxg6+ Rg8
30.Dh7+ Rf7 31.Cxd6+ Dxd6 32.Txd6 Ce6 33.Cf5 Th8 34.Ch6+

Kotov vence.

Bibliografia:

- Piense Como Um Gran Maestro: A. Kotov.

- Xadrez Básico: D’Agostini.

Lições sobre meio-jogo: 15ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 14

– Você viu, portanto - continuou o mestre - uma partida de centro fechado, onde o branco
adiantou os peões do flanco do rei, e o negro contra-atacou com os peões do flanco da dama
(e até tentou contra-atacar pelo centro, com sacrifício).

Podemos concluir que: encontrando-se o centro fechado, pode-se atacar pelos flancos com
peões, pois não existe tanto perigo de o rei ficar desprotegido.

Façamos um pequeno estudo:

Centro aberto

Consideramos centro aberto aquele desprovido de peões, e o papel que exercem as peças no
centro é mais importante.

Agora, o principal fator de ataque não é baseado em ataques feitos por peões, senão a
exploração de ataque às peças. A batalha implica numa luta corpo a corpo com todas as peças
em estreita colaboração.

Plano ativo - Intenta provocar debilidades com suas peças no campo inimigo e logo atacá-las.
Geralmente não se procedem ataques maciços de peões, já que num centro aberto o risco de
debilitar a própria posição é grande.

Plano defensor - O bando atacado tenta rechaçar o ataque e evita o quanto possível a criação
de debilidades em suas próprias fileiras.

Vejamos um exemplo prático:

Alekhine, Alexander – Lasker, Emmanuel.

1.d4 d5 2.c4 e6 3.Cc3 Cf6 4.Bg5 Be7 5.e3 0-0 6.Cf3 Cbd7 7.Tc1 c6 8.Bd3 dxc4 9.Bxc4 Cd5
10.Bxe7 Dxe7 11.Ce4 C5f6 12.Cg3 e5 13.0-0 exd4 14.Cf5 Dd8 15.C3xd4 Ce5 16.Bb3 Bxf5
17.Cxf5 Db6

Não há peões no centro e portanto as peças de ambos os


bandos têm amplo campo de ação. O branco tem mais
liberdade, já que suas peças estão mais ativamente situadas
e podem partir para um imediato ataque ao rei inimigo.

Nessa posição não está fácil de se encontrar um plano bom,


já que o negro não tem debilidades. Alekhine, porém, com
uma série de exatas jogadas provoca pontos débeis na configuração de peões que rodeiam o
rei negro.

18.Dd6 Ced7 19.Tfd1 Tad8 20.Dg3 g6

A primeira debilidade. Em seguida, Alekhine provocará outra.

21.Dg5 Rh8

O negro toma medidas contra a dupla ameaça de Td4-h4.

22.Cd6 Rg7 23.e4 Cg8 24.Td3 f6

Isto permite o golpe final, sem que o negro tenha uma boa defesa

25.Cf5+ Rh8 26.Dxg6 . E as negras abandonam.

Vale observar nesta partida, que alguns analistas preferem 18...Cg6 19.Ch6+ gxh6 20.Dxf6.
Outro detalhe é que um possível lance 24...h6 seria refutado por 25.Cf5+ Rh7 26.Cxh6 f6
27.Cf5 fxg5 28.Th3+ Ch6 29.Txh6++.

Bibliografia:

Piense como un gran maestro: A. Kotov.

Lições sobre meio-jogo: 16ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 15

Centro móvel

– Mestre. Disse o aprendiz – esta partida em que Alekhine soube tão bem aproveitar a
característica de centro aberto me fez pensar em algo: meu receio de jogar uma partida com
esta mesma característica de centro aberto.

Cultivo uma certa resistência. Sei, pela teoria, que temos que deixar as nossas preferências de
lado e jogar de acordo com o que pede a posição. Mas minha insegurança é notável, pois vejo
aqueles olhos bem grandes da dama adversária olhando meu rei através daquela diagonal
aberta, bem próxima daquela outra diagonal onde está o bispo seu amigo.

Se estou jogando contra o computador, aí então é que chego a prender a respiração.

Mas, ficou-me uma lição desta partida que acabamos de ver: da mesma maneira que o centro
se abre para o adversário, abre-se também para mim. O que eu tenho que fazer é "prever" que
há grandes possibilidades de o centro se abrir e me prevenir. Correto?

Respondeu o mestre:

– Sim, é este mesmo o raciocínio. Tudo o que for novo em nossa vida nos causa apreensão. O
automatismo só vem com a prática, o que eu costumo dizer: ela, a prática, nos faz "sentir" (e
ter certeza) sem sabermos explicar direito a razão de nosso ato.

– Por exemplo, quando dirigimos um automóvel não ficamos pensando se devemos pisar no
freio ou na embreagem. O nosso subconsciente pensa por nós. Por que no xadrez seria
diferente?

– Volto a repetir: é necessário bastante prática para que seus medos diminuam, e sua certeza
aumente. Entretanto, quanto mais a teoria caminhar do seu lado, mais rapidamente o seu
subconsciente pisará de maneira correta no freio ou no acelerador...

Após a revisão da partida, passou-se a estudar um outro tipo de centro:

– Caro jovem, nessa próxima etapa abordaremos o tema: centro móvel.

Consiste o centro móvel em que um bando possui maioria de peões no centro, com grande
probabilidade de avançá-los.

Acontece amiúde nas partidas Giuoco Piano, Gambito do Rei, Gambito Evans, Defesa
Grünfeld. Em tais situações toda a atenção dos jogadores está voltada para este centro móvel
e todos seus planos baseiam-se em avançar ou deter tais peões.

lano ativo – o lado que possui peões livres no centro e que não necessitam de serem
defendidos, deve avançar e conseguir um ou dois peões passados no centro, que sejam
capazes de decidir a partida a seu favor.

Plano defensivo – Como regra, o bando defensor não deve contra-atacar no flanco, já que o
domínio inimigo do centro o impede. O usual é resolver a questão em duas etapas: 1. Deter os
peões centrais contrários, bloqueando-os; 2. Minar o centro inimigo e destruí-lo.

Vejamos um bom exemplo de prós e contras de avanço central de peões.

Furman Semen - Lilienthal Andrei.


Moscou, Rússia.

1.d4 Cf6 2.c4 e6 3.Cc3 Bb4 4.e3 0–0 5.Bd3 c5 6.a3 Bxc3+ 7.bxc3 d5 8.cxd5 exd5 9.Ce2 b6
10.0–0 Ba6 11.f3 Bxd3 12.Dxd3 Te8 13.Cg3 Cc6 14.Bb2 Tc8 15.Tae1 Ca5 16.e4 Cc4 17.Bc1
cxd4 18.cxd4 dxe4 19.fxe4

Chegou-se aqui a uma posição apropriada para nosso


estudo, com todo potencial de mobilidade do centro. 19...Ce5
20.Dd2 Cg6

Após o lance 20 as brancas se encontram em vantagem e


devem atacar.

21.e5 Cd5 22.Cf5 Te6 23.Df2 Dd7 24.h4

É um procedimento de ataque típico: este avanço é uma


arma tática que consiste em pressionar e atuar, se
necessário.

24...f6 25.Dg3 fxe5 26.dxe5 Cde7 27.Cd6 Txc1 28.Txc1


Cxe5 29.Df2 h6 30.Df8+ Rh7 31.Cf5 Cxf5 32.Dxf5+ g6 33.Df8 Te8 34.Df4 h5 35.Tc3 Te7
36.Te3

E as negras abandonaram a partida.

Bibliografia:

- Piense como un gran maestro: A. Kotov.

Lições sobre meio-jogo: 17ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 16

Tendo terminado o estudo do centro móvel, o aprendiz pronunciou a respeito:

- Mestre, este estudo apontou para a cura de outro receio que sempre tive. Como a teoria
recomenda que "o avanço de peão à quinta casa deve ser meticulosamente estudado", eu
tremia nas bases toda a vez que pensava em avançar um peão rumo à promoção ou à posição
de ataque.

Adquiro agora um antídoto contra esse mal. Quando a gente obedece a uma estratégia, fica
mais seguro romper as barreiras: se eu sei que com o centro móvel a partida girará em torno
de avançar os peões centrais e a conseqüente defesa do adversário, começo a ter mais
coragem de avançar peão, pois sei que a teoria diz assim e o correto é eu tentar administrar
isso.

Lembro-me, que nas primeiras partidas de Abertura Siciliana eu temia bastante, quando de
brancas, avançar o peão a f4. Só depois de acompanhar várias partidas de mestres é que
"aceitei" a idéia.

A uma pausa do aprendiz, o mestre disse:

- Você disse algo importante. Se a estratégia dita-nos um plano e tentamos segui-lo,


começamos a nos sentir mais seguro, principalmente porque passamos a fazer lances
parecidos com os "inexplicáveis" que víamos em partidas famosas. Isso nos desinibe bastante.

Fez também uma breve pausa e continuou.

- Vejamos agora nosso penúltimo pequeno estudo de hoje.

Centro fixo

Se os peões do centro têm uma forma fixa, "imutável", dizemos que este é um centro fixo. O
jogo, com essa característica, gira em torno dos pontos centrais, em que cada bando procura
estabelecer suas peças, e só então quando tiver conseguido a suficiente centralização de tais
peças, os jogadores começam a marchar sobre os flancos.

Plano ativo - Em posições de centro fixo é difícil encontrar planos ativos, bem como assegurar
qual lado está em vantagem.

Plano defensivo - Em conseqüência de não haver definição de plano ativo nem bando em
vantagem, também não haverá plano defensivo nessa condição.

Plano geral - Atenção às casas centrais, com objetivo de estabelecer ali suas peças e expulsar
as do oponente.

Uma partida entre Stolberg e Botvinnik, ilustra muito bem este tema:

Mark Stolberg – Mikhail Botvinnik

1.d4 Cf6 2.c4 e6 3.Cc3 Bb4 4.e3 0-0 5.Bd3 d5 6.Cge2 c5 7.0-0 Cc6 8.cxd5 exd5 9.a3 cxd4
10.exd4 Bd6 11.h3 h6 12.b4 Te8 13.Db3 Be6 14.Bd2 Dd7 15.f4

Nessa posição, percebemos um centro fixo: os peões de d4


e d5 estão fixos. Em conseqüência, notamos também que o
branco tem como casas fortes c5 e e5, enquanto o negro
possui as de c4 e e4.

A luta, como se verá, resumir-se-á em buscar o domínio


dessas casas.

Botvinnik (que, diga-se de passagem é um especialista neste


tipo de centro) com sua jogada seguinte objetiva provocar a
troca de bispos de casas brancas, e então o branco não será
capaz de defender c4 e e4.
15...Bf5 16.Dc2 Be4 17.b5

O branco não se defende com precisão e permite que o negro tome controle de c4, assim como
de e4. O movimento17...Tad1 teria sido melhor.

17...Bxd3 18.Dxd3 Ca5 19.Cg3 Cc4 20.Bc1 Tac8 21.Ta2 Bf8 22.a4 Bb4

Todos os esforços do negro intentam destruir os defensores de e4.

O jogo lógico que mostra Botvinnik é visível, porém ao mesmo tempo com imenso poder, já que
suas manobras estão estreitamente ligadas às exigências da posição.

23.Cd1 Ce4 24.f5 Cxg3 25.Dxg3 Bd6 26.Df3 Be7 27.Dg3 Bf6 28.Bxh6 Bxd4+ 29.Rh1 f6

Valorizando a posição, com objetivo de controlar o centro. Em seguida, o negro rompe com a
resistência final do branco.

30.Bc1 Te4 31.Dd3 Ce5 32.Db1 Tc4

As casas c4 e e4 servem como base de ataque para suas peças e segue usando-as para
aumentar sua pressão.

33.a5 Bc5 34.b6 a6 35.Cb2 Tc3 36.Bd2 Tb3 37.Dc2 Db5 38.Tc1 Bf8 39.Td1 Te2

Preparando o caminho através das casas centrais.

40.Dc1 Txh3+ 41.gxh3 d4.

E as brancas abandonam.

Bibliografia:

Piense como un gran maestro - A. Kotov.

Lições sobre meio-jogo: 18ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 17

Centro indefinido

– Terminamos assim, meu caro jovem, nosso pequeno estudo sobre os quatro tipos de centro:
aberto, fechado, móvel e fixo.

Para completar, só nos falta comentar a situação em que o centro não se enquadra em nenhum
desses, no momento em que você proceder à análise da posição.

Dizemos, nesse caso, quando o centro ainda está por sofrer significativas alterações, que ele é
um centro indefinido.

Quando isso acontece, ou seja, se a formação de peões centrais não deu origem a nenhuma
das quatro formas estudadas, a atenção do jogador deve se concentrar mais do que nunca
neste setor.

O objetivo de cada lado deve ser conseguir um tipo de centro estável que lhe favoreça, e impor
ao adversário uma desfavorável formação de peões.

Se, por outro lado, um dos oponentes não conseguir aclarar a posição no centro e se ver
obrigado a atacar por um dos flancos, corre o sério risco de receber um contra-ataque central,
que se lançado num momento oportuno e de forma correta, pode instantaneamente reduzir a
nada o trabalho que aquele bando realizou no flanco.

Temos a seguir um bom exemplo de como um centro indefinido se converte de pronto em um


centro aberto:

Boleslavsky,I - Keres,P

1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Bb5 a6 4.Ba4 Cf6 5.0–0 Be7 6.Te1 b5 7.Bb3 0–0 8.c3 d6 9.h3 Ca5
10.Bc2 c5 11.d4 Dc7

Neste instante, existe uma tensão no centro e a formação de peões pode se transformar a
qualquer momento em um dos tipos de centro já estudados.

12.Cbd2 Td8 13.Cf1 d5 14.exd5 exd4 15.cxd4 Cxd5 16.De2


Bb7 17.Cg3 cxd4 18.Cxd4

Uma avalanche de trocas aconteceu e varreu todo o centro


de peões, que se transformou, assim, num centro aberto.

18...g6

Keres não permite que um cavalo branco entre na importante


casa f5.

19.Bh6 Bf6 20.Cb3 Cc4 21.Ce4 Bxb2

A conclusão é que o negro tem uma melhor disposição de


forças para este centro aberto e que o branco deve ter jogado tentando um outro tipo de
formação central.

22.Cbc5 Bxa1 23.Txa1 f5

Uma jogada de ataque, que o negro já havia previsto há tempos.

24.Cxb7 Dxb7 25.Cc5 Dc6 26.Cd3 Cc3 27.De1 Df6 28.f4 Ce4 29.Rh2 Dc3 30.Db1 Ccd2
31.Dc1 Txd3 32.Bxd3 Dxd3 33.Dc7 Cf3+ com mate em 4 lances. 0–1

Bibliografia:

Piense como un gran maestro - A. Kotov.

Lições sobre meio-jogo: 19ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 18

Árvore de Kotov

Perguntou o aprendiz ao mestre:

– Eu vou conseguir fazer um planejamento de jogo, com a teoria que aprendi até agora?

O aprendiz havia passado aquele mês estudando com afinco as últimas aulas, que tratavam
das características do centro. Pelo esquema de estudo que o mestre havia passado no início
do curso, o próximo passo seria o planejamento de jogo.

Ficou preocupado, porque, pelo que aprendera até agora, pela característica do centro é que
estabeleceria um plano de jogo. Este plano seria mono ou multi-escalonado. Estrategicamente,
decidir se iria atacar ou defender, ou se iria atuar num dos flancos ou no centro, estava claro
para ele. Mas como montar um plano multi-escalonado?
Na verdade, este questionamento por parte do aprendiz resumia-se numa precaução quanto à
dificuldade que teria para seguir o cronograma, caso o mestre o cumprisse à risca. Tentava
desenvolver nas aulas de xadrez o mesmo método de estudo que usava no colégio: estudar a
matéria antes que o professor a passasse. Ficou tão preocupado, que não esperou pela aula,
pois no início dela, antes que o mestre falasse algo, ele mostrou o seu temor.

Tentou justificar sua pergunta:

– Sabe, mestre, acompanhando partidas de bons jogadores tentei adivinhar os lances. No setor
onde deveriam atuar, de certa forma, até que estou acertando uma boa porcentagem. Mas não
consigo prever a idéia intermediária.

O mestre respondeu:

– Meu amigo, esta preocupação sua tem fundamento. Ademais, ela sinaliza um aspecto
positivo deste seu aprendizado, pois, além de confirmar que você tem assimilado bem a teoria,
mostra que está se preparando para o que há por vir. Acredito que o tema que começaremos a
tratar hoje tem como objetivo, além de diminuir sua preocupação, dar uma reviravolta no nosso
estudo.

É como se estivéssemos tratando mais da estratégia até este momento, e daqui para frente,
embrenhássemos também, em termos, rumo à tática.

Como você disse, o próximo passo, de acordo com o nosso esquema de estudo é:
planejamento mono e multi-escalonado. Para chegar lá, porém, faremos alguns preparativos.

Preliminarmente, vamos falar sobre a famosa Árvore de Kotov.

Alexander Kotov, grande mestre russo, teve a concepção de uma árvore de análises. Por que
Kotov se interessou por esse assunto? Apesar de ter em determinada fase de sua vida um
nível invejável de jogo, percebeu que era falho em certo aspecto, pois freqüentemente se via
apurado no tempo.

Enfrentando o problema, chegou à conclusão que muita gente estava à sua frente, no tocante a
previsão de jogadas. Inclusive, o próprio Kotov diferenciou um grande mestre de um jogador
comum, como sendo na capacidade de previsão de melhores jogadas que o primeiro possui
em relação ao segundo.

Gérson Peres, em entrevista ao tricampeão brasileiro de xadrez, o grande mestre Giovanni


Vescovi (os interessados poderão ler o texto na íntegra em Entrevista com Giovanni Vescovi),
perguntou-lhe: Qual a diferença entre um grande mestre e um jogador forte? Ele foi categórico
em dizer também que, em sua opinião, a diferença entre um jogador apenas forte e outro muito
forte, residia justamente na capacidade de cálculo de cada um.

Mas, voltando ao Kotov, como ele diagnosticou sua deficiência em conseguir "ver" os lances à
frente, e como não existia na época literatura específica relativa ao assunto, tentou desenvolver
métodos de treinamento dessa habilidade e concluiu um excelente trabalho, a sua árvore de
variantes.

Vamos ver a humildade de Kotov nos mostrando uma partida que ele perdeu para Panov, e que
provocou a sua reação, no sentido de melhorar seu próprio jogo. Assim se expressou Kotov.

"Nas minhas análises, concluí que meu principal inconveniente não era o conhecimento
superficial das aberturas ou a pobre técnica do final, senão minha fraca compreensão do meio
jogo”.

Meu pior defeito era a incapacidade de analisar variantes.

Pensava demasiadamente em posições simples, que me levavam a um apuro de tempo.


Ademais, cometia sérios erros quase sempre. Finalmente, depois da partida sempre descobria
que meu oponente havia visto muito mais no tabuleiro que eu. Estava claro para mim, que teria
que trabalhar muito duro para dominar a técnica de análises.

Numa partida que joguei contra Panov, após:

1.d4 Cf6 2.Cf3 g6 3.c4 Bg7 4.Cc3 0–0 5.g3 d6 6.Bg2 Cc6 7.d5 Cb8 8.0–0 e5 9.e4 Cbd7
10.Dc2 a5 11.a3 Cc5 12.Be3 Cg4 13.Bxc5 dxc5 14.h3 Ch6 15.Tab1 Te8 16.Cd2 f5 17.b4 Bf8
18.Ca2 Cf7 19.Rh2 f4 20.Cb3 axb4 21.axb4 cxb4, chegou-se à posição do diagrama abaixo.

O ataque das brancas sobre o flanco da dama, assim me


parecia, estava se desenvolvendo por um caminho lógico e
sistemático. Acreditava que a horrorosa disposição das
peças negras era uma prova de suas sérias dificuldades
posicionais.

Achei por bem avançar meu peão do bispo.

22.c5 Cg5

Depois deste lance, vi claramente que as negras tinham


ameaças muito perigosas. O perigo estava em que as peças
de seu flanco do rei, sobre as quais eu havia pensado que
davam a impressão de indolência, falta de cooperação,
estavam trabalhando muito bem, enquanto que as minhas peças, escrupulosamente situadas,
eram incapazes de evitar suas fortes ameaças.

Seguiu-se: 23.Tfd1 f3 24.h4 Cxe4 25.Bxf3 Txa2 26.Dxa2 Cc3 27.Dd2 Df6

As negras têm a partida ganha. O final foi um castigo ao meu infundado otimismo:

28.Bg2 e4 29.Tbc1 Cxd1 30.Txd1 Dc3 31.De3 Bf5 32.Rg1 Dxe3

E as negras ganharam facilmente o final:

33.fxe3 Bh6 34.Te1 Te5 35.Bf1 c6 36.dxc6 bxc6 37.Bc4+ Rf8 38.Rf2 Bg4 39.Rg1 Re7
40.Rg2 Tf5 41.Be2 Bxe2 42.Txe2 Td5 43.Rf2 Td3 44.Ca5 Rd7 45.Cc4 Re6 46.g4 Rd5 47.Cb2
Ta3 48.Td2+ Rxc5 49.g5 Bg7 0–1

Depois da partida, analisamos todas as variantes possíveis. Panov me disse que uma vez feito
22...Cg5, pensava que as brancas não teriam boa defesa. Se:

23.Tfe1 f3 24.Bf1 (Se 24.h4 Cxe4 25.Txe4 fxg2 com terríveis ameaças de 26...Dxd5; 26...Dd7;
26...Bf5) Bxh3 25.Bxh3 Cxh3 26.Rxh3 Dg5 27.g4 Be7 28.Rg3 Df4+ 29.Rh3 Dh6+ 30.Rg3
Bh4+ 31.Rxf3 Tf8+ 32.Rg2 Txf2+ 33.Dxf2, com as negras ganhando a dama.

Toda a manobra das negras - seu original plano e o inesperado sacrifício - é atrativo. Estas
possibilidades, que estavam ocultas na posição, continuavam sendo um mistério para mim. Eu
não havia examinado nenhuma das operações táticas percebidas por Panov.

Eis o que escrevi sobre as más interpretações que dei a esta partida:

Não fui capaz de encontrar uma só das variantes e combinações. Nem sequer suspeitava que
havia uma combinação cercando a jogada 24, e me vi surpreendido quando Panov me
mostrou. Por isso minha maneira de pensar está baseada em planos e princípios gerais
completamente ridículos.

Das 17 partidas do Campeonato de Moscou, estive seriamente apurado no tempo em 12 delas.


Em lugar de preocupar-me por que o fazia, jogava mal, passando a maioria do tempo em
considerações gerais e mesclando variantes.
Cheguei à conclusão de que em suas análises muitos jogadores cometem várias faltas. Alguns
examinam profundamente umas poucas linhas, outros analisam um grande número de
variantes, ainda que só existam possibilidades de duas ou três jogadas. A solução correta é
encontrar o termo médio, especialmente quando se está jogando contra um tempo limitado.

Também ficou claro para mim que a habilidade de orientar-se no labirinto das possíveis
variantes não é só um dom natural, senão também é resultado de sérios e prolongados
esforços, com muito treinamento."

Continuou o mestre:

– Vemos, assim, jovem amigo, a importância do tema. Para


que você teste por si mesmo, vou passar um diagrama e
pediria que você tentasse resolvê-lo da seguinte forma: você
tentará, mentalmente, sem mover uma peça, dar-me como
solução, o melhor lance para as brancas. Obviamente, com
as variantes. Demore o tempo que quiser. Meia hora, uma
hora, duas horas. Se você achar que deve interromper o
exercício e levá-lo para casa, pode fazê-lo. Fique à vontade.

Bibliografia:

Piense como un gran maestro - Alexander Kotov.

Lições sobre meio-jogo: 20ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 19

Cálculo de variantes

Levantou-se, respirou fundo, estendeu os braços


verticalmente para cima, fazendo um exercício de
alongamento.

- Mestre, terminei - disse o aprendiz, olhando maravilhado o


tabuleiro à sua frente, com as peças intactas, e com o seu
trabalho de anotação das variantes um tanto rabiscado, mas
que lhe dava grande orgulho.

O mestre fechou o livro que tinha nas mãos. Olhou no


relógio: uma hora e cinqüenta e três minutos. Foi o tempo
gasto pelo jovem estudante.

- Vamos lá, conte-me sobre este pequeno desafio...

- Pequeno? - retorquiu o aprendiz, com um meio sorriso.

Sentaram-se diante do tabuleiro, e o aprendiz, à medida que consultava suas anotações, ia


explicando seu raciocínio:

- Tentei, inicialmente, entender o geral. Analisei a posição e percebi que nenhum dos bandos
usufruia de alguma vantagem significativa, pois não se apresentava desequilíbrio material, os
reis bem protegidos, cadeias de peões não comprometedoras, nada para ser explorado como
colunas ou diagonais abertas (a não ser a a2-g8, que poderia ser usada como parte de um
plano), com centro aberto e peças centralizadas. Concluí que o plano a ser traçado deveria ser
do tipo tático-combinatório.

Passei então a analisar os seguintes elementos, sob o ponto de vista das brancas:

1. O que primeiro saltava à vista é o fato de o cavalo branco estar sendo atacado pelo peão de
f7. Conseqüentemente, ou o branco teria que movê-lo, ou contra-atacar.

2. O segundo elemento importante reside (sem querer fazer metáfora) na casa c4, pois sobre
ela existe pressão de duas peças brancas e de três peças negras, o que vale dizer que as
negras poderiam ganhar uma peça com as trocas.

3. Terceiro elemento: se o bispo de c4 se movimentar, neste primeiro momento, o branco


perderá a dama.

4. Levando em conta todos os pontos analisados, decidi que o branco não poderia perder a
iniciativa, e para isso deveria fazer um lance de ataque com o cavalo, ou outro lance qualquer
de ataque, que compensasse a perda de tal cavalo.

5. Os lances de ataque com o cavalo, que "vi", foram: Cd8 e Cxg7. O primeiro atacaria a dama,
o segundo abriria uma possibilidade de explorar um ataque de torres através da coluna g.

6. Quanto ao segundo ataque, feito por outra peça que não fosse o cavalo, o único que percebi
foi o avanço do peão de b4 a b5, que seria um "garfo" e que forçaria o bispo preto a tomar b5, e
a única vantagem que vi para as brancas com esse lance foi o fato de abrir a diagonal a3-f8.

7. Resolvi que deveria concentrar-me apenas no ataque com o cavalo: Cf8 ou Cxg7, pois me
pareceu um pouco temerário arriscar o lance b5.

8. Se 1.Cd8 Txd8 2.Txd8+ Txd8 3.Bxf7+ Rxf7 4.Dxc6, ganhando a dama.


Se 1.Cd8 Dc7 2.Tg4 Txd8 3.Txc4 Dxd8 4.Txc8 Txc8, perdendo uma peça.
Se 1.Cd8 Dc7 2.Tg4 Txd8 3.Teg5 g6, perdendo uma peça.
Se 1.Cd8 Dc7 2.Bxf7+ Dxf7 3.Dxc8 Txc8 4.Cxf7 Rxf7, igualdade.
Se 1.Cxg7 Rxg7 2.Tg4+ Cxg4 3.Tg5+, com ataque.
Se 1.Cxg7 Rh8 e caso uma das torres se mova, então Bxc4, perdendo uma peça.
Se 1.Cxg7 Rh8 2.Cf5 Bxc4 3.Txc4 Dxc4 4.Te8+ Txe8 , igualdade.
Se 1.Cxg7 Rf8 2.Cf5 Bxc4 3.Txc4 Dxc4 4.Dxc4 Txc4, perdendo uma peça.

9. Conclusão: o melhor movimento para as brancas é Cxg7, pois relativamente ao lance 1.Cd8,
a simples resposta 1...Dc7 já anula as pretensões das brancas. Eu sinto que o lance Cxg7 tem
mais perspectiva, apesar de eu não conseguir visualizar com clareza o desfecho favorável.
Reconheço que estou bem longe de resolver o problema proposto, ou seja, definir o melhor
lance para as brancas, que eu suponho seja um lance ganhador...

O mestre, que a cada explicação do jovem comparava com suas anotações, disse
solenemente:

- Você foi muito bem, meu caro amigo. O objetivo desse exercício não é que você encontrasse
como solução "a variante ganhadora", como o problema que Kotov propôs a si próprio.

Minha proposta é que você tentasse visualizar jogadas, da mesma maneira que um jogador
tenta fazer num jogo: sem mover as peças.

O nosso propósito nunca poderia ser exigência que acertasse cem por cento, mesmo porque
este é um dos mais difíceis problemas, cuja solução foi tentada em várias partes do mundo, e
seria pedir demais para um iniciante solucioná-lo completamente.

A história é mais ou menos assim: dois grandes jogadores, Salomon Flohr e Ruben Fine, de
renome mundial, disputavam uma partida, em Hastings, há algumas décadas. Após a jogada
23 das negras, a posição de nosso estudo é a que se apresentou também naquela ocasião.

Flohr, com as brancas, optou por 24.Cd8, ao que foi rechaçado por Dc7 e perdeu a partida. Os
jornais especializados do mundo inteiro davam a sua solução para o melhor lance de Flohr. Um
vitória que era encontrada em um país, era refutada rapidamente por artigos publicados em
outro.
Finalmente um mestre inglês, Winter, encontrou a única maneira de ganhar: 24.b5, que
ocasionou 24...Bxb5 (forçado) 25.Cxg7 e ficou comprovado que, independentemente da
resposta das negras, as brancas ganhariam, embora que em algumas variantes com alguma
dificuldade.

Portanto, não foi com o intento de que desse a solução completa do problema que o propus a
você. Eu queria, e consegui, ver como estava o seu raciocínio.

Considero correta a maneira racional como você tentou a solução.

1. Na minha opinião fez os passos acertadamente: avaliou a posição e chegou à correta


conclusão de que se tratava de uma partida tático-combinatória.

2. Racionalizou as possibilidades, não perdendo muito tempo com "ir e vir de tentativas."

3. Enumerou (e acertou) os pontos importantes.

4. Pelo que me parece, percebeu que é possível descobrir uma variante, sem movimentar as
peças. (Objetivo primeiro de nosso encontro de hoje).

Devo salientar, que além disso, você foi bem nas suas deduções, cometendo apenas alguns
pequenos erros, como por exemplo a conclusão em seu item número 8, oitava variante, quando
disse que o branco perderia uma peça, quando na verdade obteria igualdade, ou pequena
desvantagem, com: 4.Te8+ Txe8 5.Dxc4.

Você percebeu as forças dos lances b4-b5 (inclusive vislumbrando a abertura da diagonal a3-
f8) e Cxg7, apenas não aglutinando as duas idéias. Aproveito a oportunidade dessa partida,
para aplaudir (e penso que você concorda comigo) a perspicácia desses fabulosos grandes
mestres que conseguem juntar idéias desse tipo, que, separadamente, foram percebidas por
você , por mim e por milhões de pessoas.

Pois bem, meu jovem, estou satisfeito que o objetivo foi atingido, no meu modo de ver. O que
eu peço é que continue exercitando, como fez hoje, para quem sabe, num futuro próximo,
tenhamos uma jóia rara como a que acabamos de estudar, assinada por você.

Bibliografia:

Piense como un gran maestro - A. Kotov.

Lições sobre meio-jogo: 21ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 20

Planejamento

Novamente, após um mês, lá estavam mestre e aprendiz para mais uma aula.

O curso estava chegando ao fim. Fizeram considerações gerais e o aprendiz contou sobre o
quanto melhorou sua visão enxadrística, a melhoria dos resultados de partidas foi observada
em jogos contra o computador, já que os seus adversários humanos, colegas de escola, não
mais se interessavam em desafiá-lo...

Em relação à aula anterior, o mestre disse conclusivamente ao aprendiz:

- Você acaba de construir, prezado amigo, com estes cálculos de variantes, a famosa árvore de
Kotov. Estão aí o tronco, bem enraizado, com boas ramificações.

Veremos agora, continuou o mestre, o planejamento de jogo:

Considerações sobre planejamento.


Com o que vimos até aqui, você está capacitado a ter uma idéia mais ou menos exata da
posição no meio-jogo.

Acreditamos que já tenha condição de enxergar quem está melhor na partida, ou quem tem a
iniciativa; saber onde estão as debilidades, como se apoderar de uma coluna ou uma diagonal;
saber que peças têm que ser trasladadas, para onde e em que consistem os problemas do
centro etc.

O complicado e laborioso processo de valorização está terminado, e agora se pergunta: como


continuar?

Em outras palavras, é chegada a hora de formar um "plano de campanha".

Desde o princípio da partida o jogador sabe que vai levar a cabo um plano determinado, pois
quando escolhe uma abertura, significa que aderiu às idéias inseridas nela. Ou seja, quando se
entra em uma abertura, já se está executando parte de um plano de jogo.

"Um plano único é a soma total das operações estratégicas que se seguem uma a outra, por
turno, e que cada uma leva a cabo uma idéia independente que se emana naturalmente das
exigências de uma posição determinada." (Kotov)

Por exemplo, se a partida começa com uma Defesa Siciliana, os oponentes já deverão estar
conscientes de que: haverá grande possibilidade de contra-jogo pelas negras; que as brancas
não poderão perder a iniciativa; que a coluna "c" ficará aberta desde o início para o segundo
jogador etc.

Por incrível que pareça, o iniciante costuma não acreditar muito que um lance na abertura pode
mudar toda a idéia da mesma, e comete o erro de querer criar algum lance completamente fora
dos padrões, não se dando conta que talvez tenha sido esta a causa de complicações futuras.

Por isso, não me importo de insistir no óbvio, caro jovem: o jogador tem o dever de usar uma
determinada abertura já conhecida em sua partida, porque estas aberturas já foram
exaustivamente estudadas por fortes enxadristas e grandes teóricos. Tentar inovar as idéias
contidas em uma abertura é tarefa hercúlea, e, com chance quase total de fracasso.

Logicamente, isto não quer dizer que não se deve contestar as idéias de uma abertura. Pode-
se e deve-se fazê-lo. Mas com competência e com a humildade, a tal ponto que, se sua idéia
não conseguir ser melhor que a do autor, você deverá aceitar a dele e que sua contestação
nada mais quis que ajudar a compreender com mais perfeição a teoria.

Portanto, no meio-jogo estaremos executando um plano, já apoiado nas características


herdadas das idéias da abertura.

Antes de encararmos o nosso estudo sobre planejamento, vejamos o que nos diz Judit Polgar:

"É melhor levar executar um plano errado do que não ter nenhum plano. Assim, se você falhar
por causa de uma idéia errônea, esta derrota se tornará uma boa lição. Sem planejamento,
mesmo uma vitória não lhe ensinará nada para a próxima partida".

Steinitz, como você deve se lembrar, também nos diz algo interessante: "O caráter da luta
indica ao jogador a forma de agir sobre suas ações posteriores. Todo plano há de ter um
fundamento que não radica na personalidade do jogador, senão na situação que se apresenta
no tabuleiro".

Vamos seguir nosso estudo, tratando de dois aspectos:

1. Você vai fazer um planejamento bem simples, onde teremos condições de mostrar, que
mesmo sendo o mais simples possível, o planejamento oferece condições de conceder uma
boa vantagem no jogo.
2. Mostraremos um planejamento complexo feito por um grande mestre, que embora nos deixe
a princípio um tanto frustados por nos fazer crer que nunca faremos um igual, pode nos dar a
oportunidade de tirarmos mensagens importantes e otimistas.

O nosso item 1, consta de uma partida jogada por dois amadores. Trata-se de uma Defesa
Holandesa, que após o lance 18.Bd4 ficou assim:

Proponho a você o seguinte: faça uma análise da posição,


baseando-se nas "regrinhas" que estudamos. E trace,
baseado nisso, um plano de jogo a favor das negras.

Por alguns minutos o aprendiz analisou a posição e disse:

- Para mim, as brancas possuem algumas desvantagens,


como: o rei não rocou, suas casas fracas estão oferecendo
mais perigo e sofre o desconforto de um peão passado
adversário. A seu favor embora tem a pressão dos dois
bispos em diagonais importantes e a possibilidade de contra-
atacar na ala da dama.

Vamos ao plano. Acho que está no momento de as negras


tomarem a iniciativa. Para isso, a idéia é exercer pressão no centro, dado que este é um centro
móvel, e a teoria recomenda que se procure atuar nas casas laterais a este centro e dar
suporte para o avanço do peão móvel.

Eu, de negras, optaria por esse plano; tentaria um lance, que ao mesmo tempo diminuísse a
pressão dos bispos brancos, que acredito ser o que de mais perigoso as brancas possuem e
atendesse ao quesito "atuar no centro", sem perder de vista o poder de força do peão passado.

- Pois bem, caro jovem. Este é o seu plano e eu o parabenizo. Também concordo com o seu
raciocínio. E quais seriam os lances?

- Pensei nas jogadas ...Cg4, ...Ch5 e ...Bc5, porém optei pelo 18...Be5 por ele ser mais
imediato:

Se 19.Bxe5 Dxe5, com grande vantagem. Para 19.Be2, 19.Bf2 ou 19.Bg1, considero que a
minha vantagem aumenta.

O objetivo de neutralizar a ação de um dos bispos no centro está atingido.

Se 19.Cxe4 Cxe4 20.Dxe4 Bxg3+ e para 19.Cxe4 Bxd4 20.cxd4 Cxe4, ambas com boa
vantagem para as pretas.

Portanto, o objetivo de manter a força do peão passado também está atingido. É este o meu
plano.

- Foi exatamente isto que o jogador de negras optou. E digo a você, que com as vantagens que
se obtêm deste lance, para o nosso nível, não há necessidade de se tentar um plano mais
detalhado e trabalhoso. É só não cometer erros táticos para deixar reverter a vantagem daqui
para frente.

E digo, para completar, que eu honestamente acreditava que você acertaria quanto ao plano.

Agora vejamos a parte 2, o plano do mestre.

Na partida Romanovsky x Vilner, pelo Campeonato Russo, chegou-se a essa posição, após o
décimo lance.
Este foi o momento em que o branco idealizou seu plano. Decidiu que deveria atacar, e o faria
pelo flanco do rei.

Como objetivo da primeira fase do plano, elegeu a casa fraca


f5, onde o branco desejou colocar seu cavalo.

Romanovsky examinou muitas maneiras de conseguir isso,


porém decidiu-se pelo caminho mais curto Cf1-e3-f5.
Primeiro devia aclarar este caminho.

11.g3 Tad8 12.Bg2 Tfe8 13.De2 De6 14.e4! Cf8 15.Tfd1


Cg6 16.Cf1

Agora o cavalo chegaria a seu destino.


Porém, o negro percebe que o plano branco é bom, e resolve eliminar o cavalo.

16...Bc5 17.Ce3 Bxe3 18.Dxe3 d4

Equivalente a suicídio. O negro se priva de contra-jogo no flanco da dama, e deixa ao branco


facilidade de movimentação no flanco do rei.

Pois bem, meu amigo, esta partida desenvolveu-se até o lance 65, quando as pretas
abandonaram.

Ficou provado que o plano das brancas estava correto, porque, mesmo sendo interrompido no
seu intento de levar o cavalo a f5, esta interrupção custou caro ao seu adversário, que perdeu a
partida.

Julgo este plano de uma grande complexidade, porque para enxergar que a casa fraca f5 daria
uma grande vantagem se se instalasse nela o cavalo branco, envolve muito conhecimento e
firmeza. Terá, o branco, que, além de tantos fatores, prever que os movimentos de cavalo para
chegar a f5 constituíram em perdas de tempo, que não lhe prejudicariam no cômputo final.

No momento, acredito que, querer elaborar um plano dessa complexidade é ser um tanto
pretensioso para o nosso nível. Porém, sabemos que um plano dessa envergadura não foi
conseguido no início da carreira de Romanovsky, e sim após ele ter elaborado muitos planos
mais simples, pode ter certeza!

E é essa a comparação que quero fazer. Você irá fazendo seus planos simples, que num
momento alguém os julgará mais complexos do que você julgou...

Bibliografia:

Lições sobre meio-jogo: 22ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 21

Classificação dos planos

– Meu jovem amigo - continuou o mestre -, com este último trabalho de dedução, você acaba
de elaborar um plano estratégico mono-escalonado.

– Podemos considerar, para efeito didático, que os planos se classificam em:

– Plano tático-combinatório.

– Plano estratégico: mono-escalonado e multi-escalonado.

Recordando, neste ponto da partida, o momento em que


você analisou a posição para decidir quem estava em
vantagem, você estava apenas avaliando. Quando você optou por trabalhar com peças ao
redor do centro, pelo fato de ele ser um centro móvel, estava executando um planejamento
estratégico. E, finalmente, quando optou por realizar 18...Be5, você estava executando a parte
tática do plano.

Já no nosso encontro anterior, quando você estava analisando as variantes da partida entre
Salomon Flohr e Ruben Fine, e ficou preso tão somente ao cálculo de variantes, você
executara um plano tático-combinatório.

Resumindo:

– O plano é tático-combinatório quando a sua execução se prende apenas ao cálculo de


variantes.

– O plano é estratégico, quando a sua execução se prende ao uso naturalmente de uma


estratégia, que deverá ser empregada de acordo com o que pede a posição.

– Por sua vez, o plano estratégico pode ser mono ou multi-escanolado.

– Plano estratégico mono-escalonado é aquele idealizado estrategicamente em uma única


etapa. E, conseqüentemente, o plano estratégico multi-escalonado é aquele concebido em
mais de uma etapa.

Exemplo de plano estratégico mono-escalonado:

Com o auxílio da dama e do rei, as brancas levarão o rei das


pretas a um canto do tabuleiro com o objetivo de desfechar
um ataque fulminante.

Exemplo de plano estratégico multi-escalonado:

Ganhar um final de rei,


cavalo e bispo contra rei é
mais complicado. A prática
registra casos em que
alguns mestres não
conseguiram encontrar o
caminho da vitória.
Em tais casos se vence unicamente por meio de jogo
planejado e preciso, o qual consta de duas etapas:

1. As três peças brancas levam o rei adversário para um dos


dois cantos do tabuleiro cuja casa seja da mesma cor de
domínio do bispo.

2. O rei, o cavalo e o bispo após levar a cabo a 1ª parte do plano, reagrupam-se para se
enquadrar em uma das posições de mate.

Bibliografia:

Juegue como un gran maestro - A. Kotov

Lições sobre meio-jogo: 23ª aula - Valtercides Silva

Veja a aula 22

Despedida
Disse Marcelo ao jovem aprendiz:

- Estou concordando com você: realmente é necessária a teoria. Não consigo evoluir no jogo. E
é por isso que estou aqui em sua casa. Será que eu posso freqüentar as aulas de xadrez junto
com você?

O aprendiz, com um sorriso meio sem graça, respondeu:

- Infelizmente você veio tarde. O curso acabou. Aliás, o mestre, tão somente em meu respeito,
adiou sua ida, até que completássemos o curso. Já há alguns meses, seu filho, que mora nos
Estados Unidos, convidou-o para que fosse passar uns tempos lá com ele...

- Ele saiu assim de repente, sem uma festa de despedida?

- Sim, de repente, tão inigmático como sempre...

Após alguns minutos de pesado silêncio, o aprendiz continuou:

- O filho dele é formado em matemática. Está desenvolvendo um estudo sobre Hipótese de


Riemann e o mestre, entusiasmado, vai ter a oportunidade de acompanhar de perto...

- Mas - continuou o aprendiz - se você quiser eu posso passar pra você o que ele me ensinou...

- Lógico, que quero - respondeu Marcelo.

- Vou organizar minhas anotações e esta semana mesmo já entrego a você.

Meio inseguro, Marcelo arriscou um comentário.

- Deixa eu te contar um segredo. Para falar a verdade, não é que eu não goste de teoria.
Gostar muito, eu não gosto. Mas, na verdade, eu não freqüentei o curso, mais porque não
confiava que o seu professor fosse capacitado, pois ele não joga. Só teoria? Mas, quando vi
que não consigo nem empatar mais com você e depois que vi, com meus próprios olhos, você
ganhar do programa Fritz 2, aí dei a mão à palmatória...

- O mestre não tem experiência de jogo, por circunstâncias. Mas ele tem muito boa didática, e é
isso que compensa, eu acho, a sua falta de títulos. Se você quer uma explicação resumida das
vantagens que tive com essas aulas, vou te dizer:

Acredito que se não tivesse esse norteamento que o mestre me passou, talvez eu demoraria
de cinco a dez anos para evoluir o que evoluí. Por exemplo, toda vez que um livro me
mostrasse uma partida de um grande mestre, soberba, evidenciando uma exploração de uma
casa fraca do adversário, mas que para isso gastasse uns quinze lances, eu ficaria só no
aplauso, mas psicologicamente abatido, pensando que nunca conseguiria fazer coisa parecida.

Quando o mestre me diz, entretanto, que casas fracas são produzidas toda vez que se avança
peão, que a sua exploração é de difícil visualização, que naqueles quinze lances que o grande
mestre fez estão embutidos outras teorias, como característica de centro, troca de peças
vantajosa, análise da partida, etc., a gente não fica mais com aquela sensação de
incapacidade, e acredita que pode fazer coisa parecida a que um bom jogador faz.

Outro exemplo: eu ficava muito preocupado quando meu adversário colocava uma torre numa
coluna aberta. Nas aulas eu descobri compensações.

Mas, talvez, o que tenha mais me ajudado, foi a seqüência quase matemática dos passos,
desde a abertura.
- Como assim? - perguntou Marcelo - A gente tem condição de executar uma seqüência de
resoluções?

- Sim. Veja, uma vez desenvolvidas as peças e terminada a abertura, você faz uma análise da
partida, levando em conta a posição dos reis, a estrutura dos peões, o desenvolvimento das
peças, possível vantagem material, domínio do centro, colunas e diagonais abertas, ou
possibilidades de aberturas das mesmas.

Dessa análise, você concluirá se está no momento de atacar, defender, ou fazer jogada neutra.

Passa-se a analisar o centro separadamente. Você classifica o tipo de centro: aberto, fechado,
móvel ou fixo. Na maioria das vezes, este centro estará indefinido. Então, você tentará prever
que tipo de centro a partida terá, após alguns lances, e, até conduzir a partida para um tipo de
centro que esteja mais de acordo com a disposição de suas peças.

Da análise do centro, você deduz se a contenda será em algum flanco ou no centro, ou seja,
onde atuar.

Portanto, com a análise geral, você descobre se vai atacar, defender ou preparar jogada. Com
a análise específica do centro, você descobre onde atuar.

O próximo passo é fazer o planejamento. Para tal, você precisa adquirir o domínio do cálculo.
Quanto mais lances você puder calcular, mais à frente você estará do seu adversário.

Interrompeu novamente Marcelo:

- Mas este cálculo não é algo muito difícil, que se consegue apenas com uma grande
quantidade de partidas jogadas?

- Você pode adquirir a capacidade de calcular, também com treinamento específico. Se você
treinar de meia a uma hora por dia, garanto a você que evoluirá uma enormidade. Tudo é
treino.

- Pois bem, continuemos o nosso passo a passo. O planejamento também deve ser treinado.
Deve-se começar fazendo planejamento "curtos", vamos dizer assim, e ir estendendo o número
de jogadas futuras aos poucos.

Portanto, meu amigo, concluímos o resumo: analisa-se a partida e determina-se o que irá fazer;
analisa-se o centro, e deduz-se onde irá atuar; faz-se o planejamento e calcula-se como irá
fazer.

Obviamente, que essas análises e conclusões, terão mais chances de darem bom resultado,
quanto mais você estiver embasado em teorias estratégicas e táticas.

Marcelo interrompeu e disse: - Sei que a teoria de xadrez não tem fim. Pelo que entendi, você
está bastante satisfeito com o suporte que conseguiu com as aulas do mestre, porém, não
pode parar de estudar. Qual o seu próximo passo?

Respondeu o aprendiz: - Por sugestão do próprio mestre, estudarei finais. Depois, ou talvez,
concomitante, estudarei a fundo duas aberturas de peão do rei e duas de peão da dama. E
tentarei jogar o máximo de partidas possíveis. Acredito que isso me dará subsídio para eu
decidir que temas necessitarei aprofundar, de tempos em tempos.

- Você não terá mais aulas com o mestre? - Perguntou Marcelo.

- Não sei. Vamos aguardar que ele volte de suas "férias"...

- Pelo menos, espero que escrevamos um livro juntos, baseados nestas aulas que ele me deu,
como ficou combinado.
Completou o aprendiz com um mal dissimulado embargo na voz.

Fim.

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