You are on page 1of 14

Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: FUNDAMENTOS EM CLÍNICA CIRÚRGICA - 1ª Parte

2008; 41 (3): 287-300 Capítulo V

EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO E HIDRATAÇÃO


NO PACIENTE CIRÚRGICO

HYDROELECTROLYTIC BALANCE AND HYDRATION IN SURGICAL PATIENTS

Reginaldo Ceneviva1, Yvone Avalloni de Morais Villela de Andrade Vicente2

1
Docente, Divisão de Gastroenterologia Cirúrgica. 2Docente, Divisão de Cirurgia Pediátrica. Departamento de Cirurgia e Anatomia da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.
CORRESPONDÊNCIA: Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP. Av. Bandeirantes, 3900,
Campus Universitário da USP. 14048-900 - Ribeirão Preto / SP. email: rcenevi@fmrp.usp.br

Ceneviva R, Vicente YAMVA. Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico. Medicina (Ribeirão
Preto) 2008; 41 (3): 287-300.

RESUMO: O equilíbrio hidroeletrolítico no paciente cirúrgico é um dOs principais fundamen-


tos em clínica cirúrgica. Neste tópico são apresentadas a distribuição eletrolítica dos comparti-
mentos hídricos, a relação entre entrada e perda de água e os principais distúrbios hidroeletro-
líticos. Ao final é abordada a hidratação e reposição eletrolítica do paciente cirúrgico.

Descritores: Hidratação. Equilíbrio Hidro-Eletrolítico. Cirurgia.

1- INTRODUÇÃO menos à desidratação aguda do que as magras; por


outro lado, as pessoas magras resistem menos às do-
A importância da água não se restringe ao fato enças consuntivas por ter menos gordura, portanto,
de ser ela o maior componente do organismo, mas menor fonte de calorias.
também pelo papel fundamental que desempenha no
metabolismo em geral. Tabela I: Proporção percentual da água de acordo
A proporção de água na constituição dos dife- com a constituição individual
rentes órgãos e tecidos varia amplamente, desde 3% Paciente Massa magra Gordura Água
no esmalte dentário até mais de 73% nos músculos
Normal 20 20 60
estriados e tecido nervoso central.
A água corresponde em média a 60% do peso Magro 20 15 65
corporal no homem adulto normal com idade entre 18 Obeso 20 25 55
e 40 anos e varia de acordo com sexo, idade e biótipo;
proporcionalmente sua quantidade é maior na criança,
sobretudo até 12 meses de idade, e menor no idoso. A 2- COMPARTIMENTOS HÍDRICOS
mulher adulta normal tem em média 50% de água, 30%
de gordura e 20% de outros tecidos. Em princípio, a A água total do organismo distribui se em dois
água corporal varia em relação inversa à quantidade grandes compartimentos:
de gordura. A Tabela I exemplifica essa relação.
A proporção da massa magra é constante, in- 2.1- Intracelular
dependentemente do biótipo. A menor proporção de O líqüido intracelular (LIC) corresponde apro-
água nas pessoas obesas explica porque elas resistem ximadamente a 40% do peso corporal de um adulto

287
Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300
Ceneviva R, Vicente YAMVA http://www.fmrp.usp.br/revista

jovem do sexo masculino e de constituição média. O tre si por membranas semipermeáveis: o intracelular
volume de água intracelular é estimado indiretamente, do interstício pela membrana celular e o interstício do
medindo se a água total com radioisótopo e deste vo- intravascular pelo endotélio.
lume subtrai se o volume extracelular. A distribuição dos principais eletrólitos nos di-
versos compartimentos está representada na Tabela II.
2.2- Extracelular Existe eletroneutralidade em cada compartimen-
O líqüido extracelular (LEC) corresponde a to hídrico, isto é, a soma dos cátions equivale se à
20% do peso corporal e compreende dois subcom- soma dos ânions no mesmo espaço.
partimentos: o intravascular (5% do peso corporal) e A água transcelular é a naturalmente contida
o intersticial (15% do peso corporal). O volume extra- em cavidades naturais como espaço liqüórico, pleura,
celular é mensurado por métodos dilucionais; o peritônio, articulações, tubo digestivo e corresponde a
interstício não pode ser medido diretamente nas dosa- 1 a 3% do peso corporal.
gens de diluição do indicador consiste na diferença Além dos dois grandes compartimentos hídricos
entre o líquido extracelular total e o volume de líquido do organismo, intracelular e extracelular, em circuns-
intravascular. tâncias especiais pode se formar um "terceiro espa-
ço" que corresponde a uma perda interna de água,
A distribuição de água varia de acordo com a eletrólitos e proteínas, isotônico com o plasma ou li-
idade. 0 interstício corresponde a 45% no recém nas- geiramente hipotônico, na forma de edema na área
cido, a 30% no lactente e a 15% no adulto, o que ex- traumática, cirúrgica ou não, edema do peritônio e do
plica a facilidade de trocas hídricas na criança de até mesentério, derrame pleural, ascite, sucos digestivos
2 anos, quando a desidratação não tratada a tempo é estagnados nas alças intestinais. Esta seqüestração
importante causa de morte. A volemia também é rela- pode corresponder a uma perda de vários litros de
tivamente maior na criança: é de 8 a 9%, enquanto no água, por exemplo, na peritonite generalizada por úl-
adulto normal é de 7% do peso corporal. cera péptica perfurada ou por pancreatite aguda, na
Existem inúmeras substâncias envolvidas na obstrução intestinal ou ainda nas cirurgias de grande
água e entre elas os eletrólitos que, além de suas ações porte em que a área de dissecção for muito extensa.
específicas, exercem pressão osmótica. A perda é, em princípio, provisória e a água seqües-
Água e eletrólitos estão em equilíbrio dinâmico trada retorna para o compartimento intravascular à
entre os vários compartimentos, estes separados en- medida que há resolução do terceiro espaço.

Tabela II: Distribuição dos eletrólitos nos compartimentos aquosos (mEq/l)


Cátions Intravascular Intersticial Intracelular
Na+ 143 147 14
K+ 5 4 140
Ca+ 5 2 5
Mg ++ 2 2 25
Total 155 155 184

Ânions Intravascular Intersticial Intracelular


Bicarbonato 27 30 10
Cloretos 104 114 25
Fosfato 2 2 80
Sulfato 1 2 20
Ác.orgânicos 5 6 O
Proteínas 16 1 49
Total 155 155 184

288
Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300 Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico
http://www.fmrp.usp.br/revista Ceneviva R, Vicente YAMVA

3- TROCAS ENTRE OS COMPARTIMENTOS No espaço intracelular o cátion fundamental,


em termos de concentração, é o potássio, e o ânion é
Os compartimentos hídricos não são herméti- o fosfato.
cos, existe um equilíbrio dinâmico envolvendo as tro-
cas intercompartimentais, importante para a manuten- 4- BALANÇO HÍDRICO
ção da homeostase.
As trocas de água e eletrólitos entre os com- O adulto normal recebe e elimina aproximada-
partimentos são regidas por leis físicas, pelo que, em mente 1500 a 2500 ml de água por dia (Tabela III).
condições fisiológicas, não há variações importan-
tes na composição dos diversos compartimentos.
As trocas entre o plasma e o interstício de- Tabela III: Balanço hídrico diário normal no adulto
pendem do gradiente entre a pressão hidrostática e Entrada (ml /24 h) Perda (ml /24h)
a pressão coloidosmótica nos capilares (lei de Starling
Alimentos líqüidos 700 - 1500 Rins 800 - 1500
e equilíbrio de Gibbs Donnan). No pólo arterial há
passagem de líqüido do intravascular para o Alimentos sólidos 600 - 700 Pulmões 200 - 300
interstício (filtração) em decorrência do predomí- Água de oxidação 200 - 300 Pele 400 - 500
nio da pressão hidrostática sobre a coloidosmótica;
Fezes 100 - 200
no pólo venular o gradiente inverte se em função
da queda da pressão hidrostática, resultando na Total 1500 - 2500 1500 - 2500
passagem de líqüido intersticial para o intravascu-
lar (absorção).
As trocas entre o setor extracelular e o intra- 4.1- Entradas
celular baseiam se no equilíbrio osmótico. As diferen-
ças de composição iônica entre os dois setores resul- A ingestão normal de alimentos proporciona ao
tam do transporte ativo de íons dependente da energia organismo a entrada adequada de água e nutrientes.
liberada pelo metabolismo celular; esse mecanismo, A proporção da água, como componente dos
conhecido como bomba de sódio, exige normalidade alimentos sólidos, varia entre 50 e 90%.
celular e explica a prevalência do Na+ extracelular. O O cloro e o sódio são ingeridos sob a forma de
excesso de Na+ é jogado para fora da célula, levando sal, como condimento e, como componentes, em pro-
K+ para dentro dela. porções diversas, de diferentes alimentos.
Na vigência de acidose, H+ entra na célula e é As entradas são normalmente reguladas pelas
trocado por K+ que passa para o extracelular como sensações, que estimulam a tomar maior quantidade
um dos mecanismos de compensação do equilíbrio de um ou outro alimento. A sede é um estímulo à
ácido base. íngestão de água ou de alimentos que a contenham em
Quando a célula perde a vitalidade há prejuízo grandes proporções, como as frutas; em certos mo-
desse transporte ativo, aumentando a concentração mentos prefere se alimentos salgados ou insosos, etc.
de K+ fora da célula e de Na+ dentro dela. À parte hábitos aberrantes, a sede e o apetite
O sódio é o cátion fundamental e o cloro é o específico refletem as necessidades do meio interno, e
ânion fundamental do espaço extracelular, sem dife- naturalmente controlam a entrada por via oral da quan-
rença importante entre o interstício e o intravascular. tidade adequada de água e sais. Para essa ingestão
O sódio é importante a ponto de se poder utilizar, na seletiva é necessário nível adequado de consciência.
prática, seu valor no plasma como referência na esti- Em situações clínicas diversas, em que a cons-
mativa da osmolaridade do espaço extracelular. ciência está prejudicada ou a via natural de entrada
A quantidade de proteínas é maior no comparti- (oral) não é factível ou deva ser evitada, a administra-
mento intravascular que no intersticial, porque a mem- ção de água e eletrólitos deve ser feita por via extra-
brana capilar não é permeável às proteínas plasmáti- ordinária (venosa) e deve visar o equilíbrio entre en-
cas. As proteínas são carregadas negativamente pelo tradas e perdas.
que, para se manter a eletroneutralidade, resulta con- A água de oxidação ou endógena é resultante
centração menor de outros ânions no plasma do que do metabolismo dos alimentos (hidratos de carbono,
na água intersticial. proteínas e gorduras) ou da degradação de tecidos

289
Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300
Ceneviva R, Vicente YAMVA http://www.fmrp.usp.br/revista

orgânicos. Com o aumento do metabolismo, como por tinua aumentada mesmo na vigência da depleção
exemplo na resposta endocrinometabólica ao trauma, desses íons no organismo.
a água endógena aumenta e pode ultrapassar 700 ml Na terapêutica com diuréticos os rins podem elimi-
por dia. nar Na+, CI e K+ em concentrações normais, po-
rém em volume maior de urina, aumentando a per-
4.2- Perdas da total desses íons.
4.2.1- Renal • Rim doente. Na insuficiência renal, a oligúria acom-
Os rins constituem a principal sentinela do or- panha se de diminuição da capacidade renal de con-
ganismo quanto à homeostase do meio interno, sendo centração e de diluição, favorecendo a eliminação
capazes de excretar urina escassa ou abundante, con- de taxas reduzidas e constantes de Na+, CI- e K+;
centrada ou diluída, ácida ou alcalina, tendendo sem- qualquer que seja a situação bioquímica do meio
pre a conservar no organismo níveis normais de água interno, haverá retenção desses íons se for mantida
e sais, apesar das variações na ingestão. sua entrada normal, com risco maior relacionado à
A perda que se processa através dos rins é ex- retenção de K+.
tremamente variável em quantidade de água e con-
teúdo de sais. 4.3- Cutânea e pulmonar
O rim normal do adulto em circunstâncias fisio-
lógicas e dieta livre elimina diariamente de 700 a 1500 A perda pela perspiração cutânea é de água
ml de urina, contendo por litro em média 140 mEq de praticamente sem eletrólitos e, como a perda pulmo-
sódio, 130 mEq de cloro e 35 mEq de potássio. nar, é insensível. A saída de água pelos pulmões é acom-
Algumas situações clínicas podem alterar a fun- panhada somente por CO2; essa perda é de água pura,
ção renal no controle do equilíbrio hidroeletrolítico. sem conteúdo salino.
A perda cutânea pulmonar aumenta com a febre
• Rim normal submetido à ação hormonal. Das
e a taquipnéia e em decorrência do trauma cirúrgico.
alterações hormonais significantes, a mais freqüen-
A febre aumenta a evaporação e a freqüência
temente encontrada na prática é a resultante da re-
respiratória. Admite se que cada grau de temperatura
ação orgânica e metabólica ao trauma e leva a alte-
acima de 37ºC mantido durante 24 horas corresponde
rações importantes na composição da urina, inde-
a um aumento de até 500 ml de perda hídrica neste
pendentemente das entradas e da situação bioquí-
período de tempo.
mica do meio interno.
A sudorese, ao contrário, representa perda não
Da maior liberação do hormônio anti diurético de-
somente de água, mas também de eletrólitos e, quan-
corre redução na diurese que pode alcançar valores
do manifesta, deve ser considerada como perda ex-
menores que 800 ml nas primeiras 24 horas que se
traordinária; quando intensa e mantida pode corres-
seguem à agressão que provocou a situação de es-
ponder à perda de até mais de 1000 ml nas 24 horas;
tresse; esta diminuição não dura geralmente mais
o conteúdo de Na+ e de CI- varia, para cada íon, entre
que um dia.
10 e 70 mEq/l.
A maior produção de aldosterona resulta em dimi-
A perda de água pelos pulmões aumenta na
nuição brusca da concentração de Na+ e CI- na uri-
taquipnéia e diminui na bradpnéia, podendo ser acom-
na, baixando as taxas para 20 a 30 mEq/l; o retorno
panhada por alterações do equilíbrio ácido base, res-
à normalidade pode demorar mais que 5 dias, após
pectivamente alcalose respiratória e acidose respira-
ter cessado a situação de estresse. O aumento da
tória. A traqueostomia e a assistência respiratória tor-
aldosterona leva ainda à maior eliminação de K+ na
nam a perda de água pelos pulmões mais expressiva.
urina, alcançando cifras de 80 a 100 mEq/l voltan-
do ao normal também após terminado o estresse.
4.4- Digestiva
• Rim normal submetido à ação de diurético. A
ação do diurético determina a quantidade de sais e As secreções digestivas somam de 6000 a
água eliminada pelos rins, independentemente da si- 8.200 ml por dia (Tabela IV).
tuação do meio interno. Sob a ação das clorotiazidas, Em condições fisiológicas normais, a água e os
por exemplo, a eliminação urinária de Na+ e K+ con- eletrólitos ingeridos, somados à água e eletrólitos das

290
Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300 Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico
http://www.fmrp.usp.br/revista Ceneviva R, Vicente YAMVA

Tabela IV: Composição eletrolítica (mEq/l e volume diário (mI) das secreções do tubo digestivo
Secreção Na + K+ Cl - HC03 Volume
Salivar 35 26 35 15 1500
Gástrica 60 10 100 8 2500
Biliar 146 5 100 40 500
Pancreática 140 5 75 120 700
Intestinal (intestino delgado) 110 5 100 30
lleal 120 15 105 20
Cecal 80 20 45 -
Intestinal (total) 3000

secreções digestivas, são quase totalmente absorvi- 5.1.1- Desidratação


dos no intestino, de tal maneira que apenas 100 a 200 A desidratação decorre da deficiência de en-
ml de água são habitualmente eliminados nas fezes no tradas e/ou excesso de perdas de água. Pode ser clas-
período de 24 horas. sificada, de acordo com a tonicidade do espaço extra-
Perdas digestivas extraordinárias podem ocor- celular, em isotônica, hipotônica e hipertônica.
rer em diversas situações como diarréia profusa, fís- As causas mais freqüentes de desidratação são:
tulas digestivas, vômitos, aspiração por sonda falta de ingestão ou perdas extraordinárias pelas vias
nasogástrica, íleo adinâmico, obstrução intestinal, po- ordinárias (perspiração cutâneo pulmonar, poliúria, di-
dendo atingir até mais de 6 litros por dia. arréia) ou por vias extraordinárias (vômitos, aspira-
As secreções digestivas, com exceção da pan- ção gastrointestinal, íleo adinâmico, fístulas digestivas).
creática e biliar, são discretamente hipotônicas em A desidratação caracteriza se clinicamente por
relação ao plasma; a bile é praticamente isosmótica e sede, oligúria, perda de peso, secura da língua, olhos
a pancreática discretamente hiperosmótica. encovados, diminuição da elasticidade da pele, rolete
A perda intensa de suco gástrico por estenose muscular, hipotensão postural, taquicardia, pulso fra-
decorrente de úlcera péptica (pré pilórica ou duodenal), co, obnubilação, febre e coma.
resulta em alcalose metabólica hipoclorêmica pela A desidratação pode levar também à alteração de
perda de ácido clorídrico. exames laboratoriais, tais como: aumento na taxa de
As perdas de secreções do trato digestivo distal hemoglobina, hematócrito, proteínas totais, uréia, creati-
ao piloro podem levar à acidose metabólica. nina no sangue, redução da volemia e aumento da den-
O íleo adinâmico pós operatório bloqueia a ab- sidade urinária e da concentração da uréia na urina.
sorção intestinal, levando à estase das secreções di- A concentração de Na+ difere, porém, nos di-
gestivas na luz gástrica e intestinal, o que correspon- ferentes tipos de desidratação e as define como iso,
de, transitoriamente, à perda interna significante de hipo ou hipertônica; a desidratação deve ser tratada
líqüido isotônico; essas secreções permanecem na luz mediante administração de líqüidos, em volume e qua-
intestinal e às vezes são parcialmente eliminadas me- lidade dependentes do diagnóstico da gravidade e do
diante vômitos ou drenagem com sondas apropriadas. tipo de desidratação.
A definição da gravidade da desidratação pode
5- ALTERAÇÕES DO EQUILÍBRIO HÍDRICO ser feita com base na perda de peso corporal e sobre-
E ELETROLÍTICO tudo na avaliação conjunta da intensidade de sintomas
e sinais clínicos e das alterações laboratoriais.
5.1- Alterações do equilíbrio hídrico Quanto à perda de peso corporal, a desidrata-
As alterações hidroeletrolíticas iniciam se sem- ção é leve com perda menor que 5% do peso corpóreo,
pre no compartimento extracelular e podem ou não moderada com perda entre 5% e 8% e grave com
repercutir em alterações do intracelular. perda maior que 8%.

291
Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300
Ceneviva R, Vicente YAMVA http://www.fmrp.usp.br/revista

A definição da gravidade da desidratação for- As alterações compartimentais primárias são


nece estimativa aproximada da quantidade de água redução de volume e da tonicidade do espaço extra-
perdida e, assim, do volume a ser reposto. A quantida- celular. Como conseqüência dessa hipotonicidade pas-
de de água a ser administrada, porém, é melhor defi- sa água do espaço extracelular para o intracelular até
nida pela resposta individual à terapêutica, mediante o que se estabeleça o equilíbrio osmótico, associando se
desaparecimento de sinais e sintomas da deficiência expansão do volume e hipotonicidade do intracelular;
de água e correspondente retorno à normalidade dos esta situação , com retração do extracelular e expan-
dados laboratoriais e da diurese. são do intracelular, ambas hipotônicas, caracteriza a
O diagnóstico do tipo de desidratação quanto à desidratação hipotônica (Figura 2).
tonicidade, por outro lado, define a qualidade da solu-
ção a ser ministrada na reposição.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○


• Desidratação isotônica



As causas relacionam se com a perda não com- LEC LIC



pensada de líqüidos isotônicos perdas digestivas agu-


das (vômitos, diarréia, fístulas digestivas), seqüestro



no terceiro espaço (íleo adinâmico, peritonite, grandes ○ ○


áreas de dissecção cirúrgica), paracentese. Figura 2. Desidratação hipotônica. As linhas pontilhadas repre-
O quadro clínico inclui os sintomas e sinais da sentam a retração hipotônica do espaço extracelular e a expan-
são hipotônica intracelular, e a seta representa o sentido de pas-
desidratação em geral, sobretudo os relacionados à
sagem da água.
diminuição do espaço extracelular (oligúria e em ca-
sos graves choque hipovolêmico).
O comportamento dos espaços hídricos carac- Os sintomas dependem da redução do espaço
teriza se pela retração exclusiva do extracelular que, extracelular (choque hipovolêmico, oligúria), da expan-
por ser isotônica, não favorece trocas extraordinárias são do intracelular (sialorréia, diarréia, vômitos) e da
com o intracelular (Figura 1). No esquema de Darrow redução das taxas de Na+ e de CI- (astenia, tremo-
o eixo horizontal representa o volume e o vertical re- res, íleo adinâmico, choque).
presenta a tonicidade dos espaços hídricos: extracelu- A escolha da solução a ser ministrada depende
lar (EC) e intracelular (IC). do grau de hipotonicidade do líqüido extracelular. Se a
hiponatremia é leve a correção é feita apenas com
solução isotônica; se a hipotonicidade é acentuada com

Na+ plasmático abaixo de 120 mEq/l e, principalmen-



te, se a manifestação clínica é importante, inicia se o


LEC LIC tratamento com solução hipertônica de NaCI (300 ou



500 ml de NaCI 5% ou 3% no adulto) e, a seguir, para


complementar a correção da desidratação administra



se solução salina isotônica.


Figura 1. Desidratação isotônica. A retração isotônica do espa-


ço extracelular está representada pela linha pontilhada. • Desidratação hipertônica
As causas mais comuns são a perda de líqüido
O tratamento da desidratação isotônica consis- hipotônico na perspiração pulmonar acentuada, sudo-
te na administração de soluções isotônicas. rese, diabete insípido, diurese osmótica por hiperglice-
mia e a oferta insuficiente de líqüido durante nutrição
• Desidratação hipotônica
enteral ou parenteral.
As causas relacionam se com a administração O aumento da tonicidade do compartimento
insuficiente de água e sobretudo de sais ou à perda extracelular favorece a passagem de água do intrace-
não compensada maior de sais que de água: perdas lular para o extracelular, com redução do volume e
digestivas crônicas isotônicas (vômitos, diarréia, fís- aumento da tonicidade também do intracelular (Figu-
tulas) tratadas com soluções hipotônicas, hipoaldoste- ra 3); a desidratação hipertônica é também chamada
ronismo primário, perda salina em nefropatas, etc. de dessecação.

292
Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300 Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico
http://www.fmrp.usp.br/revista Ceneviva R, Vicente YAMVA

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Existe aumento do líquido extracelular que, por





ser isotônico, se mantém restrito a esse compartimento


(Figura 4).




○ ○ ○


LEC LIC






LEC LIC





Figura 3. Desidratação hipertônica. As linhas pontilhadas repre-


sentam a retração hipertônica dos espaços extracelular e intra-


celular e a seta representa o sentido de passagem da água.
○ ○ ○

Figura 4. Superhidratação isotônica. As linhas pontilhadas re-


Além dos sintomas e sinais da desidratação em presentam o aumento isotônico do espaço extracelular
geral, com sede intensa e oligúria acentuada, os paci-
entes podem apresentar febre, agitação psicomotora, O quadro clínico corresponde a sintomas e si-
confusão mental e coma. nais de retenção hídrica e da doença básica, insufici-
O tratamento baseia se na supressão da entra- ência cardíaca, renal ou hepática. Assim, podem es-
da de sais e infusão de solução hipotônica (glicosada tar presentes edema subcutâneo, derrame pleural,
5%) até que a tonicidade seja corrigida, seguindo se, ascite, estertores pulmonares, dispnéia, oligúria, au-
se necessário, de solução isotônica. mento do peso corpóreo, icterícia, alterações neuroló-
Para a correção dos diferentes tipos de desi- gicas.
dratação a quantidade de água a ser ministrada é a O tratamento, além de medidas restritivas, pode
necessária para o retorno da normalidade do estado incluir, na medida da gravidade e da etiologia da su-
hídrico, estimada pelo desaparecimento dos sintomas perhidratação, dieta hipossódica, diuréticos, cardiotô-
e sinais de desidratação, e pelo restabelecimento do nicos e mesmo diálise peritoneal ou hemodiálise. Não
volume urinário horário normal, entre 30 a 60 mEq/l se deve dar diuréticos até que seja analisada a causa
no adulto. do edema. Os diuréticos usados sem critério podem
Recomenda se a oferta de K+ somente após induzir a distúrbios eletrolíticos, coma hepático, azo-
diurese mínima de 800 ml, com densidade urinária temia e arritmias cardíacas.
maior ou igual a 1018.
• Superhidratação hipotônica
5.1.2- Superhidratação A causa é a excessiva oferta de água na pre-
Desenvolve se, teoricamente, na vigência de sença de baixa diurese. A fonte de água pode ser a
oferta exagerada e/ou perda insuficiente de água. Na ingestão oral, mas, mais freqüentemente, é a excessi-
prática, porém, o rim normal e não sujeito à ação va administração parenteral de água com glicose.
hormonal é capaz de eliminar o excesso de oferta de Os pacientes com doenças crônicas debilitantes,
água e a superhidratação resulta sempre por perda com câncer, insuficiência cardíaca congestiva ou in-
insuficiente. suficiência hepática ou renal, são propensos a ter ex-
A superhidratação acompanha se do aumento pansão do espaço extracelular com hipotonicidade
da volemia, diluição do plasma, com redução relativa antes de se submeterem à cirurgia; no período pós-
das taxas de hemácias, de hemoglobina, do hematócrito operatório tendem a expandir e diluir mais o espaço
e de proteínas totais no plasma. extracelular.
Na prática clínica não se percebe a superhidra- Em decorrência da hipotonicidade do compar-
tação hipertônica, somente possível se iatrogênica pela timento extracelular passa água para o intracelular,
administração exagerada de líqüido hipertônico em que também tem sua tonicidade gradativamente dimi-
paciente com perda insuficiente. nuída à medida que seu volume se expande (Figura
5). A superhidratação hipotônica é também chamada
• Superhidratação isotônica de intoxicação hídrica.
As causas mais comuns são: cardíaca, renal e Náuseas, vômitos, astenia e queda do volume uri-
hepática. nário são manifestações clínicas precoces, podendo

293
Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300
Ceneviva R, Vicente YAMVA http://www.fmrp.usp.br/revista

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
5.2- Alterações do equilíbrio eletrolítico


5.2.1- Alterações do Sódio



LEC LIC


0 Na+ é o principal cátion do LEC onde apre-



senta taxa de concentração entre 138 e 145 mEq/l,


com média de 142 mEq/l.


○ ○ ○ ○ ○ ○


Figura 5. Superhidratação hipotônica. As linhas pontilhadas re- • Hiponatremia
presentam a expansão hipotônica dos espaços extracelular e
intracelular e a seta representa o sentido de passagem da água. Diversas causas podem levar à hiponatremia.
A hiponatremia absoluta pode desenvolver se por in-
ser seguidas por alterações como sialorréia, diarréia, gestão insuficiente (dieta hipossódica recomendada
convulsões e coma; essas alterações neurológicas são para nefropatas) ou por perdas renais e extra renais
decorrentes de edema cerebral. Há sempre aumento exageradas como poliúria, diarréia crônica e aspira-
do peso corporal, podendo observar se edemas peri- ção gastrointestinal; nefropatias perdedoras de Na+,
férico e pulmonar. freqüentemente associadas a drogas e infecção, e o
Os achados laboratoriais incluem rápida queda uso abusivo de diuréticos e insuficência adrenal são
na concentração do Na+ sérico e na osmolaridade plas- situações que acarretam perda importante de Na+,
mática. A urina pode conter quantidade substancial de condicionando a hiponatremia.
Na+ que, na presença de baixa concentração plasmá- A hiponatremia de diluição desenvolve se pela
tica, indica inapropriada liberação de Na+ decorrente sobrecarga hídrica que quase sempre é uma inade-
do excesso de volume do líqüido extracelular, se esti- quação terapêutica, que ocorre quando o organismo
verem afastadas doença renal e insuficiência adrenal. perde secreção contendo sódio e a reposição se faz
0 tratamento da superhidratação hipotônica ba- apenas com solução glicosada ou com soluções
seia se na restrição hídrica, reposição de Na+ median- hipotônicas; a oferta apenas dessas soluções no perí-
te administração de solução salina hipertônica em pe- odo pós operatório imediato, quando em decorrência
quenas quantidades (300 ml de NaCI 3%), uso cuida- da reação endócrino metabólica há diminuição da perda
doso de diurético osmótico (Manitol) e administração renal de água, também pode levar à hiponatremia de
lenta de glicose hipertônica. Nenhuma tentativa deve diluição. A hiponatremia dilucional pode ocorrer tam-
ser feita para reposição calculada da deficiência de bém na insuficiência cardíaca congestiva, cirrose he-
sódio com base no volume do espaço extracelular e pática, doença renal com oligúria, secreção inadequa-
na deficiência de Na+, porque resultará em grave so- da do hormônio anti diurético e doença de Addison.
brecarga. A perda insensível de água pela perspiração É importante diferenciar o tipo de hiponatremia
cutâneo pulmonar e o fluxo urinário podem, gradual- presente, se absoluta ou dílucional, porque o tratamento
mente e por si só, restabelecer a normalidade. é diferente (Tabela V).

Tabela V: Diagnóstico diferencial da hiponatremia


Hiponatremia absoluta Hiponatremia de diluição
(depleção de sódio) (intoxicação hídrica)
Pele fria, pastosa normal, úmida
Mucosas secas úmidas
Turgor cutâneo diminuído normal
Edema ausente às vezes presente
Pulso rápido normal
Pressão arterial geralmente baixa normal
Urina escassa normal ou poliúria, diluída
Hematócrito elevado normal ou diminuído
Uréia elevada normal

294
Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300 Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico
http://www.fmrp.usp.br/revista Ceneviva R, Vicente YAMVA

Considera se hiponatremia grave quando a con- 5.2.2- Alterações do Cloro


centração de Na+ plasmático for igual ou menor que
120 mEq/l. O cloro é o principal ânion do espaço extrace-
Os sinais e sintomas mais comuns são astenia, lular, com taxa de concentração entre 95 e 105 mEq/
oligúria, dificuldade na concentração mental, altera- l e média de 103 mEq/l.
ções da personalidade, taquicardia, tendência a cho- As alterações do CI geralmente acompanham
que circulatório, confusão, delírio e coma. Os sinto- as do Na+.
mas geralmente manifestam se quando o Na+ cai para
valores iguais ou menores que 120 mEq/l. • Hipocloremia
No tratamento da hiponatremia absoluta (deple- As causas de hipocloremia absoluta (depleção
ção de Na+) administra se Na+ para a manutenção, de cloro) são por falta de entrada adequada de CI-,
que corresponde à perda de água prevista nas próxi- geralmente em dietas prolongadas sem ou com pouco
mas 24 horas e para a reparação, que é o déficit exis- sal) e por eliminação exagerada por poliúria, vômitos,
tente de Na+. Calcula se o déficit de Na' com base no aspiração gástrica. A perda de CI- por vômitos ou
volume de água extracelular (20% do peso corporal), por aspiração gástrica pode associar se à alcalose me-
onde está a maior parte do Na+ e que corresponde ao tabólica por perda concomitante de H+ .
valor estimado laboratorialmente. A manutenção é obri- A hipocloremia dilucional (intoxicação hídrica)
gatória; se o déficit de Na+ é muito grande, a reparação pode desenvolver se por administração excessiva de
pode ser feita parceladamente, por exemplo, em 2 dias. água em pacientes anúricos ou oligúricos; a quantida-
Na hiponatremia por diluição, que corresponde de total de CI- não varia, mas a concentração diminui
à intoxicação hídrica, o tratamento visa sobretudo à como resultado do excesso de água.
eliminação do excesso de água mediante uso de A hipocloremia é grave quando a concentração
diurético osmótico (Manitol); reposição de Na+ somen- do cloro plasmático está abaixo de 80 mEq/l.
te em casos com concentração de Na+ abaixo de 110 A deficiência de cloro caracteriza se por redu-
mEq/l, observando se cuidadosamente sinais de insu- ção do tônus da fibra muscular lisa, principalmente do
ficiência cardíaca. intestino e dos vasos, pelo que se manifesta clinica-
mente por íleo adinâmico e tardiamente por hipoten-
• Hipernatremia são arterial.
É menos freqüente que a hiponatremia e pode O tratamento da depleção de cloro é semelhante
ser decorrente de perda de água proporcionalmente ao da depleção de sódio, fazendo se a manutenção e a
maior que a de Na+ (diabetes insípido, diabete mellitus, reparação, esta estimada com base no volume extra-
febre, insolação, hiperventilação), reposição insufici- celular. O tratamento da hipocloremia de diluição tem
ente de perdas hídricas (redução da ingestão hídrica também como base o tratamento da intoxicação hídrica
por náuseas, vômitos ou incapacidade fisica), admi- que visa, sobretudo, a eliminação do excesso de água.
nistração excessiva de solutos em pacientes renais (sal
na alimentação por sonda, diuréticos osmóticos, diálise • Hipercloremia
peritoneal), excesso de esteróides. Tem as mesmas causas que a hipernatremia, por
Considera se hipernatremia grave quando o perda exagerada de água ou por entrada excessiva de
Na+ alcança 160 mEq/l. sais em pacientes renais ou com rim submetido à ação
O quadro clínico é caracterizado por sede, oli- hormonal por estresse (pós operatório imediato).
gúria, mucosas secas, febre, taquipnéia e alterações O quadro clínico caracteriza se pela presença
neurológicas que podem ser variadas, incluindo tre- de sede, oligúria, contrações musculares, tremores,
mor, hiperreflexia profunda, confusão mental, aluci- confusão mental, estupor, febre em geral moderada.
nações e coma agitado. A hipercloremia é grave quando atinge valores
Trata se a doença base, suprime se temporari- acima de 125 mEq/l no plasma.
amente a entrada de Na+ e faz se a reposição hídrica Além da doença base o tratamento envolve
mediante infusão de solução glicosada 5%, adminis- supressão de entrada do CI- e a sua diluição no com-
trando se metade do volume nas primeiras 8-12 ho- partimento extracelular mediante infusão de solução
ras. A reposição muito rápida pode complicar se com glicosada 5% que, como para a hipernatremia, não
edema cerebral. deve ser muito rápida pelo risco de edema cerebral.

295
Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300
Ceneviva R, Vicente YAMVA http://www.fmrp.usp.br/revista

5.2.3- Alterações do Potássio rnEq/l por via endovenosa a velocidades não maiores
que 30 a 40 mEq/hora.
0 potássio é o principal cátion do compartimen- Recomenda se não ultrapassar: 0,5 mEq/min,
to intracelular. No compartimento extracelular sua 40 mEq/h, 100 mEq/dia.
concentração é baixa variando normalmente entre 3,5 Os pacientes cirróticos são especialmente sus-
e 4,5 mEq/l. cetíveis a complicações da hipotassemia e devem ser
tratados agressivamente na reposição do K+.
• Hipocalemia Pacientes com hipopotassernia são mais sus-
As causas da hipopotassernia são entrada insu- cetíveis a arritmias cardíacas durante digitalização e
ficiente (geralmente por hidratação parenteral inade- também necessitam de tratamento intensivo para essa
quada) ou perdas excessivas por poliúria (período alteração eletrolítica.
poliúrico da insuficiência renal aguda ou por ação de Quando há necessidade de correção rápida da
diuréticos) ou por diarréia e fístulas digestivas; doença deficiência de K+, pode se administrar K+ em solução
de Cushing, síndrome de Conn e desvio iônico (alcalo- polarizante, na qual existe 1 U de insulina simples para
se) também podem levar à queda do K+ plasmático. cada 3 ou 4 g de glicose.
A fibra muscular é a mais afetada pela carên-
cia de K+; a hipocalemia origina hipotonia da muscu- • Hipercalemia
latura lisa e estriada. A insuficiência renal é a causa mais freqüente
O quadro clínico, dependente principalmente da da hipercalemia. Quando a insuficiência renal ocorre
hipotonia muscular, simultaneamente com a administração de potássio, a
caracteriza se por astenia, fraqueza muscular, hipercalemia é obviamente mais acentuada. Doença
parestesias, paralisias, íleo adinâmico, irritabilidade, de Addison, desvio iônico na acidose, transfusões e
letargia, com arritmias cardíacas tipo bigeminismo elou hemólise, lesões por esmagamento, grandes queima-
trigeminismo, e risco de parada cardíaca em sístole. duras, grandes traumatismos e outras causas de de-
O miocárdio pode apresentar alterações de re- gradação de proteínas aumentam o K+ no plasma se a
polarização, que se manifestam no traçado eletrocar- função renal for insuficiente.
diográfico sob a forma de prolongamento e depressão As manifestações clínicas são tardias e inclu-
do espaço QT e diminuição da amplitude da onda T, em principalmente alterações sensoriais como pares-
que se achata com base mais ampla, chegando even- tesias (face, língua, pés e mãos), paralisia flácida,
tualmente a se inverter. arritmias cardíacas; o maior risco, contudo, é a morte
A hipocalemia é leve quando a concentração súbita por parada cardíaca em diástole. As manifesta-
de K+ plasmático está entre 3,5 e 3 mEq/l, moderada ções eletrocardiográficas são caracterizadas por on-
entre 3 e 2,5 mEq/l e grave abaixo de 2,5 mEq/l. das T elevadas, pontiagudas, prolongamento do inter-
0 tratamento é a administração de K+, por via valo PR e do QRS e ondas S profundas.
oral (KCI xarope ou drágeas, ascorbato de K+ em A hipercalemia é considerada leve quando a
comprimidos efervescentes) ou por via endovenosa concentração do K + plasmático está entre 4,5 e
(aumentando se a concentração de K+ nas soluções 5 mEq/l, moderada entre 5 e 6 mEq/l e grave entre 6 e
eletrolíticas usuais ou na forma de solução polarizante). 7 mEq/l; acima de 7 mEq/l é muito grave e requer
Na compensação do déficit de K+ deve se con- tratamento urgente.
siderar que sua distribuição não é homogênea, existin- O tratamento preferencial da hiperpotassemia
do em proporção muito maior no espaço intracelular, é a diálise, porém, medidas outras podem ser usadas
e que as variações do K+ extracelular devem estar quando essa não é possível.
sujeitas a limites muito estreitos. As medidas terapêuticas possíveis são:
Embora a reposição intracelular do K+ possa
requerer grandes quantidades, o K+ deve ser adminis- Supressão da entrada de potássio
trado lenta e cuidadosamente, para não produzir Ação antagônica do cálcio: o cálcio pode ser
concentração excessiva no sangue que possa deter- administrado lentamente por via venosa na forma de
minar parada cardíaca. cloreto ou gluconato de cálcio 10%, na dose de 10 ml,
A reposição do K+ faz se de maneira empírica, para neutralizar a ação do K+ sobre o músculo car-
sendo um esquema usual a administração de 40 a 60 díaco.

296
Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300 Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico
http://www.fmrp.usp.br/revista Ceneviva R, Vicente YAMVA

Bicarbonato de sódio: pode ser administrado exemplos os portadores de úlcera péptica ou de hér-
nos pacientes com acidose metabólica para favorecer nia inguinal que, sem complicações, são operados
a entrada do K+ para o espaço intracelular e reduzir a eletivamente, mas a complicação da úlcera por perfu-
ação do K+ no músculo cardíaco. ração ou da hérnia por obstrução intestinal requer ci-
Redistribuiçâo do potássio: a administração rurgia de urgência e correção dos distúrbios hidroele-
de solução polarizante (glicose e insulina) sem K+ fa- trolíticos; apesar da urgência, grandes perdas hidroe-
vorece a redistribuição do K+ forçando a migração do letrolíticas para o terceiro espaço por edema perito-
íon do compartimento extracelular para o intracelular. neal, seqüestração na luz intestinal e/ou vômitos são
Extração do K+ das secreções intestinais: significativas e exigem reposição antes da cirurgia.
resinas de trocas iônicas (Na+ ou Ca++ por K+), por Pacientes hígidos, bem hidratados, candidatos
via oral ou, preferencialmente por via retal, na forma à cirurgia eletiva de pequeno porte, não necessitam,
de enema de retenção, retiram K+ a partir de secre- em geral, de fluidoterapia prévia.
ções digestivas. Para pacientes a serem submetidos à cirurgia
Extração do K+ do líqüido extracelular: me- eletiva de médio ou grande porte, principalmente nos
diante diálise peritoneal ou extra corpórea (hemodiáli- que se prevê área extensa de dissecção, recomenda
se) com rim artificial. se o início da hidratação 2 a 4 horas antes da opera-
ção mediante a oferta de 800 a 1500 ml de solução
6- HIDRATAÇÃO DO PACIENTE CIRÚRGICO salina, de acordo com o tempo de jejum e, em princí-
pio, o suficiente para manter volume urinário de 30 a
O paciente cirúrgico pode apresentar alterações 60 ml por hora; este débito urinário é, nesta situação,
do equilíbrio hidroeletrolítico (EHE) em qualquer perí- indicativo de boa perfusão renal e sugestivo de hidra-
odo relacionado à intervenção cirúrgica. tação adequada.
No período pré operatório essas alterações po- Na icterícia obstrutiva é importante a fluidote-
dem decorrer da própria doença de base ou de pro- rapia antes da cirurgia para se evitar lesões renais
blema clínico associado. pelo depósito de pigmentos biliares .
Durante a cirurgia as alterações são mais fre- No politraumatizado, sobretudo com trauma
qüentes e mais intensas nas operações mais demora- grave, a hipovolemia é decorrente da perda de san-
das e nas de grande porte, que requerem mais aten- gue. De acordo com os critérios do ATLS (Advanced
ção e maior controle pelo anestesista, sobretudo em Trauma Life Support) o atendimento inicial prevê in-
pacientes predispostos. fusão rápida de 2 litros de solução de lactato de Ringer
No pós operatório os distúrbios hidroeletrolíti- (solução balanceada isotônica) e, dependendo da res-
cos estão condicionados à magnitude das alterações posta renal e hemodinâmica e dos índices hematimé-
hormonais da resposta orgânica ao trauma e ao tem- tricos, hemoterapia seletiva com administração espe-
po de duração da hidratação endovenosa, necessária cífica de componentes do sangue.
enquanto as vias oral e enteral não forem factíveis.
Em qualquer momento, antes, durante ou após 6.2- Hidratação intra-operatória
a cirurgia, todo ato relacionado à prescrição de hidra- O estresse do paciente cirúrgico inicia se, em
tação deve ser precedido do correto diagnóstico do geral, na hospitalização e acentua se significativamen-
estado de hidratação do paciente. te com a anestesia e o ato operatório, podendo prolon-
gar se na vigência de eventual complicação pós ope-
6.1- Hidratação pré-operatória ratória.
O jejum de 12 horas, freqüente nos pacientes A reação orgânica neuroendócrina e metabóli-
operados no período da manhã, resulta em redução de ca, proporcional à intensidade da agressão e à capaci-
aproximadamente 800 ml na água total do organismo dade de reação do paciente, caracteriza se pela oligú-
e o jejum de 18 horas pode corresponder à redução de ria e retenção de sódio, dependentes da liberação de
1000 a 1500 ml da água total. hormônio anti diurético e aldosterona.
A desidratação e a hiponatremia predispõem ao Durante o trauma cirúrgico há retração do vo-
choque circulatório e à insuficiência renal. lume extracelular funcionante em virtude das perdas
Há geralmente, diferença no estado pré opera- externas e da formação do terceiro espaço, perda in-
tório de hidratação dos pacientes se a doença pela terna freqüentemente olvidada nas prescrições da te-
qual vão ser operados está ou não complicada. São rapêutica hidroeletrolítica. Shires e cols. demonstra-

297
Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300
Ceneviva R, Vicente YAMVA http://www.fmrp.usp.br/revista

ram que, se quantidades apropriadas de água e eletró- A monitorização na cirurgia é importante para
litos são administradas durante a cirurgia, o volume a definição do volume e qualidade da solução a se
extracelular efetivo pode ser mantido e a oligúria pós administrar, e da velocidade de reposição; são impor-
operatória evitada. tantes na monitorização o débito urinário, pressão ve-
A queda do volume extracelular funcionante nosa central, dados fornecidos pelo capnógrafo,
acarreta, como conseqüência da redução na perfusão oxígrafo e cardiógrafo.
justa glomerular, estímulo na produção de renina e A pesagem das compressas e a medida do san-
depois angiotensina e aldosterona por um lado e, como gue aspirado auxiliam na estimativa do volume de san-
conseqüência da diminuição da pressão no átrio es- gue perdido. A hemoglobina e o hematócrito somente
querdo, estímulo na liberação de hormônio antidiurético são bons parâmetros para estimar o sangue perdido
pelo sistema hipotálamo hipofisário por outro lado; da quando a volemia for normal. A transfusão de compo-
liberação aumentada do hormônio anti diurético e da nentes do sangue depende do conjunto de alterações
aldosterona resulta retenção de água e de sódio. Es- clínicas e laboratoriais.
sas reações hormonais constituem parte da reação
orgânica geral ao trauma e, em última análise, promo- 6.3- Hidratação pós-operatória
vem o restabelecimento da volemia normal. Após a cirurgia, por período de tempo variável,
Segundo Crandell, a reação orgânica ao trau- os pacientes permanecem, geralmente, em jejum e com
ma, no que se refere à liberação de aldosterona e de hidratação parenteral, em virtude da anestesia e do
hormônio anti diurético, pode ser abreviada e menos íleo adinâmico, mesmo que as operações não corres-
intensa, com manutenção da volemia normal, se pre- pondam a intervenções sobre o sistema digestivo.
cocemente for evitada a queda do volume extracelu- Logo que possível, deve se restabelecer a via
lar, mediante administração adequada e precoce de oral quando então a compensação de eventuais dis-
água e sódio. túrbios hidroeletrolíticos se faz adequada e rapidamen-
A hidratação sustentada, mediante administra- te. Não raramente a via oral pode não ser factível,
ção de água e sal nos períodos pré, intra e pós opera- mas pode ser viável a utilização da via enteral, que é
tórios visa à compensação adequada das perdas ex- preferível à parenteral.
ternas e internas, e constitui o método de eleição para Se as operações são de pequeno porte, princi-
as grandes cirurgias, principalmente quando as per- palmente se não envolvem laparotomia, a hidratação
das para o terceiro espaço são significantes. pós operatória é curta, pode restringir se a 500 a 1000
Não é possível na prática estimar com preci- ml de solução isotônica, glicosada a 5% ou salina, ad-
são, durante o ato operatório, as perdas pela exposicão ministrada em poucas horas. O restabelecimento pre-
de vísceras nem a perda interna no terceiro espaço, o coce da via oral provê, facilmente, os arranjos neces-
que prejudica a estimativa do volume da solução a ser sários. Para herniorrafia inguinal, sob anestesia local
administrada. Infunde se geralmente, de 2 a 10 ml de ou peridural, a hidratação parenteral pós-operatória
solução salina por quilo de peso corporal por hora de pode ser interrompida tão logo o paciente esteja bem
cirurgia, o que pode induzir erros, resultando em desi- consciente e ativo, sem náuseas ou vômitos, e corres-
dratação ou superhidratação graves, sobretudo em ponde geralmente apenas ao volume residual do fras-
pacientes criticamente doentes; o rim normal pode co da solução instalado durante o ato anestésico.
corrigir o excesso de água e de eletrólitos dentro de A mesma conduta é, em princípio, adotada para
determinados limites; esses limites são menores no pacientes submetidos à cirurgia ambulatorial, incluin-
idoso e nos pacientes com lesão renal. do grande parte dos submetidos à colecistectornia vi-
Pacientes que vão ser submetidos a operações deolaparoscópica que, por ser mini invasiva, resulta
de grande porte e pacientes críticos devem ser moni- em resposta orgânica neuroendócrina e metabólica
torizados desde o pré operatório, pelo menos com discreta.
medida do volume urinário horário e da pressão veno- Nas operações de grande porte, a seqüestração
sa central, com oferta de líqüidos suficiente para man- de água e eletrólitos freqüentemente é significante e o
ter volume urinário horário entre 30 e 60 ml e sem íleo adinâmico é prolongado, exigindo hidratação pa-
aumento significante da pressão venosa central. O renteral por vários dias. Se a reposiçao não for sufici-
aumento da pressão venosa central acima da norma- ente, compensando inclusive as perdas internas, a
lidade corresponde, em princípio, a excesso de oferta hipovolemia resultante representa um estímulo adicio-
de água para as condições cardíacas vigentes. nal para liberação de hormônio anti diurético e aldos-

298
Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300 Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico
http://www.fmrp.usp.br/revista Ceneviva R, Vicente YAMVA

terona, com conseqüente redução da diurese que pode no; entretanto, se o volume do líqüido seqüestrado é
atingir volumes menores que 500 ml de urina por dia. grande, apresenta as desvantagens de hidratação in-
As perdas eventuais por via digestiva e a uriná- suficiente na fase de formação do terceiro espaço e
ria podem ser medidas e a perda pela perspiração pode de hidratação excessiva na fase de resolução. Outra
ser estimada satisfatoriamente; entretanto, o líqüido desvantagem desse método de hidratação está relaci-
perdido no terceiro espaço não pode ser calculado com onada ao fato de a estimativa de perdas de eletrólitos
precisão. na urina e nas secreções digestivas ser feita com base
O balanço hidroeletrolítico diário, em que são em valores médios de populações estudadas que po-
cotejadas as entradas e perdas de água e de eletróli- dem não raramente ser muito diferentes da perda in-
tos (Na+, CI- e K+), pode evitar erros grosseiros na dividual real, pelo que é importante a complementação
fluidoterapia em pacientes nos quais o terceiro espa- com a avaliação clínica diária e laboratorial periódica.
ço é pequeno, sobretudo se com o reforço de determi- Nas grandes cirurgias é recomendada a hidra-
nações séricas periódicas desses eletrólitos e do tação sustentada antes, durante e após a cirurgia,
hernatócrito, além da determinação diária da densida- mantendo se volume urinário entre 30 e 60 ml por hora,
de urinária. A freqüência da determinação dos eletró- aliada à monitorização complementar necessária, clí-
litos e do hematócrito varia de acordo com a situação nica e laboratorial. Neste esquema terapêutico, o nú-
clínica e o estado hidroeletrolítico. mero de gotas da solução administrada varia de acor-
É possível ocorrer desidratação por seqüestro do com o volume urinário horário e a monitorização
de líqüido na área de lesão cirúrgica e na luz intesti- complementar que, em grande parte dos pacientes,
nal. Esta perda para o terceiro espaço faz se às pode ser feita com a simples medida periódica da pres-
expensas do LEC normal e reduz o seu volume efeti- são venosa central. Diurese normal, em princípio, cor-
vo, produzindo hemocentração, hipovolemia e redu- responde à perfusão renal e hidratação adequadas e
ção da diurese. A terapêutica baseada no balanço hi- terceiro espaço compensado. Aumenta se o número
droeletrolítico geralmente subestima esta perda inter- de gotas por minuto se o volume urinário é baixo (me-
na. A terapêutica adequada com soluções salinas ou nor que 30 ml) e diminui se o número de gotas se o
balanceadas em sais e, eventualmente, plasma res- volume urinário horário é alto (maior que 60 ml).
taura o volume plasmático. As perdas para o terceiro Cuidados especiais, envolvendo acompanha-
espaço precisam ser repostas, porque o líqüido seqües- mento e monitorização mais rigorosos, devem ser
trado transitoriamente não participa das trocas e não tomados para pacientes idosos e/ou criticamente do-
tem valor volêmico. entes.
À medida que este espaço diminui, com a esta- É importante, para a correta prescrição da hi-
bilização do paciente, ocorre uma auto infusão de dratação, se conhecer as necessidades diárias do pa-
líqüido seqüestrado que, se não for eliminado median- ciente.
te função renal adequada, se transforma em edema No paciente bem hidratado, a necessidade de
intersticial, com possibilidade de conseqüente quadro água no pós-operatório corresponde aproximadamen-
de insuficiência respiratória aguda do adulto (SARA). te a 30 35 ml/kg de peso corpóreo, o que em um paci-
Nesta fase de resolução do terceiro espaço há au- ente de 70 kg equivale a 2100 a 2450 ml/dia.
mento da volemia, com conseqüente hemodiluição e A necessidade média de sódio é de 100 mEq/
redução do hematócrito, e aumento da diurese tanto dia, de cloro de 80 mEq/dia e de potássio de 60 mEq/
maior quanto maior for o volume de líqüido previa- dia.
mente seqüestrado. Pode haver erro terapêutico se, A necessidade mínima diária de calorias varia
com base no balanço hidroeletrolítico, se tentar repor com a idade e peso corporal (Tabela VI).
toda a perda urinária. A diurese aumentada é reação Cada grama de glicose ou de proteína fornece
natural do organismo para eliminar o excesso de água 4 kcal e cada grama de gordura fornece 9 kcal.
e a reposição total da diurese pode resultar no exces- Um grama de glicose hidratada fornece 3,4 kcal,
so de oferta de água. Se o paciente não apresentar portanto 2000 ml de solução glicosada 5% ou 1000 ml
boa diurese, deve se restringir líqüidos , usar diuréticos de solução glicosada 10% equivalem a 340 kcal e su-
e, se necessário, até processos dialíticos. prem as necessidades mínimas de calorias de um pa-
O cálculo da oferta de água e eletrólitos basea- ciente de 60 kg. A administração de 100 g de glicose
do no balanço hidroeletrolítico diário é um método bom são suficientes para evitar a cetose do jejum e reduzir
para as cirurgias nas quais o terceiro espaço é peque- pela metade o catabolismo protéico.

299
Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300
Ceneviva R, Vicente YAMVA http://www.fmrp.usp.br/revista

Soluções com eletrólitos e glicose estão dispo-


Tabela VI: Necessidade mínima diária de calorias níveis no comércio, sendo a quantidade de eletrólitos
de acordo com a idade expressa em gramas.
Idade kcal/kg Para o cálculo do número de mEq dos eletrólitos
contidos nessas soluções usa se a seguinte fórmula:
Crianças de 3 a 4 anos 20
Crianças com mais de 4 anos 10 mg% x 10 x valência
mEq/l =
Adulto 6 peso atômico

Ceneviva R, Vicente YAMVA. Hydroelectrolytic balance and hydration in surgical patients. Medicina (Ribeirão
Preto) 2008; 41 (3): 287-300.

ABSTRACT: A fundamental basis of clinical surgery is the patients' hydroelectrolytic balance. In


conjunction with this topic, the distribution of electrolytes aming the hydric compartments, the
relation between water gain and water loss, and the main hydroelectrolytic disturbances are
discussed. Furthermore, both the hydration and the electrolytic replacement in surgery patients
are emphasized.

keywords: Fluid therapy. Water-Electrolyte Balance. Surgery.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA 6 - Crandell WB. Parenteral fluid therapy. Surg. clin. North
America. 1968; 48: 707.

1 - Ayus JC, Caramelo C. Sodium and potassium disorders. In: 7 - Piccinato CE, Ceneviva R, Martins ACP, Moriya T, Cherri J.
Shoemaker WC, Ayres SM, Grenvik A, Holbrook PR. Textbook Estudo comparativo de três tipos de hidratação em pacientes
of Critical Care. 4th ed. WB Saunders Co., Philadelphia. 2000: submetidos à cirurgia eletiva. Rev. Assoc. Med. Bras. 1981;
853 61. 27: 83.

2 - Rotellar E. ABC dos Transtornos Eletrolíticos. Trad. Ramos 8 - Moore FD. Resposta metabólica à lesão. In Colégio America-
AV. Atheneu, Rio de Janeiro, 1968. no de Cirurgiões: Manual de Cuidados Pré e Pós Operatórios.
Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 1969.
3 - Ferreira EAB. Equilíbrio hidroeletrolítico e cirurgia, In: Barbosa
H. Controle Clínico do Paciente Cirúrgico. 6ª ed. Atheneu, São 9 - Brensilver JM, Goldberger E. Introdução às Síndromes de
Paulo, 1992; 113-24. Equilíbrio Hídrico, Eletrolítico e Ácido Básico. 8ª ed. Artes Mé-
dicas, Porto Alegre, 1997.
4 - Freire ECS. Equilíbrio hidroeletrolítico em cirurgia. In: Vieira
OM, Chaves CP, Manso JEF, Eulálio JMR. Clínica Cirúrgica.
Fundamentos Teóricos e Práticos. Atheneu, São Paulo 2000; Recebido para publicação em 20/08/2008
13-26.
Aprovado para publicação em 30/09/2008
5 - Shires T, Williams J, Brown F. Acute change in extracelular
fluid associated with major surgical procedures. Ann. surg.
1961; 154: 803.

300

You might also like