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Docente, Divisão de Gastroenterologia Cirúrgica. 2Docente, Divisão de Cirurgia Pediátrica. Departamento de Cirurgia e Anatomia da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.
CORRESPONDÊNCIA: Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP. Av. Bandeirantes, 3900,
Campus Universitário da USP. 14048-900 - Ribeirão Preto / SP. email: rcenevi@fmrp.usp.br
Ceneviva R, Vicente YAMVA. Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico. Medicina (Ribeirão
Preto) 2008; 41 (3): 287-300.
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jovem do sexo masculino e de constituição média. O tre si por membranas semipermeáveis: o intracelular
volume de água intracelular é estimado indiretamente, do interstício pela membrana celular e o interstício do
medindo se a água total com radioisótopo e deste vo- intravascular pelo endotélio.
lume subtrai se o volume extracelular. A distribuição dos principais eletrólitos nos di-
versos compartimentos está representada na Tabela II.
2.2- Extracelular Existe eletroneutralidade em cada compartimen-
O líqüido extracelular (LEC) corresponde a to hídrico, isto é, a soma dos cátions equivale se à
20% do peso corporal e compreende dois subcom- soma dos ânions no mesmo espaço.
partimentos: o intravascular (5% do peso corporal) e A água transcelular é a naturalmente contida
o intersticial (15% do peso corporal). O volume extra- em cavidades naturais como espaço liqüórico, pleura,
celular é mensurado por métodos dilucionais; o peritônio, articulações, tubo digestivo e corresponde a
interstício não pode ser medido diretamente nas dosa- 1 a 3% do peso corporal.
gens de diluição do indicador consiste na diferença Além dos dois grandes compartimentos hídricos
entre o líquido extracelular total e o volume de líquido do organismo, intracelular e extracelular, em circuns-
intravascular. tâncias especiais pode se formar um "terceiro espa-
ço" que corresponde a uma perda interna de água,
A distribuição de água varia de acordo com a eletrólitos e proteínas, isotônico com o plasma ou li-
idade. 0 interstício corresponde a 45% no recém nas- geiramente hipotônico, na forma de edema na área
cido, a 30% no lactente e a 15% no adulto, o que ex- traumática, cirúrgica ou não, edema do peritônio e do
plica a facilidade de trocas hídricas na criança de até mesentério, derrame pleural, ascite, sucos digestivos
2 anos, quando a desidratação não tratada a tempo é estagnados nas alças intestinais. Esta seqüestração
importante causa de morte. A volemia também é rela- pode corresponder a uma perda de vários litros de
tivamente maior na criança: é de 8 a 9%, enquanto no água, por exemplo, na peritonite generalizada por úl-
adulto normal é de 7% do peso corporal. cera péptica perfurada ou por pancreatite aguda, na
Existem inúmeras substâncias envolvidas na obstrução intestinal ou ainda nas cirurgias de grande
água e entre elas os eletrólitos que, além de suas ações porte em que a área de dissecção for muito extensa.
específicas, exercem pressão osmótica. A perda é, em princípio, provisória e a água seqües-
Água e eletrólitos estão em equilíbrio dinâmico trada retorna para o compartimento intravascular à
entre os vários compartimentos, estes separados en- medida que há resolução do terceiro espaço.
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Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300 Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico
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orgânicos. Com o aumento do metabolismo, como por tinua aumentada mesmo na vigência da depleção
exemplo na resposta endocrinometabólica ao trauma, desses íons no organismo.
a água endógena aumenta e pode ultrapassar 700 ml Na terapêutica com diuréticos os rins podem elimi-
por dia. nar Na+, CI e K+ em concentrações normais, po-
rém em volume maior de urina, aumentando a per-
4.2- Perdas da total desses íons.
4.2.1- Renal • Rim doente. Na insuficiência renal, a oligúria acom-
Os rins constituem a principal sentinela do or- panha se de diminuição da capacidade renal de con-
ganismo quanto à homeostase do meio interno, sendo centração e de diluição, favorecendo a eliminação
capazes de excretar urina escassa ou abundante, con- de taxas reduzidas e constantes de Na+, CI- e K+;
centrada ou diluída, ácida ou alcalina, tendendo sem- qualquer que seja a situação bioquímica do meio
pre a conservar no organismo níveis normais de água interno, haverá retenção desses íons se for mantida
e sais, apesar das variações na ingestão. sua entrada normal, com risco maior relacionado à
A perda que se processa através dos rins é ex- retenção de K+.
tremamente variável em quantidade de água e con-
teúdo de sais. 4.3- Cutânea e pulmonar
O rim normal do adulto em circunstâncias fisio-
lógicas e dieta livre elimina diariamente de 700 a 1500 A perda pela perspiração cutânea é de água
ml de urina, contendo por litro em média 140 mEq de praticamente sem eletrólitos e, como a perda pulmo-
sódio, 130 mEq de cloro e 35 mEq de potássio. nar, é insensível. A saída de água pelos pulmões é acom-
Algumas situações clínicas podem alterar a fun- panhada somente por CO2; essa perda é de água pura,
ção renal no controle do equilíbrio hidroeletrolítico. sem conteúdo salino.
A perda cutânea pulmonar aumenta com a febre
• Rim normal submetido à ação hormonal. Das
e a taquipnéia e em decorrência do trauma cirúrgico.
alterações hormonais significantes, a mais freqüen-
A febre aumenta a evaporação e a freqüência
temente encontrada na prática é a resultante da re-
respiratória. Admite se que cada grau de temperatura
ação orgânica e metabólica ao trauma e leva a alte-
acima de 37ºC mantido durante 24 horas corresponde
rações importantes na composição da urina, inde-
a um aumento de até 500 ml de perda hídrica neste
pendentemente das entradas e da situação bioquí-
período de tempo.
mica do meio interno.
A sudorese, ao contrário, representa perda não
Da maior liberação do hormônio anti diurético de-
somente de água, mas também de eletrólitos e, quan-
corre redução na diurese que pode alcançar valores
do manifesta, deve ser considerada como perda ex-
menores que 800 ml nas primeiras 24 horas que se
traordinária; quando intensa e mantida pode corres-
seguem à agressão que provocou a situação de es-
ponder à perda de até mais de 1000 ml nas 24 horas;
tresse; esta diminuição não dura geralmente mais
o conteúdo de Na+ e de CI- varia, para cada íon, entre
que um dia.
10 e 70 mEq/l.
A maior produção de aldosterona resulta em dimi-
A perda de água pelos pulmões aumenta na
nuição brusca da concentração de Na+ e CI- na uri-
taquipnéia e diminui na bradpnéia, podendo ser acom-
na, baixando as taxas para 20 a 30 mEq/l; o retorno
panhada por alterações do equilíbrio ácido base, res-
à normalidade pode demorar mais que 5 dias, após
pectivamente alcalose respiratória e acidose respira-
ter cessado a situação de estresse. O aumento da
tória. A traqueostomia e a assistência respiratória tor-
aldosterona leva ainda à maior eliminação de K+ na
nam a perda de água pelos pulmões mais expressiva.
urina, alcançando cifras de 80 a 100 mEq/l voltan-
do ao normal também após terminado o estresse.
4.4- Digestiva
• Rim normal submetido à ação de diurético. A
ação do diurético determina a quantidade de sais e As secreções digestivas somam de 6000 a
água eliminada pelos rins, independentemente da si- 8.200 ml por dia (Tabela IV).
tuação do meio interno. Sob a ação das clorotiazidas, Em condições fisiológicas normais, a água e os
por exemplo, a eliminação urinária de Na+ e K+ con- eletrólitos ingeridos, somados à água e eletrólitos das
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Tabela IV: Composição eletrolítica (mEq/l e volume diário (mI) das secreções do tubo digestivo
Secreção Na + K+ Cl - HC03 Volume
Salivar 35 26 35 15 1500
Gástrica 60 10 100 8 2500
Biliar 146 5 100 40 500
Pancreática 140 5 75 120 700
Intestinal (intestino delgado) 110 5 100 30
lleal 120 15 105 20
Cecal 80 20 45 -
Intestinal (total) 3000
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• Desidratação isotônica
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As causas relacionam se com a perda não com- LEC LIC
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pensada de líqüidos isotônicos perdas digestivas agu-
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das (vômitos, diarréia, fístulas digestivas), seqüestro
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no terceiro espaço (íleo adinâmico, peritonite, grandes ○ ○
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áreas de dissecção cirúrgica), paracentese. Figura 2. Desidratação hipotônica. As linhas pontilhadas repre-
O quadro clínico inclui os sintomas e sinais da sentam a retração hipotônica do espaço extracelular e a expan-
são hipotônica intracelular, e a seta representa o sentido de pas-
desidratação em geral, sobretudo os relacionados à
sagem da água.
diminuição do espaço extracelular (oligúria e em ca-
sos graves choque hipovolêmico).
O comportamento dos espaços hídricos carac- Os sintomas dependem da redução do espaço
teriza se pela retração exclusiva do extracelular que, extracelular (choque hipovolêmico, oligúria), da expan-
por ser isotônica, não favorece trocas extraordinárias são do intracelular (sialorréia, diarréia, vômitos) e da
com o intracelular (Figura 1). No esquema de Darrow redução das taxas de Na+ e de CI- (astenia, tremo-
o eixo horizontal representa o volume e o vertical re- res, íleo adinâmico, choque).
presenta a tonicidade dos espaços hídricos: extracelu- A escolha da solução a ser ministrada depende
lar (EC) e intracelular (IC). do grau de hipotonicidade do líqüido extracelular. Se a
hiponatremia é leve a correção é feita apenas com
solução isotônica; se a hipotonicidade é acentuada com
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ser isotônico, se mantém restrito a esse compartimento
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(Figura 4).
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LEC LIC
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LEC LIC
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Figura 3. Desidratação hipertônica. As linhas pontilhadas repre-
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sentam a retração hipertônica dos espaços extracelular e intra-
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celular e a seta representa o sentido de passagem da água.
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5.2- Alterações do equilíbrio eletrolítico
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5.2.1- Alterações do Sódio
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LEC LIC
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0 Na+ é o principal cátion do LEC onde apre-
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senta taxa de concentração entre 138 e 145 mEq/l,
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com média de 142 mEq/l.
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Figura 5. Superhidratação hipotônica. As linhas pontilhadas re- • Hiponatremia
presentam a expansão hipotônica dos espaços extracelular e
intracelular e a seta representa o sentido de passagem da água. Diversas causas podem levar à hiponatremia.
A hiponatremia absoluta pode desenvolver se por in-
ser seguidas por alterações como sialorréia, diarréia, gestão insuficiente (dieta hipossódica recomendada
convulsões e coma; essas alterações neurológicas são para nefropatas) ou por perdas renais e extra renais
decorrentes de edema cerebral. Há sempre aumento exageradas como poliúria, diarréia crônica e aspira-
do peso corporal, podendo observar se edemas peri- ção gastrointestinal; nefropatias perdedoras de Na+,
férico e pulmonar. freqüentemente associadas a drogas e infecção, e o
Os achados laboratoriais incluem rápida queda uso abusivo de diuréticos e insuficência adrenal são
na concentração do Na+ sérico e na osmolaridade plas- situações que acarretam perda importante de Na+,
mática. A urina pode conter quantidade substancial de condicionando a hiponatremia.
Na+ que, na presença de baixa concentração plasmá- A hiponatremia de diluição desenvolve se pela
tica, indica inapropriada liberação de Na+ decorrente sobrecarga hídrica que quase sempre é uma inade-
do excesso de volume do líqüido extracelular, se esti- quação terapêutica, que ocorre quando o organismo
verem afastadas doença renal e insuficiência adrenal. perde secreção contendo sódio e a reposição se faz
0 tratamento da superhidratação hipotônica ba- apenas com solução glicosada ou com soluções
seia se na restrição hídrica, reposição de Na+ median- hipotônicas; a oferta apenas dessas soluções no perí-
te administração de solução salina hipertônica em pe- odo pós operatório imediato, quando em decorrência
quenas quantidades (300 ml de NaCI 3%), uso cuida- da reação endócrino metabólica há diminuição da perda
doso de diurético osmótico (Manitol) e administração renal de água, também pode levar à hiponatremia de
lenta de glicose hipertônica. Nenhuma tentativa deve diluição. A hiponatremia dilucional pode ocorrer tam-
ser feita para reposição calculada da deficiência de bém na insuficiência cardíaca congestiva, cirrose he-
sódio com base no volume do espaço extracelular e pática, doença renal com oligúria, secreção inadequa-
na deficiência de Na+, porque resultará em grave so- da do hormônio anti diurético e doença de Addison.
brecarga. A perda insensível de água pela perspiração É importante diferenciar o tipo de hiponatremia
cutâneo pulmonar e o fluxo urinário podem, gradual- presente, se absoluta ou dílucional, porque o tratamento
mente e por si só, restabelecer a normalidade. é diferente (Tabela V).
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5.2.3- Alterações do Potássio rnEq/l por via endovenosa a velocidades não maiores
que 30 a 40 mEq/hora.
0 potássio é o principal cátion do compartimen- Recomenda se não ultrapassar: 0,5 mEq/min,
to intracelular. No compartimento extracelular sua 40 mEq/h, 100 mEq/dia.
concentração é baixa variando normalmente entre 3,5 Os pacientes cirróticos são especialmente sus-
e 4,5 mEq/l. cetíveis a complicações da hipotassemia e devem ser
tratados agressivamente na reposição do K+.
• Hipocalemia Pacientes com hipopotassernia são mais sus-
As causas da hipopotassernia são entrada insu- cetíveis a arritmias cardíacas durante digitalização e
ficiente (geralmente por hidratação parenteral inade- também necessitam de tratamento intensivo para essa
quada) ou perdas excessivas por poliúria (período alteração eletrolítica.
poliúrico da insuficiência renal aguda ou por ação de Quando há necessidade de correção rápida da
diuréticos) ou por diarréia e fístulas digestivas; doença deficiência de K+, pode se administrar K+ em solução
de Cushing, síndrome de Conn e desvio iônico (alcalo- polarizante, na qual existe 1 U de insulina simples para
se) também podem levar à queda do K+ plasmático. cada 3 ou 4 g de glicose.
A fibra muscular é a mais afetada pela carên-
cia de K+; a hipocalemia origina hipotonia da muscu- • Hipercalemia
latura lisa e estriada. A insuficiência renal é a causa mais freqüente
O quadro clínico, dependente principalmente da da hipercalemia. Quando a insuficiência renal ocorre
hipotonia muscular, simultaneamente com a administração de potássio, a
caracteriza se por astenia, fraqueza muscular, hipercalemia é obviamente mais acentuada. Doença
parestesias, paralisias, íleo adinâmico, irritabilidade, de Addison, desvio iônico na acidose, transfusões e
letargia, com arritmias cardíacas tipo bigeminismo elou hemólise, lesões por esmagamento, grandes queima-
trigeminismo, e risco de parada cardíaca em sístole. duras, grandes traumatismos e outras causas de de-
O miocárdio pode apresentar alterações de re- gradação de proteínas aumentam o K+ no plasma se a
polarização, que se manifestam no traçado eletrocar- função renal for insuficiente.
diográfico sob a forma de prolongamento e depressão As manifestações clínicas são tardias e inclu-
do espaço QT e diminuição da amplitude da onda T, em principalmente alterações sensoriais como pares-
que se achata com base mais ampla, chegando even- tesias (face, língua, pés e mãos), paralisia flácida,
tualmente a se inverter. arritmias cardíacas; o maior risco, contudo, é a morte
A hipocalemia é leve quando a concentração súbita por parada cardíaca em diástole. As manifesta-
de K+ plasmático está entre 3,5 e 3 mEq/l, moderada ções eletrocardiográficas são caracterizadas por on-
entre 3 e 2,5 mEq/l e grave abaixo de 2,5 mEq/l. das T elevadas, pontiagudas, prolongamento do inter-
0 tratamento é a administração de K+, por via valo PR e do QRS e ondas S profundas.
oral (KCI xarope ou drágeas, ascorbato de K+ em A hipercalemia é considerada leve quando a
comprimidos efervescentes) ou por via endovenosa concentração do K + plasmático está entre 4,5 e
(aumentando se a concentração de K+ nas soluções 5 mEq/l, moderada entre 5 e 6 mEq/l e grave entre 6 e
eletrolíticas usuais ou na forma de solução polarizante). 7 mEq/l; acima de 7 mEq/l é muito grave e requer
Na compensação do déficit de K+ deve se con- tratamento urgente.
siderar que sua distribuição não é homogênea, existin- O tratamento preferencial da hiperpotassemia
do em proporção muito maior no espaço intracelular, é a diálise, porém, medidas outras podem ser usadas
e que as variações do K+ extracelular devem estar quando essa não é possível.
sujeitas a limites muito estreitos. As medidas terapêuticas possíveis são:
Embora a reposição intracelular do K+ possa
requerer grandes quantidades, o K+ deve ser adminis- Supressão da entrada de potássio
trado lenta e cuidadosamente, para não produzir Ação antagônica do cálcio: o cálcio pode ser
concentração excessiva no sangue que possa deter- administrado lentamente por via venosa na forma de
minar parada cardíaca. cloreto ou gluconato de cálcio 10%, na dose de 10 ml,
A reposição do K+ faz se de maneira empírica, para neutralizar a ação do K+ sobre o músculo car-
sendo um esquema usual a administração de 40 a 60 díaco.
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Bicarbonato de sódio: pode ser administrado exemplos os portadores de úlcera péptica ou de hér-
nos pacientes com acidose metabólica para favorecer nia inguinal que, sem complicações, são operados
a entrada do K+ para o espaço intracelular e reduzir a eletivamente, mas a complicação da úlcera por perfu-
ação do K+ no músculo cardíaco. ração ou da hérnia por obstrução intestinal requer ci-
Redistribuiçâo do potássio: a administração rurgia de urgência e correção dos distúrbios hidroele-
de solução polarizante (glicose e insulina) sem K+ fa- trolíticos; apesar da urgência, grandes perdas hidroe-
vorece a redistribuição do K+ forçando a migração do letrolíticas para o terceiro espaço por edema perito-
íon do compartimento extracelular para o intracelular. neal, seqüestração na luz intestinal e/ou vômitos são
Extração do K+ das secreções intestinais: significativas e exigem reposição antes da cirurgia.
resinas de trocas iônicas (Na+ ou Ca++ por K+), por Pacientes hígidos, bem hidratados, candidatos
via oral ou, preferencialmente por via retal, na forma à cirurgia eletiva de pequeno porte, não necessitam,
de enema de retenção, retiram K+ a partir de secre- em geral, de fluidoterapia prévia.
ções digestivas. Para pacientes a serem submetidos à cirurgia
Extração do K+ do líqüido extracelular: me- eletiva de médio ou grande porte, principalmente nos
diante diálise peritoneal ou extra corpórea (hemodiáli- que se prevê área extensa de dissecção, recomenda
se) com rim artificial. se o início da hidratação 2 a 4 horas antes da opera-
ção mediante a oferta de 800 a 1500 ml de solução
6- HIDRATAÇÃO DO PACIENTE CIRÚRGICO salina, de acordo com o tempo de jejum e, em princí-
pio, o suficiente para manter volume urinário de 30 a
O paciente cirúrgico pode apresentar alterações 60 ml por hora; este débito urinário é, nesta situação,
do equilíbrio hidroeletrolítico (EHE) em qualquer perí- indicativo de boa perfusão renal e sugestivo de hidra-
odo relacionado à intervenção cirúrgica. tação adequada.
No período pré operatório essas alterações po- Na icterícia obstrutiva é importante a fluidote-
dem decorrer da própria doença de base ou de pro- rapia antes da cirurgia para se evitar lesões renais
blema clínico associado. pelo depósito de pigmentos biliares .
Durante a cirurgia as alterações são mais fre- No politraumatizado, sobretudo com trauma
qüentes e mais intensas nas operações mais demora- grave, a hipovolemia é decorrente da perda de san-
das e nas de grande porte, que requerem mais aten- gue. De acordo com os critérios do ATLS (Advanced
ção e maior controle pelo anestesista, sobretudo em Trauma Life Support) o atendimento inicial prevê in-
pacientes predispostos. fusão rápida de 2 litros de solução de lactato de Ringer
No pós operatório os distúrbios hidroeletrolíti- (solução balanceada isotônica) e, dependendo da res-
cos estão condicionados à magnitude das alterações posta renal e hemodinâmica e dos índices hematimé-
hormonais da resposta orgânica ao trauma e ao tem- tricos, hemoterapia seletiva com administração espe-
po de duração da hidratação endovenosa, necessária cífica de componentes do sangue.
enquanto as vias oral e enteral não forem factíveis.
Em qualquer momento, antes, durante ou após 6.2- Hidratação intra-operatória
a cirurgia, todo ato relacionado à prescrição de hidra- O estresse do paciente cirúrgico inicia se, em
tação deve ser precedido do correto diagnóstico do geral, na hospitalização e acentua se significativamen-
estado de hidratação do paciente. te com a anestesia e o ato operatório, podendo prolon-
gar se na vigência de eventual complicação pós ope-
6.1- Hidratação pré-operatória ratória.
O jejum de 12 horas, freqüente nos pacientes A reação orgânica neuroendócrina e metabóli-
operados no período da manhã, resulta em redução de ca, proporcional à intensidade da agressão e à capaci-
aproximadamente 800 ml na água total do organismo dade de reação do paciente, caracteriza se pela oligú-
e o jejum de 18 horas pode corresponder à redução de ria e retenção de sódio, dependentes da liberação de
1000 a 1500 ml da água total. hormônio anti diurético e aldosterona.
A desidratação e a hiponatremia predispõem ao Durante o trauma cirúrgico há retração do vo-
choque circulatório e à insuficiência renal. lume extracelular funcionante em virtude das perdas
Há geralmente, diferença no estado pré opera- externas e da formação do terceiro espaço, perda in-
tório de hidratação dos pacientes se a doença pela terna freqüentemente olvidada nas prescrições da te-
qual vão ser operados está ou não complicada. São rapêutica hidroeletrolítica. Shires e cols. demonstra-
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ram que, se quantidades apropriadas de água e eletró- A monitorização na cirurgia é importante para
litos são administradas durante a cirurgia, o volume a definição do volume e qualidade da solução a se
extracelular efetivo pode ser mantido e a oligúria pós administrar, e da velocidade de reposição; são impor-
operatória evitada. tantes na monitorização o débito urinário, pressão ve-
A queda do volume extracelular funcionante nosa central, dados fornecidos pelo capnógrafo,
acarreta, como conseqüência da redução na perfusão oxígrafo e cardiógrafo.
justa glomerular, estímulo na produção de renina e A pesagem das compressas e a medida do san-
depois angiotensina e aldosterona por um lado e, como gue aspirado auxiliam na estimativa do volume de san-
conseqüência da diminuição da pressão no átrio es- gue perdido. A hemoglobina e o hematócrito somente
querdo, estímulo na liberação de hormônio antidiurético são bons parâmetros para estimar o sangue perdido
pelo sistema hipotálamo hipofisário por outro lado; da quando a volemia for normal. A transfusão de compo-
liberação aumentada do hormônio anti diurético e da nentes do sangue depende do conjunto de alterações
aldosterona resulta retenção de água e de sódio. Es- clínicas e laboratoriais.
sas reações hormonais constituem parte da reação
orgânica geral ao trauma e, em última análise, promo- 6.3- Hidratação pós-operatória
vem o restabelecimento da volemia normal. Após a cirurgia, por período de tempo variável,
Segundo Crandell, a reação orgânica ao trau- os pacientes permanecem, geralmente, em jejum e com
ma, no que se refere à liberação de aldosterona e de hidratação parenteral, em virtude da anestesia e do
hormônio anti diurético, pode ser abreviada e menos íleo adinâmico, mesmo que as operações não corres-
intensa, com manutenção da volemia normal, se pre- pondam a intervenções sobre o sistema digestivo.
cocemente for evitada a queda do volume extracelu- Logo que possível, deve se restabelecer a via
lar, mediante administração adequada e precoce de oral quando então a compensação de eventuais dis-
água e sódio. túrbios hidroeletrolíticos se faz adequada e rapidamen-
A hidratação sustentada, mediante administra- te. Não raramente a via oral pode não ser factível,
ção de água e sal nos períodos pré, intra e pós opera- mas pode ser viável a utilização da via enteral, que é
tórios visa à compensação adequada das perdas ex- preferível à parenteral.
ternas e internas, e constitui o método de eleição para Se as operações são de pequeno porte, princi-
as grandes cirurgias, principalmente quando as per- palmente se não envolvem laparotomia, a hidratação
das para o terceiro espaço são significantes. pós operatória é curta, pode restringir se a 500 a 1000
Não é possível na prática estimar com preci- ml de solução isotônica, glicosada a 5% ou salina, ad-
são, durante o ato operatório, as perdas pela exposicão ministrada em poucas horas. O restabelecimento pre-
de vísceras nem a perda interna no terceiro espaço, o coce da via oral provê, facilmente, os arranjos neces-
que prejudica a estimativa do volume da solução a ser sários. Para herniorrafia inguinal, sob anestesia local
administrada. Infunde se geralmente, de 2 a 10 ml de ou peridural, a hidratação parenteral pós-operatória
solução salina por quilo de peso corporal por hora de pode ser interrompida tão logo o paciente esteja bem
cirurgia, o que pode induzir erros, resultando em desi- consciente e ativo, sem náuseas ou vômitos, e corres-
dratação ou superhidratação graves, sobretudo em ponde geralmente apenas ao volume residual do fras-
pacientes criticamente doentes; o rim normal pode co da solução instalado durante o ato anestésico.
corrigir o excesso de água e de eletrólitos dentro de A mesma conduta é, em princípio, adotada para
determinados limites; esses limites são menores no pacientes submetidos à cirurgia ambulatorial, incluin-
idoso e nos pacientes com lesão renal. do grande parte dos submetidos à colecistectornia vi-
Pacientes que vão ser submetidos a operações deolaparoscópica que, por ser mini invasiva, resulta
de grande porte e pacientes críticos devem ser moni- em resposta orgânica neuroendócrina e metabólica
torizados desde o pré operatório, pelo menos com discreta.
medida do volume urinário horário e da pressão veno- Nas operações de grande porte, a seqüestração
sa central, com oferta de líqüidos suficiente para man- de água e eletrólitos freqüentemente é significante e o
ter volume urinário horário entre 30 e 60 ml e sem íleo adinâmico é prolongado, exigindo hidratação pa-
aumento significante da pressão venosa central. O renteral por vários dias. Se a reposiçao não for sufici-
aumento da pressão venosa central acima da norma- ente, compensando inclusive as perdas internas, a
lidade corresponde, em princípio, a excesso de oferta hipovolemia resultante representa um estímulo adicio-
de água para as condições cardíacas vigentes. nal para liberação de hormônio anti diurético e aldos-
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Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 287-300 Equilíbrio hidroeletrolítico e hidratação no paciente cirúrgico
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terona, com conseqüente redução da diurese que pode no; entretanto, se o volume do líqüido seqüestrado é
atingir volumes menores que 500 ml de urina por dia. grande, apresenta as desvantagens de hidratação in-
As perdas eventuais por via digestiva e a uriná- suficiente na fase de formação do terceiro espaço e
ria podem ser medidas e a perda pela perspiração pode de hidratação excessiva na fase de resolução. Outra
ser estimada satisfatoriamente; entretanto, o líqüido desvantagem desse método de hidratação está relaci-
perdido no terceiro espaço não pode ser calculado com onada ao fato de a estimativa de perdas de eletrólitos
precisão. na urina e nas secreções digestivas ser feita com base
O balanço hidroeletrolítico diário, em que são em valores médios de populações estudadas que po-
cotejadas as entradas e perdas de água e de eletróli- dem não raramente ser muito diferentes da perda in-
tos (Na+, CI- e K+), pode evitar erros grosseiros na dividual real, pelo que é importante a complementação
fluidoterapia em pacientes nos quais o terceiro espa- com a avaliação clínica diária e laboratorial periódica.
ço é pequeno, sobretudo se com o reforço de determi- Nas grandes cirurgias é recomendada a hidra-
nações séricas periódicas desses eletrólitos e do tação sustentada antes, durante e após a cirurgia,
hernatócrito, além da determinação diária da densida- mantendo se volume urinário entre 30 e 60 ml por hora,
de urinária. A freqüência da determinação dos eletró- aliada à monitorização complementar necessária, clí-
litos e do hematócrito varia de acordo com a situação nica e laboratorial. Neste esquema terapêutico, o nú-
clínica e o estado hidroeletrolítico. mero de gotas da solução administrada varia de acor-
É possível ocorrer desidratação por seqüestro do com o volume urinário horário e a monitorização
de líqüido na área de lesão cirúrgica e na luz intesti- complementar que, em grande parte dos pacientes,
nal. Esta perda para o terceiro espaço faz se às pode ser feita com a simples medida periódica da pres-
expensas do LEC normal e reduz o seu volume efeti- são venosa central. Diurese normal, em princípio, cor-
vo, produzindo hemocentração, hipovolemia e redu- responde à perfusão renal e hidratação adequadas e
ção da diurese. A terapêutica baseada no balanço hi- terceiro espaço compensado. Aumenta se o número
droeletrolítico geralmente subestima esta perda inter- de gotas por minuto se o volume urinário é baixo (me-
na. A terapêutica adequada com soluções salinas ou nor que 30 ml) e diminui se o número de gotas se o
balanceadas em sais e, eventualmente, plasma res- volume urinário horário é alto (maior que 60 ml).
taura o volume plasmático. As perdas para o terceiro Cuidados especiais, envolvendo acompanha-
espaço precisam ser repostas, porque o líqüido seqües- mento e monitorização mais rigorosos, devem ser
trado transitoriamente não participa das trocas e não tomados para pacientes idosos e/ou criticamente do-
tem valor volêmico. entes.
À medida que este espaço diminui, com a esta- É importante, para a correta prescrição da hi-
bilização do paciente, ocorre uma auto infusão de dratação, se conhecer as necessidades diárias do pa-
líqüido seqüestrado que, se não for eliminado median- ciente.
te função renal adequada, se transforma em edema No paciente bem hidratado, a necessidade de
intersticial, com possibilidade de conseqüente quadro água no pós-operatório corresponde aproximadamen-
de insuficiência respiratória aguda do adulto (SARA). te a 30 35 ml/kg de peso corpóreo, o que em um paci-
Nesta fase de resolução do terceiro espaço há au- ente de 70 kg equivale a 2100 a 2450 ml/dia.
mento da volemia, com conseqüente hemodiluição e A necessidade média de sódio é de 100 mEq/
redução do hematócrito, e aumento da diurese tanto dia, de cloro de 80 mEq/dia e de potássio de 60 mEq/
maior quanto maior for o volume de líqüido previa- dia.
mente seqüestrado. Pode haver erro terapêutico se, A necessidade mínima diária de calorias varia
com base no balanço hidroeletrolítico, se tentar repor com a idade e peso corporal (Tabela VI).
toda a perda urinária. A diurese aumentada é reação Cada grama de glicose ou de proteína fornece
natural do organismo para eliminar o excesso de água 4 kcal e cada grama de gordura fornece 9 kcal.
e a reposição total da diurese pode resultar no exces- Um grama de glicose hidratada fornece 3,4 kcal,
so de oferta de água. Se o paciente não apresentar portanto 2000 ml de solução glicosada 5% ou 1000 ml
boa diurese, deve se restringir líqüidos , usar diuréticos de solução glicosada 10% equivalem a 340 kcal e su-
e, se necessário, até processos dialíticos. prem as necessidades mínimas de calorias de um pa-
O cálculo da oferta de água e eletrólitos basea- ciente de 60 kg. A administração de 100 g de glicose
do no balanço hidroeletrolítico diário é um método bom são suficientes para evitar a cetose do jejum e reduzir
para as cirurgias nas quais o terceiro espaço é peque- pela metade o catabolismo protéico.
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Ceneviva R, Vicente YAMVA http://www.fmrp.usp.br/revista
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