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Abstract Introdução
1Instituto de Saúde Coletiva, In order to analyze the implementation of mea- A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS),
Universidade Federal da
Bahia, Salvador, Brasil.
sures targeting accessibility to primary health no início da década de 90, foi de fundamental im-
care in a municipality (county) in the State of portância para a garantia e a ampliação do acesso
Correspondência Bahia, Brazil, a single case study was performed da população aos serviços de saúde. Para tanto, a
A. B. O. Cunha
Instituto de Saúde Coletiva, with two levels of analysis: system and services descentralização da gestão foi estrategicamente
Universidade Federal da organization. The data were obtained from semi- induzida pela formulação e instituição das nor-
Bahia.
structured interviews, observation of routine care, mas operacionais e de assistência à saúde, edita-
Rua Basílio da Gama s/n,
Salvador, BA and document analysis. Of the four health units das entre 1993 e 2002, que buscaram consolidar
40110-040, Brasil. analyzed, three showed intermediate-level imple- o pleno exercício do poder público municipal na
acunha@ufba.br
mentation of measures targeting accessibility. The função de gestor da atenção à saúde 1,2,3. Mais
Family Health Units showed better performance, recentemente, a edição do pacto pela saúde pro-
due to measures for patient reception and referral pôs novas diretrizes para as políticas de saúde,
to specialized services, but they revealed problems reafirmando a municipalização e a organização
with scheduling of appointments. Despite having do sistema, por meio da atenção básica, como
defined primary care as the portal of entry into caminho para a consolidação do SUS 4.
the system and the implementation of a help desk Essas iniciativas têm sido apoiadas e in-
for setting appointments with specialists, there fluenciadas pela Organização Mundial da Saú-
are persistent organizational barriers in the mu- de (OMS) 5, com a adoção de princípios para a
nicipality. A specific policy is recommended to im- construção da atenção primária dos serviços de
prove accessibility, aimed at organization of the saúde dirigida por valores de dignidade humana
services supply in order to change the health care com ênfase na proteção e promoção da saúde.
model. Existem, inclusive, evidências, no plano interna-
cional, que revelam a contribuição da atenção
Health Services Accessibility; Decentralization; primária na melhoria da saúde individual e co-
Health Evaluation letiva, e os ganhos indiretos, como a redução dos
custos do sistema e das desigualdades entre os
subgrupos populacionais 6,7.
No Brasil, a reorganização das ações no nível
local não transcorreu de forma homogênea. Pri-
meiro, devido ao pequeno porte de grande parte
dos municípios que enfrentaram dificuldades viços quanto aos aspectos geográficos, mediada
no planejamento e na organização dos seus sis- pelos recursos de poder dos usuários, não tem
temas 8; depois, pela distribuição desigual da sido enfatizada, assim como a análise das razões
oferta de recursos humanos e da capacidade pelas quais esses problemas persistem. Visando
instalada 9 e, por fim, pelas características dos contribuir para o esclarecimento acerca de quais
governos municipais e da gestão dos sistemas componentes da acessibilidade têm dificultado
locais 10. a utilização dos serviços por parte dos usuários,
Ao tempo em que se observam progressos o presente estudo buscou avaliar a implantação
nas diversas áreas 11,12 e elevadas taxas de uti- de ações voltadas para a melhoria da acessibili-
lização dos serviços evidenciadas nas últimas dade à atenção básica, através de um estudo de
PNADs (Pesquisas Nacionais por Amostra de Do- caso em um município onde a descentralização
micílios) 13, persistem problemas relacionados da gestão da atenção à saúde encontrava-se em
aos diversos componentes da acessibilidade aos estágio avançado de organização.
serviços de saúde, no sentido discutido por Do-
nabedian 14, que a considera como a facilidade
da utilização dos serviços de saúde pelos usuá- Metodologia
rios, decorrente tanto das características organi-
zacionais dos serviços como das possibilidades Caracterização do caso
dos usuários superarem as barreiras porventura
existentes. Foi realizado estudo de caso único em um muni-
Avaliações recentes financiadas pelo PROESF cípio do Estado da Bahia, em Gestão Plena do Sis-
(Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da tema de Saúde desde 1998. Trata-se de um muni-
Família), em diversas regiões do país, revelaram cípio de médio porte com população aproxima-
que, entre as dimensões avaliadas, a acessibilida- da de 300 mil habitantes. A partir de 1998, houve
de, compreendendo a localização das unidades e uma ampliação da rede de serviços, tendo, como
os dias e horários de atendimento, foi a que ob- foco, a reorganização da atenção básica com a
teve menor satisfação por parte dos usuários 15. Estratégia Saúde da Família. Em 2001, esse mu-
Na mesma linha, outro estudo que investigou a nicípio havia sido classificado por investigação
efetividade do sistema de atenção básica a par- avaliativa, da qual o presente estudo faz parte,
tir das dimensões “acesso às ações de atenção como em estágio avançado da descentralização
básica/Programa Saúde da Família (PSF)” e “in- 10. Desde 2003, o município assumiu também a
tegralidade’’ do cuidado concluiu que, entre os gestão dos serviços de alta complexidade, ofer-
municípios paulistas investigados, apenas 23,5% tando seus serviços para mais de 70 municípios
deles garantiam acesso e integralidade aos servi- da região, ampliando as referências intermuni-
ços, e, aproximadamente, 33% dos mesmos não cipais formalmente estabelecidas. Assim, no ano
apresentam nem uma nem outra dimensão 16. A de 2008, o município contava com 38 unidades
investigação realizada por Escorel et al. 17 em dez de saúde da família com cobertura em torno de
capitais com PSF implantado revelou, a partir 67% da população, sete unidades básicas de saú-
do acompanhamento de usuários aos serviços, de, seis centros de especialidades, uma central de
a existência de barreiras de acesso decorrentes marcação de consultas e um centro de atenção
de horários inadequados e dificuldades em aten- médica especializada. O município contava ain-
der à demanda espontânea. Estudo de caso rea- da com um hospital municipal geral, com assis-
lizado em cinco municípios do Estado da Bahia tência materno-infantil para o acompanhamen-
analisando a descentralização da gestão revelou to de pré-natal de alto risco e UTI neonatal.
que houve ampliação da cobertura assistencial
em todos os municípios analisados. Entretan- Elaboração do modelo teórico
to, o acesso aos serviços encontrava barreiras
tanto na atenção básica quanto na alta e média A análise foi precedida da elaboração de um
complexidade 10. Outros estudos que abordam modelo teórico-lógico, incorporando dimen-
essa temática concentram-se na descrição das sões e critérios relacionados à acessibilidade a
características de utilização ou em estimativas serviços de saúde. Esse modelo corresponde a
de cobertura dos serviços relacionadas à amplia- uma “imagem-objetivo”, que funciona como re-
ção da oferta dos mesmos 18,19, assim como na ferência para apreciação do grau de implantação
avaliação de algumas variáveis da organização da organização dos serviços e do componente
dos serviços enquanto componentes da acessi- “acessibilidade” (Figura 1).
bilidade 10,15,16. A acessibilidade aos serviços de saúde repre-
A articulação entre as dimensões da acessibi- senta um importante componente de um siste-
lidade, tanto em relação à organização dos ser- ma de saúde no momento em que se efetiva o
Figura 1
Modelo teórico lógico para a análise da implantação de ações voltadas para a acessibilidade a serviços de saúde, em um município do Estado da Bahia,
Brasil, 2006.
processo de busca e obtenção do cuidado. Para geográfica que diz respeito à distribuição espa-
Donabedian 14, trata-se daquelas características cial dos recursos, à existência de transporte e à
dos serviços que permitem que os mesmos se- localização das unidades.
jam mais facilmente utilizados pelos usuários. É De acordo com a imagem-objetivo da orga-
considerada como uma característica adicional nização de um sistema municipal de saúde, a ga-
à mera presença ou disponibilidade de um servi- rantia do acesso a diferentes níveis de cuidados
ço em um lugar e em um determinado momen- decorre da implantação de modelos de atenção
to. Para sistematizar tal conceito, Donabedian 14 capazes de responder às necessidades de saúde
sugere a observação de duas dimensões que es- da população 20. Nesse sentido, a atenção básica
tão em contínua interação: (a) a acessibilidade deve funcionar como porta de entrada aos de-
sócio-organizacional, na qual estão listados to- mais níveis de assistência, buscando maior grau
dos os aspectos de funcionamento dos serviços de resolutividade das ações, viabilizando cui-
que interferem na relação usuário x serviços, dados de promoção da saúde, prevenção, trata-
tendo em vista à plena utilização, como horários mento e reabilitação de doenças e agravos.
de funcionamento das unidades e o tempo de
espera para o atendimento; (b) a acessibilidade
Tabela 1
Matriz de dimensões e critérios para análise da acessibilidade a serviços de saúde em município selecionado do interior da Bahia, Brasil.
(continua)
Tabela 1 (continuação)
Acessibilidade 5. Lista de espera 5 Nas USF e UBS, não Nas USF e UBS, há Nas USF e UBS, a lista
organizacional há substituição dos substituição informal dos de espera existe, e a
(60 pontos) pacientes faltosos (0) faltosos sem sistematização substituição do paciente
dessa rotina (2,5) faltoso é feita de modo
sistemático (5)
6. Acolhimento aos 5 Nas USF e UBS, não Nas USF e UBS, a escuta é Na USF e UBS, o
pacientes é realizada nenhuma realizada por profissional de acolhimento da demanda
escuta ou priorização nível médio, listando casos espontânea e do usuário
de pacientes, e para subsidiar a triagem é feito por profissional de
existem problemas da demanda espontânea nível superior, elegendo-se
com a recepção e o por profissionais de nível as prioridades, orientando
atendimento (0) superior (2,5) e encaminhando os demais
pacientes, com boa relação
com a recepção (5)
7. Encaminha através 5 USF e UBS: não USF e UBS: o USF e UBS: o
do sistema de existe rotina para o encaminhamento de encaminhamento dos
referência encaminhamento dos pacientes entre os serviços pacientes entre os serviços
pacientes entre os de saúde é feito através é realizado através de
serviços da atenção da guia de solicitação de relatório, por escrito, em
básica e especializada consulta especializada ou formulário próprio, para
(0) exame, sem relatório da qualquer especialidade com
situação por escrito (2,5) a garantia de atendimento
solicitado (5)
8. Recebe a contra- 5 USF e UBS: o retorno USF e UBS: o retorno de O retorno de informações
referência de informações para informações para o médico é feito através de ficha de
o médico da unidade da unidade de origem se dá contra-referência para o
de origem não é pelo próprio paciente (2,5) médico de origem (5)
realizado (0)
9. Tempo de espera 5 USF e UBS: mais de 2 USF e UBS: de uma hora a 2 USF e UBS: menos de uma
para marcar consulta horas (0) horas (2,5) hora (5)
10. Tempo de espera 5 USF e UBS: mais de USF e UBS: entre cinco e 14 USF e UBS: até 5 dias (5)
entre a marcação e o 14 dias (0) dias (2,5)
atendimento
11. Tempo de espera 5 Mais de 3 horas (0) De uma hora e meia a 3 Menos de uma hora e meia
para ser atendido horas (2,5) (5)
na realização da
consulta
12. Filas para 5 Existem filas que se Existem filas que se iniciam Não há filas (5)
marcação de iniciam na madrugada a partir das 7 horas e com
consultas PSF e UBS (0) duração entre 1 e 3h (2,5).
Acessibilidade 13. Distância da 5 Tempo de marcha Tempo de marcha entre 15 Tempo de marcha inferior
geográfica residência do usuário acima de 30’(0) e 30’ (2,5) a 15’ (5)
(15 pontos) para a USF/UBS
14. Distância da 5 Tempo de marcha Tempo de marcha entre 30’ Tempo de marcha inferior
residência para o acima de 60’ (0) e 60’(2,5) a 30’ (5)
CAE e laboratório
15. Existência de 5 Não existe transporte Existe apenas para o hospital Existe para as unidades,
transporte da residência do ou CAE (2,5) hospital e CAE (5)
paciente até a USF,
UBS, hospital ou
CAE (0)
Subtotal dimensão 75
Total dimensões 100
ACS: agentes comunitários de saúde; CAE: Centro de Atenção Especializada ; PSF: Programa Saúde da Família; SAME: Serviço de Arquivo Médico e
Estatística; UBS: unidades básicas de saúde; USF: unidades de saúde da família.
Tabela 2
Escores obtidos por duas unidades de saúde da família (USF) e duas unidades básicas tradicionais (UBS), segundo dimensão e critérios relacionados à
organização dos serviços voltados para a acessibilidade em município do Estado da Bahia, Brasil, 2006.
Dimensão Critérios USF (1) USF (2) UBS (1) UBS (2) Pon-
Pontos % Pontos % Pontos % Pontos % tuação
máxima
Acesso geográfico
Características Distâncias da residência 5 100,0 * 3 60,0 *** 2,5 50,0 *** - - 5
geográficas para a UBS/USF
Distância da residência - - - - - - - - 5
para o centro de atenção
especializada e laboratório
Existência de transporte 5 100,0 * 5 100,0 *** 5 100,0 * 5 100,0 * 5
Subtotal (3) 10 66,6 * 8 53,3 *** 5 33,3 ** 5 33,3 ** 15
Pontuação total (1+2+3) 38 50,6 *** 34 45,3 *** 21 28,0 ** 31 40,6 *** 75
* Satisfatório;
** Insatisfatório;
*** Intermediário.
Figura 2
Classificação do grau de implantação da acessibilidade a serviços de saúde a partir da 2a dimensão (organização dos serviços), em duas unidades de saúde
família (USF), em um município do Estado da Bahia, Brasil, 2006.
CAE: Centro de Atenção Especializada; UBS: unidade básica de saúde; USF: unidade de saúde da família.
caso para orientar a classificação de risco ou de todos os dias e em qualquer horário, desde que
necessidades. houvesse vaga para a semana em curso, o que
A existência de práticas voltadas para o aco- geralmente acontecia. O fato de, em todas as uni-
lhimento só foram referidas pelos profissionais dades, o modo de organização das consultas ser
das USFs, e ainda assim, fortemente relacionadas a ordem de chegada, o tempo de espera para o
ao processo de triagem administrativa, utilizada atendimento ficava entre duas e três horas, visto
para priorizar os usuários oriundos da demanda que os usuários chegavam à unidade uma hora
espontânea. Em uma das unidades (USF 2), os antes do horário do atendimento.
usuários confundiram tal atividade com a mar- A pior situação foi observada na UBS 1, onde
cação de consultas, pois, ao não serem atendidos a marcação se restringia a três dias na semana,
no dia, suas consultas eram marcadas para outro com horário fixo, onde eram entregues fichas,
dia. Ou seja, o espaço de marcação de consultas e as filas começavam a partir das 6 horas. Aqui,
foi substituído pelo restrito horário da triagem os usuários esperavam cerca de duas horas para
da demanda espontânea. Esse fato pode signi- marcar, e em torno de uma semana para serem
ficar rechaço à demanda nas USFs para aqueles atendidos.
que não conseguirem o atendimento, assim co- A abertura das unidades básicas em horário
mo para aqueles que procuraram a unidade em noturno poderia facilitar o uso por parte de tra-
outros horários. balhadores, particularmente homens que tra-
Na UBS 2, única unidade onde havia um sis- dicionalmente não procuram serviços de saú-
tema de marcação permanente funcionando, de da rede básica devido à incompatibilidade
pode ser observado um menor tempo de espera entre o horário de funcionamento e o trabalho.
entre a marcação e o atendimento, porque, nes- Contudo, na prática, o terceiro turno não fun-
sa unidade, a marcação da consulta se dava em ciona conforme previsto. Nas UBS, o terceiro
Figura 3
Classificação do grau de implantação da acessibilidade a serviços de saúde a partir da 2a dimensão (organização dos serviços), em duas unidades básicas de
saúde (UBS) tradicionais, em um município do Estado da Bahia, Brasil, 2006.
turno correspondia ao horário das 17h às 21h. Em que pese a existência de transporte ur-
Foi observado que o início do horário de aten- bano, usuários das diversas áreas revelaram que,
dimento sofria a influência do profissional que quando precisavam se deslocar para a região cen-
estava atendendo, podendo variar das 16h às tral do município para outros procedimentos, fa-
18h30min, com horário de conclusão em torno ziam os percursos a pé, inúmeras vezes, devido à
das 19h45min. falta de recursos financeiros para o transporte.
Nas USF, a melhor acessibilidade geográfica
observada foi na USF 1, principalmente devido à
sua localização central em relação à sua área de Discussão
abrangência, o que limitava um tempo de mar-
cha no deslocamento entre a residência e a uni- A análise realizada revelou que, apesar de o mu-
dade inferior a 10 minutos. As distâncias entre nicípio estudado apresentar, em seus planos de
a USF 2 e as residências eram superiores, com saúde e relatórios de gestão, diretrizes de implan-
uma média de 15-20 minutos, situação seme- tação e intervenções realizadas, essas ações não
lhante à UBS 1. Contudo, era no deslocamento foram suficientes para problematizar adequada-
entre as residências e os serviços especializados mente os obstáculos ao acesso.
e laboratório que estavam os maiores obstáculos Foram adotadas algumas medidas genéricas
referidos pelos usuários, com tempo superior a voltadas para a ampliação da oferta de serviços
40 minutos. Ainda que existisse a proposta de através da estratégia da saúde da família e outras
descentralizar as ações do laboratório central específicas como a central de marcação de con-
para as unidades de saúde, a mesma ainda não sultas e exames especializados, que resultaram
estava em curso no momento da pesquisa de em melhoria da acessibilidade. Contudo, quan-
campo. do analisadas as características do atendimento
nas unidades selecionadas, tendo por referência que atendem em um horário restrito sem maior
uma imagem-objetivo, foram observadas algu- vínculo com os demais profissionais ou usuários,
mas semelhanças no padrão de funcionamento evidencia a baixa valorização do contato com o
das mesmas, em que três unidades foram classi- paciente e a ausência das ações de promoção
ficadas em estágio intermediário. Apenas a UBS 1 da saúde e prevenção de doença. Essa realidade
destacou-se negativamente, estando em nível também foi referida por Villela et al. 22 ao discu-
insatisfatório. tirem os desafios da atenção básica, apontando
Cabe ressaltar que o grau de implantação o quanto esse espaço de ação ainda é visto por
pode não estar relacionado com o modelo de médicos como uma ponte para o setor especia-
funcionamento da USF ou UBS, isso porque a lizado e, assim, conduzem sua prática buscando
seleção por indicação dos gestores quanto ao essencialmente a clínica, o que tende a reduzir a
desempenho das mesmas pode ter introduzido potencialidade das ações realizadas.
um viés. Também, ainda se constitui em grande desa-
Nas unidades, os principais obstáculos en- fio para os gestores e profissionais a institucio-
contrados dizem respeito a problemas na es- nalização de um sistema de referência e contra-
truturação do sistema de marcação de consulta, referência. Em que pese a estruturação da rede
marcação de consulta por telefone e de referên- de serviços, com a formalização da atenção bá-
cia aos serviços especializados. Especificamen- sica como porta de entrada aos demais níveis do
te, destaca-se ausência de ações voltadas para sistema, isso nem sempre ocorria. Essa situação
o acolhimento à demanda espontânea e lista também é referida por Pedrosa & Teles 23 como
de espera nas UBS. Em decorrência, persistiam um dos impasses enfrentados pelas equipes de
problemas tradicionais como filas e longo tem- saúde da família na garantia dos serviços aos
po de espera para a realização de consultas e usuários.
exames. Revelado como importante dimensão nas
Merece destaque o insatisfatório nível de im- análises sobre a estruturação da atenção básica e
plantação do sistema de marcação de consultas do processo de trabalho, o “acolhimento”, nessa
em três das quatro unidades analisadas. Há que análise, limitou-se à triagem administrativa da
se problematizar, em particular, a realidade das demanda espontânea. As práticas de acolhimen-
USF quanto à dificuldade na marcação de con- to variaram tanto em virtude da formação espe-
sultas da demanda espontânea, pois, em mui- cífica dos profissionais quanto da organização
tas situações, o sistema resultava em rechaço à interna da unidade, tendo em vista o número de
demanda, apesar do discurso do acolhimento. famílias e as demandas por atendimento.
Segundo Paim 20, o modo de organização dos ser- A despeito do entendimento e da importância
viços, com base na oferta organizada de ações, dada pelos gestores a esse modo de organização,
tende a superar as formas tradicionais de reorga- não houve eco nas práticas dos profissionais. Al-
nização da produção de ações de saúde, cabendo guns autores têm considerado, como estratégia
às unidades atender tanto indivíduos em busca capaz de preencher essa lacuna, a capacitação
de consultas e pronto atendimento (demanda es- permanente dos trabalhadores de saúde, visan-
pontânea) quanto desenvolver ações visando ao do, principalmente, à criação de novas formas de
controle de agravos e ao atendimento de grupos organização do processo de trabalho da equipe,
populacionais específicos (oferta organizada). A com incorporação de novas práticas assistenciais
marcação de consultas por ACS ou apenas para 17,24,25,26. Investigações adicionais, contudo, são
grupos de risco oriundos de atividades coletivas, necessárias visando investigar as razões para a
assim como o restrito horário da triagem, deve persistência dessas práticas mesmo na presen-
ser vista com cautela. Se, por um lado, ajuda a ça de políticas voltadas para a reorganização do
programar a oferta das unidades, por outro, gera acolhimento.
frustração nos usuários que desejam que os “pri- Destaca-se o bom desempenho da acessibi-
vilégios” dos grupos sejam estendidos a todos 21. lidade geográfica que obteve classificação satis-
Perspectiva também debatida por Escorel et al. 17 fatória para as unidades de saúde da família. Ou
ao discutirem o PSF como porta de entrada aos seja, a estratégia de saúde da família, ao colocar
serviços, em que apontam para a dificuldade na as equipes próximas ao local de moradia, facili-
adequada articulação entre as atividades clínicas tou o acesso 27,28. Isso pode ser visto como fruto
e de saúde coletiva, tendo em vista a programa- da estratégia de descentralização que, além da
ção das atividades para grupos de risco e as de- ampliação no número de unidades, obedece a
mandas por assistência individual. critérios de territorialização para sua implanta-
Atenção especial deve ser dada às unidades ção. Por outro lado, o mesmo não pode ser dito
tradicionais em que esse quadro é mais comple- das unidades básicas tradicionais nem dos deslo-
xo. O trabalho pontual dos profissionais médicos, camentos em busca da assistência especializada,
quando foram referidos longos percursos a pé, e serviços de saúde estudados. A presente investi-
ainda que existisse transporte urbano, em muitos gação revelou que, diante da ausência de proto-
casos, a falta de dinheiro para o transporte foi fa- colos para o agendamento, acolhimento e cuida-
tor de impedimento à utilização, como revelado do ao usuário dentro da rede básica, a acessibili-
em outro estudo 29. dade sofre grande influência das características
Tendo em vista o caráter qualitativo da inves- organizacionais das unidades, que traduzem os
tigação, esses resultados não podem ser extrapo- diferentes perfis profissionais e de gestão local.
lados para o conjunto de unidades. Contudo, o A elaboração de projetos de ações voltadas para
registro de problemas na acessibilidade, mesmo a melhoria da acessibilidade no âmbito munici-
naquelas unidades indicadas como de desempe- pal pode reduzir a variabilidade na condução das
nho satisfatório pelos gestores, revela não apenas ações como tem sido evidenciado em outras ex-
a inexistência de ações específicas voltadas para periências. Do mesmo modo, o aperfeiçoamento
a sua resolução, como a pouca efetividade da- dos manuais para as unidades de saúde da famí-
quelas adotadas. lia, estabelecendo a marcação de consultas para
a demanda espontânea e a criação de listas de
espera, pode contribuir para facilitar os contatos
Considerações finais entre a unidade e a população. Por fim, a institu-
cionalização de práticas mais articuladas, com
Ainda que tenha sido evidenciada ampliação na clareza quanto às rotinas para o atendimento e
oferta de serviços, o que pode explicar a melho- encaminhamentos dos usuários na rede, tanto
ria na acessibilidade geográfica, persistem obstá- para as USF quanto para as UBS, pode repercutir
culos relacionados ao modo de organização dos positivamente nos resultados da acessibilidade.
Resumo Colaboradores
Com o objetivo de analisar a implantação de ações A. B. O. Cunha foi responsável pela concepção do de-
voltadas para a acessibilidade à atenção básica em senho do estudo, coleta, análise e redação do artigo.
um município da Bahia, Brasil, foi realizado estudo de L. M. Vieira-da-Silva contribuiu com a concepção do
caso único a partir de dois níveis de análise: organiza- desenho, análise e revisão da versão final.
ção do sistema e dos serviços. Os dados foram obtidos
por intermédio de entrevistas semi-estruturadas, da
observação das rotinas de atendimento e da análi- Agradecimentos
se documental. Das quatro unidades analisadas, três
apresentaram nível intermediário de implantação de Este trabalho obteve apoio e financiamento do Conse-
ações voltadas para a acessibilidade. As unidades de lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-
saúde da família tiveram melhor desempenho devido gico – CNPq (processo: 14077/2003-2).
à presença de ações voltadas para o acolhimento e a
referência a serviços especializados, porém apresenta-
ram problemas para a marcação de consultas. Apesar
do estabelecimento da atenção básica como porta de
entrada ao sistema e da implantação da central de
marcação de consultas especializadas, persistem bar-
reiras organizacionais no município estudado. Re-
comenda-se a formulação de política específica para
melhoria da acessibilidade voltada para a organiza-
ção da oferta na perspectiva de mudança do modelo
assistencial.
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