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Mito e Ciência

Os animais são capazes de executar trabalhos complexos. Poderia - se dar alguns


exemplos como as abelhas ou formigas que possuem uma surpreendente organização e
divisão do trabalho, ou mesmo os lobos, que são capazes de elaborar estratégias e alterá-las
dependendo das condições naturais em que se encontrem.

Figura 1 Insetos também são organizados, o que os diferencia dos Homens?


Desta maneira cabe questionar (e isso é uma característica apenas dos humanos
desde a origem do Homo Sapiens, cerca de 250 mil anos atrás), afinal quais são as
diferenças básicas entre estes e as demais espécies que povoam o planeta que permitiram
aos seres humanos desenvolver o que chamamos de civilização?
Na verdade não é apenas um elemento, mas uma série deles que interdependem uns
dos outros. Uma delas é a capacidade de pensar de maneira “subjetiva”, ou seja, os seres
humanos são capazes de imaginar e refletir sobre o que fazem ou podem fazer e
transformar suas vidas, independentemente das condições naturais nas quais se encontrem.
Desta maneira, nós somos capazes de transformar a natureza (realizar trabalho), e isso é
único entre todas as espécies de animais.
Por exemplo, um chimpanzé é capaz de realizar tarefas bastante elaboradas como
utilizar um galho para buscar alimentos, ou uma pedra para quebrar a casca de alguma
fruta, mas quando ele acaba de utilizar estes objetos para seu objetivo inicial, esta
“ferramenta” retorna à natureza exatamente como ela era anteriormente.
O Homo Sapiens foi capaz, graças a sua capacidade de elaborar pensamentos
complexos, de não apenas extrair algo da natureza, mas de transformá-la em algo
completamente distinto do que era em seu estado natural.
Figura 2 O Homem transforma a natureza desde os primórdios de sua existência
Por exemplo, ao afiar a ponta de um galho ele se transforma em uma lança que será
muitas vezes reutilizada. Mais ainda, quando ele pega uma pedra e a “lasca” no formato de
uma ponta afiada e a associa a este galho, ele transforma esta “matéria prima” em uma
arma que já não é mais nem um galho nem uma pedra, mas uma ferramenta bastante
elaborada que lhe dará maiores chances de sobrevivência.
Há também características biológicas importantes: possuir um polegar opositor, um
tele encéfalo altamente desenvolvido e a capacidade de emitir sons elaborados.
A primeira característica possibilita ao ser humano elaborar movimentos de alta
precisão que apenas nossa espécie possui. Esta possibilidade nos permitiu realizar tarefas
cada vez mais complexas e no decorrer do processo evolutivo a desenvolver diversas
tecnologias.
A segunda foi justamente o que possibilitou projetar esta série de inovações que nos
deu a possibilidades de sobreviver e habitar praticamente todos os biomas do planeta, nós
somos a única espécie que está espalhada por toda a biosfera, uma vez que ao transformar
uma pele em uma vestimenta podemos habitar lugares frios; ao criarmos habitações que se
adaptem ao ambiente utilizando materiais distintos podemos nos deslocar para (quase)
qualquer meio; ao dominarmos a tecnologia da criação do fogo, podemos nos alimentar
melhor e nos aquecer para enfrentar as intempéries.
Figura 3 O símbolo, criado pelo Homem, permite a existência da linguagem
Absolutamente todas as ações humanas são pensadas antes de serem realizadas,
distintamente de outras espécies, nós controlamos nossas ações por meio de nossa cultura.
Um cão não consegue se controlar ao ver um pedaço de carne bastante gorduroso, pois seu
instinto o leva a comer o máximo possível deste alimento, nós vamos pensar antes em
coisas como o tamanho da nossa “barriguinha” ou o quanto de colesterol vamos absorver e
mesmo desejando aquela picanha suculenta, vamos optar por uma saladinha de alface...
Por fim a capacidade de desenvolver sons possibilitou a criação de um código
simbólico extremamente desenvolvido, que também é único de nossa espécie.
Um animal é capaz de expressar sinais sonoros básicos como o de estar com medo,
fome, demonstrar dor, sinais de alerta, etc., mas apenas o ser humano é capaz de emitir sons
que representam coisas materiais e ações que adquirem e expressam diversos significados.
Quando você pede para uma pessoa ir “buscar um copo”, você automaticamente
vislumbra imageticamente em seu cérebro um determinado objeto (o copo) e uma
determinada ação, pois nós conseguimos associar sons distintos em nosso cérebro.
É isso que nos possibilita desenvolver diversas formas de relações sociais que não
são apenas instintivas, mas culturais, e também o que proporcionou o que chamamos de
“evolução”.
Estas capacidades únicas levaram os seres humanos a possuir preocupações que
também são próprias apenas de nossa espécie. Como demonstra a arqueologia, há milhares
de anos as pessoas buscam compreender e explicar os fenômenos naturais que a cercam e,
mais ainda, de imaginar a possibilidade de uma continuação de sua existência após a morte
física.
Qualquer animal possui o instinto de sobrevivência e diante de uma ameaça à sua
vida busca se defender da maneira possível como forma de se preservar. No entanto o ser
humano é o único que possui a percepção, desde a infância, de que ele é finito e de que um
dia deixará de existir. Tal capacidade torna a perspectiva e a percepção de nossa finitude
algo insuportável.
Como ainda mostra a ciência que estuda a pré-história, a primeira forma que o
homem utilizou para “entender” o que ocorria ao seu redor, incluindo aí a possibilidade de
uma existência pós morte, foi o recurso que pode ser chamado de “universo mítico”.
Em outras palavras, todas as coisas que não podiam ser explicadas, tais como as
doenças, os fenômenos naturais (o vento, a chuva, o trovão, etc.), a abundância ou escassez
de alimentos, a capacidade ou não de ter filhos, as relações hierárquicas na sociedade, entre
diversas outras coisas eram atribuídas a seres “metafísicos”, ou seja, deuses, espíritos,
magia, forças imateriais, que não estão ao alcance dos olhos ou da compreensão humana.

Figura 4 Símbolos da Fertilidade na Pré História


Absolutamente, todas as sociedades humanas possuem uma forma de “religião” que
explica a origem e o final de todas as coisas, sendo que os sacerdotes e sacerdotisas (ou
qualquer denominação que possuam) tiveram papeis diferenciados dependendo do contexto
histórico em que se encontravam.
Figura 5 Mito Egípcio e Grego
É apenas por volta do início do século V a.C., na Grécia, que surgirá uma outra
forma de se tentar compreender os fenômenos naturais que não se reporta a seres míticos: a
“filosofia”, palavra que em grego significa amigo (filos) da sabedoria (sophia).
Essa forma de conhecimento paulatinamente buscará entender a natureza e as ações
humanas utilizando-se da lógica. Os filósofos tentarão explicar, ou melhor, responder o
porque das “coisas” dentro de sua própria racionalidade. É a filosofia que deu origem e
forma ao conhecimento contemporâneo, como a matemática, a medicina, a biologia, etc.
Vagarosamente mito e filosofia se afastarão como formas cada vez mais distintas de
se compreender o mundo.
No entanto, desde a queda do Império Romano e da supremacia da Igreja Cristã, a
partir da chamada Idade Média, o ocidente viveu um longo período em que as duas formas
de percepção do mundo (mítico e filosófico) irão se mesclar, uma vez que a igreja coibia
violentamente todo e qualquer pensamento que de alguma maneira questionasse as
determinações impostas pelo clero. Neste período de, aproximadamente, dez séculos
ocorreram pouquíssimos avanços no “conhecimento”.
Figura 6 A Idade Média e a Inquisição
Essa realidade começará a se transformar paulatinamente a partir do século XIV
quando o sistema feudal sofrerá um longo processo de crise caracterizando a transição para
um novo sistema econômico, político e social.
Verdades que durante séculos foram aceitas como absolutas começaram a ser
questionadas. Um exemplo clássico dessa nova realidade se dá com o início das
navegações. Qualquer um que questionasse o fato de a terra ser o centro do universo e ser
“plana”, verdade defendida pela Igreja, seria inevitavelmente condenado à morte.
A partir de Galileu, Copérnico, Kepler, Bacon e do ciclo de navegações que tem
início no século XV essa “verdade” foi vagarosamente impossível de ser mantida.

Figura 7 Galileu Galilei


Nesse sentido, as “verdades” defendidas pelo clero durante séculos sofrem múltiplos
questionamentos e começam, vagarosamente, a ruir. Novamente se processa um
distanciamento entre pensamento mítico, que se baseia na fé, e o uso da razão.
Quando em 1637, um filósofo francês (perseguido pela inquisição), escreve um
livro intitulado “O discurso do método”, uma enorme reviravolta no campo do
conhecimento se avizinha.
Neste Livro René Descartes propunha, talvez pela primeira vez na história, a
possibilidade de se conhecer a verdade em seu todo por meio da experimentação, iniciando
este processo pelo conhecimento da menor parte de algo, (tal como a célula ou o átomo) até
o conjunto do objeto de estudo, tal como o corpo físico ou qualquer outro objeto.

Figura 8 René Descartes


Isaac Newton, ao colocar em prática as proposições de Descartes, demonstra pela
primeira vez um corpo de conhecimento que explica de maneira irrefutável fenômenos
naturais que fazem parte desde a vida cotidiana das pessoas até o funcionamento dos corpos
celestes: as leis da mecânica.
Figura 9 Isaac Newton
Essa ruptura se dá de forma definitiva a partir do século XVIII, conhecido (não
inocentemente), como o século das luzes, proporcionando um novo e importante salto a
partir do século XIX, quando o pensamento científico tomará a forma que se apresenta na
atualidade.
É no século XVIII que a humanidade irá se transformar inexoravelmente graças a
dois fatos históricos. A transição do sistema feudal para o modo de produção capitalista
deu-se através de um longo processo histórico que se iniciou com a crise do século XIV e o
início da formação dos Estados Nacionais Absolutistas.
Esse longo processo que perdurou por mais de 400 anos se consolida
definitivamente na sociedade capitalista contemporânea com o que os historiadores
denominam como a “dupla revolução”, ou seja, as revoluções Francesa e Industrial.
Ambas foram as responsáveis pelo fim dos últimos resquícios que existiam do
antigo sistema e transformaram de forma radical a vida das pessoas em diversos sentidos:
políticos, culturais, econômicos, sociais, científicos e até mesmo religiosos.
Na França do século XVIII havia uma forte contradição entre os interesses da antiga
nobreza feudal, que por meio do poder do aparato estatal mantinha privilégios
incompatíveis com a nova realidade sócio econômica; e a burguesia que necessitava deste
mesmo aparato para expandir seus negócios.
Para se ter uma idéia do peso que os privilégios da nobreza significavam para o
tesouro público, apenas o Palácio de Versailles, morada principal do Rei, possuía um
séquito de serviçais de mais de 14 mil pessoas, sendo que os nobres ocupavam os principais
cargos públicos e possuíam total isenção de impostos, além de direitos a pensões públicas
milionárias.

Figura 10 Louis XVI

Esse peso gigantesco sobre o tesouro público era sustentado pela burguesia e pelas
classes trabalhadoras que viviam em absoluto estado de miséria, sendo que o poder político
era hegemonicamente controlado pelo clero e pela nobreza
Diante desse quadro e após um longo período de maturação, em 1789 as massa
populares dirigidas pela burguesia, explodem uma revolta que visava destruir o poder
político da nobreza e, sob os lemas de igualdade, fraternidade e liberdade destroem à força
os últimos resquícios do poder da antiga nobreza feudal, levando a burguesia ao poder.
A consolidação do poder político nas mãos da burguesia lançou as premissas do
pensamento político contemporâneo, que permanece até a atualidade, tais como: a
igualdade de direitos perante a lei, a divisão dos poderes políticos, a cidadania, a
democracia, o voto universal, entre outros.
Se a revolução francesa consolidou o poder político da burguesia, a revolução
industrial forneceu as bases econômicas e tecnológicas para o advento do sistema
capitalista contemporâneo.
Muito mais do que introduzir a máquina a vapor na produção, ela transformou
radical e definitivamente a maneira dos seres humanos viverem, trabalharem e produzirem,
trazendo consequências positivas e negativas, alterando as concepções de mundo que
predominavam até então.
Sob o aspecto da produção, a revolução Industrial criou uma nova unidade
produtiva, a fábrica, que destruiu o artesão independente, (por exemplo um marceneiro,
uma costureira, um sapateiro) e criou uma nova classe social: o proletariado, ou seja, se até
então tudo o que era utilizado no dia a dia – vestimentas, alimentos, ferramentas e objetos –
era produzido por um indivíduo que sabia como transformar a matéria da sua forma mais
rudimentar até o produto final, a partir do trabalho fabril este processo será dividido em
diversas etapas, das quais um trabalhador participará apenas de uma pequena parte
necessária à confecção de um produto. A esta forma de organização da produção,
convencionou-se chamar de ‘divisão do trabalho.

Figura 11 Divisão do Trabalho e as fábricas

Mas a revolução industrial também operou profundas transformações na vida dos


indivíduos. Do fim do século XVIII até meados do século XIX, ápice da revolução
industrial na Inglaterra, e início do século XX no Brasil, a maioria esmagadora da
população que vivia fundamentalmente na área rural, rapidamente se transfere do campo
para as cidades em busca de trabalho e melhores condições de vida.
No entanto, o que se verifica é uma rápida pauperização de enorme quantidade de
pessoas, que irão passar a habitar cortiços e favelas; trabalharão até 16 horas por dia,
incluindo crianças de 5 a 6 anos; ganharão salários miseráveis sem direitos trabalhistas; e
viverão sem condições sanitárias básicas.
A formação de grandes centros urbanos traz em seu bojo diversos problemas que
são vivenciados até hoje, uma vez que as cidades não possuem os equipamentos urbanos
necessários para acomodar o rápido crescimento populacional.
Por outro lado, a revolução industrial proporciona um desenvolvimento tecnológico
nunca visto antes na história da humanidade.
Se fosse possível elencar todas as invenções humanas desde a roda até as atuais,
seria constatado que nada menos do que 70% delas ocorreram após a primeira guerra
mundial. Um exemplo que pode deixar isso claro é constatar que a primeira máquina
voadora- mais pesada que o ar - a ter sucesso voou pela primeira vez em 1910 e em pouco
mais de 50 anos o homem alcançou a lua.
Quantos séculos a caravela levou para se transformar no navio a vapor? É nesse
período que se originam diversas e múltiplas áreas de conhecimento que hoje existem, tais
como a biologia, a física, a química entre outras.

Figura 12 Em 50 anos o Homem passa de pássaro à estrela

As revoluções francesa e industrial, e a consolidação do sistema capitalista


inauguram o Cientificismo. Muitos passam a crer que todos os fenômenos podem ser
explicados pelo saber científico.
Os saberes irão passar por um amplo processo de "especialização", dando origem a
diversas "ciências", que buscarão explicar os fenômenos da natureza por meio de uma
metodologia científica cartesiana: observação, experimentação, comprovação, criando
verdades (leis) que serão capazes de explicar estes fenômenos e assim controlá-los.
Por esta mesma lógica surgem ciências que visam compreender e explicar os
fenômenos sociais e a própria sociedade, também no intuito de colocar ordem na situação
de caos social e levar ao progresso. Surge a sociologia.

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