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Nosso Refinado

Lar Celestial
Élder Douglas L. Callister
Dos Setenta

S
e pudéssemos abrir o véu e observar Linguagem
nosso lar celestial, ficaríamos impres- Deus fala todas as línguas de modo ade-
sionados com o refinamento da mente quado. Ele usa uma linguagem recatada e
e do coração daqueles que alegremente comedida. Quando Deus descreveu o grande
vivem ali. Imagino que nossos pais celes- processo da criação desta Terra, Ele disse de Um dos propósitos
tiais sejam extraordinariamente refinados. modo comedido que ela “era boa”  (Gêne- de nossa provação
Neste evangelho de grandes exemplos, um sis 1:4 ). Ficaríamos desapontados se Deus terrena é tornar-
dos propósitos de nossa provação terrena tivesse usado expressões exageradas como nos semelhantes a
é tornar-nos semelhantes a eles de todas as “super maneiro” ou coisas semelhantes. nossos pais celes-
maneiras concebíveis para que nos sintamos O inglês Ben Jonson disse: “A linguagem é tiais de todas as
maneiras concebí-
Fotografia: Robert Casey; embaixo: borda por Shambala Publications; à direita: borda por Nova Development

à vontade na presença de nossos pais celes- o que mais expõe o homem. Fala, para que eu
tiais e, usando a linguagem de Enos, vejamos possa te ver”. 2 Nossa linguagem revela nossos veis, para que nos
a face deles “com prazer” (Enos 1:27). pensamentos, virtudes, inseguranças, dúvidas sintamos à vontade
O Presidente Brigham Young (1801– e até mesmo o lar em que fomos criados. na presença deles.
1877) disse: “Estamos procurando ser Vamos sentir-nos mais à vontade na presença
semelhantes àqueles que vivem no céu. do Pai Celestial se tivermos desenvolvido bons
Estamos tentando moldar nossa vida hábitos em nosso modo de falar.
segundo a deles, para que pareçamos com Suponho que a linguagem do céu, ade-
eles, andemos como eles e conversemos quadamente proferida, seja parecida com
como eles”. 1 Eu gostaria de espiar atrás do uma forma de música. Será que C. S. Lewis
véu que temporariamente nos separa de tinha isso em mente quando escreveu: “Não
nosso lar celestial e descrever o ambiente é interessante ver que algumas combinações
virtuoso, belo e refinado que lá existe.Vou de palavras consigam evocar, quase à parte
falar da linguagem, literatura, música e arte de seu significado, uma emoção semelhante
do céu, bem como da aparência imaculada a música?” 3 No nascimento de Jesus, os
dos seres celestiais, porque acredito que no anjos apareceram e disseram, e não canta-
céu encontraremos cada uma dessas coisas ram, “Glória a Deus nas alturas, Paz na terra,
em sua pura e perfeita forma. boa vontade para com os homens”   (Lucas
Quanto mais próximos estivermos de 2:14). Hoje tentamos expressar por meio da
Deus, mais facilmente nosso espírito será música a beleza dessas palavras original-
tocado por coisas refinadas e belas. mente ditas pelos anjos.

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Em sua biografia de Ralph Waldo Emerson, Van Wyck em nosso lar celestial, mas imagino que sem dúvida haverá
Brooks conta que Emerson foi convidado a falar na come- um piano de cauda e uma magnífica biblioteca. Havia uma
moração do 300º aniversário de nascimento do grande excelente biblioteca na casa do Presidente Gordon B. Hin-
poeta Shakespeare. Depois da devida apresentação, Emer- ckley (1910–2008) quando ele era jovem. Não era uma casa
son foi até o púlpito e voltou a sentar-se. Ele tinha esque- suntuosa, mas a biblioteca continha mais de mil livros da
cido suas anotações. Preferia nada dizer a proferir palavras rica literatura do mundo, e o Presidente Hinckley passou sua
mal-elaboradas. Para alguns, aquele foi um dos momentos juventude imerso nesses livros. Para ser instruído, porém, não
mais eloquentes de Emerson. 4 é necessário possuir dispendiosas coleções literárias, porque
O refinamento ao falar é mais do que elas estão ao alcance tanto de ricos como de pobres
eloquência requintada. É resultado da nas bibliotecas públicas do mundo.
pureza de pensamento e sinceridade O Presidente David O. McKay (1873–
de expressão. Às vezes, na oração de 1970) costumava acordar todos os dias
uma criança, ouvimos a lingua- às 4h da manhã, ler rapidamente até
gem do céu refletida mais facil- dois livros e depois começar o traba-
mente do que em um monólogo lho às 6h da manhã. Ele sabia citar
de Shakespeare. mil poemas de cor. Ele chamava os
O refinamento ao falar não se grandes mestres da literatura de
reflete apenas em nossa escolha “profetas menores”. Era um exem-
de palavras, mas também nas plo vivo desta advertência encon-
coisas sobre as quais falamos. Há trada nas escrituras: “Nos melhores
pessoas que sempre falam de si livros buscai palavras de sabedoria”
mesmas. São pessoas inseguras ou   (D&C 88:118).
orgulhosas. Há os que sempre falam dos Minha mulher e eu passamos recente-
outros. Geralmente são entediantes. Há os que mente quatro anos cumprindo encargos da Igreja
falam de ideias arrebatadoras, livros cativantes e doutrina na Europa Oriental. Viajamos muito no metrô de Moscou.
inspiradora. Esses são os poucos que deixam sua marca Notamos que os passageiros russos estavam sempre de
neste mundo. Os assuntos discutidos no céu não são cabeça baixa, porque liam Tolstói, Chekhov, Dostoiévski
insignificantes ou mundanos. São mais sublimes do que ou Pushkin e, às vezes, Mark Twain. As pessoas eram
a nossa mais fértil imaginação poderia imaginar.Vamos pobres, mas não eram obcecadas com sua pobreza. Possu-
sentir-nos em casa ali, se nesta Terra tivermos ensaiado íam a rica tradição da literatura, arte e música russas.
conversas sobre coisas refinadas e nobres, expressando- O Presidente McKay comentou: “Os livros são como
nos com palavras muito bem ponderadas. nossos companheiros. Podemos escolher aqueles que nos
tornam melhores, mais inteligentes, mais apreciadores das
Literatura coisas boas e belas do mundo, ou podemos escolher os
A noite de sexta-feira é uma busca frenética para saber ordinários, vulgares e obscenos, que nos farão sentir como
onde estará o entretenimento e a ação? Será que nossa se estivéssemos ‘chafurdando na lama’”. 5
sociedade atual conseguiria produzir um Isaac Newton Evidentemente, as escrituras são o suprassumo da boa
ou um Wolfgang Amadeus Mozart? Será que os 85 canais literatura, porque não estão fundamentadas nas opiniões
de televisão e os inúmeros DVDs vão conseguir satisfa- dos homens.
zer nosso insaciável apetite por entretenimento? Existem
Fotografia © Getty Images

pessoas que insensatamente se viciam em jogos de com- Música


putador ou em navegar na Internet, perdendo assim as Se pudéssemos espiar atrás do véu celestial, provavel-
experiências pessoais mais significativas de ler bons livros, mente seríamos inspirados pela música do céu, que deve
conversar e desfrutar a boa música. ser mais gloriosa do que qualquer música que tenhamos
Não sei se haverá uma televisão ou um aparelho de DVD ouvido nesta Terra.

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Quando uma música passou pelo teste sacros; e não existiria o céu sem música uanto mais
do tempo, sendo valorizada pelos nobres e de insuperável beleza. O Presidente Young próximos esti-
refinados, o fato de deixarmos de apreciá-la disse: “Não há música no inferno, porque vermos de Deus,
não condena a boa música. A falha é nossa. toda boa música pertence ao céu”. 10 Se o mais facilmente nosso
Se um jovem cresce comendo só hambúr- único castigo do inferno fosse não ouvir uma espírito será tocado por
gueres e batatas fritas, é bem provável que nota sequer de música por toda a eternidade, coisas refinadas e belas.
não se torne um gourmet. Mas a culpa não já seria castigo bastante.
é da comida refinada. Ele apenas cresceu
consumindo algo inferior. Alguns cresceram Arte, Aparência e Atitude
ouvindo só música do tipo descartável. O que eu disse sobre levar a boa lin-
Este seria um bom momento para vascu- guagem, literatura e música para nosso lar
lhar sua biblioteca musical e escolher músi- pode ser dito com igual veracidade sobre a
cas que elevam e inspiram. Isso faz parte do boa arte, que provavelmente estará exposta
processo de amadurecimento de sua jornada com muito bom gosto em nosso lar celestial.
eterna. Também seria um bom momento Também o mesmo pode ser dito de nossa
para aprender a tocar um instrumento musi- aparência física e atitude, da ordem em nosso
cal ou melhorar os talentos musicais que já lar, do nosso modo de fazer as orações e de
possuem. nossa maneira de ler a palavra de Deus.
O Élder Neal A. Maxwell (1926–2004), do Certa vez, conversei brevemente com a
Quórum dos Doze Apóstolos, disse: “Vive- grande atriz Audrey Hepburn, quando ela
mos num mundo por demais inclinado às estava filmando My Fair Lady. Ela falou da
coisas insípidas e precisamos prover uma cena inicial do filme, em que ela represen-
oportunidade de cultivar o gosto pela melhor tava uma florista pobre e inculta. Seu rosto
música. Da mesma maneira, estamos num estava sujo de carvão para fazer com que
mundo que está por demais sintonizado nas combinasse com o ambiente que a rodeava.
coisas do momento. Precisamos permitir que “Porém”, disse ela, com um brilho no olhar,
as pessoas se sintonizem na melhor música “eu estava usando perfume. Por dentro,
de todas as épocas”. 6 ainda sabia que era uma dama.” Não é pre-
Reconhecendo a pungente influência da ciso um perfume caro para que alguém seja
boa música, Oscar Wilde fez um de seus uma dama, mas é preciso limpeza, recato,
personagens dizer: “Depois de tocar Chopin, autorrespeito e orgulho por sua aparência.
sinto como se tivesse chorado pelos pecados Há muitos anos, um conhecido meu deci-
que jamais cometi e lamentado por tragédias diu que ia agradar à esposa com um elogio
que não vivi”. 7 Depois da primeira apresenta- específico toda vez que voltasse para casa, à
ção de O Messias, Handel disse, respondendo noite. Certa noite, ele elogiou sua comida. Na
a um elogio: “Meu senhor, sinto muito se segunda noite, ele agradeceu pela perfeição
apenas os entretive. Meu desejo era torná- com que ela cuidava da casa. Na terceira
los pessoas melhores”. 8 Haydn “vestia sua noite, ele reconheceu a boa influência que
melhor roupa para compor porque dizia que ela exercia nos filhos. Na quarta noite, antes
ia apresentar-se perante seu Criador”. 9 que ele pudesse falar, ela disse: “Sei o que
Alguns acontecimentos da vida são tão você está fazendo. Agradeço por isso. Mas
sublimes que não podemos imaginá-los não diga nenhuma dessas coisas. Só me diga
sem a companhia de uma bela música. Não que você me acha bonita”.
poderíamos pensar no Natal sem canções Ela expressou uma importante neces-
natalinas ou uma conferência geral sem hinos sidade que tinha. As mulheres devem ser

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ue possamos elogiadas pelos dons que possuem, inclusive prazer em ouvir piadas ordinárias”. 12
tornar-nos dig- sua atenção para com sua aparência pessoal, Seu Pai Celestial os enviou para longe de
nos de desfru- que de modo tão altruísta contribui para Sua presença para que tivessem experiências
tar o refinado convívio embelezar a vida de outras pessoas. Não que não teriam em seu lar celestial, tudo isso
com nossos pais celes- podemos permitir que nossa aparência se em preparação para conceder-lhes um reino.
tiais, porque somos da torne tão relaxada que nos distanciemos da Ele não quer que vocês percam a visão de
raça dos Deuses, sendo beleza que o céu nos concedeu. quem vocês são. Vocês são filhos de um Ser
“filhos do Altíssimo”. Alguns dizem, levianamente: “Minha apa- exaltado. Foram pré-ordenados para presi-
rência não tem nada a ver com o que Deus dir como reis e rainhas. Vão viver num lar e
sente a meu respeito”. Mas é possível que ambiente de infinito refinamento e beleza,
tanto os pais terrenos como os pais celes- que expressará a linguagem, literatura,
tiais fiquem silenciosamente desapontados, música, arte e ordem do céu.
sem que isso diminua o amor que sentem Encerro com as palavras do Presidente
pelos filhos. Young: “Vamos mostrar ao mundo que temos
O Presidente Joseph F. Smith (1838–1918), talento e bom gosto, e provar ao céu que
sexto Presidente da Igreja, possuía poucas nossa mente está voltada para as coisas belas e
coisas, mas cuidava muito bem delas. Era a verdadeira excelência, de modo que possa-
muito cuidadoso com sua aparência. Ele mos tornar-nos dignos de desfrutar o convívio
passava suas notas de dólares para desamar- dos anjos”. 13
rotá-las. Não permitia que ninguém além Mais ainda, que possamos tornar-nos
dele arrumasse sua mala, à noite. Sabia onde dignos de desfrutar o refinado convívio com
estava cada objeto da casa, cada parafuso ou nossos pais celestiais, porque somos da raça
rosca, e todos tinham seu próprio lugar. dos Deuses, sendo “filhos do Altíssimo”
O mesmo poderia ser dito do ambiente (Salmos 82:6). ◼
em que você mora? Sua casa é uma casa Extraído de um discurso devocional proferido na
de ordem? Será que você precisa varrê-la, Universidade Brigham Young em 19 de setembro de
2006. Para o texto completo em inglês, entre no site
limpá-la e arrumá-la antes de convidar o http://speeches.byu.edu.
Espírito do Senhor para sua casa? O Pre-
Notas
sidente Lorenzo Snow (1814–1901) disse: 1. Brigham Young, “Remarks”, Deseret News, 5 de março
“O Senhor não quer que os santos vivam de 1862, p. 1.
2. Algernon Swinburne, A Study of Ben Jonson , org.
sempre nas covas e cavernas deste mundo, Sir Edmund Gosse e outros, 1926, p. 120.
mas que construam belas casas. Quando o 3. C. S. Lewis, They Stand Together: The Letters of C. S.
Lewis to Arthur Greeves, 1914–1963, 1979, p. 96.
Senhor vier, Ele não espera encontrar um 4. Ver Wendell J. Ashton, In Your Own Image, 1959,
povo sujo, mas, sim, um povo refinado”. 11 p. 113.
5. David O. McKay, Pathways to Happiness , comp.
David Starr Jordan, ex-reitor da Uni- Llewelyn R. McKay, 1957, p. 15.
versidade Stanford, escreveu: “Ser vulgar 6. Neal A. Maxwell, LaMar Barrus, “The Joy of Music”,
New Perspectives, abril de 1997, p. 10.
é não fazer o melhor que pode haver. É 7. The Works of Oscar Wilde, 1909, p. 112.
fazer coisas medíocres de modo medíocre 8. “A Tribute to Handel”, Improvement Era, maio de 1929,
p. 574.
e ficar satisfeito com isso. (…) É vulgar 9. Hal Williams, “Dr. Reid Nibley on Acquiring a Taste
usar roupas sujas quando não estamos for Classical Music”, BYU Today, abril de 1980, p. 14.
10. Discourses of Brigham Young, sel. John A. Widtsoe,
realizando trabalho sujo. É vulgar gostar 1954, p. 242.
de música ruim, ler livros de má quali- 11. Lorenzo Snow, Wilford Woodruff: History of His Life
and Labors , org. Matthias F. Cowley, 1964, p. 468.
dade, gostar de notícias sensacionalistas, 12. David Starr Jordan, “The Strength of Being Clean”,
(…) divertir-se com romances baratos, Inspirational Classics for Latter-day Saints, comp.
Jack M. Lyon, 2000, p. 191.
gostar de peças de teatro vulgares ou ter 13. Discourses of Brigham Young, p. 424.

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